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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->Glauber (ou Ver é muito perigoso) -- 19/05/2004 - 04:06 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Glauber Rocha morreu em agosto de 1981. Dezoito anos depois a mãe libera as imagens do filho morto e o velório pode se perpetuar em "Glauber, o filme – labirinto do Brasil", de Sílvio Tendler (2002).

Em 1976, Glauber também filmara um velório. "Ninguém assistirá ao enterro da minha última quimera", ou "Di", curta-metragem laureado em Cannes com o prêmio especial do júri, teve sua veiculação vetada pela família do pintor Di Cavalcanti. Agora, por iniciativa de João Rocha, filho do cineasta, o curta chega à internet (www.dicavalcantidiglauber.us).

Glauber dizia fazer filmes de mise-en-scène. Influência visível de Brecht, seu cinema audiovisual conquistou a crítica e o público europeus com cenas distanciadamente teatralizadas.

E um velório é, no caso, um ready-made. "O morto está morto", diz o poema de Gullar, dito no filme de Tendler pelo próprio poeta. O morto não carece mesmo de direção. E os figurantes nunca fazem por menos. Em velórios, o teatro está solto.

Em evento recente, na Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, campus de Araraquara, constatei que pouquíssimos haviam visto filmes de Glauber. "Para que ninguém esqueça a falta que ele nos faz", diz o cartaz do documentário de Tendler à entrada do Espaço Cultural Paratodos, que abriga quinzenalmente a Sessão Zoom, com a exibição de filmes de arte, uma relíquia de tempos muito outros.

No debate que se seguiu à exibição no campus, da nostalgia e do pessimismo passamos à realidade presente, para a qual tanto Glauber como Tendler nos remetem. Depois, alguém me perguntava como terá reagido a esquerda universitária ao saber que o morto está muito vivo, a suscitar reflexões na abertura de um seminário.

O diabo é que a universidade, por obra de Deus, é toda de esquerda. O mero ingresso já a todos nos transforma em esquerdistas, defensores da democracia e da liberdade de expressão, herdeiros das lutas estudantis, heróis revolucionários. Só não nos salva da canastrice e do amadorismo em quase tudo o que fazemos. Nela, realismo socialista e realismo mágico se misturam sob direção de cena confusa. E a esquerda anda demasiado ocupada com o exercício do poder, para ainda gastar tempo – a grana anda curta – com inquietações e anseios dos que chegam ou ainda estão por vir.

E um aluno quis saber o que falta para que a universidade volte a produzir o clima de expectativa e esperança, a efervescência cultural que permitiu um Glauber, um Zé Celso, um Darcy.

E um Golbery, sussurraria um glauberiano provocador.

Respondi que será preciso acabar com alguns consensos acobertadores e, portanto, nocivos. Como esse, de que a universidade pública brasileira é todinha de esquerda.

Em agosto de 1980, um ano antes de morrer, Glauber deixou seu acervo de filmes, roteiros e livros, juntamente com carta-testamento à Cinemateca Brasileira, contendo orientação minuciosa sobre onde e como localizar suas películas, como agrupá-las para mostras no país ou no exterior, entre outras providências. Enfim, tentou garantir sobrevida ao seu legado. Que ele a tenha projetado para acontecer em solo pátrio, eis um gesto a ser interpretado como de fé e esperança num país que já não suportava mais vê-lo vivo e atuante.

"Deus e o Diabo na Terra do Sol", agora em DVD, é obra de um brasileiro de 23 anos de idade, que soube absorver e elaborar acertos e contradições do seu tempo. Por influência de Walter Lima Jr., Antonio das Mortes, que Glauber queria um profeta, anunciador de uma revolução futura, transformou-se ao longo das filmagens em personagem contraditório, matador de cangaceiros a soldo da Igreja e da Política.

Talvez o próprio cineasta tenha se libertado, assim, de estereótipos tão ao gosto dos que mais tarde haveriam de traí-lo: "Não me peçam coerência, eu sou um artista".

No caixão, sobre o corpo do morto, alguém depositou uma foto de Guevara. Em entrevista recente, por ocasião do lançamento de "Diários de Motocicleta", Walter Salles se desincumbia de ter de carregar o estigma, dizendo que a imagem do Che já está imorredouramente colada à figura de Glauber.

Waldemar Lima, diretor de fotografia, garante que só agora o filme está como Glauber queria, pronto para produzir, no espectador, o efeito das xilogravuras no leitor do cordel.

Aos alunos, uma platéia com dificuldades mais do que compreensíveis para ainda sentir esperança ou entusiasmo, eu diria que ver, como viver, é muito perigoso. Mas que tentem ver os filmes de Glauber Rocha. Certamente vai ficar muito mais difícil repetir o clichê de que este é um país que não deu certo.


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[Texto que fiz publicar na coluna Oxouzine desta quarta-feira, 19/05/2004, no jornal Tribuna Impressa de Araraquara.]
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