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Artigos-->Jorgeneroso, um ser humano muito especial -- 31/07/2017 - 01:25 (BRASIL EUGENIO DA ROCHA BRITO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Quando será que o Jorge apareceu pela primeira vez na minha vida? Certo que eu não teria condições nem de aproximadamente responder. Meu pai, José, o Zeca para a família Rocha Brito , era o quarto dos seis filhos nascidos a partir do primeiro casamento de meu avô Joaquim Eugênio, português da região do Minho que fugiu para o Brasil quando tido em Portugal como insurgente por sua participação em revolta contra a monarquia da terra. O “Rocha Brito”, este meu avô, foi pessoa muito marcante para mim, por muitos atributos que possuía, capazes de nos tornar fascinados por sua singular cultura e paixão pelo saber, de nos deixar temerosos pelos seus modos que apresentavam temperamento áspero, infundindo respeito ou mesmo muito temor. Ele havia se tornado viúvo na década de 10 do século passado, quando minha avó Pierina veio a falecer. Cerca de um ano após ele voltou a se casar, desta vez com uma conterrânea portuguesa, um modelo de pessoa pacata, suave, submissa, prestativa que foi Da.Maria, a madrasta de meu pai. A partir da década de 20, do mesmo sec.20 , meu avô foi residir na Fazenda S.José em Caçapava onde nasceu a maioria dos dez filhos do casal, duas equipes completas de criaturas nominadas com a sequência de iniciais maiúsculas C J J E e uma semi-sequência C J que completa 10 pessoas. Ao contrário do que ocorrera antes, quando quase invariavelmente cada filho nascera em uma cidade, de várias diferentes(Jaboticabal, Campinas, Porto Ferreira, Espírito Santo do Pinhal, etc.),em razão das mudanças que meu avô cometia, como se fosse um cigano, a vinda para Caçapava alterou de vez tal prática e aí ele fincou raízes até seu falecimento ao início de 1947.

Eu nasci em junho de 1930 ,filho único do casal José Rocha Brito(Zeca)e Maria d`Aparecida O.Godoy de Brito(Tota),na cidade paulista de Jaboticabal, de onde saímos quando eu tinha 03 meses de idade para irmos por aproximadamente 02 anos residir na também paulista cidade de Limeira. Daí, no segundo semestre de 1932 fomos de mudança para a então capital federal, Rio de Janeiro. Nessa bela e ao tempo tranquila cidade residimos até início do ano de 1936. Deixarei de lado esse transcurso da Odisseia vivida por nós do trio Zeca/Tota/Brasil de nossa saída do Rio em diante, para atender isso que pretendo, de situar como convivi com meu amigo e parente Jorge. Creio que antes de nossa mudança de Limeira para o Rio, fomos passar uma semana na Fazenda S.José e aí foi praticamente o início de meu contato com todos, desde meu avô e Da.Maria, até os meus tios e tias Cacilda, Jacy, Jureminha, Eugênio(Geninho), Clotilde(Colô), Jairo, Jorge e Ely(Ia). Em 1932 não haviam ainda surgido Carmem e Judith, mesmo Ely estava com apenas um ano de idade. Judith, como a caçula que é entre todos os filhos de meu avô, em nascendo logo veio a se tornar alvo de muita atenção de seu idoso pai, bem como de parte de todos dessa ampla família dos Rocha Brito. Desse tempo pouquíssimas coisas me lembro, apenas “flashes”, pois eu mal completara 02 anos. Entretanto, com nossa mudança para o Rio efetivada, tínhamos automóvel e meu pai, umas duas a três vezes por ano trazia minha mãe e eu para juntos passarmos alguns dias na Fazenda. Dessas idas temos até fotos, já inclusive mostrando a pequenina Carmem. Eu era um ano mais novo que Jorge e quase quatro a menos que Jairo e superava a Ely em apenas um ano Bem, essa introdução propositalmente a fiz longa para melhor fornecer o contexto de todo o desenrolar do convívio meu com o Jorge e tais outros tios e tias, os quais, em sua maioria em nada me pareciam as figuras dos outros tios que eu possuía, tios Gildo, Jurema, Rodrigo, Zélia, Aninhas, Pedro, Ruth, Sarinha, Iracema, Lucila, Nícia, por razões mais que óbvias.. Com o tempo, na Fazenda meus companheiros de brincadeiras eram o Jorge ,o Jairo e às vezes a Ely. Temos até fotos de nós todos cavalgando “cavalinhos de pau”(cabeça com um cabo de vassoura terminando em rodinha).O tempo foi passando, em 1937,parcialmente) e em 1938(por 09 meses seguidos)vim residir em Caçapava, já pegando o tempo em que meu avô se mudara da Fazenda para a cidade. Sem dúvida foi mais a partir de 1937/1938 que eu mais convivi com a turma dos meus tios, que mais eu estive com meu avô. O tempo ia passando e nossas personalidades iam se tornando mais definidas

Desde há muito, recuperando na minha mente lembranças de quando menino, quando adolescente, ou daí em diante, fico com a certeza de que eu e Jorge, embora unidos por uma camaradagem, mesmo podendo ser etiquetada como uma muito fraternal amizade, por outro lado nos diferíamos tanto que mesmo em alguns campos apresentávamos facetas tais que éramos como dois polos magnéticos opostos. Jorge era muito guiado pelos instintos ,valorizava seu físico, a vida descompromissada daquela liberdade que gozava na fazenda(e que impregnou seu modo de ver/abordar a vida desde muito cedo). Por outro lado eu, convivendo muito com meus pais e outros adultos que eram meus tios e tias, mesmo minha avó materna Isaura, cedo me inclinei para o interesse nos estudos, aprendi a ler com menos de 04 anos(!!), lia algumas coisas de jornais, revistas como Careta, Carioca, O Malho, desde os 3 anos assistia filmes principalmente no Cine Rex no Rio, com minha mãe. Logo elegi como ídolos Fred Astaire, Ginger Rogers, Dick Powell e me deslumbrava com os filmes de Hollywood que apresentavam espetáculos visuais tão impressionantes(Claro que apenas já adulto vim a saber que aquelas coisas que me impactaram e ficaram para sempre na minha memória eram criações do mago Busby Berkeley, que reencontrei nos anos 40/50 fazendo outras maravilhas nos filmes da ”sereia” Esther Williams).Também a música da época me conquistou: Carmem Miranda, Almirante, Aracy de Almeida, Francisco Alves, Orlando Silva e pela música mexicana Pedro Vargas, Dr.Ortiz Tirado, Adelina García. Somente quando já estava com 8 anos é que despertei para o interesse no jazz, nas big-bands, nas canções dos grandes compositores norte-americanos. Antes, com cerca de 7 anos, comecei a devorar os livros de Júlio Verne e de Monteiro Lobato, que abriram novos mundos para mim. Assim, eu era um garoto que muito exercitava o cérebro, bem como tipos diversos de emoções/sentimentos e nada ou quase isso aplicava a meu físico. Quando estávamos juntos eu e Jorge, confesso que naqueles tempos de meus 6 a talvez 12/13 anos, eu invejava o jeito do Jorge assim tão senhor de si, alguém tipo John Wayne, o rude “cow-boy” por excelência. Jorge tinha aptidões físicas ótimas. Era forte, expansivo, às vezes irreverente acima do oportuno, avesso a regras e disciplina. E isso, de certo modo, encantava aquele garoto disciplinado, que muito gostaria de ser mais atlético sem deixar de ser a pessoa amante de estudos, música, filmes de que eu não abriria mão... Tal modo de eu e ele tanto diferirmos no modo de enxergar o mundo, sobre perspectivas bastante afastadas terá sido, talvez, um dos motivos de em 1942,quando ele passou as férias escolares conosco em minha casa na capital paulista e por 20 dias num hotel em Santos, termos tido tantos desencontros, brigas(nada preocupantes, bem semelhantes aquelas que costumeiramente ocorrem entre irmãos na infância e juventude) Sem dúvida, pelo lado positivo, esta terá sido a última vez que eu e ele nos atritamos. De fato, ele voltando para Caçapava e eu continuando minha vida em S.Paulo, após isso nos reencontramos várias vezes, certas ocasiões por dias seguidos e desses dias apenas posso lembrar momentos de testemunho de uma grande amizade, um sentimento recíproco de reconhecimento dos bons atributos que cada um enxergava existir no outro. Muitos desses momentos, muitas das ocorrências, das coisas que conversamos as tenho bem claras na minha memória.

Conforme é mais do que normal acontecer, a vida decorreu de modo bem diferente para mim e para o Jorge. Enquanto eu tive uma vida mais tranquila, mais pacata, sem maiores turbulências, por principalmente 2 motivos: o fato de eu ter uma esplêndida retaguarda no sentido de condições de respaldo emocional, moral, financeiro, etc. por meus pais a mim proporcionados, aliado a eu ter me definido como alguém assim pacato, cumpridor dos deveres, de outro lado, com Jorge o quadro era outro. Primeiramente ele não podia dispor, a não ser no aspecto de retaguarda do carinho familiar, algo além, mais ainda no que diz respeito a retaguarda financeira. E, em segundo lugar, ele se habituara a uma vida descompromissada, a pensar em como saltar um obstáculo já ao momento em que com ele se deparava. Já adultos, certa vez Jorge puxou este assunto, o abordando com extrema sinceridade, lamentando que lá pelos seus 12/13 anos não tenha aceitado o convite de seu irmão Zeca, meu pai, que ofereceu para ele vir morar e estudar em S.Paulo, frequentar, se fosse o caso, o mesmo colégio que eu e levar assim uma vida de quase um irmão meu. Na época ele se sentiu ameaçado. Confessou então adulto, que na sua infância teve o receio de ,se isso viesse a aceitar, se tornar um outro Brasil, que a seu ver vivia uma vida insossa, bem diferente daquela que ele gostava de gozar. Mais, porém, do que esse lamento pouco importante, Jorge desde que teve que tomar uma posição bem definida e fazer o que os educadores chamam de traçar” estratégias de vida”, fez isso de modo exemplar, digno de muitos merecidos elogios. Certamente Deus guiou seus passos e assim ele deu uma guinada em sua vida. Mal ele havia completado 18 anos quando recentemente perdera seu pai, meu avô Joaquim Eugênio, também se tornara precocemente pai de Vera. Ele rapidamente assumiu sua condição de marido, pai de família e de peito aberto partiu para batalhar por se afirmar na vida e sustentar família.

Imbuído de um espírito guerreiro que já se prenunciava na sua meninice, mas que realmente se afirmou a partir de quando se resolveu por enfrentar as batalhas que teria a partir de suas novas condições frente à vida, ele tomou 2 caminhos quase concomitantemente .O primeiro foi de fazer um curso para enfermeiro do Exército brasileiro, pelo que teve que se deslocar para o Rio de Janeiro e, se não me falha a memória, ali no subúrbio carioca da Central, Deodoro(onde no final dos anos 60 ficaram detidos os compositores Caetano e Gil)ele ,com auxílios do irmão Rodrigo(que morava no Rio),veio a fazer tal curso de sargento-enfermeiro, no qual se formou. Logo também se resolvera fazer um curso por correspondência da empresa internacional National, para radio-técnicos que aí em 1949/1950 já contemplava a obtenção de conhecimentos referentes à nova mídia, a TV, que ainda em 1950 se iniciaria em S.Paulo e Rio, centros pioneiros da Televisão criados pela iniciativa do visionário e controverso Assis Chateaubriand, dono e Presidente das organizações de rádio Tupi-que cobriam grande parte do território brasileiro. Os caminhos tomados por Jorge foram altamente oportunos. Ele foi com a família residir em Resende, RJ, cidade naqueles anos muito centrada na existência de importantes contingentes do Exército, com Escolas de Oficiais de Agulhas Negras, destacamento militar valorizado. Jorge se valeu das competências e empenhos por ele colocados, para se afirmar primeiramente como um correto e confiável militar e também como um categorizado técnico que dominava a nova e admiradíssima fonte de informação e entretenimento que passou rapidamente a ser a TV. Obvio que os oficiais, bem cedo passaram a ter no Jorge o seu técnico de confiança, um profissional que teve que quase se desdobrar em várias pessoas para poder atender tantas solicitações. Não muito tempo depois ele conseguiu inclusive montar casa comercial(pelo que sei duas, na cidade)e poder assim ter uma situação social e econômica mais sólida. Numa noite, creio ter sido em 1976(com possível erro de 1 ano para mais ou para menos)ele veio a Santos e esteve comigo, Rita e meus filhos até tarde. Ele estava hospedado em hotel no bairro do José Menino. Viera a Santos, segundo disse, para localizar e cobrar um ex-cadete desta cidade que fizera o curso em Resende, comprara algo dele e “dera o cano”. Rita pouco o conhecia e muito menos meus 3 filhos, que na época teriam o mais velho,Cláudio,18 anos, Cristina 14 e Roberto (caçula),12. Todos se encantaram com o jeito desabrido, franco, alegre dele contar coisas como uma viagem pela Dutra em que ele teve o para brisa do carro arrebentado por uma pedra que foi impulsionada por pneu de um carro que ultrapassara o dele. As peripécias por ele contadas alegraram os garotos e desde então fixaram neles a imagem daquele parente tão “gente boa”.

Jorge, como já disse principalmente a partir de 1947/1948 quando teve que reprogramar sua vida, se mostrou um guerreiro admirável. Ao final do século passado ,quando foi acometido do mal que o deixou em cadeira de rodas, sempre continuou esbanjando determinação, nada de auto piedade e sim enorme alegria de viver, mesmo com as limitações físicas que pareciam não prejudicá-lo do modo que se esperaria. Músico amador, ele me espantava quando contava de suas andanças, seguindo de carro adaptado às suas condições com reboque, levando instrumentos e dispositivos para tocar com amigos até no interior de Minas Gerais! Em fevereiro de 2000, com o evento de meu pai completar 100 anos de vida, lá veio ele com um amigo exímio violonista e se apresentou cantando e tocando música e letra por ele compostas para saudar seu irmão Zeca, talvez um dos momentos mais marcantes de tudo que ocorreu naquele dia. Esse não podia ser outro que não o “velho”/jovem Jorge. E o que dizer da proeza dele já na meia-idade se resolver cursar Faculdade de Direito, se diplomar advogado, enfrentar o exame da Ordem (da qual muitos preferem fugir, conheço vários casos). Em pouco tempo se afirmou como um competente causídico, ganhou boa clientela, afirmou-se entre seus pares e ainda, não bastasse tudo que já realizara, veio a responder pela fundação da secção sul-fluminense da OAB de Resende. Que gol de placa! Jorge além de simplesmente músico realmente se revelou ser um “homem dos 7 instrumentos”. Que lição de vida ele deu durante tantos anos por ter cometido tantos feitos desassombrados, é algo que mais uma vez destaco, mas que não considero supérfluo ser assim tão repetidamente realçado.

Enfim posso entrar num terreno que para mim considero especialmente marcante com relação ao Jorge, uma personalidade que muito impressionou este sobrinho e amigo. Em duas ocasiões, desde o ano de 2006 eu e ele nos reencontramos na Fazenda Cachoeira da Judith, em Caçapava. Na primeira dessas ocasiões, certamente em 2006, estávamos uma roda de pessoas conversando sobre vários assuntos quando notei que Jorge me observava como que me analisando. Subitamente ele disse:

“Brasil, você se lembra como quando garoto o Zeca, seu pai, tinha receio que você, pela postura viesse a ficar meio corcunda ,chamava sua atenção para manter o tórax ereto e mesmo ameaçava você de ter que usar um dispositivo tal como um tipo de ”arreio” para manter sua postura correta, endireitar as costas? Pois é. Agora olhando você com mais de 70 anos e te vejo tão “empinado” com o tórax tão ereto, etc. Imagine só...”

Certo que eu me lembrava muito bem disso a que o Jorge se referia. De fato meu pai chegou até a mandar fazer um dispositivo para possivelmente pelo menos em casa eu vir a usá-lo. Tal troço ficou guardado por anos, sem nunca felizmente ter sido usado, até que o descartamos. O mais importante de tudo isso é podermos constatar essa rara característica que o Jorge possuía, ser uma pessoa tão aberta para a vida, incapaz de atos mesquinhos, tão desejoso de que também aqueles de sua família, de sua amizade viessem a conseguir extrair o melhor da vida que levavam. É uma especial generosidade, sempre nele presente, razão de eu ter cunhado, à maneira de James Joyce e de Guimarães Rosa, uma nova palavra/signo que usei para dar título a esta muito sentida homenagem que a ele presto, um Jorge, guerreiro como o santo do catolicismo e, ao mesmo tempo, um ser generoso por excelência. E lembrem-se, este é um depoimento de uma daquelas pessoas que foram em suas vidas alcançadas pelas boas emanações/irradiações que durante toda sua vida terrena Jorge não economizou quando a nós ele enviava. Voltando a contar a respeito dos 2 encontros que tivemos na fazenda da Judith, o segundo episódio aconteceu em 2007 quando lá na fazenda Judith promoveu uma festança especial na passagem de seu aniversário de 70 anos bem vividos. Ele apareceu com um piano portátil eletrônico. talvez um Yamaha, no qual ele nos alegrou tocando várias músicas. Sabendo ele que eu, após me formar em engenharia, me resolvi por continuar meus estudos de música e fiz cursos de nível superior por cerca de 3 anos, também ele acostumado a me ouvir tocar piano desde os anos 40(década de 1940), ele insistiu para que eu viesse a tocar algo. Eu, em razão de por mais de 15 anos não mais possuir piano, resistia a seu pedido. Ao mesmo tempo, eu estava com vontade de tentar tocar para avaliar de como eu estaria, como eu me sairia nesse quase desafio que a mim mesmo me impunha. Assim, a princípio bastante inseguro arrisquei tocar a balada”Tenderly”,que parece ter resultado razoável. Antes que eu” cometesse” uma outra interpretação musical, alguém disse: ”Esse piano não é daqueles que possui ritmos acoplados? O Jorge poderia fazer com que o ritmo da música em questão fosse automaticamente tocado, etc” Aí o Jorge logo colocou: ”Não, o Brasil, pelo que sinto e sei, está acostumado a fazer solos de piano ,a tocar músicas com harmonias mais elaboradas, já no ritmo que ele pretende dar à música, coisa que fica muito mais interessante” Sintam que, como ele, além de falar coisas corretas quanto às técnicas de interpretação(não fosse ele um músico amador de aguçada intuição) ele se apressou a intervir no sentido de muito mais valorizar o que eu tentava fazer, não importando se eu como pianista estava “mordendo notas” e cometendo outro erros que acontecem para todo o instrumentista que passa anos sem mexer no instrumento que toca. Mais uma vez, neste episódio constatamos a já comentada generosidade dele, mais um testemunho entre tantos possíveis de serem apontados por mim ou por pessoas que com ele tenham convivido.

Sempre que me lembro do Jorge, ao tempo de nossas infâncias ou pré-adolescências, me vem a mente aquele sujeito alegre, pleno de vida, gaiato e gozador, muitas vezes até insolente(mas sem qualquer maldade), que, por exemplo, gostava de atazanar a irmã bem mais velha Aninhas, ou a irmã 2 anos mais nova, a Ely. Também me lembro de tantas passagens gozadas de nossas vidas, em Caçapava, em S.Paulo, em Santos, principalmente nos anos 30,40 e mesmo até metade dos anos 50(quando então nós dois já adultos) . Tantas são essas lembranças que, se me dispusesse a tanto, poderia escrever um livro de crônicas, razão pela qual não pretendo me alongar sobre tais coisas...

Ainda há poucos anos atrás, em telefonema DDD nos falando Santos/Resende, ele insistiu para que eu e família fôssemos até sua casa em Resende. Falou que morava num bairro de gente humilde mas muito rico em genuína alegria, pelo que merecia o nome de Cidade da Alegria. Quanta gente existe que tremendamente se queixa dos menores revezes que a vida lhes impõe. Ora, o Jorge poderia também isso fazer em razão dos percalços, das topadas e cabeçadas que sofreu em sua vida. Entretanto o que sempre esteve nele presente foi essa sensação de plenitude de vida, de ”vamos promover isso e aquilo”, ”Vou me reunir lá no interior de Minas Gerais com uns amigos, uma turma que, como eu, curte tocar música regional, música popular, chorinhos, etc”. É alguém que nem a morte conseguiu derrubar, pois ele, parafraseando o grande poeta português Luiz de Camões, quando no início do Canto Primeiro de ”Os Lusíadas” criou”...E aqueles que por obras valorosas/Se vão da lei da morte libertando...” Sim, não apenas os grandes vultos da História, das Artes, Cultura da Humanidade se tornam assim ainda vivos através das lembranças de contemporâneos e mesmo pessoas que nem haviam nascido quando dos respectivos falecimentos. As “obras” que libertam homens da ”lei da morte” não são apenas obras de existências físicas como textos escritos, quadros, estátuas, músicas gravadas ou registradas em partituras, mas também e principalmente podemos extrapolar o conceito de obra. Certamente mais o sentido de ”obra de existência física” parece ser o pretendido por Camões no texto comentado. Cremos que, assim extrapolando, é plenamente legítimo assumir um sentido metafórico de” obra” como sendo também realizações de procedimentos tais como acolher, bem tratar,ensinar,etc., ou seja algo que a palavra obra desde há muito já engloba não se bastando apenas em denotar obra fisicamente realizada, mas muitíssimo mais que só isso. Fiz esta longa digressão para justificar minha inclusão do que cita em “Os Lusíadas” Camões, neste meu escrito que vou digitando ao sabor das idéias que me surgem à cabeça, ou seja é um escrito não pré-organizado e portanto sujeito a chuvas e trovoadas...

Jorge, desnecessário seria insistir de como você está e certamente por muito tempo estará vivo nas lembranças que eu e pessoas a você chegadas temos de nosso convívio com uma pessoa assim tão especial. Você foi/é realmente um Jorgeneroso. Aceite um abraço espiritual deste seu ”sobrinho” e amigo Brasil .



Nota : Em princípio todo este texto perfaz a mensagem que, poucos dias após o falecimento do Jorge enviei para os e-mails de meus parentes descendentes do Jorge e residentes em Resende – RJ. Embora ele tenha sido redigido com uma precípua intenção de ser lida não apenas por tais pessoas, mas sim para abarcar outros possíveis leitores daquela que hoje é uma tão ampla família dos Rocha Brito espalhados por tantos outros lugares, mesmo assim julguei necessário serem feitas, nesse comentado texto original, algumas pequenas intervenções. Enquanto antes eu me estava dirigindo ao ainda restrito círculo de pessoas formado por meus parentes e pessoas outras que seja em momentos do século passado, seja em momentos deste século cruzaram suas vidas com a do Jorge, agora mais informações teria que oferecer para melhor compreensão de tantas coisas que no texto surgiam com a suposição de que, para os leitores do texto original elas seriam supérfluas por razões óbvias.

















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