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Artigos-->Da.Apparecida/Tota -- 05/07/2017 - 15:23 (BRASIL EUGENIO DA ROCHA BRITO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


 




Em 25/04/1906, na cidade de São Carlos –SP, chegou, para o casal João Clímaco de Godoy / Isaura de Oliveira Godoy sua segunda filha, logo batizada como Maria d’Apparecida. Nascida, ela já encontrou a companhia de sua irmã Iracema, esta com cerca de 02 anos de idade. O pai da família, viria a ser sempre conhecido, em todos os lugares que a família residiria e nos círculos dos comércios locais como sendo o Sr. Godoy, homem gentil, correto, mas austero. Na ocasião a que este relato se refere era ele um próspero comerciante, gerente e proprietário de um bem aparelhado e sortido empório localizado na parte central da cidade. Com o tempo a família veio a se mudar para outras cidades, de certo modo próximas, tais como Colina, Bebedouro e, no fim da década de 1920, vindo a se radicarem em Jaboticabal. O período em que o sr. Godoy esteve no auge da prosperidade teria sido desde por volta do meio da primeira década do século XX até por volta de 1924. Durante tal favorável período lhe foi possível colocar suas duas filhas Iracema e Maria d’Apparecida como “internas” no Colégio de freiras “Des Oiseaux” na capital paulista por 02 anos. Nos anos de 1913 e 1915 chegaram mais duas filhas para o casal João Clímaco/Isaura, nas pessoas de Lucila e da caçula Nícia. Voltando a falar das duas filhas estudando na capital paulista se poderia relatar que o curso ginasial deste na época muito famoso colégio decorria com o uso amplo da língua francesa não apenas de modo restrito às aulas, mas também sendo o único idioma permitido das alunas com as professoras (madres e irmãs), com as serviçais (todas, nos serviços de cozinha, arrumações, limpeza, etc. sendo freiras ou noviças). Mesmo as conversações entre alunas, fora dos quartos (onde obviamente nem poderiam existir condições de “controlar” tais procedimentos), por exemplo, se acontecessem nos refeitórios, banheiros, corredores, etc. obrigatoriamente teriam que ser na língua francesa. Mais surpreendente nos parece o fato de que, por exemplo , o documento que atestava a aluna ter feito sua 1a. comunhão era um lindo diploma, colorido, muito trabalhado, todo ele registrado em francês . Após os 02 anos do curso ginasial em regime de internato, Iracema e Maria d’Apparecida voltaram a morar com seus pais e irmãs, passando a frequentar escolas da cidade de Bebedouro, onde a família Godoy viera a residir, ocorrência causada por necessidades de reprogramações da vida dessa família face a novos aspectos financeiros, a maus êxitos em negócios sofridos pelo Sr. Godoy. Já na infância Maria d’Apparecida ficou sendo pela família e amigos tratada quase que exclusivamente pelo apelido Tota, nome que veio a lhe acompanhar por toda sua vida. Logo após Tota haver regressado do seu período de internação, veio conseguir ter aulas de piano com categorizada professora da cidade. Já adiante, quando a situação financeira da família passou a ficar ainda mais apertada, Tota, que ficara razoavelmente conhecida na pequena cidade como uma pianista em condição ascendente quanto às suas habilidades musicais, foi então convidada, aí em Bebedouro, para trabalhar como pianista na sala de cinema da cidade. Importante é situar como, aos tempos do cinema mudo, se costumava contratar um pianista que, em quase a esmagadora maioria das vezes , se instalava com o piano nas coxias, assim não passível/possível de ser visto pelos espectadores, respondendo, digamos assim, pela sonoplastia do filme produzido sem acoplamento de sons. Obviamente as produções da arte cinematográfica naquele estágio de desenvolvimento difeririam muito dasApós os 02 anos do curso ginasial em regime de internato , Iracema e Maria d’Apparecida voltaram a morar com seus pais e irmãs , passando a frequentar escolas da cidade de Bebedouro , onde a família Godoy viera a residir ,ocorrência causada por necessidades de reprogramações da vida dessa família face a novos aspectos financeiros , a maus êxitos em negócios sofridos pelo sr.Godoy . Já na infância Maria d’Apparecida ficou sendo pela família e amigos tratada quase que exclusivamente pelo apelido Tota , nome que veio a lhe acompanhar por toda sua vida . Logo após Tota haver regressado do seu periodo de internação , veio conseguir ter aulas de piano com categorizada professora da cidade . Já adiante , quando a situação financeira da família passou a ficar ainda mais apertada , Tota , que ficara razoavelmente conhecida na pequena cidade como uma pianista em condição ascendente quanto às suas habilidades musicais , foi então convidada , aí em Bebedouro , para trabalhar como pianista na sala de cinema da cidade .







Importante é situar como , aos tempos do cinema mudo , se costumava contratar um pianista que , em quase a esmagadora maioria das vezes , se instalava com o piano nas coxias , assim não passível/possível de ser visto pelos espectadores , respondendo , digamos assim , pela sonoplastia do filme produzido sem acoplamento de sons. Obviamente as produções da arte cinematográfica naquele estágio de desenvolvimento difeririam muito das que progressivamente passaram a existir ao início da “década de 30 “ com o surgimento do cinema falado , o qual passou a ser um entretenimento muito comercial e difundido . Tal atrás comentado estágio do cinema mudo se fazia valer de recursos que acentuavam alternâncias de situações nas expressões imagéticas que explorassem expressões faciais ( as quais exibidas e apreciadas hoje podiam ser tidas como caricatas e/ou estereotipadas ) , tambem , inclusive para um mais proveitoso modo de lidar com o ritmo mais acelerado imposto ao episódio realmente ocorrido numa velocidade , que era apenas 75 % daquela que a película apontava quando enfim exibida , as cenas envolvendo hilariedade procuravam tirar partido disso , da diferença entre a filmagem/captação a 18 quadros por segundo, com a que se estabeleceu posteriormente/definitivamente na captação a 24 quadros por segundo. Tudo isso posto , se pode hoje constatar de como no cinema mudo se lidava com os registros de cenas pretensamente românticas , angustiantes , aterrorizantes , ligeira ou desbragadamente cômicas , etc. Logo ao início a indústria produtora do cinema então mudo , se convenceu quanto à conveniência de ser aposto um comentário sonoro que complementasse e realçasse as expressões imagéticas , sublinhando , realçando esses apelos para melhor impactarem/persuadirem os assistentes quanto às situações , no aspecto de emoções/comoções que o filme apresentando imageticamente poderia despertar naqueles que o assistiam . Fiz este longo comentário para procurar dar uma oportuna/devida importância ao que era proposto a algum instrumentista que tivesse que , de modo tão sincrônico quanto possível e com um nivel de inventividade pelo menos aceitável ( quando pelo menos classificável como minimamente razoável , preferivelmente de bom para cima ) pudesse dar conta de tal incrível incumbência . Sim , porquanto o instrumentista além de precisar ter uma especial atenção para a tarefa/trabalho que aceitara desempenhar , tambem dele se exigiria possuir agilidade mental para rapidamente saltar de comentários , por exemplo , românticos , para logo de imediato apresentar outra abordagem de comentário musical , agora hilariante , etc. Obviamente ele assim teria que possuir um repertório de conhecimento particular seu no campo da música para com tal material lidar de modo a , por exemplo , vir a inserir trêchos de canções conhecidas ( inalteradas ou quase assim ) , fazer como que variações melodico/harmônicas sobre temas de canções , procurar inventivamente criar sonoramente algo como onomatopéias (ou coisa próxima a isso ) ou ainda mais livremente inventar como amplas variações sobre peças várias , montando verdadeiras miscelâneas sonoras , a partir , por exemplo de usar um tanto de Mozart , mais um tanto de Ernesto Nazareth, mais outro tantinho de um “ cake-walk” e ainda uma boa pitada de Franz Lehar ou J.Strauss , etc . Talvez assim pudesse e mesmo tenha quase certamente sido possível desse modo ter sido produzida a “sonoplastia “ adequada a ser tocada durante uma película . Que tarefa !



Pois Tota galhardamente enfrentou por entre 01 e 02 anos esse desafio. Seria oportuno dizer que ela , anos após , confirmou que se dispôs a tanto em razão da situação financeira da família , quando tal ocupação razoavelmente remunerada foi algo , na época , benvinda ocorrência .



Tendo que se mudar , lá por 1927 , para a cidade de Jaboticabal , onde sr. Godoy abriu um novo empório , obviamente Tota deixou o emprêgo no cinema de Bebedouro , sem qualquer problema digno de nota . Mesmo a remuneração que deixaria de ter por abandonar essa atividade comentada , não chegou a ser destacadamente sentida , em razão de ela ter já em Bebedouro , se iniciado como professora particular de piano para iniciantes



Entre tais pessoas que a procuraram para dela se tornarem alunos apareceu uma jovem que logo veio a se tornar especial amiga . Esta era Tita , recem casada com João Azzi , negociante nessa Jaboticabal . O casal já possuía em casa um piano , razão pela qual mais aconteciam as aulas na residência de Tita e João do que na casa dos Godoy . Cerca de pouco menos de um ano que haviam se iniciado essas relações professora/aluna entre Tota e Tita , por cerca de 3 a 5 dias um primo de João , de nome José- mas muito mais tratado pelo apelido de Zeca – veio a se hospedar na casa de seu parente. Zeca era um técnico categorizado em máquinas de beneficiamento de café e equipamentos congêneres e que viera atender serviços em sítios/fazendas das redondezas , inclusive participar de algo como uma feira sobre o café que iria se realizar na cidade de Barretos , próxima a Jaboticabal. Isto estava ocorrendo perto do final do ano de 1928 . Nesses 3 a 5 dias que Zeca parcialmente permaneceu na cidade, em casa do primo João Azzi veio a conhecer a professora e amiga de Tita , a nossa comentada Tota e logo vieram a começar eles um namoro que se encaminhou para um noivado e , já em 06/07/1929 ocorrendo o casamento religioso na Matriz de Jaboticabal. O casal , por cerca de 02 anos se radicou nesta mesma cidade sendo que em 19/06/1930 lhes nasceu o primeiro (e que viria a ser o único ) filho , um menino gorduchinho de olhos verdes a quem os pais resolveram dar o incomum nome de Brasil Eugênio , sendo seu nome completo Brasil Eugênio da Rocha Brito , o indivíduo que hoje com 86 anos e 11 meses de idade está escrevendo este comprido texto... Mais importante do que comentar a vida , cheia de peripécias , do trio Zeca/Tota/Brasil é aqui colocar o enfoque na relação de minha mãe , Da. Apparecida/Tota , com o piano , a música , inclusive porquanto , entre outras coisas , talvez isso consiga servir para revelar de como o interêsse – após transformado em paixão – pela música , mais amplamente pelo universo da arte , veio a surgir em mim. Sei , obviamente por me ter sido contado por minha mãe , por minha avó materna Isaura , por minha tia Nícia referindo-se a episódios de 1932 quando todos nós residíamos em Limeira – SP , que eu com talvez recém completados 02 anos de idade cantava “ Te lembrarás de Viena” , canção de uma famosa opereta de Franz Lehar muito veiculada nas rádios da época. Aqui tenho que relatar um fato que me acompanha desde cedo na minha vida até estes dias de octogenário candidato a ser nonagenário . Certo que , para quando estava vivendo em Limeira com apenas 02 anos de idade tal fato a que aludi consistia ainda em “flashes”de curtíssima duração , que ainda hoje posso revê-los , segundos de algo videoteipado com precária nitidez . Já a partir de 1933 , quando eu e meus pais residíamos num apto. na Ladeira de Santa Tereza no Rio de Janeiro , de tais ocasiões guardo memórias videoteipadas já nítidas , com um concomitante registro sonoro do que falei e ouvi , mas ainda “ em curta metragem “ , ou seja episódios registrados com poucos segundos de duração . A medida que eu crescia , isso se ia tornando mais “evoluído” e assim , por exemplo , de 1936 a 1938 quando residi em Caçapava – SP as captações que se registraram como num videoteipe sonoro são de certo modo longas pois de vários minutos ,com os registros das conversas e , visualmente , dos ambientes . Claro que tais registros existem , de um modo bastante mais ocorrente , para aqueles momentos os quais se poderiam ser classificados como relevantes/especiais certamente por serem registros de fatos impactantes . Entretanto o que por muito tempo me pareceu difícil de ser explicado é terem ocorrido registros certas vezes de episódios corriqueiros ( que seriam assim classificados pelas pessoas a quem eu procurasse deles fazer um relato verbal ) , mas sinto que tais momentos corriqueiros assim não o seriam para mim na ocasião , pelo que se explicaria este fato de eles terem sido “escolhidos” como dignos de tais registros. Certo que em lendo tais afirmações minhas , muitas pessoas poderiam objetar que mesmo eu , desde logo reconheço a precedência , o maior destaque de episódios que classifiquei como relevantes , especiais , mais impactantes que outros que até a mim próprio causaram certa extranheza por terem merecido pleno registro . Volto a insistir: creio que até de nós mesmos , de como plenamente somos , existem muito clara consciência de que somos capazes de muitas coisas desconhecer ou pelo menos incompletamente conhecer . Com o tempo , com nossa vivência , conseguimos obter certas descortinações , alguns episódios que nos anos 30, 40 , 50 , tiveram tal registro em minha mente , parecendo por anos ser tão “inexplicável” assim o fato de terem sido escolhidos , já me permitiram poucos anos atrás terem , de certo modo , ganhado explicação quando eventos imbricados uns em outros ocorridos em meu passado permitiram ocorrências e revelações que fizeram com que , quase repentinamente eu viesse a pensar . Darei um simples e , talvez , extremamente elucidatório exemplo Quando eu e meus pais residíamos no Rio de Janeiro num edifício à Ladeira de Santa Tereza , no 2o.semestre de 1933 (eu então recém completara 03 anos ) , nosso apartamento era simétrico do contíguo apartamento geminado onde residiam meus tios Rodrigo e Zélia , os pais e os 2 irmãos dela . Assim , embora imóveis alugados , meu pai e meu tio obtiveram autorização dos proprietários para abrir um portal comunicando tais 2 imóveis pelas suas avantajadas áreas de serviço , algo que quando executado , veio a ser tremendamente propício para o convívio de nós todos . Certa tarde eu , próximo que estava de tia Zélia , a ouvi, sem mais , dizer a minha tia Jacy (irmã de meu pai , jovem em férias escolares hospedada em casa ) : “Sabe , eu preciso ir atrás da Tota para lhe dar uma facada“ Lembro-me da confusão que se instalou em minha mente . Pensei como imaginar que minha querida e tão suave/gentil tia Zélia , visivelmente tão amiga nossa, de minha mãe ( elas vieram a se conhecer quando ambas , por certo tempo , moraram como vizinhas em cidade interiorana de São Paulo a uma época em que não poderiam prever que vários anos depois viriam a se casar com uma dupla de irmãos Rocha Brito e se tornarem assim concunhadas ) poderia sequer pensar em lhe atingir com uma facada ? Por isso , desatei a correr , atravessei o portal e me coloquei medroso e abalado ao lado de minha mãe , pouco antes de ali chegar tia Zélia . Esta logo observou : “ Tota , o que se passa com o garoto ? E, que é isso ? Está tão pálido , perturbado ... “ Aí fui eu que desandei a falar com voz trêmula , talvez gaguejante : “Tia , a sra. falou p’ra tia Jacy que , não sei por que , ia dar uma facada na mamãe ...” Não demorou muito para explodirem risadas e gargalhadas , até que me explicassem que costumeiramente se chamava de “facada” um pedido de empréstimo de dinheiro no linguajar da época... Creio ter conseguido , com a inserção deste episódio , reforçar a tese de que algo que como evento nos atinge , nos envolve , pode ser erroneamente tomado assim por alguem na fase inicial de sua vida , de modo totalmente divorciado do que em essência vem a ser . Coisas como tais ajudariam a reforçar a tese que atrás coloquei .



De mudança que fomos para a cidade do Rio , já na passagem dos anos 1932/1933 , quando viemos a nos instalar num aqui já citado apartamento em pequeno edifício na Ladeira de Santa Tereza , na ocasião meu pai comprou algo de que minha mãe sentia muita falta pois , desde que saímos de Jaboticabal , não mais o tínhamos : um piano. A aquisição feita foi a de um piano Brasil (na verdade o Nardelli , fabricado neste país e que logo assim ganhou tal nome) . Sendo muito frequente nossas idas ao cine Rex , na rua Álvaro Alvim , local onde fui presenteado constantemente por vir a assistir os filmes americanos como “ O meu boi morreu” , “Melodias da Broadway de 1933 / 1934 / 1935 “ , “Rua 42 “ , “ Cavadoras de Ouro de 1933 , etc “ , “Voando para o Rio “ e outras , veio a acontecer tamanho entusiasmo meu pelas músicas dessas películas que minha bondosa mãe resolveu comprar as partituras de piano de tais canções (sendo que sua primeira compra foi de “By a waterfall “ , que me empolgara quando a assisti cantada por Dick Powell ) . E a coisa continuou com minha mãe comprando , para poder executar ao piano , essas tantas canções desses filmes sem dúvida com a intenção primeira de agradar a este seu único filho ... Quando ainda morando no Rio mas já em Copacabana , na r. Domingos Ferreira , Posto 2 , eu tendo recém completado 5 anos , minha mãe achou ser a ocasião propícia para me iniciar nos estudos do piano . Foi a partir daí que a coisa pegou... Eu me lembro de como achava terríveis , irritantes , ter que extrair do piano , inclusive à custa de muito esfôrço , aquelas “coisas chatas “ que eram os exercícios “lidos na pauta “ dos métodos de Schmoll , Czerny ( e já tempos depois quando não mais morávamos no Rio , músicas do método de Burgmüller , os exercícios ainda mais paulificantes do Hanon ) . Anos depois , quando já havíamos deixado o Rio , mudado para Caçapava-SP e finalmente nos instalando por muitíssimos anos na capital paulista , minha mãe me instruiu com aulas de solfejo do “Bona” , me fazendo tambem tocar as famosas “Peças facilitadas de Esther Abbog “ (Danúbio Azul , Sonho de amor de Liszt , outras valsas de Strauss , etc ). O que caberia aqui comentar é que , desde que tive tais aulas de piano eu , de certo modo esperava que as coisas que mesmo canhestramente eu pudesse tocar seriam algumas coisas próximas às canções que conheci nos filmes americanos e no rádio , quando me deliciava com a música popular brasileira que assim ouvia , pelas vozes de Almirante , Francisco Alves , Carlos Galhardo , Gastão Formenti , Araci de Almeida e outros . Era uma imensa frustação para mim ter que gastar tempo , paciência e energia com as práticas exigidas pelas aulas , talvez apenas ressalvando que gostava de poder tocar as peças”facilitadas “de Esther Abbog , já porquanto essas sim , eram “músicas “ até um tanto conhecidas/reconhecidas frente àqueles tantos exercícios insôssos .



Apenas quando a partir de 1954 eu vim a me tornar aluno do meu inesquecível amigo Prof. Koellreutter eu terei podido conseguir melhor compreender de como minha mãe se situava perante a música .



Ela , a exemplo de muitas pessoas , principalmente jovens mulheres , nos anos 10 / 20 / 30 do século passado , formaram entre esse elevado número de pessoas que se inseriram numa prática que medrou por tantos anos . Melhor explicando , havia uma tácita aceitação , por parte das famílias naqueles anos , quanto à destacada conveniência das futuras mães de família se aparelharem , além da prática de bem cozinhar e bem cuidar dos afazeres domésticos de uma “dona de casa “ , também , já pelo outro lado quanto às necessidades de bem receber , de bem conversar , terem assim um polimento no que respeita a “boas maneiras” , impressionar por ter acessado um nivel mais elevado no campo da espiritualiudade , da intelectualidade . Creio ter sido assim , sem uma totalmente consciente programação de “o que fazer” que as famílias de classe média pelo menos no sudeste/sul brasileiro adotaram tranquilamente tal prática que passou a ser tão normal e indiscutível como mandar os filhos para a escola apreenderem a ler , escrever e obter os conhecimentos deste ensino que hoje ganhou o nome de curso fundamental. Ao tempo , nos anos 50 , quando estudei na Escola Livre de Música/Seminários da Pro-Arte , o pessoal , professores e alunos , geralmente criticavam tal conhecida prática , ao tempo começando a deixar de acontecer , a denominando “pianolatria “ . Muito se discutia , fora do âmbito das aulas , sobre isso e como ela poderia ter sido responsável pelo fato de que , por décadas , neste país apenas uma porcentagem baixíssima de alunos (geralmente eram alunas) do todo dos estudantes de piano que vieram a se inserir , em muitos casos contra suas vontades pessoais , nesse por assim dizer não consciente equívoco de muitos pais , tios , avós ou tutores pretenderem que descendentes ou protegidos viessem a se tornar verdadeiros pianistas (por competência e especial devoção ) puderam conseguir assim o virem a ser .Para muitos , desencantos , frustações e coisas como tais . A esmagadora maioria dos que passaram por tais processos em muitos casos até se divorciaram completamente da música , sem qualquer maior posterior interesse nesse campo da arte , possivelmente em parte pelo amargor de tal frustação comentada. Graças a Deus , pelo menos este tipo de desastre não veio a acontecer com minha mãe .



Voltando a focar o assunto na pessoa dela , eu poderia dizer que ela não era , não foi alguém que procurou se mergulhar no conhecimento musical , inclusive não existiram para ela reais condições para que algo indutor ou facilitador pudessem direcioná-la nesse sentido de maior comprometimento . Sim , ela foi , ao tempo que exerceu a condição de professora e , mais ainda quando trabalhando na sonorização de filmes do cinema mudo , alguém que exibiu uma natural inclinação pela música , fosse essa popular ou erudita . Por exemplo ela demais apreciava tudo que conhecia de Mozart , se encantava com a fluência , os momentos de ar tão jocoso , o estilo tão brilhante e gracioso que aparecia em muitas de suas obras . Tambem gostava das peças mais popularizadas das obras de Beethoven , inclusive os trêchos mais difundidos de algumas de suas sonatas para piano . Afirmava não conseguir apreciar o que conhecia de JS Bach , dizendo que o achava por demais “sério “ , intrincado e muito chegado aos movimentos lentos que , para sua pessoa , eram tão afastados daquilo que ela em Mozart tanto apreciava , suas linhas melódicas (das peças por ela conhecidas) tão plenas de alegria , júbilo . Um compositor dessa área dos “clássicos” que ela muitíssimo apreciava era Chopin , fossem valsas , mazurkas , polonaises , estudos , etc. Em suma , para ela a música era algo tão especial e benvindo , mas não conseguia nela acender uma paixão maior como veio a acontecer comigo e com tantas outras pessoas . Várias vezes , com o passar dos anos , tive imensa curiosidade em fazer com que ela me contasse de como foi a sua experiência quando agiu , digamos assim , como sonoplasta , pilotando um piano para nele fazer comentários a respeito dos filmes de cinema mudo exibidos . Ela falou de como , por exemplo , ela lançou mão de peças do populário brasileiro formado pelos tangos , maxixes e outros gêneros de Ernesto Nazareth , os “cake-walks “ que aqui no país tiveram breve mas muito intensa incursão , as canções e toadas brasileiras de Waldemar Henrique , de Heckel Tavares e de outros autores , tudo isso ela como processando com o uso parcial / oportuno de tais peças , juntadas a utilizações também parciais de peças de Mozart , Beethoven , J . Strauss , Moszkovsky (em suas valsas) , Chopin , Franz Lehar , V. Herbert, R. Friml , S. Romberg , Offenbach , Von Suppé , Puccini , Leoncavallo , Rossini , Donizetti , Bellini , Mascagni , Verdi . etc . Mas que salada ! Creio ser importante situar que ela , conforme atrás já comentei , demonstrava ter um especial dom que alguns chamam de “intuição musical”(mantivemos este nome que eu mesmo julgo não totalmente apropriado , mas oportuno , em face de não encontrar algo mais correto),mas , por outro lado , nunca teve um real interesse em aprofundar esse contacto com a arte musical . Para ela a música era algo importante , sublime , mas não conseguia ser algo com que devesse estabelecer um comprometimento sólido , num linguajar mais popular se poderia dizer que nunca para ela a música seria tida como uma paixão



A propósito , embora sendo uma inserção que não propriamente diz respeito ao assunto Tota/Da.Apparecida , creio que ela é bastante oportuna de aqui ser incluída pois glosa o mesmo . Em outubro/1972 , em entrevista que foi publicada no jornal dos estudantes da Faculdade de Comunicação da Univ.Católica de Santos , o “Groselha” , respondendo à pergunta : “Brasil , a música para você é um “hobby” ? “ eu , de imediato , afirmei que nunca consideraria que meu interesse pela música pudesse ser classificado como sendo um “hobby” , ou seja um mero passatempo . Na verdade eu desde cedo e , com o tempo , constatando isso crescer de modo acelerado, passei a aplicar um grande interesse não apenas na captação/audição de peças que ouvia , bem como passei a peneirar/fazer triagem disso recolhido e , logo após vindo a incorporar tal informação nova na “ memória musical’ , que todo ser humano possui (no sentido de ter a possibilidade de poder dela fazer uso mais restritamente ou mais amplamente ) . Aqui se faz necessário dizer que todos estes processos que acabo de descrever terem em mim ocorrido , não aconteceram de modo consciente e/ou por mim programado , evidentemente , mas sim tiveram lugar de modo inconsciente , a menos da parte da volição minha , ou seja , meus desejo e empenho em fazer tal “apropriação”. Tal tipo de ligação minha com a música , de forte comprometimento , certamente superado pelo que ocorre com os instrumentistas , cantores , regentes , orquestradores/arranjadores que nisso se situam de modo bem mais destacado do que eu , creio ser possível de ser chamada de paixão . Muito eu pensei e repensei , muito daquilo que já se consagrou chamar metaforicamente de ruminação ou ainda ruminação intelectual , sobre tudo que consegui , no decorrer dos anos conversando sobre tais assuntos com minha mãe , extrair de seus relatos sobre sua ligação com a música , me permitiram melhor avaliar de como ela se situava nessa relação de cunho muito afetivo/amoroso com tal arte , mesmo que , reconhecidamente , ela nunca teve isso que chamo de paixão pela música. Aproximadamente ao final do ano de 1942 , morando na capital paulista , certa tarde ela me levou ao cinema para assistirmos o filme “Barulho a Bordo”( Ship Ahoy ) com Red Skelton e Eleanor Powell formando a dupla romântica , além de alguns outros atores de renome. Tal filme contou com a presença da orquestra de Tommy Dorsey executando 4 canções . Os vocais estavam a cargo do conjunto “Pied Pipers” no qual se incluiam naquele tempo dois “crooners”(cantores de big-bands ) ainda desconhecidos do grande público e cujos nomes , de forma alguma , vinham a constar do elenco da película. Eram eles apenas os futuros astros da canção Frank Sinatra e Jo Stafford . Duas das canções , após as exibições do filme , se tornaram bastante tocadas nas rádios : “Last call for love” e “Poor you “ (esta última , além de musicalmente bela , possuindo uma letra muito inteligente, original). Assistíamos tal filme sem estar acontecendo qualquer comentário meu ou de minha mãe , quando no telão aparece a orquestra de T.Dorsey com as câmeras dando destaque para o grupo vocal dos “Pied Pipers” em especial focando num jovem cantor muito magro , face encovada . Quase o número musical ia terminando quando minha mãe me cutucou dizendo algo como : “ Filho , veja esse rapaz como é feio , magro mas tem uma voz e uma interpretação lindas ! “ A coisa ficou assim até que certa noite de 1943 meu tio Geninho , apenas 8 anos de idade a mais que eu , me acompanhou para assistir o filme “Reveille with Beverly “ , um musical de baixo custo estrelado pela sapateadora Ann Miller . (Observação : apenas muito recentemente redescobri que tal filme teve , na época , o título brasileiro “Alvorada da alegria” ) . É preciso ser dito que nós fomos assistir tal película em função da intensa propaganda jornalística que dizia que tal filme em exibição no Cine Bandeirantes apresentava “ a nova sensação da música nos Es.Us. , o jovem Frank Sinatra “. Lá estávamos eu e o Geninho assistindo coisas interessantes nesse musical , porém mais de metade do filme decorrera e nada de aparecer o tal cara... Mesmo demorando , eis que repentinamente aparece uma cena musical com pianos de cauda com 2 belíssimas jovens fingidamente tocando “Night and day “ acompanhadas pelos sons de um grupo de cordas não aparente e imediatamente entra , vindo do fundo do cenário , um cantor em traje de gala completo , com luvas , chapéu-cartola . Ele vai se aproximando de um piano cantando tal música de Cole Porter , ao tempo que retira suas luvas , cartola e os coloca sobre parte do piano . Repentinamente eu me virei para o Geninho e lhe disse algo como : “Puxa esse é o cara magrelo e feio que minha mãe “descobriu”no filme “Barulho a Bordo” “ ... Vejam vocês que me lêem : Foi Tota/Da.Apparecida que para mim “descobriu” o Frank Sinatra . Ela para mim demonstrou de como tinha uma destacada musicalidade , capaz assim de , num relance , perceber a categoria muito especial desse cantor que , por mais de 60 anos , reinou como um dos maiores cantores de música popular de todos os tempos .



Esta pessoa , com que Deus me brindou ao fazer com que ela fosse minha genitora , era alguem raro , de coração tão aberto , tão desarmada de preconceitos , coisas que faziam com que ela dificilmente deixava de despertar simpatias mesmo naquelas pessoas que recem lhe haviam sido , uma à outra , apresentadas . Foi muito dedicada esposa para meu pai , também muito amorosa e compreensiva mãe para este único filho e quase uma unanimidade na apreciação positiva e/ou muito carinhosa que sobre ela faziam e ainda fazem os parentes , os amigos , os conhecidos. Apenas sete dias antes de vir a completar 85 anos , ou seja , na data de 18/04/1991, ela veio a falecer após uns 2 e 1/2 anos de saúde debilitada . Ao início de setembro de 1988 , após cerca de 2 anos em que visivelmente estava num processo lento de acometimento do chamado “ mal de alzheimer “ , sofreu um acidente vascular cerebral ( AVC ) que , até o seu falecimento , trouxe uma aceleração intensa dos problemas que tal doença causa , pelo que os médicos que a atendiam e nós , seus parentes mais imediatos , já nos convencêramos que se aproximava o desenlace que ocorreria na data atrás referida . Meu pai , de condições familiares/genéticas indicadoras de esperada longevidade ( já que sendo o quarto dos seis filhos do 1o.casamento de meu avô Joaquim Eugênio da Rocha Brito , três tendo passado da barreira dos 100 anos , um chegado aos 98 e os outros 2 passado dos 90 , tendo todos eles falecimentos em condições de quase nenhum período imediatamente anterior de reais sofrimentos ) , obviamente muito sentiu a falta da companheira , mas restou viúvo exibindo espantosas condições físicas , lucidez nunca ausente . Ao aproximar de completar 102 anos , o que ocorreria em 03 / 02 / 2002 , ele veio , estando com plena lucidez , a sofrer uma falência total de órgãos e repentinamente faleceu em 10 / 01 / 2002 .



Eu sempre insisto em afirmar que me considero um ser privilegiado por tantas razões , entre as quais uma das primeiras é ter nascido filho de um casal com tantas facilmente constatáveis virtudes que mesmo eclipsavam as falhas , os possíveis deméritos que , como seres humanos que somos , em graus menores ou maiores sempre possuímos. Dirigindo-me agora especialmente à sra. , minha mãe , espero que neste escrito eu possa ter sido razoavelmente bem sucedido no pretender apresentar a figura humana tão especial que a sra. , minha mãe , terá sido , “per si” , independentemente da possível parcialidade de que posso ser acusado por estarmos tratando de um depoimento feito por um filho que muito a amou , em sua vida terrena , e que também ama as lembranças que povoam o meu ser espiritual sejam quando por mim elas perpassam durante os dias e tantíssimas vezes figurando junto também a meu pai , nos sonhos que se desenrolam por tantas noites . Onde possivelmente estiver , galardoada pelo bem que derramou sobre os outros por toda sua vida , peço receba esta mensagem de muito profundo amor deste seu único filho .



























Nota







Este relato , necessário se faz dizer que nasceu como idéia , cerca de 3 anos atrás quando , em minha casa , ao falar sobre outras coisas relativas ao assunto sempre presente em nossas conversas , a música , o grande amigo Luiz Carlos Lessa Vinholes me interrompeu quando , sem maior ênfase , eu comentava de como minha mãe fora um dos pianistas que , ao tempo das exibições de filmes do cinema mudo , respondiam pela “sonorização” , algo como uma sonoplastia que buscava provocar o surgimento ou mais acertadamente a ampliação , um sublinhamento , uma amplificação do que as imagens em movimento pretendiam exibir , digamos persuasivamente , aos espectadores . Disse –me o amigo algo como : “ Brasil , isso é algo que eu não sabia porquanto você nunca me havia falado sobre tal coisa . Faça o seguinte : escreva um relato sobre isso pois penso até me servir do que fizeres para escrever um artigo referente ao assunto . “ Recentemente eu disse a ele que estava já programando eu mesmo escrever tal artigo , coisa com a qual ele concordou e , pelo jeito , muito apreciou a solução que eu agora lhe apresentava . Obrigado , amigo Vinholes .















 



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