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Cartas-->Para os que têm medo de mudanças -- 07/12/2002 - 18:50 (Fernando Tanajura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
De tanto ler baboseiras, acabei me rendendo ao pensamento linear: é sempre bom mudar... para quê, não importa. Hoje é sábado e amanhã é domingo como outros tantos domingos. Ando procurando um outro nome para o dia de amanhã porque passei a não gostar deste e acho que todo mundo vai concordar com a minha proposta, porque é uma proposta e, como democrático-liberal, vejo que todo o mundo tem que me seguir ou pronunciar alguma coisa, senão são todos omissos, irrelevantes, não aptos para viver em sociedade, em grupos e em sítios virtuais ou reais.

Acabei de tingir os meus cabelos. Eles eram pretos, negros como a cor do corvo que eu trazia em cativeiro. Com o tempo os meus cabelos foram se tornando grisalhos. Hoje, quando completei 250 anos de vida, vi no espelho que os meus cabelos se tornaram todos brancos. Não fiquei satisfeito. Quis mudanças. Pintei-os exatamente uma metade de rosa e a outra de verde. Fiquei bonitinho e atraente. Mas logo em seguida vi que tinha coisa demais na minha cara e não estava satisfeito: tapei um dos buracos do meu nariz. Foi fácil e útil. Agora tenho o nariz com um buraco só. É mais prático. Acho que todo o mundo tem que seguir o meu modelo, assim a humanidade respira menos ar e o economizamos para o bem de todos. Andei pela casa feliz e faceiro com o meu nariz novo, com meus cabelos pintados e percebi que tenho duas pernas. Pra quê duas pernas? Tirei uma e dei para os mais necessitados. Aí é que me veio uma alucinação: vão me chamar de Saci. Saí correndo — pulando com uma perna só — em busca da minha perna abnegada e livremente doada. Tive muita sorte de encontrá-la ainda intacta nas mãos de um canibal. Felizmente que ele não estava com fome. Voltei ao normal com duas pernas grossas e cabeludas, mas fiquei imediatamente triste porque, destarte, nada mudei em mim nas últimas horas. Que chato! Pedi sugestões e logo brilhou uma luz no escuro. Meu amigo canibal me arrumou outra perna e fiquei com três pernas. O pavor tomou conta de mim logo depois da operação. Iriam me identificar como o famoso tripé. Ai meu deus, o que fazer? Muitos iriam me perseguir dia e noite querendo meus serviços. Consultei o oráculo e a solução foi adicionar mais uma perna. Agora tenho quatro pernas. Qualquer dia desses consigo mais algumas pernas extras e viro uma centopéia. Não, centopéia não. Já existe essa espécie no mundo animal e vão começar a me chamar de quilópodes, miriápodes ou outros nomes feios. Quero uma coisa diferente, mas bonitinha para que todos me amem. Eu quero mudar para algo que não exista, que seja diversa, mas com regras que não deixem margens para soltar a minha imaginação fértil. Não posso ser artista: tenho que ser um burocrata das letras a escrever de tudo, todos os dias, a toda hora. Tenho que dar a minha opinião para que todos sigam dentro dos limites e me achem inteligente. Onde está a minha gramática? Tenho que classificar meus textos. A partir do meu mundinho eu tenho que limitar os mundinhos de todo o mundo... e ai de quem não me siga, não se pronuncie ou não apresente a sua opinião no tempo determinado!... Irão imediatamente para o escaninho dos omissos, dos não interessados pelo bem da Humanidade. Esses não gostam de mudanças... as mudanças que se fazem necessárias para que o mundo gire mais rápido ou mais lento... as mudanças que eu quero...

Arranquei do peito o meu coração. Não foi uma licença poética, foi um ato verdadeiro, físico e abrupto. Não faz sentido sair por aí carregando um órgão sanguinário fazendo barulho ritmado. Quero que o mundo seja silencioso, sem palavras ardorosas, sem coração mesmo. [Aqui é uma licença poética verdadeira.]

Ia me esquecendo de dizer que arraquei também alguns dedos de uma das minhas mãos. Eram muitos e sempre me atrapalhavam nas tarefas mais simples. Melhor: arranquei a mão inteira. A mão somente não... o rádio, o cúbito... o braço, o antebraço... sei lá... isso que estava me atrapalhando. Tinha dois: o esquerdo e o direito. Para quê dois? Fiquei somente com o direito... o da extrema-direita. Assim, com um braço só, uma mão só, os dedos me obedecem e digito cartas com o polegar, poesias com o anular, cordel com o mindinho, frases com o indicador e assim por diante. Meus textos agora estão todos organizados e lindinhos. Vou ficar o resto da minha vida os mostrando repetidamente até que consiga fazer uma lavagem cerebral completa nos meus leitores, assim me farei famoso e imortal. Sei que todos vão ver que essas mudanças foram valiosas e vão segui-las organizadamente como em qualquer exército que se preza. Que beleza de mundo! Todos seguindo os mesmos padrões e as mesmas regras sem desentendimentos, divergências nem pontos de vista variados. Sou pela democracia: são as mudanças que quero e pronto. Tenho a palavra final. Acabei de descobrir que eu sou o centro de tudo e o resto não existe.

Sentado em meu trono dourado, estou a observar que tudo é chato e repetitivo. Quero mudar mais. O ser humano tem que estar em constante mudança. Outro raio luminoso adentrou meu quarto: preciso de mais sex appeal... Vou mudar de sexo. Já cortei o meu pênis avantajado e vou correndo agora mesmo para uma sex shop [estou mudando de idioma!]. Vou ao shopping. Vou adquirir uma vagina novinha, de menina-moça com um hímen complacente, assim, com todas as minhas mudanças, continuarei sempre virgem.


© Fernando Tanajura Menezes
(n. 1943 - )


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