OS CACHORROS CONHECEM A RECIPROCIDADE
Tenho certeza, não sei porquê, que se eu nascesse mulher seria Clarice Lispector.
Não vou perder tempo explicando minhas metafísicas de gênio para
as mediocridades do mundo, que duvidam até de Deus, para quem
tudo é possível. O amor dói e nem todos sentem, o amor.
Eu tenho o costume de rezar porque sou misterioso. Aprendi também, instintivamente,
a ter medo das criaturas que não rezam e vivem sem mistério. Dentro de mim correm, quando eu permito,
lobos e coelhos falantes da Alice. Ora um, ora outros, ou tudo junto. Eu crio o mundo que quiser.
Eu briguei com a mulher que amo e de certa forma lhe virei as costas.
estava me tratando mal, com intervalos de carinho. Agora vejo pelas fotos dela
que claramente seus olhos estão me chamando de volta. Todavia, cabe a ela agora reparar nossa magia.
Tenho vergonha dela não me amar.
Eu lhe dei minhas mãos, as duas, meus poemas, todos, meu corpo, inteiro.
Daria minha casa e minha vida, como o governo diz que dá.
Os cachorros, todos, nos retribuem o carinho que damos em igual medida, ou mais.
Nós, seres humanos, não somos ainda educados o suficiente e quando recebemos
amor, não raro, ficamos metidos. Quem nos ama e gosta de ficar ao nosso lado, ouvir sobre
nosso dia a dia, ou nos dar um carinho merece não apenas nosso respeito, merece
amor.
Me negando amor ela colocou duas cruzes, uma nas costas dela, outra na minha.
Meu Deus, nunca se magoa um coração. Sequer aprendemos isso em nosso falso cristianismo.
Quem não ama de verdade, segundo a lei de Deus, é um charlatão.
Desse ano não passa eu ter comigo um cachorro.
Fevereiro, 2016.
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