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Contos-->A CIGARRA E AS FORMIGAS -- 09/08/2000 - 01:54 (Fernando Tanajura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A CIGARRA E AS FORMIGAS

Num certo fim de verão, o calor era abrasador. Na varanda, sentada em sua cadeira de vime, a cigarra ensaiava os seus primeiros acordes matinais.
Primeiro uma sonata louca, um solfejo engasgado e um pigarro rouco, depois voz cristalina e pura - porém debochada - soltava os acordes em desvario e
deixava passar a manhã. Enquanto isso, lá no jardim, no quintal ou no terreno baldio, as formigas trabalhavam, trabalhavam, trabalhavam.

Na igreja de Santa Cecília, o sino repicava doze vezes, anunciando o meio-dia e a cigarra nem se tocava que era hora de dar uma paradinha para uma pequena refeição. Continuava soltando seus agudos firmes, suas notas dissonantes, sua música alegre ou triste sem se importar com o tempo.

As formigas diligentes também não se importavam com o tempo e continuavam cavando seus buracos, cortando as folhas da roseira, empilhando os gravetos diametralmente opostos, armazenando tudo, tudo que encontrassem pelo caminho, se preparando para o longo inverno que estava por vir.

A cigarra, sem parar de cantar, se debruçava na balaustrada e desprezava aquele trabalho avarento. Via o exército ordenado dos irrequietos insetos a se movimentar para baixo, para cima, para um lado ou para o outro, sem parar de guardar tudo o que fosse necessário para a chegada do frio. Olhava displicentemente aquela horda ocupada e voltava sem perder tempo para dentro de casa, arrastando pelo chão as asas chispadas, sem dar importância alguma ao que estivesse em derredor. Ela era a estrela, ela era a rainha da voz, ela era a diva. Cantarolava no mais alto tom uma sinfonia que nunca terminava e quem quisesse que agüentasse com os ouvidos! O chiado agudo e insistente ia por horas e horas, parecendo nunca ter fim, até o dia cair. Nessa hora, era que o som ficava ainda mais agudo e mais longo para ferir bem fundo o sangue do por do sol. Com os pulmões a explodir, ela grunia zangada enquanto o sol se punha de todo e a noite esfriava um pouco o ar. Finalmente, tirava um conchilo para voltar a explodir com seus sons, assim que o astro-rei varasse a madrugada desvirginando a escuridão.

Na calada da noite, as formigas continuavam insistentes e constantes no trabalho. Um coisa consistente, ferrenha. Carregando pedaços de galhos secos ou destruindo completamente e sem piedade uma roseira ou uma cerca viva qualquer de uma só vez. Andavam em fileiras atrozes. Ferozes com suas mandíbulas que nem ganchos de tratores a carregar tudo para os confins da Terra, através de intricados túneis em forma de labirintos. Toda a noite sem dormir e sempre prontas, sem se importar que a escuridão se fosse, rasgada violentamente pelo sol.

Assim passou todo o verão: a cigarra cantando sem parar e as formigas trabalhando sem descanso. Lógico que não faltaram pragas das últimas,
jogadas em cima da dita diva da voz maviosa.

Finalmente o inverno chegou! Intenso, trazendo um frio de congelar os ossos. As formigas, contentes, se recolheram nas entranhas da Terra, trancando as portas, esperando que a cigarra, a qualquer momento, ali batesse, procurando abrigo ou alimento. Não demorou muito para isso acontecer, quando ouviram pancadas fortes e nervosas vindas da direção de uma porta. As formigas se entreolharam e logo tiraram a conclusão: como todos invernos, era ela de novo, a que cantou todo o verão sem trabalhar, que viria pedir um pedaço de pão e um cantinho para se abrigar do vento, do frio e do mal tempo. Quietas, as formigas ficaram caladas sem abrir a porta. As batidas continuaram insistentes, ritmadas, constantes. Quando não mais agüentava a inconveniência, a formiga rainha resolveu abrir a porta e enfrentar a cigarra.

De fato, era a cigarra que estava à porta, dentro de um belo casaco de peles. Com um ar de diva, foi logo detonando para as formigas:

- Queridinhas, vim aqui me despedir de vocês. Estou embarcando para Paris, onde farei uma temporada no L’Opera. Ficarei hospedada na suite
presidencial do "George V". Vou com o coração partido de saudades. Qualquer coisa que aconteça por estas terras tropicais, me avisem, - jogando
um beijo estalado para os ares, foi se dirigindo para o seu Rolls Royce.

Desapontadas, as formigas cairam desmaiadas, mas a formiga rainha logo se recuperou e correu atrás da cigarra, que já estava entrando no seu carro dourado.

- Divina Diva, - falou a formiga rainha, segurando a respiração.

A cigarra, com seus longos cílios postiços, olhou com desprezo a rainha trabalhadeira e perguntou em que poderia serví-la.

- Por favor, Diva - falou a rainha - lá em Paris, se você encontrar com um tal de La Fontaine, diz pra ele que ele é um grandiosíssimo filho-da-puta.


© Fernando Tanajura Menezes
(n. 1943 - )
(Jornal Brazilian Times
Boston-MA/USA - Janeiro 1992)
http://tanajura.cjb.net
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