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Artigos-->PEDRO XISTO - 8 HAIKAIS -- 04/12/2015 - 15:29 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

                                                                                                                   PEDRO XISTO – 8 HAIKAIS (1)                                                                                                                                                                                                                                                                                       L. C. Vinholes



Minha permanência em São Paulo, entre março de 1953 e julho de 1957 foi uma das mais marcantes e profícuas entre todas que permearam minhas andanças no Brasil e no exterior. Ali conheci os grandes mestres da Escola Livre de Música da Pró Arte, especialmente ao professor H. J. Koellreutter, de quem fui aluno e secretário particular, mestres aos quais devo grande parte da minha formação. Mas, também fora do ambiente da escola, tive oportunidade de conhecer figuras de destaque em outros campos da atividade artística, às quais sou grato não só pela amizade, mas também pelo muito que me facultaram como informação para ampliar meus conhecimentos. Destaco a Samson Flexor e Pedro Xisto Pereira de Carvalho. O primeiro, pintor e um dos introdutores do pensamento e da prática do abstracionismo no Brasil, serviu-me de elo com o artista plástico Kenzo Tanaka que nos meus anos de Japão, se tornou como que um aniki ou irmão mais velho, como dizem os japoneses. O outro, poeta e intelectual sobre o qual são dispensados maiores comentários, conheci em 1954 na inauguração do Pavilhão Japonês no Parque Ibirapuera. A proximidade um do outro, quando estávamos na fila esperando nossa vez para apor nossas assinaturas no livro de registro do evento, justificou o primeiro diálogo que meses depois ganharia fôlego e continuidade quando nos encontrávamos na referida escola onde sua filha Lia estudava dança.



A diferença de idade já era suficiente para Pedro Xisto merecer respeito e admiração. Mas logo percebi que, além disto, também sua erudição e sua disposição em compartilhar seus conhecimentos justificavam carregar-me de paciência para ouvi-lo toda vez que nos encontrávamos e discorria sobre temas os mais diversos, relacionados às suas atividades culturais. Nossos interesses pelo Japão foram, desde o início, nosso mais sólido denominador comum.



Pouco antes de meu embarque para o Japão, recebi de presente de Dirce Luzzi uma boneca de poemas e pensamentos do mítico poeta, filósofo e alquimista chinês Lao Tsé, traduzidos para o inglês, datilografados em papel muito fino, de folhas dobradas na maneira dos livros antigos da China e do Japão, amaradas por cordões que pareciam ser também feitos de papel. Nenhum nome ou texto, à guisa de prefácio ou introdução, esclareciam a origem do trabalho ou seus responsáveis. Dirce, aluna de piano do professor José Klias, frequentava aulas teóricas da Escola Livre de Música e seu esposo, o médico José Luzzi, era meu colega nas aulas particulares de japonês dadas pelo professor Tadao Saito.



No dia 7 de julho de 1957, rumando de ônibus para o Porto de Santos, deixei São Paulo tendo como inesquecíveis companhias a Pedro Xisto e Norma Graça, minha inseparável colega da escola da Rua Sergipe 271. O navio Burajiru Maru partiu conforme previsto e, a bordo, comigo seguia para o Japão a boneca de Lao Tsé, preciosidade que me acompanhou até 1974.



Tendo deixado o Japão em 1969 e morado no Paraguai por mais de cinco anos, regressei a Tokyo em abril de 1974. Ali estava Pedro Xisto como adido, encarregado do Setor Cultural da Embaixada e, por um período de seis meses, nossos encontros diários no horário de trabalho e nas horas de folga, facilitavam o diálogo e a troca de informações sobre nossas experiências nipônicas, as minhas mais antigas e as de Pedro Xisto mais atualizadas. Tínhamos amigos comuns entre os poetas japoneses, dentre eles Yasuo Fujitomi, Toshihiko Shimizu e Seiichi Niikuni. Certa vez, às vésperas do seu retorno ao Brasil em outubro de 1974, mostrei a Pedro Xisto a boneca de Lao Tsé tendo ele ficado encantado, manifestando enorme interesse e tecendo comentários a respeito da obra e da importância do autor na cultura milenar do Oriente. Não tardei conhecer uma boneca que Pedro Xisto, há anos, preparara com 48 dos seus haikais e que, em abril de 1971, levara para o Japão com planos de vê-la ali publicada. Não tardou também que, num abrir e piscar de olhos, as publicações trocassem de mãos, plenamente satisfazendo aos interessados. Eu, que havia lido inúmeras vezes o que o filósofo escrevera e tendo meus interesses direcionados às coisas do Japão, senti-me atraído pela proposta da troca, pois parecia muito mais interessante ter um projeto de publicação de haikais feitos por um brasileiro do que ficar com textos em inglês da produção de um chinês que, sem sombra de dúvida, os japoneses conheciam muito bem. Daquele dia em diante nunca mais tive notícias sobre a boneca com obras de Lao Tsé.



O manuscrito de Pedro Xisto, preparada com esmero, característica de tudo o que fazia, aproveita um caderno de desenho ARPA nº 8, com espiral de arame e folhas soltas presas por grampos de metal. Na capa, em duas linhas, está o nome do autor e o título, Pedro Xisto / HAIKAIS, seguidos de uma só linha, no canto inferior direito da página, com o local e data em que fora produzido, São Paulo 1956. Tudo indica que o 6 do ano substituiu um 3 do ano que fora o da conclusão do trabalho; a mudança de data certamente se justifica pelo provável acréscimo. Nas páginas internas 48 haikais, nas tradicionais três linhas que caracterizam esta forma poética japonesa, muitos dos quais sofreram ajustes para aperfeiçoamento dos seus textos. Em Pedro Xisto, o meticuloso burilar dos textos que escreveu: haikais, poemas concretos, artigos, cartas etc., sempre foi uma permanente e saudável obsessão. Seus originais assim elaborados são fontes inesgotáveis para melhor conhecer os valores que cultuava, sua incessante busca da perfeição e da fidelidade para com os princípios de economia, concisão e clareza da obra final. Por outro lado, as poucas anotações em rodapés em algumas das páginas permitem identificar onde os respectivos haikais foram criados e conhecer parte das andanças do autor: [Ottawa, Canadá, out.1953]; [“Timberline” Rock Mountains, U.S.A.52]; [La Paz, 51]; Ao Illimani [Bolívia]; [Rio Paraguai, 51]; [Pantanal de Mato Grosso].



Com relação à boneca Pedro Xisto / HAIKAIS, merecem atenção dois rascunhos em pedaços de papel com anotações a lápis, encontrados na dobradura da capa.



O primeiro pedaço de papel trás uma lista de 20 títulos que, na realidade, são as primeiras palavras de cada um dos haikais escolhidos, provavelmente, para ser no futuro objeto de coreografia, tanto assim que todos estão sob a égide de um título maior acima dos demais e singularizado por estar entre colchetes: [Para dança]. Os referidos títulos estão na seguinte ordem numericamente indicada: 1. Deserto, 2. Água do silêncio, 3. Em si, o olho oblíquo, 4. Sem mastro, 5. Âncora, / 6. Morre o sol em mim, 7. Das lampas votivas, 8. Neve, assim tão cedo? / 9. Aqui, pedra e sol, 10. Ante o céu, a máscara, 11. Sobre a flor do abismo, / 12. Não mais rosas, 13. Cume em neve e nuvem, 14. A noite persegue borboletas, 15. Manhã fria, / 16. ...”a ave mergulha”, 17. Contra a lua, um pássaro, 18. Véu branco (2), 19. Surdo pó, 20. Flui o peixe mudo.



O segundo pedaço de papel, grupos de haikais, em duas colunas, sob títulos em maiúsculas, dentro de um círculo oval, são identificados com títulos criados com empréstimo parcial do que consta dos seus versos: JARDIM - 1. Bashô, 2. Horto de monjas, 3. Jardim do mundo; DESERTO - 4. Flor de cactus, 5. Cactus sós e verdes; OLHOS - 6. Águas do silêncio, lótus, 7. Olho oblíquo, loto, 8. Tombam mariposas, 9. Múltipla e perdida, 10. Noite de afogados; MAR, AVE - 11. Sem mastro, 12. Âncora, mão hirta, 13. Rochedo e ave, 14. Dunas, 15. Degradado em chumbo, 16. Búzio partido; SOL, NOITE - 17. Morre o sol, 18. Cai o sol, 19. Selado, o tapume, 20. Lampas votivas; LUA - 21. Neva cedo? 22. Criança nua; DISTÂNCIA - 23. Chego dalém, 23. Horizonte, lâmina fria, 25. Máscara de pedra, 26. Flor do abismo, 27. O infinito pesa (estrela), 28. Rochoso monte (estrelas), 29. Rocha, com neve e nuvem, 30. A Illimani, 31. Tiahuanaco; REGIONAIS - 32. Amazônia, 33. Vem jangada, 34. Rio seco, 35. Patos selvagens; AMOR, PAISAGEM - 36. Ave mergulha, 37. Pássaro preto cruza, 38. Estrelas e borboletas, 39. Véu branco de nuvem, 40. Jasmins, à lua, 41. Os lábios “Já não ...”, 42. Mealheiro; TÊRMO - 43. Surdo pó, 44. Corvo sobre o saladeiro, 45. Cemitério morrendo, 46. Bem-vindo em paz; VERSO - 47. Peixe mudo, 48. O grão. Como que indicando uma conveniente mudança da posição em que dois haikais foram colocados, linhas pontilhadas parecem indicar que os de números 30 e 31 devem ser deslocados do grupo DISTÂNCIA para o REGIONAIS. Chama a atenção o fato de que, no manuscrito, apenas o primeiro haikai e o produzido quando Pedro Xisto encontrava-se em La Paz, em 1951, tem título: Sobre o túmulo de BASHÔ e Ao Illimani, respectivamente. No seu permanente desejo de aperfeiçoar, simplificando, substituindo ou acrescentando, buscando sonoridades compatíveis, explorando sílabas graficamente afins, Pedro Xisto trabalhou o texto de 23 dos 25 haikais criados no espaço de tempo entre 1951 e 1956 (3) , sendo que os de número 17, 20 e 28 foram os que sofreram maiores intervenções. Note-se que entre os haikais do manuscrito falta o que corresponde ao título 20, acima: Criança nua.



Em 1960 decidi criar em Tokyo uma pequena editora para divulgar o que estivesse ligado à cultura brasileira. Conhecendo e admirando a beleza dos haikais de Pedro Xisto, inclusive os das inúmeras cartas com as quais fui por ele contemplado, e acreditando que seriam especialmente oportunos e atrativos, propus ao amigo que escolhesse oito do seu agrado para figurarem na edição inaugural da Shin Nippaku Shushu - Coleção Novo Brasil-Japão. Assim surgiu a antologia 8 haikais de pedro xisto (4), trabalho primoroso da gráfica Nitta K.K., com título em letras brancas sobre capa preta e segunda capa em papel vermelho.



A boneca de Pedro Xisto / HAIKAIS e os 8 haikais de pedro xisto tem como denominador comum as notas da última página, chamando a atenção o fato de que nesta as maiúsculas encontradas naquela foram todas substituídas por minúsculas. Dois haikais figuram tanto da boneca quanto da pequena antologia: o segundo e terceiro desta publicação são os mesmos das páginas um e sete da boneca preparada em 1956 e até hoje inédita.



Vale a pena colocá-los lado a lado para que possam ser cotejadas e apreciadas suas duas versões gráficas:                                                                                                                                                                                                                                                                                                      



                                                                                                                                        Bananeira em leque.                             bananeira em leque.   



                                                                                                                                      Ah! Só, no jardim, BASHÔ.                   ah! só, no jardim, bashô.                                                                                                                                            Uma sombra leve.                                 uma sombra leve . . .



                                                                                                                                           Em si, o olho oblíquo,                           em si, o olho oblíquo                                                                                                                                            fino, arte entre o loto e a carne.           fino, arde entre o loto e a carne.                                                                                                                                            (Vórtice do umbigo . . .)                        (vórtice do umbigo. . . )



Nos dois haikais acima, na versão que recebi de Pedro Xisto para lançamento pela Coleção Shin Nippaku, as letras maiúsculas no início de cada verso e após o ponto e o sinal de exclamação foram substituídas pelas minúsculas e o destaque dado ao nome do poeta do século XVII, grafado em maiúsculas, deixou de ser visto como necessário. Nas versões à direita, os versos ficaram visualmente mais claros e homogêneos em termos de material gráfico, sem diferenças tipográficas desnecessárias e perturbadoras. Grafar apenas com minúsculas aproxima o texto em português daquele em japonês quando escrito em hiragana ou katakana, os dois grupos de sinais gráficos fonéticos usados para escrever em japonês, nenhum dos dois tendo a dicotomia de maiúsculas e minúsculas, característica do alfabeto ocidental. Do primeiro haikai à esquerda, na versão de 1956, figura como título a frase Sobre o túmulo de BASHO o que nunca foi praxe nos poemas de Pedro Xisto e muito menos nos dos haikaistas em geral. Observa-se também que, ao lado do nome de BASHO, na versão da boneca, um asterisco remete ao rodapé da página onde lê-se: “Le corps de BASHÔ (1654-1694) fut enseveli dans le jardin du temple Yoshinaka-dera et un bananier, qu´il aimait particulièrement, fut plante sur sa tombe” (Kuni Matsuo, “Haikaï du Bashô et de ses disciples” pg.20 I.I.C.I., Paris, 1936). O asterisco, na versão da antologia, aparece no final da terceira linha depois do parágrafo que fecha o verso e remete às Notas da última página, providência que, visualmente, despoluiu o espaço que passou a ser ocupado exclusivamente pelo haikai. Para o segundo haikai, registre-se apenas um reparo: na segunda linha na versão da boneca de 1956 figurava uma palavra que não se pode identificar, pois sobre ela, substituindo-a, foi escrita loto, o nome da flor ícone da cultura budista.



A publicação avulsa de haikais de Pedro Xisto parece ter iniciado quando, em janeiro de 1949, o Diário Nippaku, um dos jornais japoneses de São Paulo, publicou o Ás aves do céu que dez anos depois ganhou formato diferente:                                                                                                                                           



                                                                                                    Às aves do céu                                       País das espigas.                                                                                                                                                                                                                                                 (país das espigas cheias)                      O primeiro grão, as aves                                                                                                                                                                                                                                   o primeiro grão                                      do céu. Teu haikai.



Em São Paulo, o convívio de Pedro Xisto com haikaistas da comunidade japonesa certamente foi a fonte mais rica à qual teve acesso. Destaca-se neste grupo a figura extraordinária de Kunito Miyasaka, conhecido como Ikubeshun, homem de empresa e cultura, economista, bancário e poeta de quem, pelos seus feitos, muito se lembram os japoneses do Peru, do Paraguai e de São Paulo. Dele Pedro Xisto Pereira de Carvalho ganhou o pseudônimo japonês de Kashimoto Hakuseki (& 27179;& 19979; & 20271;& 30707;) , de que muito se orgulhava e muito se envaidecia quando descobriu que o ideograma para haku (& 20271;)nele utilizado é o mesmo com o qual se escreve Brasil (& 20271;& 22269; ).



Não tenho receio em afirmar que, em termos de qualidade, de afinidades com os haikais em língua japonesa, de economia de palavras, de sintetização, de ausência de discurso excessivo e de experiências gratificantes, são raros aqueles que conseguiram alcançar o nível do trabalho de Pedro Xisto com seus haikais. Nos haikais de Pedro Xisto adjetivos não tem lugar, a não ser quando não são simples adjetivos carregados de subjetividade, mas complemento substancial que adicione valor esclarecedor à essencial percepção do substantivo ao qual está ligado. Por outro lado, não são poucos os autores de haikais que não se dão conta das características específicas desta forma poética, tão diferente e singular para nós quanto é a do soneto para os japoneses. Pedro Xisto não é apenas “um dos melhores praticantes de haicai”, mas também um poeta e um haikaista de mão-cheia, ainda muito pouco conhecido.



Minha determinação em dar destino, o mais adequado possível, a tudo o que, durante décadas, conservei comigo - sem nunca ter tido a sensação de posse, mas sim de responsabilidade como guardião temporário -, decidi eleger como depositário fiel e permanente para a boneca de Pedro Xisto / HAIKAIS, a Casa das Rosas, em São Paulo, onde ela poderá ficar à disposição dos que se interessarem por literatura, poesia e cultura. Notas:



(1) Tendo a reforma ortográfica vigene desde 1º de janeiro de 2009 incorporando as letras "k", "w", e "y" ao alfabeto, escrevo os substantivos japoneses introduzidos no vocabulário português do Brasil e os toponímeos japoneses que utilizam estas tr^s consoantes, respeitamdo a romanização seguida no Japão. Assim: haikai, kaki, kimono, Tokyo, Yokohama, Osaka, etc.



(2) Este haikai na listagem comentada no parágrafo seguinte tem o título Véu branco de nuvem.



(3) Hipótese plausível se levadas em consideração as daas que figuram em alguns dos hailais.



(4) 8 haikais de Pedro Xisto foram musicados por H. J. Koellreutter em 1962 e por ele logo apresentados em memorável concerto no Instituto Goethe de Tokyo.  


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