RENÉ DÁVALOS: POETA PARAGUAIO L. C. Vinholes
Nos mais de cinco anos que vivi no Paraguai, parte em Assunção e parte em Pedro Juan Caballero, tive oportunidade de conhecer alguns dos mais destacados intelectuais e artistas daquele país, dentre eles os escritores Gabriel Casaccia Bibolini, Mario Halley Mora, Josefina Pla, os gravuristas Edith Himenes, Jacinto Rivero e a compositora Nely Himenes.
Infelizmente, minha chegada a Assunção em 1969, não permitiu conhecer um dos intelectuais mais jovens e mais promissores, o poeta René Dávalos, nascido em 30 de outubro de 1945 e falecido em 6 de outubro de 1968, em trágico e controverso acidente automobilístico. Dele ouvi relatos de alguns dos seus contemporâneos, mas também de brasileiros engajados em tarefas relacionadas às artes e à cultura, tais como o paulista e doutor em filosofia José Neistei, diretor da Centro Cultural da Embaixada do Brasil, o mestre xilogravurista Lívio Abramo, o poeta Romulo Augustulo, professor da Universidade Nacional de Assunção. Sobre estas três figuras é meu artigo Fragmentos de Romulo Augustulo, de 19 de setembro de 2012, disponível no sitio Usina de Letras.
Dávalos, insatisfeito com o ambiente cultural de sua cidade natal, mudou-se para Monteviéo onde cursou os dois primeiros anos de medicina. Regressou a Assunção, deu continuidade aos seus estudos, tornou-se líder estudantil, iniciou suas lutas como poeta e escritor engajado e tornou-se um dos responsáveis pela fundação da Frente Universitária Livre.
Embora tenha publicado apenas a antologia “Buscar la realidad”, Caderno Colibrí nº8, de 1966, seus poemas e seus textos figuram das páginas de inúmeras publicações, dentre elas a revista universitária “Criterio”, da qual é co-fundador, “Argos”, “El Rinoceronte”, “Alcor”, “Lucha”, “El Sembrador”, “Tribuna Universitaria”, Época, “ABC” e “La Tribuna”, sendo as duas últimas influentes jornais diários.
Da revista Argos, durante décadas, guardei cópias xerox de páginas que me foram enviadas por Carmen Else, uma das colegas de Dávalos no Colégio Goethe, nas quais estão três poemas seus: “La índia”, “Pena asuncena” e “Ausencia”.
A índia, mereceu o segundo prêmio do concurso literário organizado pela Academia Literária do referido colégio, que teve como jurados Luís Alfonso Resk, Carlos Villagra Marsal e Manuel E. B. Argüello, figuras da oposição ao ditador Alfredo Stroessner.
LA ÍNDIA A ÍNDIA Oscuro como algún dios dormido, Escuro como algum deus adormecido, mojado y caliente debió ser su seno; molhado e quente devia ser seu seio; resumen de selvas y besos furtivos. resumo de florestas e beijos furtivos. Potencias de razas dormían ocultas Potências de raças dormiam ocultas en la vena interna, haciéndose fuertes na veia interna, tornando-se fortes en constantes luchas dentro de la sangre em constantes lutas dentro do sangue de agreste dureza. de agreste dureza. Se forjaban gestos y bellas mujeres Se forjavam gestos e belas mulheres en la savia viva, de correr despierto na seiva viva, de fluir atento que agitava toda a la índia fértil. que agitava a índia fértil toda. Rugidos de fieras y rayos de soles Rugidos de feras e raios de sóis encontrados todos en la dulce miel, encontrados todos no doce mel, una confusión de avispas y flores, uma confusão de vespas e flores, de agua y de tierra de água e terra en caos brillante de fuerza vital. em caos brilhante de força vital. El arado llegó pontual. O arado chegou pontual. Llegó flotando sobre el mar Chegou flutuando sobre o mar y se sumergió en la América Mujer e mergulhou na América Mulher que la recibió con un beso, que o recebeu com um beijo, a veces de vida y a veces de muerte. as vezes de vida e as vezes de morte. ¡Pero aquí sólo fue de vida! Mas aqui só foi de vida! El campo de la mujer, O campo da mulher su seno fecundo y mojado, seu seio fecundo e molhado, el genial fruto de la tierra o genial fruto da terra recibió la semilla extraña recebeu a semente estranha con una palpitación, con un temblor com uma palpitação, com um tremer que se perdió y se confundió que se perdeu e se confundio con el canto de las aves, com o canto das aves, y el murmullo de las hojas, e o murmúrio das folhas, y la índia paraguaya fue Mujer. e a índia paraguaia se fez Mulher. O segundo poema de Dávalos, “Pena asuncena”, merecedor do Primeiro Prêmio do Concurso Literário, organizado pela já citada Academia por ocasião da comemoração ao 425º aniversário da fundação da cidade de Assunção. No topo da página onde está publicado este poema está a frase inserida pelo poeta, Assunção, como eras bela, mas que triste” (“Asunción, que bella eres pero qué triste”), que resume seus sentimentos e posicionamento para com o pesado clima político que suportou nos seus quase 25 anos de vida. Pena asuncena Pena assuncena La calle muerta, A rua deserta, um sollozo um soluço cualquiera. qualquer. Y en la magia de sus sombras, E a magia de suas sombras, una lágrima. uma lágrima. En la calle, silencio Na rua, silêncio y el frio e o frio asesino; assassino; las ventanas, las almas as janelas, as almas de las casas das casas cerradas. fechadas. Y una pena errante E uma pena errante tras otra; depois de outra; y un niño que pequeño, e um menino pequeno, morenito moreninho se confunde con las sombras. se confunde com as sombras. Tiembla su cuerpo desnudo Seu corpo nu treme bajo los harapos. sob os trapos. Tal vez ese niño Talvez este menino es amigo de sol é amigo do sol y lo acompaña e o acompanha en el alba, no amanhecer, y cada mañana e a cada manhã lucha tenaz luta tenazmente contra el duro mendrugo contra a dura crosta de pan. de pão. Y luego, E logo, el hilo sutil de su voz o fio sutil de sua voz desgarra la fria rompe a fria llovizna garoa con el agudo anuncio com o agudo anúncio de diarios idiotas. de diários idiotas. Quiero, Quero, calentarlo con mi amor. aquecê-lo com meu amor. Veo, Vejo, que no se puede. que não se pode. Y el temblor de la impotencia E o tremor da impotência me agita, me agita, y las hojas de mi cuerpo, e as folhas do meu corpo, brutales, brutais, se levantan; se levantam; y el viento e o vento que se escapa de mi pecho que escapa do meu peito parece un huracán, parece um furacão, y una tibia promesa e uma promessa morna que hace el corazón que faz o coração le asegura lhe assegura toda mi vida. toda minha vida. Un vacilante boracho Um bêbado hesitante se equilibra. se equilibra. !Es pobre! És pobre! Es pobre, És pobre, y el mundo e o mundo morboso, mórbido, de su borrachera de sua babedeira lo disfarza. o disfarça. ¿Es acaso culpable És por acaso culpado de que el vieno de que o vento no escuche su plegaria, não escuta sua prece, lo es acaso talvez seja de que el cielo esté tan lejos, que o céu está tão distante, tan azul, tão azul, de que el mar infinito que o mar infinito no exista? não exista? De pronto una casa De repente uma casa gigante, gigante, profiere solta burlona carcajada gargalhada zombeteira hacia sus vecinas. para suas vizinhas. El frio no cuenta O frio não conta para ella. para ela. Es el cumpleaños É o aniversário de la niña rica da menina rica. Me devora el viento, O vento me devora, y también e também a la casucha, ao barraco agazapada. achaparrado. Un árbol frondoso Uma árvore frondosa con algo de niño com algo de menino tiembla treme medroso. medrosa. Huelo alegrías Cheira alegrias que deja escapar que deixa escapar el oído abierto de un coche, o ouvido aberto de um carro, lujoso. luxoso. Y lloro, E choro, y mi lágrima gigante e minha lágrima gigante se reparte se divide en tibios arroyos que arrastran em mornos arroios que arrastam la pena asuncena. a pena assuncena. Em uma das edições de Argos, no verso da página que divulga o conto “La Poesia en el Teatro”, de René Dávalos, encontramos seu poema Ausência com o qual se encerra este texto, esperando que, por muitos, possa ele ser conhecido e, por outros, recordado o nome de quem, em vida, se comprometera, com seus poemas – e sua sensibilidade poética -, bradar e lutar para que seus compatriotas, homens e mulheres de todas as idades e de todas as gerações, podessem concretizar o sonho de uma vida de plenitude democrática. AUSENCIA AUSÊNCIA Ausencia: Ausência: así com mayúscula assim com maiúscula te siento. te sinto. Estás tú llenando Tu estás enchendo todo lo que hay tudo o que existe con tu vacuidad com tua vacuidade helada. gelada. Sé que caminas Sei que caminhas siempre a mi lado; sempre ao meu lado; y cuando me olvido e quando me esqueço y sonrío; e sorrio; ya siento tu contacto já sinto teu contato decidido y mordiente decidido e mordente sobre mi brazo sobre meu braço agotado. cansado. ¡Que sola brilla Que sozinha brilha - y qué vacilante - - e que vacilante – mi vida en tu oscuridad! minha vida em tua escuridão! Ya ni siquiera Já nem siquer puedo moverme posso mover-me porque tu estás porque estás en todas partes, por toda parte, Ausencia. Ausência. Me tortura el alma Me tortura a alma tu abrazo y tu aliento teu abraço e teu alento de Nada, de Nada, porque son recuerdos porque são lembranças, de mí propria impotencia de minha própria impotência y mi desesperanza. e minha desesperança. Yo lloro, Eu choro, pero mis lágrimas, mas minhas lágrimas, mis pobres lágrimas fatigadas minhas pobres lágrimas cansadas - constantes fracasos de mi vida - - constantes fracassos de minha vida - sólo da brillo a tus ojos só dão brilho aos teus olhos de hielo. de gelo. ¡Que tanto es vivir Que tanto é viver con tu presencia clavada com tua presença cravada sobre mi cuerpo! sobre meu corpo! ¡Que triste es vivir llorando Que triste é viver chorando lágrimas de angustia lágrimas de angústia porque el solo beso porque o único beijo de mi boca ansiosa de minha boca ansiosa siempre se encuentra sempre se encontra con la boca tuya! com a boca tua!
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