A MODA DO PALAVRÃO L. C. Vinholes
Há muito nada me surpreende. Apenas vou registrando o que vejo e escuto, não só onde vivo, mas também por onde andei durante meus anos de ausência. No jornal que assino e leio caprichosamente, encontrei monossílabo que ainda não ganhou a aceitabilidade de que outros gozam, deslocando o termo condizente com o linguajar da anatomia, mas que, de maneira velada, é muitas vezes lembrado, fazendo parte do palavreado de alguns e de textos sérios e cizudos de outros. Na crônica que acabei de ler e que, de maneira justa e merecida, aborda a figura do singular jornalista Oliveira Bastos, é lembrada, entre outros dos seus pedicados, sua verve como piadista. É dito que na empresa em que trabalhava tratava de Nicodeu ao funcionário cujo nome de batismo era Nicodemos. Indagado, justificava a troca de tratamento declarando que “cada um que se responsabilize pelos seus atos”. Na mesma edição, em artigo de fundo abordando recentes providências do Supremo Tribunal Federal, tratando esclarecer o fatiamento e a redistribuição aos juízes competentes dos autos suplementares das ações relacionadas à operação Lava-Jato, é lembrada frase que escandalizou à jornalista italiana que cobria o início das investigações do famoso caso da Cosa Nostra: “Quem tem poder, dinheiro e amizade pode mandar a Justiça tomar no...”. Sim, pode até mais do que isto, pode desrespeitar à cidadania e criar os maiores problemas àqueles e àquelas que deveriam ser, sempre e de todas as formas, respeitados: o cidadã e o cidadão, corpo e alma da sociedade. Na televisão de hoje, as coisas não são diferentes, mas, sim, diferentes do que foram antes. Em programa que dominicalmente faz convergir milhares de olhos de espectadores, o verborágico âncora, sem nenhum constrangimento, falando sempre mais do que os convidados, apela constantemente para o dissílabo que o Dicionário Aurélio trás como sendo chulo, grosseiro, baixo, rude. Há alguns anos, não se imaginava dito na frente de qualquer pessoa, sem causar supresa e rejeição, agora é usado sem cerimônia e de forma invasiva à privacidade de milhares de lares, quando crianças e adolecenes são atingidos impiedosamente. Para não colocá-lo aqui de maneira ostensiva e facilitar a leitura, deixo para os que enfrentarem estas linhas a tarefa lúdica de juntar as sílabas formadas com as letras à disposição: dois “r”s, um “p”, um “o” e um “a”. E no Senado da República, onde, sonho nosso, deveriam estar apenas gente escolhida a dedo, com formação moral e ética, proba e de educação esmerada, ressalvada uma minoria de percentual insignificante, o que se vê é exatamente o contrário do que se espera, pois o ambiente das duas câmaras é infestado por espertalhões ralé, ratazana e larápios. Recentemente, uma dita “excelência”, um protagonista rejeitado da década de 1990, desrespeitando o ambiente da Casa do Povo e o pretendido alvo de seu linguajar agressivo e de baixo calão, espumando e de olhos arregalados, repete mesquinha e repugnante expressão que sempre atinge, primeiro, àquela que nunca deveria ser atingida e, depois, sem motivos plausíveis, ao seu desafeto, verbalizando o que escapa de sua boca suja: “filho da p...”. Na internet, entre outras pérolas que sintilam aos olhos dos que curtem as baboseiras do cotidiano, uma criança de uns 3 anos de idade, tendo sua imagem abusada e sem defesa, satisfaz aos espectadores quando, inocente e freneticamente, repete o que lhe foi ministrado, atingindo a genitora do alvo do xingamento: “p... que o pariu”. E na evolução das coisas o tempo passa, as modas vem e se esvaem, e a do palavrão, curtido, muitas vezes enche e preenche o vazio daqueles que dele fazem uso.
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