Creio na amargura do medo
Na inutilidade da dor
Nos discursos dos políticos
E na vergonha da cor
Porque de mim o receio
Aviva mais o que creio
Nos impossíveis do amor
Creio também na loucura
Vendida em boa porção
Creio a verdade da língua
E na cegueira da visão
No dormir enquanto cedo
Na inconstância do medo
Na descrente religião
Creio no conforto do tédio
E nos meus dedos de aço
Só não creio no que vejo
Amostras no mesmo espaço
Nas grades dessa prisão
Espelho do mundo cristão
Só creio no que desfaço
Creio no amor dos homens
Pregado em sermão avulso
Creio na vida eterna
Negada a cada impulso
Creio na perda da luta
No filho de toda puta
Na cegueira desse indulto
Creio na beleza da terra
Vista do quarto escuro
E na maciez das grades
Sexo em cima do muro
Não é que falo de gato
Na amizade com o rato
Jogo claro nesse escuro
Creio na idade de Deus
No dia do aniversário
Eu só não sei do diabo
Tido como contrário
Que todo dia expulso
Volta pro mesmo culto
Pra garantir o salário
O que eu sei é que esse
Que finge ser expulso
Pautado pra todo programa
Comentado em todo culto
É na verdade aliado
É amigo cultivado
O atrativo absoluto
Creio também no espelho
Mostrando rosto contrário
Só não creio nessas rugas
Que sobram do meu salário
Meu coração conforma
Creio nessa reforma
De todo salafrário
Creio também na história
Vista de um só lado
Sei que não vou morrer
Convido pro meu traslado
No final da minha vida
Vejam a minha subida
Minha mudança de estado
Só não creio no que vejo
Nem no olho que me lê
Literatura é cordel
Que nessa zona me vê
Cala a boca já morreu
Não creio que eu sou eu
Nem que você é você