Usina de Letras
Usina de Letras
18 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10388)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->1. MERCEDES -- 15/02/2003 - 08:01 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Não posso, ao iniciar a descrição dos fatos que me trouxeram a este estado lastimável, deixar de referir-me a ser de excelsitude digna de anjo. Mercedes, minha mãe, criatura maravilhosa, a quem desgostei a vida toda e que vim a reencontrar no etéreo, luz divina a me guiar pela escuridão das Trevas.

Dizer que Mercedes é minha protetora é dizer pouco. Protetor é todo aquele que encaminha os seres à perfeição, ligando-se a ele por laços de benquerença, de carinho, de respeito pela integridade do indivíduo como filho de Deus. Minha mãe era tudo isso e muito mais. Era a guardiã de meus passos, a anfitriã de minhas festas, a sacrossanta criatura que daria de si tudo para evitar a mínima contrariedade do filho.

Eis que a desconfiança dos seres encarnados põe em dúvida a educação que me foi ministrada, atribuindo a ela poderes de superproteção. Nada disso. Minha querida progenitora (não gosto desta palavra porque não exprime com exatidão o aspecto moral e sentimental do relacionamento de seres que se amam) era intelectualmente muito bem provida de recursos, de forma que não cairia no engodo de me tornar tiranete em seus domínios, tanto que me deu três irmãos, distribuindo igualmente os superiores atributos de bondade, de versatilidade artística, de encaminhamento, segundo os pendores de cada um.

A mim coube a desgraça da inveja, do ciúme, por causa da sensação de perda, mais velho que era. Truculento desde pequeno, feria os irmãozinhos o quanto me davam oportunidade. Eram poucas mas não desperdiçava nenhuma.

Jamais, contudo, minha mãezinha me acusou de perversidade, de maldade, de egoísmo. Queria me ver orgulhoso das boas ações e me aconselhava com sabedoria, com descortino, exprimindo as censuras de molde a me espelhar a verdade, forçando para que compreendesse eu as conseqüências desastrosas das atitudes em prejuízo meu e dos demais.

Se Mercedes era tão lúcida e se tanto fazia para que me aprimorasse moralmente, como é que não fui capaz de aprender o mínimo necessário para superar os desvios da personalidade?

A pergunta só se compreende em contexto de total ignorância dos fatores existenciais impregnados no meu ser. Posso adiantar que, se mamãe (esta é a palavra ideal, a mais carregada de emoções transcendentais de sublimes evocações) não houvesse cuidado de mim com tanto desvelo, se me tivesse ligado a outro ser que me punisse com rigor, que me castigasse com ódio ou raiva, que me acusasse de ser exatamente como eu era, sem explicações carinhosas, aí não teria tido o desenvolvimento que me foi possível em vida cheia de percalços no setor da moralidade.

— “E o teu pai, amigo? Não terá sido ele o carrasco que te levou pelos descaminhos dos vícios, do egoísmo, da vaidade, do orgulho, da malícia, contraponto inevitável para a pusilanimidade de tua progenitora?”

Ponho, na voz de fantasmagórico leitor, a dolorosa perquirição que me trouxe alienado da verdade por longo tempo, enquanto peregrinava, sofredor, pelas escuras, pelas tétricas paragens umbráticas.

Pedro...

(“Paulo, Mercedes, Pedro” e outros são nomes que inventei, para que ninguém ousasse perlustrar a família “Azeredo”, no intuito imbecil de descobrir a quem se refere o texto, pretendendo dizer de boca cheia: — “Impossível ter sido o Paulinho a escrever tal impropriedade sobre os familiares, os amigos, os adversários, os colegas... Ele era tão...” Acresce observar que “Azeredo” aí está assinalado apenas para efeito narrativo, para encorpar o sentido da realidade, para facilitar as citações às personagens.)

Pedro não era o famigerado contraponto. Era homem ocupado, ausente, amigo dos amigos, no velho estilo dos homens práticos que buscam a realização de negócios em cada oportunidade. Preferia, assim, estimular que os filhos estivessem dormindo, quando chegasse, e tivessem saído, quando acordasse. Às vezes, marcava presença em memoráveis ocasiões de cobrança de melhores resultados escolares. Mas não dava palavra de graça: tudo cobrava com rigor draconiano. Sendo o mais velho, não me lembra tê-lo jamais visto carregando os pequerruchos, para os quais mantinha duas amas-secas.

Pedro, porém, se transladou cedo para cá, deixando a viúva entregue aos afazeres da educação das quatro crianças. Mais tarde, peregrinando pelo etéreo, encontrei o estranho homem desesperado por arrecadar de mim o perdão das graves acusações conscienciais. Esse é episódio a ser construído, porque, apesar de obter minhas melhores palavras de ânimo e de boa vontade, me desapareceu da vista, dizendo-se infeliz, que deixara de praticar o bem, quando tivera as melhores oportunidades.

Não irei adiantar conclusões, se disser que o coitado se deu um tiro no ouvido, quando se viu falido nas negociatas da bolsa de valores?

Pois Mercedes escondeu dos filhos a tragédia doméstica. Eu mesmo só tive conhecimento do suicídio já adulto, quando, vasculhando velhos guardados da finada mãe, encontrei recortes de jornais em que se descrevia o evento. Suspeitei que Mercedes havia deixado propositadamente a lembrança dos fatos, para que os filhos tomassem conhecimento da verdade. Entretanto, quando expus a ela a antiga conjectura, fez questão de esclarecer-me que se esquecera completamente do velho baú, tantas foram as atribulações com que lhe encheu a vida a infeliz decisão do marido.

— Mãe, por que recortar as notícias?

— Paulo, meu filho, as pessoas sofrem porque não compreendem o desenrolar dos fatos em sua essência cármica. Passei por momentos de grande angústia. A morte de seu pai me surpreendeu absolutamente incapaz de levar adiante as questões comerciais que lhe causaram a falência. Comprei todos os jornais para poder entender o que levara o homem a cometer o pior ato contra a benevolência do Senhor. Espicaçava-me a curiosidade o conhecer as minudências dos negócios, explorados profundamente pelos comentaristas policiais e econômicos, como se o ato desqualificado pudesse fornecer os indícios de perigoso declínio socioeconômico nacional. Você era muito pequeno para se recordar de todos os acontecimentos. No entanto, posso dizer-lhe que os seus irmãos se viram desamparados com a perda das babás e eu, completamente zonza com as contas, as dívidas e o desbaratamento de todos os bens, mediante a tomada pública levada a efeito pelo Poder Judiciário.

— Mas você nunca acusou papai...

— Nem vou fazê-lo jamais. É preciso conhecer as injunções...

Naquele tempo, estava terrivelmente imerso em mim mesmo para não fazer corresponder as observações de mamãe às próprias atitudes. E foi assim que, naquele momento, a presença dela se desvaneceu, caindo eu em profunda prostração.



Se os leitores não se tiverem agastado comigo, aguardem um dia para ler o capítulo seguinte destas memórias. Temo muitíssimo que, se permanecerem com o livro sob os olhos, poderão perturbar-se, a ponto de arremessá-lo ao lixo, sem chegar ao final. Mas também não vou prometer a salvação, porque este “prazer luxuriante” tem pouco de caritativo.

A salvação, podem estar certos, está na caridade. E eu não tenho tido contemplação alguma com os amigos que se puseram atentos, dispostos e dedicados.

Não se esqueçam, também, de que a curiosidade matou o gato...

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui