Usina de Letras
Usina de Letras
18 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10388)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->39. DE PERNAS NOVAS (FIM DE DO ÓDIO AO AMOR) -- 13/02/2003 - 06:56 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Cléber pensava que teria de passar muito tempo até se acostumar com as novas pernas. Contudo, foi-lhe muito grata a surpresa de que eram bem acolchoadas, tendo sido ajustadas perfeitamente aos extremos de seus cotos. A cor de carne do plástico externo não dava a impressão de algo artificial, de modo que podia até expor as pernas abaixo da junção, pois não se diria que eram artificiais. Além de tudo, suprema perfeição tecnológica, era possível calçar qualquer sapato ou tênis. Restava-lhe a necessidade de bengala, para apoio inicial, mas, como lhe disse o médico, em pouco tempo seria dispensada.

— Doutor, eu estou crescendo.

— Nós podemos ajustar os parafusos internos e solicitar troca da parte externa da prótese. Caso suceda crescimento além da conta, podemos contar com a manutenção da fábrica, ou seja, vamos conseguir outro conjunto, porque a assistência é pra toda a vida, conforme reza o contrato do Estado com a firma fornecedora.

— Maravilha!

— O que você não vai poder fazer, creio que nunca, é sair correndo. Contudo, existem próteses mais resistentes, adequadas para a prática de diversos esportes. Um dia, você vai querer participar dos Jogos Olímpicos para Deficientes.

— Já ouvi falar na televisão.

— Essa turma é muito boa. Homens sãos, colocados em cadeiras de rodas ou sobre pernas mecânicas, mesmo sendo bons esportistas, não alcançam desempenhos similares aos dos deficientes. Mas é preciso treinar bastante.

Antunes ouvia com muita atenção. Punha fé em que essas palavras poderiam ser empregadas na conversão dos revoltados contra o Senhor, lá no Centro, sempre que ouvisse as lamúrias dos que se julgam vítimas da sorte.



Cléber havia combinado com o pai de Juliano que se encontrariam à tarde, para ajustarem o serviço de reforma do barraco. Precisava, para isso, ter dinheiro na mão, uma vez que não lograra obter talão de cheques. Imaginou que o pai tivesse interesse em ajudá-lo, de forma que foi buscar o velho em casa. Ia com as pernas novas, de tênis, embora se equilibrasse mal. Mas dispensou a cadeira, mantendo uma muleta e a bengala.

Como Antunes não podia dispor de todo o tempo, foi de táxi. Era despesa com que podia arcar, posto que cada dia fora da mendicância representasse sério retrocesso na campanha de arrecadação.

Juliano tinha sido encarregado de localizar Banguela, instruído por Antunes para que procurasse advogado disponível junto ao pessoal dos Direitos Humanos. Esse era motivo de expectativa para Cléber, que desejava ver o amigo reencontrar o caminho da vida, o que, pela sua compreensão, deveria passar pelo mais irrestrito apoio dele e de Juliano, credores das despesas do incêndio do barraco.

Enxugadas as lágrimas, Deodato quis examinar as próteses, fazendo Cléber repetir várias vezes o que lhe havia dito o médico. Estava muito sensibilizado.

— Já foi registrar a criança?

— Fui.

— Deixa ver a certidão.

Deodato não estava com muita vontade de mostrar.

— Que nome deu pra ele?

— Fique tranqüilo. Está tudo como tua mãe queria.

— Deixa ver.

Realmente, a criança recebeu o mesmo nome, com pequena alteração: “Deodoro”. Deodato fez questão de esclarecer:

— Deodoro é pra ninguém fazer confusão com o meu nome.

— ‘Tá certo, pai. O sentido deve ser o mesmo.

— Será que tua mãe vai entender?

— Amanhã, a gente fica sabendo. Ela não vai receber alta?

— Vai.

— Quando voltar do banco, o senhor vai ajudar a reformar o meu quarto. Assim, vai poder fiscalizar os serviços do pedreiro e do carpinteiro. E vai poder ir fazer as compras no depósito de material de construção.

— Pra alguma coisa há de servir ser almoxarife.

— Além de “xerife”...



À noite, Antunes passou para levar Cléber para o Centro. Tinha programado ir primeiro para casa. Queria que o seu pessoal e Gaspar vissem como Cléber estava outro. E queria que lhe apalpassem as pernas, como se fossem algo de muito valor.

Cléber é que não estava gostando nada disso. As irmãs haviam engolido o receio e se aproximado, sob o amparo de Rosângela, tendo tido a primeira impressão da frieza do material. Até Lurdes foi levada para passar a mão pela superfície lisa. Essa atitude dava aos outros certa noção de poder do aleijado sobre as pessoas comuns. Mas o rapaz não se punha à vontade, lembrando-se de que preferia ter ido ele mesmo atrás de Banguela. “Coisas da vida” — pensava, recordando-se da frase de Antunes: — “Os desígnios de Deus são insondáveis.”



No Centro, ouviu com atenção todas as manifestações mediúnicas, não tendo logrado nenhuma resposta às inúmeras questões que formulou intimamente. Todos os espíritos que se apresentaram, todavia, insistiram no mesmo ponto, ou seja, que as coisas não caem do Céu mas precisam ser buscadas com muito estudo e muito trabalho caritativo. Houve mesmo um que disse, literalmente:

— “Todo esforço em prol da sabedoria ou a favor do próximo é contado nesta e na outra vida. Deus é pai de misericórdia e leva em conta a sinceridade com que as pessoas buscam a Verdade. Ora, a Verdade se encerra no Amor, porque Deus é Amor. Portanto, amar ao próximo como a si mesmo e ao Pai acima de qualquer coisa irá constituir-se no objetivo angelical. Quem será capaz de expressar melhor esse pensamento? Se for, poderá considerar-se ao nível de Jesus, o Mestre do círculo galático, o responsável pelas entidades existentes neste setor do Universo. Esta não é lição da maior humildade?! Prefiramos existir sob a luz dos protetores maiores a tentar ofuscar a vista dos seres infelizes, pretensão que os que estão comunicando-se não têm. Mas é importante lembrar o evangelho do Cristo, porque muitos são os que olvidam as mais comezinhas lições que levam a suplantar os vícios e a enaltecer as virtudes. Fiquem na paz do Senhor!”




Três meses depois, vamos encontrar Cléber instalado em “camelódromo”, com barraquinha bem montada de objetos de adorno pessoal. Aprendeu a pintar lenços de seda, reproduzindo motivos adquiridos em lojas especializadas. Seu traço fino, contudo, realçava a qualidade da peça, obtendo elogios rasgados dos compradores. Não mais retirava as pernas artificiais, como fizera no início. O lucro não era grande mas dava para ele e Juliano se manterem, até auxiliando a família.

O barraco ficou limpo e melhor mobiliado. Fechou-se o local da latrina com parede e porta, acomodando-se a pia debaixo do chuveiro. Dava para Cléber tomar banho sentado na bacia da privada. As paredes ostentavam, até a metade, azulejos brancos e o piso fora forrado de lajotas de cerâmica. Abriu-se a canalização para o esgoto, de modo que os dejetos não mais eram despejados a céu aberto. O beliche acomodava melhor os dois amigos, ampliando o espaço para a pequena mesa, o fogão de quatro bocas e o armário de roupas. Sustentado na parede, via-se o aparelho de televisão. Aburguesara-se a miserabilidade do ambiente com o conforto de pequena geladeira. Maria fez questão de colocar cortinas, enquanto Antunes lotou uma prateleira inteira de livros espíritas. Deodato limitou-se a observar tudo, carregando o bebê.

À noite, Juliano ajudava o amigo a deslocar-se até a escola, empurrando-lhe a cadeira, que ficava guardada na portaria, até o final das aulas. Voltavam, fazendo companhia a Rosângela, em bando de mais de vinte, alguns estimulados à matrícula pelo próprio Cléber.

Banguela não se livrara da maléfica influência do vício perverso. Fugira duas vezes do reformatório (vamos chamar assim a moderna Casa de Atendimento dos Menores Infratores) e fora recambiado em estado lastimável. As visitas de Cléber e de Juliano nem sempre coincidiam com as épocas de melhora de humor, de forma que, às vezes, a presença deles provocava mais o furor e a angústia do que a esperança de retornar ao mundo dos vivos.

Gaspar, havia um mês, fora operado e convalescia, por assim dizer, da surpresa de poder usar as mãos e as pernas disciplinadamente. Tivera extraído pequeno tumor que pressionava o cérebro. Mas isso fora tudo que Cléber e os familiares puderam compreender das explicações técnicas do cirurgião.

No Centro, João respondeu a apelo silencioso de Cléber:

— “O sentimento de culpa só se compreende quando leva o indivíduo a refazer o procedimento, não reincidindo no hábito, vício ou atitude errada quanto a si mesmo ou aos outros. Quem deseja, a todo o custo, conhecer as minudências do comportamento que o levou a esta ou aquela reação vai acabar perdendo precioso tempo, que poderia ser destinado à prática das virtudes. Ao contrário do que se dá no etéreo, o tempo dos encarnados flui perenemente, levando consigo as melhores disposições físicas, estruturando a vida sempre de modo a consignar novos fatores, desarmando, muitas vezes, as situações ideais para o aprendizado pela instrução ou pelo trabalho. Quando se diz que não se deve deixar para amanhã o que se pode fazer hoje, está repetindo-se lei universal válida para o âmbito da matéria. Dessa forma, os encarnados devem superar a vontade de tudo compreenderem para tudo realizarem. No plano da espiritualidade, dar-se-á a descoberta das ações que geraram as reações, caso contrário, os seres não conseguirão ascender ao próximo círculo existencial, local mais adiantado, para onde só vão os que se depurarem da maldade e dos vícios gerados pelo egoísmo. A essa atitude dos humanos damos o nome de fé no Senhor e de esperança de salvação. E qual o lema dos amigos aqui reunidos sob a bandeira do Espiritismo? Fora da caridade não existe salvação. Pratiquemos, pois, a caridade, antes e acima de tudo. O mais virá por acréscimo de misericórdia do Pai. Eis a nossa interpretação dos ensinamentos de Jesus.”



FIM



Indaiatuba, de 06.04 a 12.06.95.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui