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Erotico-->38. BOAS PERSPECTIVAS -- 12/02/2003 - 08:28 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Às sete da manhã, batiam palma na frente da casa de Deodato. Em outros tempos, iriam acordá-lo. Agora, porém, desde às cinco e meia estava mourejando para deixar tudo em ordem, na ausência da esposa. Preparava o café para acompanhar o leite que fora comprar, juntamente com o pão.

“Quem poderá ser tão cedo?”

Era um sujeito escurinho, de má catadura, nervoso:

— Precisamos conversar.

— Sobre?

— Eu sou o dono do barraco em que morava tua cunhada e que estava sob a responsabilidade de teu filho e que ontem puseram fogo nele.

— E agora veio ver se tira alguma vantagem da gente trabalhadora.

— Tenho todos os direitos.

— Pois deve ir cobrar de quem pôs fogo. Meu filho perdeu todos os móveis, roupas e eletrodomésticos...

— Se ele tem de quem cobrar, que me diga o nome da pessoa, pra eu ir também.

Deodato sentiu que as velhas desconfianças nas pessoas tinham aflorado, desde que tanto se magoara com o nascimento da criança que deveria registrar como filho. Mas não perseverou na defensiva. “Afinal de contas, o homem tem razão. Atearam fogo numa propriedade dele.”

Os ânimos exaltados acordaram Cléber, que dormia na sala. Ouviu as palavras do pai e não pôde reconhecer o homem ponderado dos últimos tempos. Resolveu intervir:

— Seu Romeu, não fique aflito. Eu dou um jeito nas coisas.

— Como não vou ficar aflito? Você já viu como ficaram as paredes e o telhado?

— Não caíram.

— Mas falta pouco.

— Então, vamos ter de ver direitinho o que vai ser preciso consertar.

— E vocês pagam todas as despesas?

— Vamos ver se as exigências não são descabidas.

— Eu acho que pouca coisa vai ser aproveitada.

— Vamos fazer o seguinte: às nove, você espera a gente pra ajudar a fazer o levantamento do material.

— Eu quero saber se vocês vão continuar alugando a casa.

— Até quando o aluguel está acertado?

— Tem mais um mês.

— Tudo bem. Daqui até lá a gente conversa sobre isso. Fique tranqüilo.

Deodato punha muita admiração nas atitudes do filho. Parecia um homem adulto e ele nem completara os quinze anos. Não achava certo devolver o barraco em melhores condições, já que o incêndio acabou escondendo os defeitos anteriores. Quis argumentar:

— O teu nome é Romeu?

— Sim.

— Então, escute bem o que vou falar. O meu filho não entende muito dessas coisas.

O homem se impacientava.

— Eu acho que o senhor devia cobrir uma parte das despesas...

— Espera aí!

— Não espero nada. Ouça, porque o senhor só tem a ganhar.

— Mas eu perdi...

— Não é por isso que vai querer ganhar nada a mais.

O dono do barraco viu que sua intenção de se aproveitar do acidente para ganhos suplementares estava descoberta. Mas fincou pé:

— Quer dizer que vou ter de arcar com os prejuízos.

— Prejuízo nenhum. O que não pode é querer que a gente reforme o cômodo, pondo tudo novo, quando o que lá havia estava uma porcaria.

Cléber não estava disposto a ouvir a discussão mas Romeu não queria deixar as coisas para as calendas:

— Não é porque vocês têm amigos na Polícia que vão me deixar no prejuízo.

— Ninguém falou em prejuízo.

Cléber interrompeu:

— Vocês querem me ouvir? Vamos ver o que vai ser preciso fazer. O que tocar a mim, eu pago. Se for pra acrescentar benefícios...

— Eu não quero nada demais. Só quero as coisas como eu deixei nas tuas mãos.

— Então, precisamos conversar lá mesmo, fazendo levantamento de tudo.

— Mas o teu pai está ameaçando não pagar.

— Ele não disse isso. Ele disse que ninguém deve ter lucro com a desgraça alheia. Foi o que entendi. Quanto à gente ter amigos policiais, Antunes é gente fina, espírita de mesa branca, homem direito e cumpridor das obrigações. É bom não ofender quem não está presente.

— Fiquei nervoso.

— Isso não é bom pra saúde.

— Então, vocês vão lá às nove horas?

— Vamos.

— Vou ficar esperando.

— Até logo.

Quando Romeu se afastou, Deodato, que não se conformava com a interferência do filho, resolveu chamar-lhe a atenção:

— Cléber, do jeito que esse cara é esperto, vai querer tirar vantagem. A gente não pode dar uma de inocente.

— Deixa comigo, pai. Se eu resolver continuar morando lá, vou ter de deixar tudo em ordem.

— Você aluga coisa melhor.

Deodato falava como se o filho fosse continuar com os mesmos rendimentos.

— Mas o homem pode ter razão. Afinal de contas, se a gente fizer o cálculo direitinho de todos os aluguéis pagos, não vai cobrir as despesas da reforma. É pouco, mas ele aplicou um capital.

— Acidentes acontecem.

— Pode ter a certeza de que Banguela pôs fogo de propósito.

— Mas ele nem morava com vocês.

— Ontem, quando eu saí com Antunes e Juliano, deixei ele dormindo. Pensei em mandar alguém e não mandei ninguém. Eu fui culpado de deixar o carinha...

Se prosseguisse comentando, iria ter de explicar o consumo das drogas, iria ter de demonstrar que não participava das rodadas, iria ter de defender os amigos como colegas de trabalho, e todas essas coisas eram de difícil compreensão para um pai agitado, como estava Deodato. O nervosismo era evidente. Tinha necessidade de desforrar a vergonha da mulher? A ocasião era muito boa. Cléber intuiu tudo isso e se calou. Ou melhor, apenas acrescentou:

— De onde veio o meu dinheiro tem muito mais. Vamos acordar as meninas e mandar chamar Rosângela.

— Ela prometeu estar aqui às oito.

— Então, vamos tomar café.



Antes que terminassem, apareceu Antunes. Vinha preocupado:

— Ontem, com o fato de ir ao Centro, acabei não comentando a respeito do barraco. Acho que vamos ter umas despesas...

Cléber sorriu e pôs o dedo indicador sobre os lábios, em sinal de silêncio:

— O dono do barraco já veio criar caso hoje cedo. Mas combinamos o que vamos fazer daqui a pouco. Se você me levar, a gente dispensa meu pai pra fazer o almoço. Hoje de tarde, vamos todos visitar minha mãe e o novo membro da família. Você tem notícias de Banguela?

Antunes sabia que estava recolhido na delegacia, esperando a hora de ser enviado a centro de recuperação de menores infratores.

— Não há muito que possamos fazer por ele. O caso será decidido pelo Juizado de Menores. O pessoal dos Direitos Humanos vai ter de trabalhar em favor dele, porque a família não tem recursos. Deixem comigo. O que eu puder fazer, eu faço. Não existe caso perdido, mas esse carinha está enrascado.

Cléber demonstrou apreensão:

— Eu acho que a família não gosta dele.

Antunes não via como tranqüilizar o rapaz:

— Vou pedir pros diretores do Centro perguntarem na Federação Espírita se existe vaga em hospital especializado. Eu sei que eles fazem esse tipo de encaminhamento. Mas vamos mudar de assunto. O menino já tem nome?

— Maria quer que se chame Deodato.

— Bem lembrado.

— Eu disse pra ela que quem registra sou eu e não vou pôr o meu nome...

Precisou fingir-se de engasgado para não falar nada que ofendesse a mulher. Mas foi suficiente para que os outros medissem a sua zanga. Intimamente, acharam que tinha até razão, porque é muito difícil de engolir semelhante drama.

— Eu acho que vou pôr o nome nele de Benedito ou Sebastião. Ou os dois juntos.

— O que Maria acha disso?

— Não falei nada pra ela.

— Então, é bom falar. Vocês ainda têm tempo. Segunda-feira você está dispensado do trabalho justamente pra efetuar o registro.

— Quero aproveitar pra acompanhar Cléber ao hospital.

Antunes queria amenizar as coisas:

— Não precisa. Aproveite o dia pra descansar. Eu levo Cléber e depois vou buscar. Aliás, essa mamata vai acabar. Eu fui avisado de que vou receber incumbências internas. Falta só a turma que está em treinamento ser liberada pras ruas.

Deodato estava sentindo-se rejeitado. Começava a invejar a ascendência moral do amigo sobre o filho. “Eu tenho de ficar em casa cozinhando, enquanto ele vai resolver o caso das reformas. Eu tenho de cuidar de registrar o filho do outro, enquanto o meu filho vai com ele receber as pernas novas.” Lastimava-se, mas não encontrava meios de superar as dificuldades que lhe tinham sido impostas pelo desenrolar dos acontecimentos. Se estivesse mais adiantado nos estudos da Doutrina Espírita, iria poder compreender melhor esse angu-de-caroço em que mergulhara. De qualquer modo, lembrava-se de que Jesus pedira ao Pai para perdoar os inimigos e ele, atualmente, não encontrava nenhum adversário traiçoeiro, ao nível dos que crucificaram o Senhor. “Quem sabe o errado seja eu mesmo, que não estou sendo capaz de me conformar com a sorte!” Lembrou-se dos tempos das bebedeiras e sutilmente achou melhor não insistir nessa linha de pensamentos. “Deodato até que é um bonito nome. Vou perguntar no Centro se alguém sabe o que quer dizer. Quem sabe tenha um sentido bacana, ajustado à situação.”

Parecendo ter lido no coração do amigo, Antunes saiu-se com essa:

— Você sabe que Deodato é um bonito nome?

— O que representa?

— Se não estou enganado, quer dizer “o que foi dado por Deus”.

Cléber complementou:

— Quem sabe essa criança seja um presente de Deus?!

E a conversa morreu aí.



As coisas com Romeu correram serenas. Ele, seja porque se acalmara, seja porque Antunes estava presente, acabou reconhecendo que, pelo menos, a pintura deveria correr por sua conta, porque as paredes estavam sujas quando alugou o barraco para a tia de Cléber. O madeiramento do telhado deveria ser trocado, mais a porta e o gabinete da pia. Esta era uma peça carunchada, apodrecida pela umidade, porém, Cléber achou que não valia a pena discutir por tão pouco. Os batentes estavam intactos, mas os móveis todos se perderam, com todas as coisas que guardavam: roupas, o rádio, as bijuterias, o liqüidificador. Ainda bem que Cléber resolvera colocar o dinheiro na poupança, senão as economias teriam virado fumaça.

De volta, Deodato foi colocado a par das tratativas, achando justo o acordo, prometendo trabalhar no conserto do telhado. Mas as providências não poderiam restringir-se só aos finais de semana, de modo que Cléber agradeceu e calou-se, para não magoar o pai. Contudo, havia imaginado arranjar quem pudesse fazer o serviço sem cobrar muito. “Se for o caso, levo o pai de Juliano, que deve estar desempregado. Um dinheirinho a mais não vai fazer mal.”

A visita à maternidade trouxe muita alegria ao coração das meninas. Rosângela viu-se obrigada a ir junto, de modo que Cléber se viu incomodado com os olhares curiosos do pai. Também Antunes levara Odete e Gaspar, de modo que todos puderam reunir-se ao redor da criancinha que dormia no berço, ao lado da mãe.

Odete, instigada pela curiosidade, queria saber o nome do pequeno.

— Deodato. Ele não quer esse nome e eu compreendo o seu sentimento. Mas, se a criança tiver o nome dele, eu acho que vai gostar mais dela.

A delicada condição do pai fez o assunto morrer aí, entretanto, Deodato resolveu concordar:

— Vai ficar Deodato mesmo. Não pra que eu me ligue mais a ele, mas pra me lembrar sempre de que Deus me está dando chance de melhorar.

Antunes voltou-se para a janela. Uma lágrima insistia em brotar-lhe da fonte das emoções.

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