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Artigos-->ÓPERA DE PEQUIM -- 11/06/2014 - 08:42 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos





A ÓPERA DE PEQUIM




                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                  L. C. Vinholes




 




Apenas por um dia perdi a oportunidade de assistir mais uma vez a Ópera de Pequim, na apresentação no Teatro São Pedro de Porto Alegre, dias 22 e 23 de maio de 2014. No voo de volta a Brasília recordei as três vezes que estive em uma plateia aplaudindo o desempenho dos artistas chineses exibindo destreza e habilidade em um tipo de teatro que reúne dança, música e canto, de maneira equilibrada e convincente, emolduradas em cenário colorido.







Embora não represente o estilo mais antigo da música chinesa e, hoje, tenha, estilisticamente, marcantes aparências técnicas que se aproximam da música ocidental, a Ópera de Pequim não deixa de ser um veículo importante que permite preliminar imersão na cultura chinesa contemporânea.







As três ocasiões nas quais assisti à apresentação da Ópera de Pequim foram em outubro de 1956 em São Paulo, em Tokyo em 14 de outubro de 1974 e no Canadá em 18 de dezembro de 1979.







Após a apresentação no Teatro Nacional em Ottawa encontrei alguns dos artistas e os diretores e empresários chineses que acompanhavam a companhia. Naquela ocasião, embora escritos em português, ofereci ao empresário do grupo cópia dos quatro artigos sobre a companhia que visitou o Brasil, artigos publicados na coluna Música do jornal Diário de São Paulo. Deles ouvi a notícia que não esperava, qual seja a do acidente aéreo ocorrido quando artistas e músicos retornavam de Viena para Pequim depois das apresentações na Europa. Ao tomarem conhecimento do meu interesse pelo Oriente e dos estudos feitos no Japão, foram gentis e permitiram que experimentasse a sonoridade de um “scho” de dezessete tubos, instrumento no ocidente chamado “órgão de boca”, feito de bambus presos a um recipiente tubular de madeira coberta de laca e ornamentada com paisagens e desenhos. Mais tarde, pelo correio, recebi exemplar do método do “scho”, editado em Pequim em 1957 com dedicatória; uma coleção de esmeradas publicações nas quais estão reproduzidos instrumentos clássicos da música chinesa, esculpidos nas quatro paredes laterais de um palco milenar; e, ainda, reproduções de partituras com diferentes estilos de notações para cada instrumento musical.







Nos artigos que publiquei no Diário de São Paulo, em 29 e 30/09 e em 05 e 09/10/1956, tratei dos aspectos históricos, técnicos e estéticos da Ópera de Pequim de uma década anterior à Grande Revolução Cultural Proletária, conhecida por Revolução Cultural Chinesa, lançada em reunião do Comitê Central do Partido Comunista, em agosto de 1966, e desencadeada por Mao Tsé-tun, líder do país desde 1949.




 





ÓPERA DE PEQUIM I






Vários são os fatores que fazem da estreia e da apresentação entre nós do elenco da Ópera de Pequim um acontecimento de caráter inteiramente diverso daqueles a que, todos os dias, assistimos em nossas casas de espetáculo. Colocaram-se frente a frente dois mundos espiritualmente distintos e antagônicos: o nosso, representado pelo público, baseado na conceituação dualística - o mundo dos contrastes -, e o dos artistas chineses mostrando o espírito de sua terra milenar hoje ainda vivo de maneira autêntica e inegável, caracterizado por uma unidade onde nada se repete nem se opõe, onde nada sobra nem falta, onde tudo, embora igual, embora diferente, é uma e única coisa.







É assistindo a espetáculos como este que sentimos a profunda limitação das possibilidades dos nossos princípios de perceber, compreender e julgar. É nesse momento onde a especialização do profissional da crítica torna-se inoperante. Seus conceitos não valem mais assim como não mais valerão as opiniões que tiverem e que neles forem baseadas. Não é possível um parecer isolado. Não é possível o simples subjetivismo e o objetivismo.







Mímica, dança, canto, movimentação cênica, gesto, declamação, música, acrobatismo, que para nós constituem valores independentes, passíveis de uma apreciação também independente, encontram-se reunidos numa coexistência formadora e responsável pela arte clássica da China. Por este motivo Chao Fang, referindo-se a seus atores e atrizes, dizia: “Precisam conhecer tudo: devem cantar, dançar e ser acrobatas”.







Assim é o Oriente, assim é a China e o Japão: o mundo impregnado de valores que lá constituem até mesmo motivo e própria vida, os quais devemos incluir ao todo de nossa formação, revalorizando-os, e na síntese que aí se operar, termos a justificativa do intercâmbio que dia a dia e cada vez mais se faz sentir entre os dois lados do mundo.







“Os três encontros”, “O adeus da Favorita”, “A dança das fitas vermelhas”, “A dança do lótus”, “O Rio do Outono”, “A fortaleza de Yen-Tem-Chang”, os solos de canto e a música popular, números que figuram no programa de estreia, serão objeto dos próximos comentários desta coluna.





 





ÓPERA DE PEQUIM II






Há quase um século era apresentada na China a peça “Os três encontros”, extraída do romance popular “Os paladinos dos Yangs” que conta lutas ocorridas no século II, sob a dinastia Song. Esta obra deu início à temporada que a Ópera de Pequim está realizando entre nós.







Quando abriu a cena, o público foi surpreendido com a simplicidade: a música, juntamente com o vazio do palco, criava o ambiente onde Lien Li-hua, o albergueiro, esperava Jen Tang-huei, o jovem cavaleiro protetor de Tsiao Tsan. A cada instante tomava contato com novos objetos que ali existiam, mas que para seus olhos não possuíam valor real. Eram simplesmente criados pela simbologia. Assim, os gestos de Lien Li-hua para abrir a porta fizeram com que ele - o público -, dela, e consequentemente das paredes nas quais se encontrava, tomasse consciência. O importante, porém, é que a uniformidade do exterior e interior, a inexistência da separação dualística entre eles, dificultava compreendê-los. Também, embora toda a iluminação do palco, a madrugada era escura e, para clarear a estalagem, fez-se necessária uma vela. A luz e sombra, percebidas através da simbologia clara dos dois artistas, continuavam desprendidas das características que cotidianamente as separaram. O dualismo luz e sombra não foi criado, continuava uma coisa só. Os únicos móveis que, de início, serviram como mesa e cadeira, de um momento para outro, tornaram-se leito. O que era sala tornou-se quarto. Tudo mudava de sentido; tudo criava sentido; mas tudo continuava igual.







Este é o espírito de “Os três encontros”, obra que joga com a polaridade criada no Oriente em pleno século XIX, quando o nosso mundo, o Ocidental, achava-se mergulhado nos conceitos da contraposição, do dualismo, que através de suas possibilidades de divergência arquitetou e criou o mundo representativo daquelas ideias e dos contrastes que hoje a arte contemporânea de vanguarda procura superar.




 





ÓPERA DE PEQUIM III




 

Da lírica popular chinesa, na voz do soprano Liu-Chu Tang, ouvimos algumas canções nas quais observamos a influência do mundo europeu no pensamento tradicional do Oriente.




 




Muito embora ainda impregnadas de um profundo sentido simbólico no uso da tessitura das vozes, com suas fórmulas rítmicas e melódicas, guardando as características do material modal de algumas regiões, as melodias chinesas foram, em grande parte, despidas de sua singular originalidade.  O aproveitamento dos princípios que regem a linguagem tonal, apoiada que é nas organizações verticais - acordes -, encadeadas de maneira funcional, deu um cunho inteiramente distinto daquele que nelas poderíamos ter encontrado.






Com suas oitavas de temperamento igual, o piano contribuiu para que, com maior clareza, fosse percebida a diferença dos dois mundos sonoros. Na “Divina Flor de Lotus”, onde, no acompanhamento, foram usados os instrumentos da antiga China, com sua peculiar afinação não temperada, que incluiu até mesmo as riquezas do que para nós, definido, seria microtonalidade, ouvia-se o piano num autêntico contracanto com a voz e estabelecendo pontos de apoio de caráter puramente tonal.




 




Estas considerações, não tendo sentido crítico, visam por em evidência e mostrar que os “Solos de Canto” e a música de “A Dança da Flor de Lotus”, do programa da Ópera de Pequim, são exemplo vivo de uma época na qual um povo se acha em plena transição, época que ainda não alcançou, através das fusões que realiza, sentido e cunho próprio que permita sua singularidade plena. Nesta segunda metade do nosso século, Oriente e Ocidente se encontram, mais uma vez, no que poderíamos chamar de mútua interpenetração.




 




Não obstante aceitando a homenagem que os artistas chineses desejaram prestar às nossas plateias, incluindo no programa números como “Nesta rua” e “Saudades meu bem saudades”, não nos será possível deixar de comentar que eles constituem o que de menos artístico possuímos e que neles - nas formas de arranjo apresentadas -, não vemos nem mesmo um símbolo de nossa arte nacional. O soprano Liu-Chu-Tang, vencendo as dificuldades da fonética do idioma português, mereceu calorosos aplausos.






Na Música Popular que será objeto da próxima crônica, fomos levados a apreciar um trabalho muito mais condizente com o pensamento clássico da China milenar.




 





ÓPERA DE PEQUIM IV






Em quase todas as noites da apresentação da Ópera de Pequim no Teatro Municipal, em Música Popular, apresentaram-se músicos, com instrumentos tradicionais da China, executando a solo ou em pequenos coros, melodias e danças que bem mostravam o espírito da arte popular chinesa. Das características desta música já nos ocupamos nas crônicas anteriores. Hoje nos referiremos, com caráter descritivo, a alguns dos instrumentos que tivemos a oportunidade de ver e ouvir.







O Cheng, pequeno órgão de boca, é formado por um número de tubos de bambu que varia de 12 a 24 - os mais comuns com 13 ou 19 -, presos à parte superior de uma cabaça.  Uma saliência em forma de S serve de embocadura por onde o ar entra e circula livremente nos tubos, fazendo vibrar uma lingueta de latão. Os chineses acreditam que este seja um dos seus mais antigos instrumentos e dizem ter sido Kiukoa, que reinou antes de Hoâng-ti, quem mandou construí-lo. É tocado no templo de Confúcio, nos casamentos e funerais. No Japão o mesmo instrumento, com algumas singularidades, é conhecido pelo nome de Sho.







Também chamado Siao e, como o Cheng, derivado do P´ài-siao - uma espécie de syrinx -, o Yo, formado por um só tubo, tem seis orifícios, não possuiu palheta nem embocadura, e é soprado por uma das extremidades. Parece ter surgido na dinastia de Han, iniciada no II século antes da nossa era e que durou quatrocentos anos.







Tí, a flauta travessa, antes chamada Tcheu, tendo oito orifícios, aparece depois do Siao. É usada nos templos, teatros, cortejos nupciais ou fúnebres.







Conhecido desde o tempo de Hoâng-tí, e assemelhando-se à nossa ocarina, pela forma que possui e maneira como é tocado, o Hiuan é um dos instrumentos menos usados na China de hoje.







Hou-k´in e Eút-hiên são os dois tipos de violino. O primeiro com quatro cordas e o segundo com duas, afinadas na distância de quintas uma da outra. O arco passa entre as cordas. O Eút-hiên é, ao lado do Tí, o instrumento mais popular.







Semelhante ao Koto dos japoneses, parecendo pertencer a uma só família, têm os chineses o K´in e o Che. O primeiro, com a parte inferior plana e a tampa abaulada, possuiu cinco ou seis cordas e o segundo que parece ser derivado do K´in, tem um número de cordas que varia entre vinte e cinco e vinte e sete. Os dois instrumentos de forma muito parecida - uma longa caixa de ressonância -, tem grande diferença quanto à maneira de afinação: o K´in é um conjunto de cordas do mesmo comprimento afinadas numa só altura, ao passo que no Che, as cordas possuem alturas diferentes graças à colocação de pequenos cavaletes - um para cada corda -, dispostos em distâncias desiguais em relação às extremidades do instrumento. Ambos, colocados horizontalmente, são dedilhados como a cítara.







Todos eles e os que aqui não foram citados, constituindo grupos de importância no desenvolvimento da música não só da China como, também, de todo o Oriente, possuem uma história cheia de simbolismos, intimamente ligada ao pensamento e maneira de ser do povo que os criou. Os centros folclóricos e o interesse musicológico os colocam, cada vez mais, como simples valores históricos.



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