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Erotico-->35. CLÉBER É TESTADO -- 09/02/2003 - 07:18 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A semana passou tranqüila. Tudo parecia caminhar segundo os prognósticos mais otimistas. Cléber, decidido a auxiliar a família, foi depositando na conta a quase totalidade de sua parte dos rendimentos.

Na sexta-feira, à noitinha, estava no barraco com Juliano, quando chegou Antunes, bastante eufórico:

— Cléber, meu filho, tenho grandes novas.

“Que é que pode ser?” — pensava o rapaz. — “Será que os espíritos se manifestaram a respeito de meu caso ou elucidaram o futuro de Gaspar? Será que alguém ganhou na loteria?”

Não teve tempo de maiores preocupações, pois Antunes foi antecipando:

— Ligaram do hospital. O Doutor me mandou levar você na segunda pra receber as próteses tão aguardadas. O teu caso foi julgado muito relevante e o Estado destinou verba especial para a aquisição das pernas mecânicas mais aperfeiçoadas. Devo dizer que vêm da Alemanha.

Cléber não sabia o que pensar.; menos ainda o que dizer:

— Mas ele me falou que as melhores eram americanas.

— Isso não tem nenhuma importância. O fato é que são de última geração. Na segunda, nós vamos ficar sabendo exatamente como são. Talvez você vá precisar de um tempo pra se acostumar com elas, mas isso o Doutor irá resolver da melhor maneira. Você não ficou feliz?

Na verdade, a mente do rapazelho estava dividida entre receber do “Céu” essa dádiva e prosseguir fingindo estar arrecadando dinheiro nas ruas para adquirir as próteses.

— Estou muito feliz.

— Segunda-feira, iremos juntos.

— Já contou pra minha família?

— Ainda não tive oportunidade. Mas estou convidando você pra vir comigo. Juliano também poderá vir. Não tenho muito tempo, porque hoje devo baixar lá no Centro, mas prometo trazer os dois de volta. Aliás, eu tive uma idéia: será que não vão querer dar um pulo no Centro? Hoje é dia de reunião mediúnica, mas as pessoas podem assistir, desde que fiquem em silêncio, concentradas em oração.

Foi Juliano quem surpreendeu os dois:

— Eu aceito. Faz tempo que desejava matar minha curiosidade. O Cléber tem falado bastante das coisas do Espiritismo. Eu prometo não me assustar com nada. Depois do susto com os assaltantes, não vai ser qualquer coisa que vai me deixar espantado.

— Eu vejo que vocês estão com roupas novas.

— Compramos hoje mesmo. O dinheiro está dando...

Antunes não queria imiscuir-se na forma pela qual estavam arrecadando os fundos. Preferiu desviar o assunto:

— Tudo bem. Agora vamos embora. O meu parceiro também tem de se recolher.

Deodato e Maria se rejubilaram com a notícia. Desde que se abrira a esperança de cura para Gaspar, o relacionamento entre ambos havia melhorado ainda mais. Tinham comparecido três vezes ao Centro nos últimos dias, ocasiões em que muito solicitaram aos protetores que ajudassem os filhos. Era difícil para Maria não julgar que tudo estava sendo providenciado pelo plano da espiritualidade. Deodato, contudo, punha certas restrições, sabendo que toda vantagem poderia reverter em compromisso de reposição através de muito trabalho. Era como as coisas, para ele, pareciam acontecer. “Você trabalha e depois recebe o pagamento. Na programação do etéreo, o pagamento pode ser antecipado, porque os caminhos do Senhor não podem ser compreendidos pela mente humana. Aí, os homens têm de trabalhar pra restabelecerem o equilíbrio da existência.” Não pensava exatamente nesses termos, mas poderíamos traduzir-lhe assim os raciocínios.

Não tinham projetado ir ao Centro naquela noite, porque desejavam ficar com as meninas. Tinham conversado a respeito e chegado à conclusão de que a ida ao Centro poderia significar o abandono dos familiares. Esse sentimento de culpa lhes fora acentuado na última palestra, quando o orador lembrou que a principal responsabilidade das pessoas está em auxiliar os de seu sangue. “Fazer o bem deve começar sempre em casa” — fez questão de repetir muitas vezes. Assim, resolveram não acompanhar o filho, insistindo com ele para que agradecesse a boa vontade dos benfeitores.

No íntimo, Cléber começava a desconfiar de que tinham sido os espíritos que estavam colocando a mendicância como problema a ser equacionado proximamente. Enfim, lembrando-se da curiosidade do amigo, quis ir ver como decorria a reunião, preocupado com a idéia de fazer ou não um teste para ser respondido pelos espíritos.

Chegaram em cima da hora, quando o pessoal ia fechar a porta. Imediatamente se acomodaram, as luzes foram apagadas, permanecendo apenas uma luzinha azul sobre a mesa, ao redor da qual várias pessoas se sentavam.

— São os médiuns, ia instruindo Antunes. — Agora, a música vai ser abaixada e vamos ouvir várias orações. Depois as luzes vão se acender e serão efetuadas leituras de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, de Allan Kardec. Às vezes, são escolhidos outros livros, ao acaso, sob inspiração...

Não pôde prosseguir. O diretor da reunião pediu concentração, invocou os guias do Centro, especialmente o amigo João, orientador espiritual da casa, conforme explicou, pedindo especial deferimento para as intenções benignas de todos os presentes. Lembrou diversos nomes de pessoas necessitadas de amparo, entre os quais se ouviu o nome de Gaspar, e orou a prece de São Francisco de Assis, conforme, em seguida, Antunes explicou aos acompanhantes.

— Você não deveria estar junto à mesa?

— Quando a gente traz pessoas novas, estando a mesa com a possibilidade de ser completada, somos dispensados, para dar assistência aos convidados. Agora, as luzes vão ser apagadas, o som vai ser desligado e vai ser dado início ao tempo reservado às manifestações dos espíritos. Se tivermos sorte, João poderá vir fazer uma preleção a respeito de um dos temas importantes da Doutrina.

De fato, assim que o diretor da reunião facultou a palavra aos médiuns, houve a manifestação de uma entidade que se identificou como João:

— Graças a Deus! Queridos irmãos, este que vos fala é o vosso amigo João. Tenho o privilégio de vos dirigir a palavra para falar da ventura de se estar sob o amparo das forças da espiritualidade. Vocês se lembram de Jesus, quando esteve no deserto e recebeu as três tentações do demônio? Pois o texto bíblico foi registrado para demonstrar aos pósteros, ao povo da época e de todos os tempos, que o materialismo é sumamente tentador. E como respondeu o Senhor? Disse que não era só de pão que se alimentava o homem, mas de toda palavra provinda de Deus.

Cléber se mexia na cadeira, impaciente. Não era o que tinha solicitado. Esperava, porém, para avaliar se a palestra guardava alguma relação com o seu teste. Juliano, por seu turno, escutava absorto, como a beber os ensinamentos. Tinha imaginado que as pessoas que recebiam os espíritos começavam a se debater, como tinha visto na televisão, em uma cena de Candomblé. No entanto, a entidade utilizava o nome de Jesus e do Senhor com a máxima naturalidade. E lembrava a Sagrada Escritura. “Então, esses ensinamentos valem também pros espíritos?” Admirava-se, pois julgava que os dizeres poderiam ser relativos apenas às atividades dos humanos.

João prosseguia:

— Reservamos para esta noite a presença de alguns irmãos desencarnados necessitados de esclarecimentos, porque, recentemente, se desprenderam de seus corpos e se encontram muito preocupados com os parentes que deixaram na Terra. São seres que devem entender que sua responsabilidade ficou em segundo plano, em relação aos compromissos da encarnação. Peço, pois, ao orientador encarnado que explique a cada um exatamente como se sentiria se fosse você a pessoa querida. Fiquem com Deus em sua infinita misericórdia.

Por mais uma hora, aproximadamente, desfilaram, na voz de diversos médiuns, as queixas de algumas entidades que se julgavam em débito para com os familiares. Cléber notou que todas se lamuriavam por não terem aprendido os princípios espíritas enquanto vivos e que estavam encontrando muita dificuldade em serem ouvidas ou pressentidas pelas pessoas com quem desejavam comunicar-se, especialmente porque essas pessoas pertenciam a religiões que não admitiam a possibilidade desse relacionamento. Uma das frases se destacou do conjunto, para encanto do rapaz:

— Se eu soubesse que a vida poderia receber outro tratamento, teria pedido ao Senhor que me tirasse as pernas, pra que eu não pudesse...

O restante das palavras se perdeu. Entretanto, a referência era clara em relação ao que solicitara Cléber, uma vez que desejava ver esclarecido o fato de que poderia ter sofrido a amputação das pernas por solicitação anterior ao nascimento.

Até o final da sessão, ficou imerso em pensamentos tristes, porque rememorava o quanto tinha sido mau, despótico, terrível e inconseqüente até o dia em que se encontrara com o carrasco, debaixo da ponte. De repente, levou tremendo susto: ocorreu-lhe que o coágulo na cabeça do irmão poderia ter sido provocado pela bolada que lhe dera no berço. Tentou afastar a impressão de mágoa, contudo, ficou estático, lívido, como se o peso do mundo estivesse sobre seus ombros. Passaram-lhe idéias de vingança contra o malfeitor que quase tirara a vida de Antunes. Rejubilara-se com a morte dele. Várias vezes, o soldado havia demonstrado seu indulto ao desafeto de ocasião. Cléber nunca havia concordado com esse sentimento. O amigo chamava de altruísmo, punha Jesus na conversa, dizia que, se o Pai não perdoasse, ninguém entraria em seu reino. Como iria reagir o irmão, se descobrisse que fora ele quem lhe estragara o cérebro? Embatucou. A manifestação dos espíritos demonstrava que se punham a par dos problemas provocados durante a vida. Mais cedo ou mais tarde, portanto, iria encontrar-se perante Gaspar, para acertarem os débitos. Traçava-se, para seu jovem julgamento, um plano de reconciliação necessária. E isso ocorreria em relação a todos os credores. Era a conscientização da responsabilidade cármica.

O resto do tempo passou silencioso. Antunes percebeu que algo calara fundo na alma do jovem e respeitou-lhe a atitude.

— Onde vocês querem passar a noite? Cada um em sua casa ou no barraco?

Ambos preferiram ficar no barraco.

Antunes arrumou carona com os amigos do Centro e largou os dois em seu modesto tugúrio, imersos em cismas existenciais profundas, apalermados e zonzos pela impossibilidade de resolverem todas as dúvidas.

A noite passaria cheia de sonhos e pesadelos. A manhã lhes reservaria algumas surpresas.

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