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Contos-->O templo dos sonhos -- 28/01/2003 - 13:36 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Aos cinco anos de idade como eu poderia imaginar que a morte é o fim comum a todos os homens?

Foi essa a terrível descoberta que fiz ao saber que seu Basílio havia caído do andaime do prédio onde trabalhava, numa sexta-feira santa, ficando com o rosto totalmente desfigurado. Seus filhos e esposa lhe prantearam sobremaneira. E a mulher berrava: “Ele não era assim! Ele não era assim!”

Um pouco antes, descobrira que o homem vive pra comer, e se não comer morre. Era o alimento material que mantinha a vida. A fome que sentia prenunciava a morte. Meu corpo precisava de suprimentos. Meus ossos necessitavam crescer fortes. Precisava chegar à fase adulta pra entender porque nossas células envelhecem até que a morte de todas elas seja a nossa própria morte.

Meus pais não conversavam comigo sobre nada. Não me disseram como vim ao mundo. Não tiveram coragem ao menos de me iludir com a estória da cegonha! Eu teria me contentado, à época. Ficaria satisfeito em saber que um pássaro me havia jogado lá de cima no colo de minha mãe, com a boca diretamente no bico de seu seio para sugar-lhe avidamente o leite. Lembro apenas de uma cena, quando ainda no quintal da casa na cidadezinha onde nasci corri de braços abertos, chorando, em direção à mamãe, querendo saciar minha fome - sabia que estava com fome.

Consegui sobreviver à desnutrição típica dos meninos que nascem nas roças interioranas e crescem com os pés no chão, absorvendo da terra todas as seivas e outros bichos. Parece que as crianças em cujo pé a sola é mais inteligente na seleção daquilo que por ela passa conseguem sobreviver. Os desafortunados ganham vermes, barrigas imensas, e num descuido, numa gripe ou catapora, lá se vão, sem antes chegar a conhecer a dor e a felicidade que a vida propicia aos homens.

Deus quis que eu escapasse às lombrigas. A dieta básica era mingau de farinha d’água. E se hoje tenho um corpo sadio e uma mente quase sã, devo aos meus singelos progenitores, que, se durante minha vida inteira não se preocuparam em alimentar minha alma, seja com as mais simples respostas seja com as que têm a ver com os mistérios da vida e do mundo - ao menos foram competentes em por matéria em meu estômago para que o corpo não definhasse.

Cresci dessa maneira, estúpido, vil e ignorante. Cheguei à adolescência dominado por desejos e sentimentos mesquinhos, pensamentos sórdidos, sem honra ou dignidade. Não me passava pela cabeça o ser gentil, educado, sensível ou nobre. Das mulheres o que me atraía não eram as palavras gentis nem os olhares carinhosos. Não me importava com os seus falsos elogios à minha beleza e inteligência. Não queria saber de suas alegrias ou de suas tristezas. Se tivessem sofrido uma tremenda decepção, eu não me preocupava em confortá-las; tivessem experimentado uma alegria correspondente, não perguntava o motivo. Ficava ao longe, observando-lhes a face, compenetrado em descobrir-lhes a beleza oculta em rotos vestidos. Sim, meu exclusivo interesse nas mulheres passava milhas ao largo de sua essência feminina; o que me interessava nelas era somente aquilo que se podia prender nas retinas. As formas, ah! as nuanças femininas, dessas cuja perfeição do equilíbrio da forma e do tamanho dão aos dois gêmeos que se guardam em sutiãs uma beleza deliciosamente preservada!

Que pudor medonho me excitava... Temia estar desenvolvendo uma relação patológica entre minhas fantasias e a realidade, dessas que terminam em criar dementes, alienados mentais, que fogem do mundo real porque não puderam suportar o peso de estar nele.

Hoje sou homem e tenho sentimentos de homem. Não posso me furtar deles, não posso fugir, não posso recusá-los. São fantasmas que habitam minha consciência, que apavoram minha existência porque me tornam um ser desprezível, dominado por paixões quase animalescas, obedientes a instintos que nem em bestas se observam.

Cresci, enfim, no corpo. E na mente permaneço igual desde que compreendi minha desgraça. Sou um ser menor. Não tenho méritos, não tenho motivos pelos quais me orgulhar ou que orgulhem meus semelhantes. Deve ser por esse motivo exato: não tenho semelhantes. Não há ninguém igual a mim, que conheça o bem e ame o mal, que conheça a perfeição e obedeça ao caos, que anele pela pureza e viva sob o império da luxúria.

Não há ninguém no mundo com um coração comparável ao meu. Ele é um templo no qual se adoram seres que não existem, dos quais há apenas uma réstia de luz, o avesso de sombra em decomposição; ainda há nele misteriosas canções que se fazem ouvir. Eu queria que uma delas, a mais divina, me levasse à realidade que absorve a vida tornando-a um campo onde crescem flores cuja beleza excede a capacidade plena de qualquer olhar e de um perfume tão intenso que se deixa imprimir, apenas por gratidão, em todas as mãos por onde passem. Minha vida se compara à de uma flor apenas na brevidade. E do meu coração os deuses são sonhos irrealizáveis...
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