quarta-feira, 13 de outubro de 2010
Carta Aberta ao Presidente Lula
Documento no Alerta Total - www.alertatotal.net
Por João Vinhosa
Excelentíssimo Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente da República:
Inegavelmente, a rápida e enérgica reação de V. Exª. diante do mais recente
escândalo que abalou a Casa Civil da Presidência da República foi digna de
elogios.
Tal reação - que livrou a Casa Civil de mais um ministro-chefe que se envolveu
em atos não condizentes com a confiança depositada pelo povo brasileiro em seu
governo - estimulou-me a trazer a seu conhecimento outro grave caso de tráfico
de influência que contou com a participação de integrantes da Casa Civil.
Acontece, Excelência, que o caso ao qual me refiro é extremamente mais grave que
outros polêmicos casos de tráfico de influência envolvendo a Casa Civil. Nem o
caso do contrato da MTA com a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), nem o
caso VarigLog e nem o caso do tráfico de influência na Receita Federal em
benefício de um filho de Sarney provocaram tanto dano ao interesse público
quanto o caso que passo a narrar.
Refiro-me ao tráfico de influência que viabilizou um autêntico crime de
lesa-pátria, a constituição da empresa Gemini - sociedade por meio da qual a
Petrobras entregou o cartório de produção e comercialização de gás natural
liquefeito (GNL) a uma empresa privada de propriedade de um grupo
norte-americano.
Antes de entrar no assunto que me traz à sua ilustre presença - tráfico de
influência na Casa Civil - não posso deixar de ressaltar um fato igualmente
preocupante: a constituição da Gemini foi uma afrontosa traição a todos aqueles
que discordam da privatização do setor "petróleo e gás", entre os quais,
acredito, se inclui V. Exª.
Tal traição começou com a divisão acionária da Gemini: a Petrobras ficou com 40%
das quotas e a empresa privada escolhida para sócia ficou com os restantes 60%.
Para piorar a situação, a Gemini contratou sua sócia majoritária para a
prestação de todos os serviços necessários à produção, armazenamento e
transporte do GNL aos consumidores, que se espalham num raio de mil
quilômetros. Tal contrato foi feito a preços sigilosos e vigorará pela
eternidade (em decorrência de cláusula de preferência contida em Acordo de
Quotistas, vinculado ao Contrato Social da Gemini).
Dessa forma, a sócia majoritária da Gemini foi levada ao paraíso empresarial.
Paradoxalmente, incalculáveis lucros poderão ser auferidos pela sócia
majoritária mesmo nas ocasiões em que a Gemini der prejuízo. Exemplo: um
consumidor situado a grande distância da unidade de liquefação pode não ser
lucrativo para a Gemini, mas ser extremamente lucrativo para a "transportadora
sócia majoritária", que faturará com o frete.
Assim sendo, tudo leva a crer que foi mais benéfico para a sócia majoritária
ficar com 60% da Gemini do que ter ficado com a totalidade da empresa. Em
outras palavras, não poderia haver maneira mais danosa de se privatizar o nosso
gás natural liquefeito do que a maneira utilizada na Gemini.
Por certo, V. Exª., que conhece a força do poder, não pode ter qualquer dúvida
que a ocorrência desse tipo espúrio de privatização só seria possível com um
fortíssimo tráfico de influência.
A seguir, Excelência, eu passo a discorrer sobre a ligação do caso Gemini com a
Casa Civil de seu governo.
Na realidade, eu não posso precisar o nome dos integrantes da Casa Civil que se
encontram por trás dos atos que tornaram a empresa escolhida para sócia da
Petrobras a grande beneficiária de nosso gás natural liquefeito.
Mais: não sei nem mesmo se o/a integrante da Casa Civil que colaborou com um ato
tão lesivo ao interesse nacional é do nível daquele que diz ter encontrado na
gaveta um envelope com R$ 200 mil, do nível de Waldomiro Diniz (que foi filmado
achacando um empresário de jogos de azar) ou do nível de chefia, como os
ex-ministros José Dirceu e Erenice Guerra. O que acredito é que a Polícia
Federal - contando com a minha colaboração e com a determinação de V. Exª. -
terá condições de apurar.
Como se sabe, a Gemini foi arquitetada no período em que Dilma Rousseff
acumulava as funções de Ministra de Minas e Energia e Presidenta do Conselho de
Administração da Petrobras. No mesmo período, Erenice Guerra era chefe da área
jurídica do Ministério comandado por Dilma Rousseff.
Em decorrência da posição de comando por ela ocupada desde o início das
negociações que culminaram com a constituição da Gemini, acusei Dilma Rousseff
de ser (por ação ou omissão) a principal avalista da sociedade.
Em 2006, depois de uma suspeitíssima aprovação pelo Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE), a Gemini entrou em operação. Nessas alturas, Dilma
Rousseff já era a Ministra-Chefe da Casa Civil, e continuava presidindo o
Conselho de Administração da Petrobras, funções que acumulou até o início de
2010. Erenice Guerra, braço direito de Dilma, passou a ser a
secretária-executiva da Casa Civil.
Diante dessa situação, encaminhei diversas correspondências denunciando a Gemini
à Presidenta do Conselho de Administração da Petrobras Dilma Rousseff,
utilizando seu endereço de trabalho, na Casa Civil da Presidência da República.
Três eram as principais denúncias contidas em citadas correspondências: 1 - as
impressionantes vantagens obtidas pela empresa escolhida para ser a sócia da
Petrobras; 2 - a incrível omissão dos agentes públicos nas oportunidades em que
foram colocados a par das graves denúncias de favorecimento da sócia da
Petrobras em detrimento do interesse nacional; 3 - o sintomático silêncio do
sindicato dos petroleiros (Sindipetro) depois de ter, durante anos, denunciado
a prática de corrupção explícita no caso Gemini.
É de se destacar que, entre as contundentes denúncias do Sindipetro, existe até
uma elucidativa charge de uma mala de dinheiro contendo o nome da sócia da
Petrobras.
Apesar das graves denúncias, Dilma Rousseff não se manifestou.
Pasme, Presidente Lula: o sintomático silêncio da Presidenta do Conselho de
Administração da Petrobras Dilma Rousseff não foi quebrado nem mesmo diante de
instigantes palavras por mim utilizadas. Para o conhecimento de V. Exª.,
transcrevo o seguinte trecho de carta a ela dirigida e recebida na Casa Civil:
"Não é pelo sádico prazer de aporrinhar V.Exª. que volto, mais uma vez, à sua
ilustre presença. Faço-o porque a arrogância e a prepotência de administradores
públicos que imaginam estarem dispensados de prestar contas de seus atos à
sociedade agridem a minha cidadania de maneira insuportável. V.Exª. há de
convir que o caso que ora nos ocupa deveria - mesmo se fosse única e
exclusivamente por mera questão de pudor - merecer um mínimo de atenção da alta
administração da Petrobras. Afinal, o procedimento de seus administradores foi
colocado sob suspeita de ter ocasionado um ato altamente lesivo ao interesse
público".
Ninguém, Excelência, ousará negar que uma das duas coisas aconteceu: 1 - as
cartas recebidas na Casa Civil chegaram às mãos da então Presidenta do Conselho
de Administração da Petrobras, e ela se omitiu vergonhosamente a respeito das
gravíssimas denúncias de atos lesivos ao interesse público cometidos em área
sob seu comando; 2 - as cartas recebidas na Casa Civil foram intencionalmente
extraviadas para evitar a apuração de tráfico de influência envolvendo
integrantes da Casa Civil.
Senhor Presidente, eu já havia desistido de falar sobre a Gemini com integrantes
de seu governo, quando V. Exª., diante do escândalo envolvendo Erenice Guerra e
familiares, ordenou a apuração de qualquer denúncia fundamentada relativa a
tráfico de influência.
Considerando esse novo cenário, em 29 de setembro último, encaminhei a anexa
carta ao Ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto. Em tal carta, além juntar o
artigo intitulado "Lula, tráfico de influência e Gemini", e de sugerir que eu
fosse intimado a falar sobre o caso na Polícia Federal, afirmei ao Ministro da
Justiça de nosso país: "deixar de apurar os fatos denunciados no caso Gemini
corresponde a descumprir - de maneira clara, patente e absoluta - a
determinação do presidente Lula para apurar qualquer denúncia de tráfico de
influência".
Ponha, Presidente Lula, a autoridade de seu cargo a serviço da moralidade
pública e ordene a imediata apuração de minhas denúncias contra essa danosa
privatização de nosso gás natural liquefeito.
Uma palavra final: diante do acima relatado, são ridículas as acusações que a
candidata Dilma Rousseff tem feito ao candidato Serra, afirmando que o mesmo
era favorável à privatização de setores da Petrobras. Será, Presidente Lula,
que Dilma nunca ouviu falar na Gemini, ou será que ela não considera essa
sociedade uma perniciosa espécie de privatização?
Atenciosamente,
João Batista Pereira Vinhosa, ex-membro do Conselho Nacional do Petróleo.