Folha de S. Paulo - 27/03/2014
ARMANDO PAIVA CHAVES - TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO É: A DITADURA MILITAR EM DEBATE
MEIO SÉCULO
João Goulart promoveu a indisciplina. Foi a gota que faltava para transbordar o
cálice de fel acumulado com tantos desmandos
Trinta e um de março de 1964 é uma data histórica. Interpretá-la cabe a historiadores,
em pesquisa isenta, incluindo-se os testemunhos de quem a viveu. Como eu.
O povo enfrentava carestia. Havia ameaças à propriedade privada. Quem procurava
informar-se via a tensão aumentar. Ninguém acenava com medida corretiva. João
Goulart, então presidente da República, no comício da Central do Brasil, a 13 de
março, acendeu uma fogueira.
Embalou a facção governista e seus apoios sindicais e populares para a guinada à
extrema esquerda havia muito esperada. Em contrapartida, a mídia reagiu, cobrando
atitude das Forças Armadas. No meio político, expectativa, sem planejamento de
ação colegiada. No militar, o legalismo começava a dar lugar à necessidade de
reação.
Em São Paulo, a iniciativa foi das mulheres. Em impressionante convocação boca a
boca, a Campanha da Mulher pela Democracia promoveu, em 19 de março, a Marcha
da Família com Deus pela Liberdade. Oitocentas mil pessoas em massa compacta
caminhando pela cidade.
Castelo Branco, então chefe do Estado-Maior do Exército, decidiu-se, em 20 de
março, por expedir um documento no qual dizia serem "evidentes duas ameaças": "O
advento de uma constituinte para reformas de base e agitações generalizadas do
CGT (Comando Geral dos Trabalhadores). A ambicionada constituinte é um objetivo
revolucionário pela violência. Para talvez submeter a nação ao comunismo de
Moscou? Isso sim é que seria antipátria, antinação e antipovo. Não, as Forças
Armadas não podem atraiçoar o Brasil". Provocou impacto. Os militares, em maioria,
incorporaram a lição.
Em 25 de março, marinheiros se revoltaram e entraram em greve. Em decisão
política, foram imediatamente anistiados. Era a desmoralização da autoridade militar.
Em 30 de março, o presidente Goulart compareceu a uma assembleia do Clube dos
Subtenentes e Sargentos. Após ouvir discursos que punham em xeque a hierarquia,
usou a palavra para, ele mesmo, promover e apoiar a indisciplina.
Foi a gota que faltava para transbordar o cálice de fel acumulado com tantos
desmandos. No dia seguinte, a tropa de Minas Gerais antecipou-se ao planejamento
para pressionar militarmente o governo. Com apoio do governador Magalhães Pinto,
marchou para o Rio de Janeiro decidida a depor o governo. Era o desembocar da
contrarrevolucão e o abandono do cargo por Goulart.
Seguiu-se a indicação de Castelo Branco para a Presidência da República. Eleito com
361 dos 388 votos pelo Colégio Eleitoral formado no Congresso, foi empossado em
15 de abril. Era hora de recompor a ordem.
Os comandantes militares haviam editado ato institucional pelo qual assumiam
autoridade revolucionária sobre os destinos da nação. O presidente eleito revelou
liderança. Voltou-se a executar o plano de governo, auxiliado por renomados
colaboradores. Criados o Banco Central, o Banco Nacional de Habitação, o Estatuto
da Terra, o Instituto de Reforma Agrária e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
Unificados os institutos de Previdência Social.
Cinquenta anos se passaram. Pessoas maduras à época, ainda lúcidas, têm gravado
na memória o que viram, sentiram e como reagiram. Que os historiadores as
consultem.
ARMANDO LUIZ MALAN DE PAIVA CHAVES, 86, é general de Exército reformado
MEMORIAL 31 DE MARÇO DE 1964
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