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Contos-->Viagem lúgubre...Sonhos ou transcendência? -- 30/07/2000 - 21:52 (Isis Vidal) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Numa pequena cidade do interior da Bahia, chamada Mucugê, a noite se fazia presente à minha chegada, que além de entusiasmo e contentamento, também vinha impregnada pelo cansaço do dia inteiro. Dentre paisagens pitorescas, ventos escaldantes do clima seco, e rostos de expressões incógnitas, ora curiosos, ora admirados, ora insatisfeitos; viajava errante pelo estado, apenas buscando desvendar os caminhos tortuosos não citados até então.
Ao chegar nos portais de uma pequena Pousada, reparei que toda a cidade convergia atenções para uma praça central localizada em eixo a uma encosta rochosa de altura admirável que emergia iluminada por detrás dos sobrados. Perguntei a uma senhora que me observava desde minha chegada, o que seria aquela iluminação que fazia daquele morro, algo marcante na paisagem. Respondeu-me com a maior naturalidade que ali, ao pé daquela encosta, estava um cemitério considerado atração turística, e por esse motivo, acendia-se durante a noite. Olhei-a com certa curiosidade, mas mantive meu silêncio analítico a fim de passear por aquelas bandas algumas horas mais tarde.
Registrei-me então naquela primeira Pousada que atraiu-me por sua localização e aparente disfarce por entre as residências aparentemente iguais em sua arquitetura, apenas mudam de cor nos parapeitos das janelas que se debruçam à calçada como se em conversa constante e desprovida de timidez com todo e qualquer pedestre. Levei eu mesma as bagagens ao quarto, que sem muitos aparatos, oferecia-me o merecido descanso, e cujo único (e essencial) conforto era o mosquiteiro que cobria imponente a cama de casal. Olhei o pequeno banheiro, perfumado pela limpeza feita havia pouco, e a cortina florida que escondia o banho reparador.
Separei uma nova roupa e com uma toalha nas mãos, abri o chuveiro. Ao virar-me, olhei-me nos olhos de um espelho já embaçado pelo vapor da água quente, e fiquei ali, detida por alguns instantes, tentando me explicar de uma forma convincente o porquê da confortabilidade, num lugar onde a morbidez de seu principal marco – o cemitério – se faz tão natural como qualquer outra qualidade turística. Decidi, então investigar aquela dúvida que me atormentava. Enquanto a água quente caía revitalizante em meu corpo cansado pelas horas ininterruptas dirigindo naquele dia tórrido, pensava no mistério que envolvia aquele povo, cuja alegria se ouvia à distância, nos bares de forró que colocavam seus cantores e dançarinos à porta, em festa contagiando a todos que transitavam pelas ruas. Povo de crenças e estórias, que respeitava os mortos, oferecendo-lhes morada notória.
Já refeita pelo banho demorado, vesti-me e saí para o jantar. Ao entregar as chaves no pequeno balcão, percebi um circular de turistas vindos de muitos lugares do Brasil, que assim como eu, espantavam-se com o dito marco histórico. Percebendo que já estavam hospedados havia alguns dias, perguntei a um rapaz se já havia ido até lá, ou se conhecia sua história. Contou-me então, que muitas visitas foram feitas, mas que durante a noite, ele podia ser visto do alto da montanha, contornando-a pelo lado de trás, onde ficava a estrada, e não era permitido que se passeasse no interior do cemitério. Por ser um rápido comentário, apenas olhei alguns prospectos sobre os passeios oferecidos pela hospedaria e depois fui à procura de algum lugar para jantar.
Ao final da avenida, abria-se uma praça triangular em ligeiro desnível, onde erguiam-se sobrados minuciosamente cuidados, coloridos e iluminados. Em um deles, uma mercearia reunia muitos homens de aparência descuidada, e com ares de ebriedade já visíveis; ao lado estava uma larga e alta porta de duas folhas que encaminhava à uma escada toda iluminada com seus degraus verdes e rosados, assim como as grandes janelas de seu andar superior que tinham em seus parapeitos, moças e rapazes alegres com copos nas mãos. De lá vinha um som alto dos ritmos daquela terra.
Do outro lado da praça, um outro sobrado de igual altura porém inigualável em seus ornamentos, que enriqueciam a fachada entre grades, e beirais, entre molduras entalhadas e grandes portas em arcos. A iluminação era impecavelmente discreta e intencionalmente, porque ali estava o reduto de cultura daquela modesta cidade. Ali era a biblioteca e estavam montando um pequeno museu. No terceiro lado da praça, estavam edificações térreas cujo uso se revezava entre comércio e residência, mas que mantinham em suas cores, o zelo pelas fachadas.
Sentei-me então num banco da praça e deixei-me levar em pensamentos distantes pelo som que vinha daquele alegre ambiente que se conformava à meus olhos. Alguns minutos se passaram até que duas crianças sentaram-se no chão ao meu lado, e entre um oceano de indagações, perguntaram-me de onde eu vinha, e se eu já tinha conhecido o cemitério. Naquele instante, olhei-as com um sorriso de benevolência por tamanha inquisição, e coloquei-me à disposição para uma brincadeira de “guia” turístico. A menina que aparentava mais ou menos 11 anos de idade, de cabelos lisos e curtos, olhava-me com alegria e estendia sua mão magra para guiar-me entre as ruas da cidade. O menino, um pouco menor, aparentava uns 7 ou 8 anos, era também magro, e mantinha-se sempre atento a todos os pontos, buscando com seu olhar verde brilhante cada lugarejo para sua explanação solícita.
Fomos então os três em direção ao cemitério, passando por casas de primos e tias, e colegas; cada local com uma estória específica que as crianças faziam questão de contar detalhadamente. Enfim, estava eu estática ao pórtico do lúgubre monumento. Estavam diante de meus olhos absortos nas lendas que foram contadas no decorrer do percurso, as torres das lápides todas brancas, que se erguiam em direção aos céus como pequeninas torres góticas, enfileiradas ao pé daquele morro, fazendo-se imponentes às luzes que estavam submersas em meio a vegetação rasteira. Senti a aquela mãozinha gelada soltar meus dedos e sua voz ficava cada vez mais distante enquanto eu olhava cada detalhe em ornamentos daqueles túmulos e seus pequenos portais, a forma como estava disposto aquele conjunto todo, onde não havia obstáculo visual, ele se ajustavam na encosta, de modo que todos os túmulos pudessem ser vistos.
Depois de longo tempo, olhei à volta e estava só, sentindo no rosto uma brisa gelada e observando aquele cenário que me hipnotizara até então.
Aquelas doces crianças que me levaram até lá, tinham desaparecido. Voltei então à Pousada, pensando naquele passeio, e por incrível que pareça, não preocupei-me com as tais crianças. No caminho de volta, aos poucos fui retomando o cenário de onde saía, com as cores, os lindos sobrados, e a alegria que partia do alto daquela mercearia, e sentei-me novamente, no mesmo banco. Ao sentar, percebi aproximar-se uma moça que vinha da tal mercearia. Ela olhou-me com ar desconfiado e perguntou-me com certa relutância:
“Faz horas que está aí, perdida em sonhos ou saudades? Não quer diverti-se ao som de nossa música?”
Só então percebi que tudo era sonho. Nunca havia saído dali. Gentilmente agradeci o convite, e voltei à Pousada, concluindo que faltava-me um bom descanso para um passeio esclarecedor no dia seguinte. Dormi profundamente ao som da cidade que se mantinha dançante durante a noite toda.
Na manhã seguinte levantei-me cedo para poder logo saciar minha curiosidade que já se angustiava desde a chegada. Tomei um café da manhã cuja mesa mal foi observada, pois detinha-me a olhar os turistas que passavam por entre as mesas e conversavam sobre os vários pontos interessantes da região já visitados. Queria de alguma maneira saber de alguma peculiaridade referente aquele local que tanto me atraía. Coloquei-me a caminho então.
Para minha imensa surpresa, lembrava-me de todo o trajeto sonhado no dia anterior, cujos guias eram aquelas duas crianças doces e atenciosas. As casas, aqueles parentes todos que a menina me apresentara, tudo ali era familiar. Até que constatei o verdadeiro a espantoso fato, ao deparar-me com o portão em ferro trabalhado que emoldurava o cemitério. Aquele mesmo lugar visto na noite passada, com as pequenas torres brancas iluminadas, e enfileiradas.
Resolvi então caminhar pelos caminhos em ardósia bruta que levava até mais próximo dos túmulos, eis a prova de meu sonho: estavam ali, as fotos daquelas duas crianças, sorrindo numa das torres mais altas, e da parte central e mais antiga do conjunto.
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