Hoje delas já não se vê. Ou tenho ido menos a cozinhas alheias? O certo, contudo,
é que reinavam, em meio às panelas e caldeirões igualmente pretos da fumaça do
fogão a lenha. Contudo a colher preta era de nascença. No seu aspecto tosco forma
e acabamento, se via que eram feitas artesanalmente, embora numa medida quase
invariável de uns 30 centímetros. Sua maior aplicação era para mexer o feijão.
O feijão que levava horas e horas para cozinhar, do amarelinho ao mulatinho, do
pintadinho até ao pretinho.
Dizia-se que essas colheres eram feitas da fusão de enxadas ou ferraduras velhas
já imprestáveis mas sempre prontas a uma nobre metamorfose. Nunca vi, só
imaginei, o processo, contudo o resultado era aquele sucesso.
E como descrever uma colher dessas, senão dizendo que era arredondada na
concha, quadriculada no cabo e, na pontinha, formava-se em argolinha, que lhe
servia para pendurar em algum prego ou gancho. Boa era também para `machucar`
o feijão que, mesmo bem cozido, precisava dum amasso de regra para ir à mesa
como convém - e dar o caldo, além.
Raramente, todavia, iam essas colheres à copa, ou à sala. Continham-se nos
confins da cozinha e encontravam o descanso, enquanto a talherada miúda entrava
em ação - e em bocas famintas.
Uma das virtudes dessas colheres - que feito a abelha rainha, não eram de ter
pares em seus lares - é que ganhavam dignidade e sinais de envelhecimento com
o tempo. Uma delas - exibia-a vitoriosa a Tia Isabel, mais comumente, a Tibebé,
ela também mais à vontade entre os cozidos do que entre os convivas - dava
gosto ver: de tanto feijão mexer, e fundo de panela friccionar, de tanto afinar,
gasta o quanto basta, virara uma só pelotinha, na pontinha do cabo, mais uma
caricatura `of her former self`. E embora das lides aposentada, era orgulhosamente
apresentada. E feito mulher, gosta de se meter, a colher. |