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Ensaios-->O REGIME CONSTITUCIONAL DOS MILITARES -- 13/09/2016 - 10:16 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fonte: http://funceb.org.br/images/revista/30_REV_FUNCEB_8x6b8d.pdf

Ano XV – No 26 – Agosto de 2016 – ISSN 1984-3690
Suplemento especial

O REGIME CONSTITUCIONAL DOS MILITARES

Da mais alta importância a Manifestação
do Dr. Sérgio da Silva Mendes,Secretário de Recursos
do Tribunal de Contas da União, TCU,
produzida em 12 de Julho de 2016

Auriverde pendão da minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança.
Castro Alves

ANO XV / Nº 26 – SUPLEMENTO ESPECIAL 1

O que parecia encaminhar-se
para um grande equívoco, um risco iminente,
acabou por reforçar ainda mais a percepção da
forma de atuar dos militares e das nossas Forças
Armadas. Numa espécie de balão de ensaio,
jogaram os militares na roda de discussão do
modelo revisional da Previdência Social, como
se estes fossem apenas mais uma categoria profissional.
Havia certamente a intenção de arrolar
todos os contingentes de brasileiros da ativa
no sentido de colaborar com esse novo sistema
em formulação e eliminar as mazelas de
origem. Procurava-se, com a errônea inclusão,
corrigir o iminente desequilíbrio entre entrada
e saída de recursos.
Acontece que se esqueceram que o militar
não é empregado, não é propriamente um
trabalhador comum. Não tem os direitos celetistas
e, mais que isso, atua sob sacrifícios pessoais
e familiares, está sempre à disposição do
governo, não tem o direito de optar, de escolher.
O militar não tem querer. Que outro profissional
atua em finais de semana e feriados?
Que outro pode encarar jornadas ininterruptas,
que pode ser enviado a postos avançados
ou quartéis dentro do território nacional, a
qualquer momento sem prévia consulta? Que
Roberto Duailibi
outro garante a ordem e a soberania, ainda
que para isso dele se exija ir para as ruas, arriscando
a própria vida?
O militar, ademais, nunca teve previdência,
isso é histórico. E, em última análise,
caso não se considere as diferenças mais evidentes,
há o limite de, se preciso for, sacrificar
a própria existência, em defesa da Pátria.
Junto com ele, também sua família encara
todos os percalços da vida na caserna,
pode ser enviada a qualquer lugar e ter de conviver
com escalas de horários, sem a certeza
de compromissos pessoais e familiares. Essa
família faz e refaz matrículas escolares, faz e
refaz amigos e vínculos. A tudo isso não está
sujeito o trabalhador comum, que pode fazer
escolhas, optar por caminhos profissionais,
locais de trabalho, horários. Se as condições
lhe são desfavoráveis, pode recorrer à Justiça
do Trabalho, acionar juridicamente o empregador,
coisa que inexiste para os militares.
Quando resolve vestir a farda, o militar
sabe que estará subordinado a um modelo diferenciado,
a uma vida de sacrifícios, a uma
forma de atuar que tem um modelo próprio, o
que rege as Forças Armadas. Durante o exercício
de suas funções, por exemplo, as faltas e
erros ou a atuação em desconformidade com
as regras militares, podem ser punidos por
um sistema próprio que prevê várias maneiras
de pena, desde a simples advertência à prisão,
até a expulsão. O militar possui um código de
honra, um conjunto de regras que rege sua
vida na caserna e fora dela e que garante o
funcionamento das instituições.
Lembro-me aqui do filme O Resgate
do Soldado Ryan, como exemplo do compromisso
que a Instituição tem não só com
seus membros, mas principalmente com suas
famílias -- e, por consequência, também um
compromisso da Pátria. Ao desembarcar na
Normandia, em 6 de junho de 1944, o capitão
Miller, representado pelo ator Tom Hanks,
recebe a missão de formar um grupo para o
resgate do soldado James Ryan, caçula de quatro
irmãos, dentre os quais três morreram em
combate. Por ordens do chefe eles precisam
procurar o soldado em território convulsionado
e garantir o seu retorno com vida aos
seus pais, nos Estados Unidos. No final do filme,
entre a vida e a morte, o capitão Miller diz
a Ryan: “Faça por merecer”.
Quando vemos nos filmes e nos livros
todo o respeito que a população de outros países
possui em relação aos seus militares e o
sentido da honra, entendemos talvez de forma
mais definitiva que o modo de vida dos militares
em tudo se difere ao dos trabalhadores
comuns. Não são servidores públicos, com
horário de entrada e saída, com abonos de
férias, nem pagamentos de horas extras. São
militares. É esse jeito que precisa todo o tempo
estar evidenciado, que precisa ser valorizado
pelo tratamento que se firmou ao longo
da história. Essa forma profissional de tratar a
carreira e sua valorização é que vai atrair novos
oficiais, que vai atrair talentos e vocações
para as fileiras das Forças Armadas. É o que
vai garantir a renovação das tropas com qualidade
sempre crescente.
Felizmente, esse regime diferenciado foi
reconhecido pelo governo, conforme recentes
declarações do Ministro Eliseu Padilha. Ao final,
todos esperamos, restará um saldo muito
positivo. Mas a discussão pode reavivar preconceitos
que sempre existiram. O trabalho a
seguir, de Sérgio da Silva Mendes, aprofundase
em tudo o que acabo de escrever, de maneira
técnica e com base em leis e dados históricos.
É fundamental lê-lo para compreender
nosso próprio papel e conhecer nossa defesa.
A própria percepção cartesiana do estudo do
autor nos indica de forma irrefutável que o
Regime Constitucional dos Militares e a forma
diferenciada e exclusiva de atuação precisam
ser sempre considerados.
Mendes conseguiu reforçar ainda mais
a forma de ação de toda a tropa, conseguiu
mostrar os militares como responsabilidade
do Estado e que, por tudo isso, precisa assegurar
a sua condição. Afinal de contas, na
História do Brasil, eles fizeram e continuam
fazendo por merecer.
Da mais alta importância se reveste
o texto extraído da Manifestação produzida,
em 12 de julho de 2016, pelo Dr. Sérgio da Silva
Mendes, Secretário de Recursos do TCU.
A Manifestação, enquanto se refira, propriamente,
a recurso interposto contra a admissibilidade
das decisões previstas no acórdão
2.314/2015 – Plenário do TCU, no âmbito
do TC 034.660/2014-3, e que diz respeito à auditoria
realizada no sistema de previdência pública,
na verdade, realiza um minucioso exame
da situação do militar no contexto jurídico brasileiro,
especialmente no nível constitucional.
A análise realizada pelo Secretário de
Recursos do TCU, profunda e esclarecedora,
traz, ao tema da proteção social dos militares,
delineamentos irrefutáveis.
No início do seu trabalho, o Dr. Sérgio
Mendes pede vênias pela sua discordância da
instrução que vinha sendo dispensada ao assunto
e realiza, preliminarmente, uma síntese
das razões, em seguida transcrita, da sua divergência
em relação à instrução precedente:


I - SÍNTESE DAS RAZÕES DA NOSSA
DIVERGÊNCIA EM RELAÇÃO À INSTRUÇÃO
PRECEDENTE

1. “Em primeiro lugar, não é possível fazer
analogia com coisas ontologicamente
diferentes. Ontologia que busca reconstruir
o sentido originário das coisas,
invariáveis, e do qual defluem todas as
suas especificidades. Ora, se no começo,
no ponto de partida, há uma diferença
fundamental e não uma proximidade
intrínseca entre os domínios dos
servidores públicos e o domínio dos
Membros das Forças Armadas, não há
como partir dos escassos pontos de contato
para estabelecer as normas aplicáveis.
Segundo Alexandre Ferry, a quem
se atribui o conceito de contra-analogia
(Analogias, Metáforas e Contra-analogias),
o domínio analógico é o ponto de
interseção composto de nexos relevantes
entre domínios conceituais distintos.
Entretanto, quando tais pontos de interseção
são tênues, não é possível recorrer
à analogia, pois desembocaremos
em uma analogia forçada (nas palavras
de Ricardo Lobo Torres), a qual será contra
legem. Por isso, para não cairmos no
subjetivismo, devemos buscar aquela objetividade
de que fala Bachelard (A Formação
do Espírito Científico), ou seja,
“a objetividade se determina pela exatidão
e pela coerência dos atributos, e não
pela reunião de objetos mais ou menos
análogos”. Nesse sentido, o uso da contra-
analogia, que privilegia as diferenças
entre os domínios comparados permite
um resultado mais conforme ao Regime
Constitucional dos Militares.
2. De outra, este Tribunal não pode atuar
como legislador positivo, criando obrigações
mais severas que as postas pelos
legisladores. Dito de maneira mais específica,
assim como na remansosa jurisprudência
do STF, o devido processo
legal é aquele processo previsto na lei, o
princípio da transparência se realiza
nos termos estabelecidos pela norma
de regência. Por isso, a ofensa a eles é indireta,
não autorizando o recurso ao STF,
pois se trata de controle de legalidade. E
se o legislador ordinário estabeleceu mecanismos
de publicidade, não cabe a este
Tribunal criar obrigações que ampliem a
norma, ainda que sob o fundamento de
elastecer a concretização do princípio.
3. Feitas essas duas objeções fundamentais,
que não permitem a sobrevivência dos
comandos impugnados no recurso, passamos
ao que entendemos ser conforme
o direito, em especial a Constituição, começando
por tratar da admissibilidade
do recurso, uma vez demonstrado que a
decisão recorrida de 2015 inova em relação
à de 2012 pela inserção do item 9.6,
bem como incrementa uma advertência
de pena de multa pelo não atendimento
injustificado (denominado de “resistência”),
contado a partir da reiteração das
determinações pretéritas. Como a lógica
do possível provimento do recurso relativamente
ao item 9.6 tem íntima relação
com os demais itens dispostos na decisão
de 2012 (9.3.2, 9.4.2, 9.5 e 9.11.1), não há
sentido em manter no mundo jurídico
algo contraditório com os fundamentos
da possível nova decisão a ser proferida
por este Tribunal, cabendo a aplicação
dos denominados arrastamentos lógico e
teleológico (vide conclusão).”
Logo após a essa síntese, o Dr.
Sérgio Mendes trata da ontologia
do conceito de militar


II - A ONTOLOGIA DO CONCEITO DE
MILITAR E SUA CONDIÇÃO ESPECIAL
COMO FUNDAMENTO DO TRATAMENTO
CONSTITUCIONAL DIFERENCIADO

4. A nação muitas vezes recorreu aos militares
em momentos em que a própria integridade
do Estado estava em questão.
É o caso da Guerra do Paraguai. Conta-
-nos o cientista político Rodrigo Goyena
Soares, em artigo intitulado “Voluntários
sem Pátria”, que naquelas batalhas
tombaram entre 50 a 60 mil brasileiros
dos 139 mil combatentes. Muitos deles
se alistaram devido às promessas de
amparo às suas famílias. Foram prometidos
um soldo diário e um valor mais
relevante quando da baixa, bem como 10
hectares de terras nas colônias militares
e agrícolas e pensões para a esposa e filhos.
Promessas descumpridas e pensões
rapidamente corroídas pela inflação foi o
resultado de compromissos não cumpridos
pelos governantes.
5. As pensões militares remontam a 1790,
paralelamente às garantias de sua inatividade,
visto como benefício decorrente
da função desempenhada, ou melhor,
uma recompensa, tal como instituído
pela Constituição do Império de 1824.
Em verdade, a integralidade dos soldos
na “inatividade” operava como uma contraprestação
pela dedicação integral dos
militares à defesa da pátria “até com o sacrifício
da própria vida”.
6. Essa realidade mudou? Em tempos de paz
o “Militar” perde suas qualidades ontológicas?
Para responder a essas perguntas,
de modo bastante simplificado, tratamos
Ontologia no sentido de Heidegger
(Ser e Tempo), ou seja, a busca pelo ser
(Sein), como aquilo que transcende além
das experiências temporais (Dasein), as
quais não se desprendem do ter-que-ser,
ou seja, a experiência não pode imprimir
qualificadores em franca oposição ou que
neguem o ser. Na acepção de Waelhens
(La Philosophie de Martin Heidegger), os
modos possíveis de manifestação, embora
nem sempre estejam à luz. Dito de outra
forma, não é possível retirar a hierarquia
do conceito de Militar, pois essa é uma
qualificadora de sua essência. Da mesma
forma, não é por estarem aquartelados
que os militares perdem sua característica
essencial. Veja-se, por exemplo, o conceito
naval de fleet in being, segundo o qual
uma frota em porto e militares em prontidão
têm força persuasiva e preventiva
de conflitos. Ademais, a visão tradicional
de que uma guerra entre forças armadas
significa conflito entre Estados (países)
está sendo superada pela legitimidade da
reação nos locais onde radicam os terroristas
responsáveis por atentados (Andrea
Baldanza. La Difesa. In Trattato di Diritto
Amministrativo, a cura di Sabino Cassese.
Tomo Primo).
7. Em sua tese de doutoramento na USP, a
Profa. Heloísa Fernandes defende que,
dadas as suas características especiais, os
Militares são uma Categoria Social. Isso
porque ocorre uma dupla socialização
que os diferencia dos demais: a hierarquia
(disposição ordenada de lugares) e a disciplina
(do reconhecimento de lugares vêm
as ideias de dever, honra, camaradagem,
subordinação, obediência etc). Segundo
Vigny, essa dupla socialização leva a que
o militar reconheça que “a arma em que
serve é o molde em que se forja o caráter
e ali se modifica e refunde até tomar uma
forma genérica, impressa para sempre. O
homem se apaga e fica o soldado”.
8. Note-se que a Constituição de 1988 reforçou
a ontologia do sentido de “Militar”,
restaurando sua essência a partir do banimento
da expressão “servidor público”,
constante do seu texto originário, pelo que
parte do art. 3º da Lei 6.880/1980 (“formam
uma categoria especial de servidores
da Pátria”) não permanece vigente dado
o fenômeno da não-recepção. O que veremos
com mais detalhes no capítulo 3
desta manifestação.
9. Sendo assim, é preciso ter muito cuidado
ao fazer qualquer analogia com o gênero
“servidor público’ e o regime dele decorrente,
porquanto o Militar já não mais
é uma de suas espécies. Kalr Engisch
(in Introdução ao pensamento jurídico)
ensinou de há muito que a conclusão
indutiva (do particular para o geral) é
logicamente mais problemática, dada a
recorrência do salto indutivo, porquanto
a partir de pontos de contato tênues, retiramos
conclusões falsas. Segundo ainda
o autor, a conclusão por analogia, do
particular para o particular, é altamente
questionável do ponto de vista lógico.
10. Por isso é que a ontologia do “Militar”,
sua essência, deve ser retirada da própria
Constituição e do seu Estatuto, naquilo
que permanece vigente. O problema
da verdade no Estado Constitucional, na
expressão de Häberle, pode vir das falsas
premissas decorrentes de conceitos
inaplicáveis aos militares, tais como déficit,
regime previdenciário, equilíbrio
atuarial, sustentabilidade, entre outros.
Essas imprecisões conceituais são transferidas
para a sociedade através da mídia,
com o que se perde o conceito essencial:
os militares não contribuem hoje para se
aposentar no futuro, mas a sociedade arca
com as despesas em troca das exigências
mais severas a que são submetidos.
11. Segundo o art. 142, as Forças Armadas,
integradas por um contingente de pessoas
e bens, são instituições nacionais
permanentes e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
e da lei e da ordem. Não é por
coincidência que os valores por elas tutelados
estão nos dois primeiros artigos
da Constituição, complementados pelo
quarto. Ou seja, defendem os próprios
fundamentos da República e, portanto, a
existência do Estado, e com ela, a própria
sobrevivência da Constituição.
12. É por isso que seu Estatuto (a sociedade
em verdade) impôs a eles uma série de
sacrifícios:
Art. 27. São manifestações essenciais do
valor militar:
I - o patriotismo, traduzido pela vontade
inabalável de cumprir o dever militar e
pelo solene juramento de fidelidade à Pátria
até com o sacrifício da própria vida;
II - o civismo e o culto das tradições históricas;
III - a fé na missão elevada das Forças
Armadas;
IV - o espírito de corpo, orgulho do militar
pela organização onde serve;
V - o amor à profissão das armas e o entusiasmo
com que é exercida; e
Art. 31. Os deveres militares emanam
de um conjunto de vínculos racionais,
bem como morais, que ligam o militar à
Pátria e ao seu serviço, e compreendem,
essencialmente:
I - a dedicação e a fidelidade à Pátria,
cuja honra, integridade e instituições
devem ser defendidas mesmo com o sacrifício
da própria vida;
II - o culto aos Símbolos Nacionais;
III - a probidade e a lealdade em todas as
circunstâncias;
IV - a disciplina e o respeito à hierarquia;
V - o rigoroso cumprimento das obrigações
e das ordens; e
13. Como se vê, dos militares são exigidos
não apenas o sacrifício da vida, maior
bem do ser humano (o que no limite implica
sua própria negação, só assim podemos
compreender aquele ensinamento
de Vigny, acima transcrito). Mas isso não
basta: ao contrário das outras categorias,
exige sentimentos de “amor”, “fidelidade”,
“culto” e “fé”. E só assim podemos
compreender a capacidade do militar seguir
as ordens em respeito à hierarquia.
Em sendo assim, a ontologia do Militar
não envolve apenas determinações jurídicas,
mas a transformação de um ser,
agora voltado para a força que serve.
14. Como decorrência assim, as Forças Armadas,
seus recursos humanos e materiais,
são um uno indiviso, custeados pela
sociedade através de tributos. Só assim
podemos compreender a expressão dada
ao militar desaparecido por mais de 30
dias, qualificado como “extraviado”. Como
aponta Andrea Baldanza, “o vínculo disciplinar
– pressuposto sobre o qual se baseia
um penetrante poder hierárquico – representa
a regra fundamental para garantir
a máxima coesão, eficiência e flexibilidade
do aparato” (La Difesa. In Trattato di
Diritto Amministrativo, a cura di Sabino
Cassese. Tomo Primo).
Não é a mutação do conceito de previdência
social que irá mudar a natureza
das verbas utilizadas para o pagamento
do soldo dos militares da reserva e reformados,
ou as pensões de seus dependentes.
Como consta no Recurso Especial
(STJ. Resp. 1.455.607), “O tratamento
diferenciado dos militares, portanto, tem
sua origem que remonta a período anterior
à própria concepção de previdência
social. [...] o militar nunca contribuiu
para a sua aposentadoria, pois tal benefício
inexiste na lei castrense”.
15. E se o Militar dá a sua própria vida pela
Pátria, essa mesma Pátria entendeu que
seria possível exigir-lhes mais: a) trabalho
noturno sem o pagamento do respectivo
adicional; b) laborar para além
de um expediente normal de trabalho,
sem a correspondente remuneração com
horas-extras; c) ser preso administrativamente
e não ter direito a habeas corpus;
d) atribuir-lhes funções de chefia e assessoramento
e não ter direito a ocupar cargos
em comissão; e) o achatamento salarial
e ser-lhes negado o direito de greve.
16. E se tem reduções significativas de direitos,
nada mais justo que a contraprestação
constitucional da paridade, da integralidade
dos soldos e da dignidade de permanecer
militar por toda a vida (ativa, reserva
e reforma), não se utilizando da expressão
aposentadoria. Nas palavras de Ives Gandra
da Silva Martins, “o servidor civil é
simplesmente aposentado; com o militar
isto não ocorre, ele é transferido para a inatividade”
(Regime Jurídico Diferenciado
da Previdência para Servidores Públicos
Civis e Militares – a correta inteligência do
artigo 40, § 7º, da Constituição Federal).
17. Não cabe ao intérprete, ainda que sob
a alegação de concretizar princípios,
preencher o conceito de militar com outros
elementos a eles estranhos, que retiram
sua própria essência, aproximandolhe
por analogia dos servidores públicos.
18. Nesse sentido é que devemos ser fiéis
à Constituição e na sua interpretação,
conforme (verfassungskonforme Anslegung),
hoje tão empregada pelo Supremo
Tribunal Federal, buscar nela sua
redução teleológica, eis que, sem reduzir
a essência de seu texto, não seremos capazes
de limitar os sentidos possíveis da
norma ao que for mais adequado a sua
finalidade (vide Karl Larenz. Methodenlehre
der Rechtswissenschaft). Essa será
nossa próxima tarefa: buscar respostas
na Constituição.


III - O REGIME CONSTITUCIONAL DOS
MILITARES E O SIGNIFICADO DO SILÊNCIO
CONSTITUCIONAL PARA O
REGIME DE PREVIDÊNCIA DOS MILITARES

19. O nosso fenômeno de mutação constitucional
através do poder de emendar
em relação aos Militares tem uma característica
especial: o Regime Constitucional
dos Militares está mais caracterizado
pela supressão de dispositivos
constitucionais e pela negativa consciente
de acréscimos de outros, do que
propriamente pela inserção de normas
na redação originária.
20. Em sendo assim, devemos trabalhar mais
com o “silêncio eloquente” do que com a
exegese das normas constitucionais. O
Ministro Roberto Barroso, do STF, resume
bem a diferença entre “silêncio eloquente”,
“lacuna” e “omissão”: “Silêncio
eloquente é quando você, ao não dizer,
está se manifestando. Lacuna é quando
você não cuidou de uma matéria. E
omissão é quando você não cuidou, tendo
o dever de cuidar” (em http://www.
osconstitucionalistas.com.br/conversas-
-academicas-luis-roberto-barroso-i).
21. Segundo a doutrina (Carlos Maximiliano
e Juliano Bernardes) e a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal, o
silêncio pode ser interpretado de modo a
revelar o que constitui, ou não, o conteúdo
da norma. Nessa acepção, o “silêncio
eloquente” (beredtes Schweigen), a simples
ausência de disposição constitucional
significa a proibição de determinada
prática pelos órgãos públicos e o próprio
legislador ordinário (STF, RE 130.552,
MS 30.585 e MS 31.375).
22. O ponto central está em saber se existe
uma “lacuna” que autorize este Tribunal
a utilizar de analogias (por exemplo, para
ampliar o conceito de regime previdenciário
dos servidores públicos da LRF, aplicando
seus dispositivos aos Militares), ou se é o
caso de “silêncio eloquente” que veda a integração
analógica. Para melhor precisão
dos institutos, de “lacuna” só se pode falar
quando uma lei aspira uma regulação completa
de uma determinada matéria, mas foi
incapaz de prever todas as suas hipóteses
(Karl Larenz. Metodologia da Ciência do
Direito). Já o “silêncio eloquente”, quando
o Constituinte não disse por que não quis,
impede o recurso à chamada interpretação
corretiva ou integração corretiva, pois agindo
assim o aplicador do Direito penetra
indevidamente no Poder Constituinte (J. J.
Gomes Canotilho. Direito Constitucional e
Teoria da Constituição). Por isso, para que
o Juiz utilize da analogia, deve provar que
há uma lacuna no direito e que a ratio legis
da norma que será estendida cobre o caso
em questão (Kock e Rüssmann).
23. Efetivada essa breve aproximação teórica,
é de se notar que, na Assembleia
Nacional Constituinte, o Projeto A
(24/11/1987) foi a primeira vez que apareceu
a remissão ao aprovado art. 40 da
Constituição originária. Havia ali completo
contato entre os militares e os
servidores públicos civis:
Art. 51. ....
§ 9º. Aplica-se aos servidores a que se refere
este artigo, e a seus pensionistas, o
disposto no art. 48”.
24. Já no início do segundo turno das votações,
o ponto de contato foi reduzido para
os § 4º e 5º daquele dispositivo, depois
renumerado para art. 40. Eis a redação original
do dispositivo constitucional:
Art. 42. São servidores militares federais
os integrantes das Forças Armadas e servidores
militares dos Estados, Territórios
e Distrito Federal os integrantes de suas
polícias militares e de seus corpos de
bombeiros militares.
§ 10 Aplica-se aos servidores a que se refere
este artigo, e a seus pensionistas, o
disposto no art. 40, §§ 4º e 5º.
25. A Emenda Constitucional 3/1993, vindo
em sentido contrário, estabeleceu um novo
ponto de contato, para fins previdenciários,
no sentido de equiparar os regimes
de previdência, de natureza contributiva
do empregador (União) e dos servidores:
Art. 1.º Os dispositivos da Constituição
Federal abaixo enumerados passam a vigorar
com as seguintes alterações:
“Art. 40. .......................................................
§ 6.º As aposentadorias e pensões dos
servidores públicos federais serão custeadas
com Art. 42. ...................................
§ 10 Aplica-se aos servidores a que se refere
este artigo, e a seus pensionistas, o
disposto no art. 40, §§ 4.º, 5.º e 6.º.
26. A partir daí, há uma guinada na Constituição,
no sentido da gradual cisão completa
entre o conceito de servidor público
e de Militar, inclusive para fins de regime
previdenciário. O primeiro movimento
foi a Emenda Constitucional 18/1998,
decorrente da aprovação, com ajustes, da
PEC 338/1996. Eis os dispositivos emendados,
no que interessa:
Art. 1º O art. 37, inciso XV, da Constituição
passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 37.........................................................
XV - os vencimentos dos servidores públicos
são irredutíveis, e a remuneração
observará o que dispõem os arts. 37, XI e
XII, 150, II, 153, III e § 2º, I;
.....................................................................”
Art. 2º. A seção II do Capítulo VII do
Título III da Constituição passa a denominar-
se “DOS SERVIDORES PÚBLICOS”
e a Seção III do Capítulo VII do
Título III da Constituição Federal passa
a denominar-se “DOS MILITARES DOS
ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E
DOS TERRITÓRIOS”, dando-se ao art.
42 a seguinte redação:
“Art. 42 Os membros das Policias Militares
e Corpos de Bombeiros Militares, instituições
organizadas com base na hierarquia
e disciplina, são militares dos Estados, do
Distrito Federal e dos Territórios.
[...]
Art. 3º. O inciso II do § 1º. do art. 61 da
Constituição passa a vigorar com as seguintes
alterações:
“Art. 61.........................................................
§ 1º................................................................
II - ................................................................
c) servidores públicos da União e Territórios,
seu regime jurídico, provimento
de cargos, estabilidade e aposentadoria;
.......................................................................
f) militares das Forcas Armadas, seu
regime jurídico, provimento de cargos,
promoções, estabilidade, remuneração,
reforma e transferência para a reserva”.
Art. 4º. Acrescente-se o § 3º. ao art. 142
da Constituição:
“Art. 142 .......................................................
§ 3º. Os membros das Forças Armadas
são denominados militares, aplicando-
-lhes, além das que vierem a ser fixadas
em lei, as seguintes disposições:
VIII - aplica-se aos militares o disposto
no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII,
XIX e XXV e no art. 37, incisos XI, XIII,
XIV e XV;
IX - aplica-se aos militares e a seus pensionistas
o disposto no art. 40, §§ 4º, 5º e 6º;
X - a lei disporá sobre o ingresso nas
Forças Armadas, os limites de idade, a
estabilidade e outras condições de transferência
do militar para a inatividade, os
direitos, os deveres, a remuneração, as
prerrogativas e outras situações especiais
dos militares, consideradas as peculiaridades
de suas atividades, inclusive aquelas
cumpridas por força de compromissos
internacionais e de guerra.”
26.1. Nota-se que os Militares das Forças
Armadas foram completamente
apartados dos Militares das Polícias
e Corpos de Bombeiros Militares
(estes sim aproveitaram parte
das regras dos membros das Forças).
De outra, os Militares das Forças
Armadas deixaram de figurar
como espécie do gênero servidor
público, sendo mantidos pontos de
contato da paridade entre ativos e
inativos, bem como a contributividade
do regime previdenciário.
26.2. Compulsando os debates havidos
na PEC, nota-se que o Deputado
Hélio Rosas apresentou emenda
para inserir o inciso X ao § 3º do
art. 142, no qual fazia referência a
um regime previdenciário dos militares,
uma vez que “o artigo 4º, da
PEC 338/96, revoga o regime previdenciário
próprio dos servidores
públicos militares das Forças Armadas”.
Houve ainda proposta de
emenda aglutinativa modificativa
pelo líder do bloco PT/PC do B/
PDT, com o fito de alterar o novel
§ 3º do art. 142 para assim constar
“os membros das Forças Armadas
são denominados servidores públicos
militares”. Ambas as tentativas
foram rechaçadas.
26.3. A exposição de motivos 152 traduziu
o que inspirou o Poder Executivo
na proposta de emenda:
A presente proposta pretende
dar aos membros das Forças Armadas,
doravante denominados
militares, por suas características
próprias, um tratamento distinto
no que concerne a deveres, direitos
e outras prerrogativas [...]
Justifica-se a alteração do dispositivo
proposto, visto que os militares
não são servidores dos Ministérios
Militares; eles pertencem às Instituições
Nacionais permanentes
que são a Marinha, o Exército e a
Aeronáutica. O perfil da profissão
militar é a defesa da Pátria, tendo
por isso peculiaridades inigualáveis
com as outras categorias. [...]
Esta condição institucional (nacional
e permanente) vincula primordialmente
as Forças Armadas
ao Estado e transcende o plano
público [...]
A situação do militar enquadrado
como funcionário ou servidor público
é prejudicial tanto ao exercício
de sua profissão como às próprias
Instituições Militares que,
dessa forma, ficam impossibilitadas
de dar, aos seus integrantes, a
justa contrapartida por imposições
e deveres normalmente pesados.
26.4. Da análise na Comissão Especial
constituída para a discussão da
PEC n. 338-A, de 1996, sob a relatoria
do Deputado Werner Wanderer,
cabe destacar a rejeição específica
“das sugestões de referências
explícitas aos regimes previdenciários
próprios dos militares”.
27. Prossegue o constituinte derivado com
seu poder de reforma à Constituição, redundando
agora na EC 20/1998, assim
redigida no que interessa:
Art. 1º - A Constituição Federal passa a
vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 142 - ....................................................
§ 3º - .............................................................
IX - aplica-se aos militares e a seus pensionistas
o disposto no art. 40, §§ 7º e 8º;
27.1. Note que os dispositivos do art.
40, único ponto de contato residual
entre os Militares das Forças
Armadas e os servidores públicos,
assim passavam a ser redigidos:
“Art. 40 - Aos servidores titulares de
cargos efetivos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios,
incluídas suas autarquias e
fundações, é assegurado regime de
previdência de caráter contributivo,
observados critérios que preservem
o equilíbrio financeiro e atuarial e o
disposto neste artigo.
§ 7º - Lei disporá sobre a concessão
do benefício da pensão por
morte, que será igual ao valor dos
proventos do servidor falecido ou
ao valor dos proventos a que teria
direito o servidor em atividade na
data de seu falecimento, observado
o disposto no § 3º.
§ 8º - Observado o disposto no art.
37, XI, os proventos de aposentadoria
e as pensões serão revistos
na mesma proporção e na mesma
data, sempre que se modificar a
remuneração dos servidores em
atividade, sendo também estendidos
aos aposentados e aos pensionistas
quaisquer benefícios ou
vantagens posteriormente concedidos
aos servidores em atividade,
inclusive quando decorrentes
da transformação ou reclassificação
do cargo ou função em que se
deu a aposentadoria ou que serviu
de referência para a concessão da
pensão, na forma da lei.
27.2. É fácil observar que não há mais
ponto de contato entre o regime
previdenciário contributivo, de caráter
equilibrado, financeiramente
e atuarialmente, disposta então
na cabeça do art. 40. Isso porque
quando a Constituição quis a aplicação
do próprio caput do artigo o
fez explicitamente (Art. 10, inciso
I, do ADCT). De outra, fôssemos
compreender que o caput estaria
implícito, quando houve menção a
incisos do art. 7º da CF, isso significaria
dizer que os militares estariam
equiparados aos “trabalhadores
urbanos e rurais”?
27.3. Entretanto a prova cabal está na
PEC 33/1995, que está na gênese
da EC 20/1998. Ali constavam
os §§ 9º e 10º do art. 42, assim
redigida a proposta em relação
aos militares das Forças Armadas:
§ 9º. Aos integrantes das Forças
Armadas e seus pensionistas é assegurado
regime previdenciário
próprio, custeado mediante contribuições
dos ativos e inativos, dos
pensionistas e da União, obedecidos
critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial, na forma de lei
complementar prevista no art. 201,
que deverá refletir as peculiaridades
da profissão militar [...]
27.4. O Relator da CCJR da Câmara dos
Deputados, Deputado Rodrigues
Palma foi explícito ao rechaçar
a proposta inserta nos referidos
§§ 9º e 10, mas sob o argumento
de que os regimes para os militares
das forças armadas deveriam
guardar isonomia com os
militares da polícia e do corpo de
bombeiros, os quais ficaram ainda
acoplados aos servidores civis em
geral por força da redação do § 10.
Com isso ofereceu a Emenda n. 1,
assim redigida:
§ 9º. Aos integrantes das Forças
Armadas e das polícias militares e
dos corpos de bombeiros militares,
e aos respectivos pensionistas
é assegurado regime previdenciário
próprio, custeado mediante
contribuições dos ativos e da
União, obedecidos critérios que
preservem o equilíbrio financeiro
e atuarial, na forma de lei complementar
prevista no art. 201, que
deverá refletir as peculiaridades
da profissão militar [...]
27.5. Nada melhor para demonstrar que
o coletivo da Câmara foi quem
rejeitou a referida emenda, nas
palavras do próprio parlamentar:
“convencido das razões expendidas
pelo Plenário, decidi reformular
as Emendas de minha autoria”. E
apresentou uma nova Emenda n.
01, para “no art. 2º da PEC n. 33/95,
suprimam-se os §§ 9º e 10 do art.
42”. Sepultada estava a tentativa
de instituir um regime previdenciário
próprio para os militares.
28. Chegamos à PEC 41/2003, a qual consolida
a completa separação dos contatos
entre servidores públicos e Militares
das Forças Armadas. Eis os dispositivos
emendados, no que importa:
Art. 10. Revogam-se o inciso IX do § 3º
do art. 142 da Constituição Federal, bem
como os arts. 8º e 10 da Emenda Constitucional
nº 20, de 15 de dezembro de 1998.
28.1. O referido inciso IX do § 3º do
art. 142 da Constituição Federal
continha exatamente os últimos
pontos de contato entre os Militares
e o regime previdenciário dos
servidores públicos (“IX - aplica-
-se aos militares e a seus pensionistas
o disposto no art. 40, §§
7º e 8º;”). Note-se que a mesma
referida EC 41/2003 alterou o §
7º do art. 40 para retirar o direito
à integralidade da pensão por
morte para os servidores públicos
civis, bem como excluir o direito
à paridade entre ativos e inativos/
pensionistas, pela alteração do §
8º do art. 40. Evidente a intenção
de manter, para os Militares das
Forças Armadas, a integralidade
e a paridade, bem como retirar
qualquer ponto de contato
com o art. 40, de modo a excluir
qualquer tentativa hermenêutica
de analogia com os conceitos
de “regime previdenciário” e de
“servidores públicos”, constantes
do caput do art. 40 (“caráter
contributivo e solidário, mediante
contribuição do respectivo ente
público, dos servidores ativos e
inativos e dos pensionistas, observados
critérios que preservem o
equilíbrio financeiro e atuarial”)
28.2. Isso não é uma mera conclusão
lógica. Ao contrário, o relatório e
voto do Relator da Comissão Especial
destinada a apreciar e proferir
parecer à proposta de Emenda
à Constituição n. 40-A, de
2003, Deputado José Pimentel, foi
explícito nas razões para exclusão:
Essas alterações, de natureza pontual,
são plenamente justificáveis e
em nada afetam o reconhecimento
de que os militares federais não
estão, a rigor, vinculados a um
regime previdenciário. Os benefícios
a que têm direito, incluindo a
reserva remunerada e a reforma,
integram o próprio regime militar
a que estão sujeitos. A própria
expressão “regime previdenciário
dos militares” não condiz com a
realidade, constituindo uma mera
liberdade de expressão.
28.3. É exatamente o que entende Narlon
Gutierre Nogueira em seu O
Equilíbrio financeiro e atuarial dos
RPPS: de princípio constitucional a
política pública de Estado:
A Emenda Constitucional nº
41/2003 revogou as poucas regras
que até então relacionavam o regime
previdenciário dos militares
ao artigo 40 da Constituição, remetendo
a sua disciplina para a
legislação ordinária, conforme se
verifica pelos §§ 1º e 2º do artigo
42 (policiais militares e bombeiros)
e pelo inciso X do § 3º do
artigo 142 (militares das Forças
Armadas). Embora o regime previdenciário
dos militares não tenha
sido estudado de forma direta
nesta pesquisa, é evidente que ele
permaneceu à margem dos princípios
que estabeleceram o novo
marco institucional para o RPPS
dos servidores públicos civis, de
forma semelhante ao que ocorreu
com os militares de outros países
da América Latina, cujos sistemas
de previdência também não foram
alcançados pelas reformas.
29. A resposta para que os benefícios de
reserva remunerada, de reforma e as
pensões delas decorrentes (preservadas
a paridade e a integralidade) integrarem
o Regime Constitucional dos Militares
das Forças Armadas e não um regime
previdenciário dos militares está em que
a lógica dele é completamente distante
da lógica de equilíbrio financeiro e atuarial
dos servidores públicos civis. Além
da manutenção da paridade e da integralidade,
a idade de reforma dos militares é
definida não por critérios atuariais, mas
por questões de fisiologia humana e por
necessidades de progressão nas patentes,
dado o caráter piramidal da estrutura da
carreira militar. Além disso, conforme
visto na análise da mutação constitucional
posta neste capítulo, o constituinte
reformador não quis, conscientemente,
equiparar a reserva remunerada e a reforma
à aposentadoria, bem como rompeu
completamente qualquer ponto de
contato com o art. 40 da CF, de modo a
negar a existência de um regime de previdência
contributivo e atuarialmente
equilibrado.
30. A afirmação de que a lei fica descolada da
vontade do legislador sequer é acompanhada
da boa doutrina contemporânea.
Robert Alexy (em seu Teoria da Argumentação
Jurídica), Rodriguez Molinero
(Introduccion a la Ciencia del Derecho) e
outros (como Habermas, em Direito e Democracia)
retomam esse cânone da interpretação,
porquanto a vontade do legislador
pode ser aferível através dos dossiês da
produção legislativa e representa o respeito
à democracia representativa, enquanto
a interpretação “descolada” apenas ficaria
acoplada à vontade do intérprete.
31. De outra, fica completamente afastada
a concepção de um regime de previdência,
porquanto os militares possuem
institutos isolados (reserva remunerada
e reforma), e benefícios pensionais, decorrentes
do maior bem humano do qual
abrem mão quando ingressam nas Forças:
a vida. E precisamos apenas recorrer
à Constituição para tal conclusão, sendo
dispensável o recurso à falta de previsão
de um regime próprio de previdência social
para os Militares das Forças Armadas
no art. 1º da Lei 9.717/1998, afastando a
avaliação atuarial de que fala o inciso I
do referido artigo.
32. Não há regime, porquanto, no dizer de
José dos Santos Carvalho Filho, Regime
Previdenciário é o conjunto de regras
constitucionais e legais que regem
os benefícios outorgados aos servidores
públicos em virtude da ocorrência de
fatos especiais expressamente determinados.
Nem mesmo há um sistema previdenciário,
pois este se caracteriza por
um conjunto de partes inter-agentes e
interdependentes que, conjuntamente,
formam um todo unitário com determinado
objetivo e efetuam determinada
função. Sistema pode ser definido como
um conjunto de elementos interdependentes
que interagem com objetivos
comuns formando um todo, qualquer
conjunto de partes unidas entre si pode
ser considerado um sistema, desde que
as relações entre as partes e o comportamento
do todo sejam o foco de atenção
(Alvarez). “Ora, em verdade, “reforma”,
“reserva” e ‘pensão militar” são institutos
isolados, sem qualquer lógica entre eles,
no sentido de um sistema previdenciário
sustentável e equilibrado, exigindo cálculos
atuariais. A lógica é tão somente
decorrente do ser “Militar”.
33. Assim sendo, beira as raias da inconstitucionalidade,
pois destitui o telos
do Regime Constitucional dos Militares
das Forças Armadas, divulgar conjuntamente
as receitas e despesas com o
pagamento de aposentadorias e pensões
e o resultado previdenciário do RPPs
da União, abrangendo servidores civis e
militares, porquanto atrai para o Regime
Militar federal conceitos estranhos
como ‘resultado’, ‘aposentadorias’ e ‘déficit’,
gerando na sociedade que se deseja
informar uma concepção distorcida
da lógica aplicável às Forças Armadas.
34. Não é por outra razão que Fábio Zambitte
Ibrahim, em seu Curso de Direito
Previdenciário, conclui que:
Em verdade, acredito que nem seria
correto falar em regime previdenciário
dos militares, pois estes simplesmente
seguem à inatividade remunerada, custeada
integralmente pelo Tesouro, sem
perder a condição de militar. As especificidades
da categoria dificilmente permitirão
a criação de um regime securitário
atuarialmente viável, pois o afastamento
do trabalho é precoce, seja pelas rigorosas
exigências físicas da atividade militar
ou mesmo por critérios de hierarquia.
35. Regime Previdenciário, nos termos constitucionais
atuais, é um conjunto de receitas
e despesas que visa à sustentabilidade
de longo prazo, cujas expectativas de ingressos
e dispêndios passam por análises
financeiras e atuariais para ajustar, tanto
as fontes de recursos (aumento de contribuição,
constituição de fundos etc), como
os benefícios concedidos (limite de idade,
integralidade etc). Certamente nada disso
cabe no Regime Constitucional dos
Militares das Forças Armadas, o qual
tão somente tem os institutos da ‘reforma’,
‘reserva’ e ‘pensão’, sem quaisquer
limitações e condicionantes atuariais.
36. Não é possível alegar que a ADI 3105
(incidência de contribuição previdenciária
sobre os proventos de aposentadoria
e pensões) se aplica aos Militares
das Forças Armadas, tal como consta
do item III da ementa do Acórdão
2.059/2012 – TCU Plenário. Primeiro,
porque se tratava de ação ajuizada pela
entidade associativa do Ministério Público.
Bem de ver que seus dispositivos
constitucionais aplicáveis (art. 128, § 5º,
inc. I, alínea “c”) se aproximam dos servidores
públicos civis (art. 37, inc. XV),
nada tendo de contato com os Militares
federais. Segundo, porque o RE 475076
Agr., julgado na Segunda Turma do STF,
foi o paradigma para aplicar o decidido
na referida ADI aos militares, e, de forma
imprópria, utilizou como paradigma
o RE 435.210 Agr., que versava sobre servidores
públicos civis da administração
direta. À derradeira, reconhecendo que
o precedente foi construído de maneira
irrefletida e seguido, monocraticamente
de forma automática, o Supremo Tribunal
Federal reconheceu a repercussão
geral no RE 596.701, pendente de julgamento,
cujo tema foi assim ementado:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO.
MILITAR INATIVO.
REGIME PREVIDENCIÁRIO APLICÁVEL.
COBRANÇA DE CONTRIBUIÇÃO
PREVIDENCIÁRIA.
RELEVÂNCIA
JURÍDICA E
ECONÔMICA DA
QUESTÃO CONSTITUCIONAL.
EXISTÊNCIA
DE REPERCUSSÃO GERAL.
37. Reconhecida a repercussão geral, o STF
inclusive tornou insubsistentes decisões
já tomadas, mas não transitadas
em julgado, que reconheciam a incidência
da contribuição social a militares
inativos e pensionistas, tal como o AI
594.104 Agr-ED. Agora a matéria ficará
reservada ao seu Plenário.
38. Como diz Juan Alfonso Santamaría Pastor,
não apenas o texto constitucional determina
que as normas inferiores sejam com ele
compatíveis e não contraditórias. Vai mais
além, pois condiciona também o momento
de interpretação e aplicação desse mesmo
direito posto. O primeiro momento, do legislador,
é o de superlegalidade material,
enquanto o momento da aplicação do direito,
o parâmetro interpretativo de todas
as outras normas (in Principios de Derecho
Administrativo. Volumen I).
39. Desta maneira, não nos parece correto
concluir, como fez a Unidade Técnica, que
as despesas com “inativos” militares têm
natureza previdenciária pela forma como
eram inseridas no orçamento até 2015 e
no REEO. Fosse esse o momento decisivo
de concluir pela natureza de uma despesa,
o fato do orçamento de 2016 (Nota Técnica
261/2015/CGDPS/SEAFI/SOF/MP) e
do projeto da LDO para 2017 (NT 4/2016)
mudarem tais despesas para a função Defesa
Nacional, subfunção Administração
Geral, seria o determinante para definirlhe
a natureza. Ao contrário, não se pode
ler a Constituição a partir das normas,
relatórios e instruções infraconstitucionais,
mas é exatamente o contrário.
Daí o acerto das notas técnicas ao tomar
tal decisão de reclassificação das ditas
despesas porquanto os militares não
possuem um sistema previdenciário de
caráter contributivo, sendo inadequada
a aplicação da lógica atuarial, sendo
classificado como encargo financeiro do
Tesouro Nacional.
40. É por isso que o Acórdão 2.059/2012 – TCU
Plenário atraiu, fixando em sua ementa,
a nosso sentir, de maneira contrária à
Constituição, conceitos completamente
estranhos ao Regime Constitucional dos
Militares das Forças Armadas, tais como
“regime jurídico dos militares inativos
e pensionistas”, “[as Emendas Constitucionais]
não afastaram a possibilidade de
instituição de contribuição social para o
custeio do regime previdenciário dos militares”,
“considera-se o seu regime como
de natureza previdenciária, independentemente
da opção política quanto ao seu
caráter contributivo”, o que tornaria “legítima
a interpretação pela aplicabilidade
da avaliação financeira e atuarial prevista
no art. 4º, § 2º, IV, ‘b’, da Lei de Responsabilidade
Fiscal” “para fins de permitir um
planejamento em longo prazo da sustentabilidade
desse regime”. E com o conceito
de “sustentabilidade” ingressam indevidamente
no Regime Constitucional dos
Militares da União os conceitos de “equilíbrio”,
“déficit”, entre outros.
41. Como visto, não há lacuna constitucional
que permita tal integração interpretativa,
como se este TCU fosse legislador constituinte
derivado positivo. Ao contrário, temos
um silêncio constitucional eloquente,
que afasta todos os conceitos listados
no item imediatamente acima. Trata-se
da aplicação da teoria do limite do wording
da Constituição, a qual imprime os
limites semânticos da aplicação do direito
constitucional. É por essa razão que Andrea
Baldanza (La Difesa. In Trattato di Diritto
Amministrativo, a cura di Sabino Cassese.
Tomo Primo) afirma que a jurisprudência
assentou, quanto aos Militares das Forças
Armadas, “da rendere problematico ogni
tentativo di assimilazione analogica [do
‘servizio civile’] o di individuazione di
principi generali”.


IV - A LEI DE RESPONSABILIDADE
FISCAL, LIDA CONFORME A CONSTITUIÇÃO
E OS RISCOS DE IMPORTAÇÃO
DE CONCEITOS INAPLICÁVEIS
AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS
MILITARES

42. Prosseguimos, relembrando as palavras
de Santi Romano (Princípios de Direito
Constitucional Geral): “A Constituição
é o ponto inicial do direito estatal considerado,
em seu todo, a base de todas as
demais partes, sendo, precisamente, por
isto, parte integrante dele”.
43. Entretanto, a instrução precedente persiste
em analisar a questão sob o prisma infraconstitucional,
adaptando o Regime Constitucional
dos Militares à Lei de Responsabilidade
Fiscal e não o contrário, como é do
Direito. E o fez da seguinte forma:
a) as despesas com “inativos” e pensionistas
das Forças Armadas constituem um risco
fiscal, nos termos do art. 1º, § 1º, da LRF;
b) isso porque os déficits têm como causa
a contribuição exclusiva sobre as pensões,
a integralidade, a inexistência de idade mínima
para os militares e o grande volume
de pensões concedidas a ex-combatentes,
sem as correspondentes contribuições.
44. Ora, o que serve para qualificar um suposto
déficit, e submeter o Regime Constitucional
dos Militares federais à LRF são
exatamente as razões pelas quais o constituinte
derivado apartou completamente
a figura de um regime previdenciário
sustentável e equilibrado. Nessa toada, é
lógica e constitucional a assimetria entre
o regime previdenciário dos servidores
civis e os institutos constitucionais da ‘reforma’,
‘reserva’ e ‘pensão’ militares. Além
desse contrassenso, a prova palavra déficit
é uma contradição lógica, porquanto déficit
é uma operação matemática de subtração
das receitas e das despesas, gerando
um resultado negativo (vide quaisquer definições
científicas, muitas delas constantes
do Glossário disponível no sítio do Tesouro
Nacional.). Pois bem, se não há receita,
como falar em déficits? Para que projetá-
los de maneira atuarial?
45. De outra, o auditor instrutor utiliza de um
raciocínio desconforme ao direito ao dizer
que, caso não aplicável a alínea ‘a’ do inciso
IV do § 2º do art. 4º da LRF, seria atraída
a incidência de sua alínea ‘b’, porquanto o
pagamento de tais benefícios seria enquadrado
como “programa estatal de natureza
atuarial”. Eis o dispositivo mencionado:
Art. 4o A lei de diretrizes orçamentárias
atenderá o disposto no § 2o do art. 165
da Constituição e:
§ 2º O Anexo conterá, ainda:
IV - avaliação da situação financeira e
atuarial:
a) dos regimes geral de previdência social
e próprio dos servidores públicos e
do Fundo de Amparo ao Trabalhador;
b) dos demais fundos públicos e programas
estatais de natureza atuarial;
46. Com todas as vênias, a inconsistência
do raciocínio está centrada em seis objeções
fundamentais:
46.1. A primeira, é que não parte da
Constituição para interpretar a
LRF, mas o faz a partir da própria
lei complementar, como se um sistema
fechado fosse, independentemente
da vontade constitucional.
46.2. Caso fosse verdade que a despesa
com ‘inativos’ e pensionistas militares,
um “regime previdenciário” dos
militares que supostamente seriam
os regimes geral de previdência social
e próprio dos servidores públicos
também eles seriam espécie do
gênero “programas estatais de natureza
atuarial”. E como sabemos que
o direito não tem palavras inúteis,
não é admissível dizer que a alínea
‘a’ é um capricho do legislador. Em
realidade, a existência da alínea ‘a’
significa que os regimes de previdência
não se enquadram como
programas estatais de natureza
atuarial constantes da alínea ‘b’.
46.3. De outra, demonstramos que o
constituinte
derivado não quis programar
um regime previdenciário
para os Militares da União, rechaçou
em atribuir caráter equilibrado,
sustentável ou contributivo ao pagamento
das ‘reformas’, ‘reserva’ e
‘pensões’ militares, porquanto não
adotou de forma voluntária, expurgando
de seu texto tais expressões
(o silêncio eloquente) e, agindo de
forma a negar qualquer possibilidade
de aproximação “atuarial”,
preservou a integralidade das pensões
e a regra da paridade, pelo que
está afastada qualquer “natureza
atuarial” ao dispêndio. Como diz
Gylles Binel et all (Prática Atuarial
na Previdência Social):
“O objetivo da avaliação atuarial é
descrever a futura situação financeira
de um plano de previdência
social”. Segundo o autor, o resultado
de tal avaliação consiste em:
projeções demográficas do número
de segurados ativos e beneficiários;
projeção de receitas e despesas; razão
de custo do sistema projetado
PAYG (as contribuições se equilibram
com as despesas a intervalos
regulares de tempo); GAP para
todo o período de projeção (a alíquota
de contribuição permanece
no mesmo nível “ad infinitum”);
níveis projetados de reservas; subsídios
governamentais exigidos. E
todos os métodos de financiamento
e capitalização atuariais (PAYG,
GAP, AFS, TFS, SCP, ACC, ENT,
AGG) falam em alíquota de contribuição
e fundos de reserva. É de se
perguntar por que tratar a despesa
orçamentária com o pagamento
dos militares da ativa e ‘inativos’
como um regime previdenciário? A
previsão de dispêndios de tal despesa
pública pode ser feita igualmente
da maneira como se projetam as
despesas com encargos segurança
pública, saúde etc. É por isso que,
com base em tais métodos, o relatório
atuarial propõe recomendações
para ajustar certos benefícios ou
para restaurar a viabilidade financeira
de longo prazo, sua solvência.
Daí que as projeções atuariais (novamente
com Gylles Binel et all - op
cit) são uma série de procedimentos
para projetar os componentes
de receita e despesa de um plano
previdenciário. Mas isto, o Regime
Constitucional dos Militares afastou,
propositadamente!
É o que se pode depreender da teoria
atuarial aderente à questão, tal
como Ducineli Régis Botelho (“Critérios
de mensuração, reconhecimento
e evidenciação do passivo
atuarial de planos de benefícios de
aposentadoria e pensão: um estudo
nas demonstrações contábeis das
entidades patrocinadoras brasileiras.
201 p. Dissertação (Mestrado
em Ciências Contábeis - Programa
Multiinstitucional e Inter-regional
de PósGraduação em Ciências
Contábeis da Universidade de Brasília,
Universidade Federal da Paraíba,
Universidade Federal de Pernambuco
e Universidade Federal
do Rio Grande do Norte. Brasília:
UnB, 2003), Sylney de Souza (Seguros:
Contabilidade, atuária e auditoria.
São Paulo: Saraiva, 2002) e
Charles Trowbridge (Fundamental
concepts of actuarial science).
46.4. Da mesma forma, não é porque se
constitui em um risco fiscal que
uma despesa deve se submeter a
métodos atuariais ou as aproxima
do regime de previdência. Risco
fiscal é um conceito geral (art. 4º, §
3º, da LRF) de qualquer despesa capaz
de afetar as contas públicas (saúde,
educação, servidores ativos etc.
também seriam riscos fiscais). Tal
como definido pelo PNUD (http://
www.pnud.org.br/recrutamento/
20160602_0934.pdf), “o conceito
de Risco Fiscal expressa o grau de
incerteza associada ao desempenho
fiscal esperado ao longo de um dado
horizonte temporal e, eventualmente,
podem estar associados a eventos
fora do controle dos policymakers.
Em essência, Risco Fiscal se apresenta
como um conceito prospectivo que
procura dar alguma dimensionalidade
à possibilidade de ocorrência de
eventos que podem vir a impactar a
previsibilidade do planejamento fiscal
no horizonte relevante”.
46.5. Como visto no capítulo III desta
manifestação, o Constituinte quis
apartar completamente os Militares
do conceito de servidor público,
não sendo admissível qualquer
analogia para fins de aplicação
de um dispositivo legal da Lei de
Responsabilidade Fiscal.
46.6. As despesas com ‘reforma’, ‘reserva’
e ‘pensões’ militares não se enquadram
no conceito de “programa
estatal”. Segundo Gonzalo Martner
(A Técnica de Orçamentos por
Programas e Atividades- FGV),
um programa é um instrumento
destinado a cumprir as funções do
Estado, através do qual se estabelecem
objetivos ou metas quantificáveis,
a serem cumpridos mediante
o desenvolvimento de um conjunto
de ações integradas e/ou de obras
específicas concedidas, com um
custo global e unitário determinado
e cuja execução fica a cargo de
uma entidade administrativa de
alto nível dentro do Governo”. E
tais conceitos podem ser entendidos
através da Lei de Diretrizes Orçamentárias,
de 2016, porquanto:
Art. 4o Para efeito desta Lei, entende-
se por:
VI - produto, bem ou serviço que
resulta da ação orçamentária; VII -
unidade de medida, utilizada para
quantificar e expressar as características
do produto; VIII - meta
física, quantidade estimada para o
produto no exercício financeiro;
IX - atividade, um instrumento de
programação para alcançar o objetivo
de um programa, envolvendo
um conjunto de operações que
se realizam de modo contínuo e
permanente, das quais resulta um
produto necessário à manutenção
da ação de governo;
47. Bem de ver que não há qualquer viabilidade
constitucional de se aplicar, ao Regime
Constitucional dos Militares das Forças
Armadas, as alíneas ‘a’ ou ‘b’ do inc. IV do
§ 2º do art. 4º da LRF.
48. Novamente com as vênias de estilo, não
vemos como submeter à Constituição
às balizas da IPSAS 25. Não bastasse
isso, a NBC TSP 25 afirma, em seu item
146: “Quando exigido pela NBC TSP 19,
uma entidade pública divulga informação
sobre passivos contingentes resultantes
de obrigações de benefícios pós-
-emprego”. E a NBC TSP 19 – Provisões,
Passivos Contingentes e Ativos Contingentes
– estabelece que “A entidade que
elabora e apresenta demonstrações contábeis
sob o regime de competência deve
aplicar esta norma na contabilização de
provisões, passivos contingentes e ativos
contingentes, exceto: (a) as provisões e
passivos contingentes oriundos de benefícios
sociais, fornecidos por uma entidade,
pelos quais não recebe compensação
aproximadamente igual ao valor dos produtos
e serviços fornecidos, diretamente
em contrapartida dos destinatários dos
benefícios; [...] (g) os que surgem dos
benefícios a empregados exceto os benefícios
da rescisão contratual de trabalho
resultado de um processo de reestruturação,
conforme tratado nesta Norma”. E
prossegue a referida norma contábil: “7.
Para os fins desta Norma, “benefícios
sociais” referem-se a produtos, serviços
e outros benefícios fornecidos na busca
dos objetivos de políticas sociais de um
governo. Estes benefícios podem incluir:
[...] (b) pagamento de benefícios para
famílias, idosos, deficientes, desempregados,
ex-combatentes e outros.
49. Por essa razão os seguintes argumentos
do recorrente são escorreitos ao afastar
a lógica atuarial da lógica da Carreira
Militar, porquanto os seguintes elementos
negam a possibilidade da tomada de
decisão com base em recomendações
atuariais: a) as peculiaridades da carreira
militar inviabilizam o papel equilibrador
da contributividade; b) a reserva é compulsória
e não subsumível a critérios de
idade, em função de critérios fisiológicos
e como decorrência do fluxo piramidal
da carreira militar; c) os militares
transferidos para a reserva remunerada
permanecem em disponibilidade para a
atividade militar, conclusão a que chegou
Levi Rodrigues Vaz (in Revista Direitos
Fundamentais e Democracia. Vol. 6,
2009), para quem “a única categoria que
está excluída da aplicação do princípio
do equilíbrio financeiro e atuarial é a categoria
dos Militares da União”.
50. Mesmo nas pensões dos Militares da
União, a lógica não é previdenciária, porque
a contribuição paga pelos militares da
ativa, reformados e da reserva remunerada
não tem natureza atuarial, mas apenas
uma forma de participação em parte das
despesas do Tesouro. É o que está afirmado
na Lei 3.765/1960, pois é ao Tesouro
que está atribuído o encargo financeiro
pela diferença aritmética simples:
Art 32. A dotação necessária ao pagamento
da pensão militar, tendo em vista o disposto
no art. 31 desta lei, será consignada
anualmente no orçamento da República
aos ministérios interessados.
51. E uma vez que a Constituição afastou
qualquer vinculação atuarial aos dispêndios
com os Militares e seus pensionistas,
bem como a própria classificação das
despesas como previdenciárias, não cabe
ao intérprete criar obrigações, ainda que
para os pensionistas, porquanto elas próprias
não constam do art. 1º, incisos IV
e VI, da Lei 9.717/1998. Aliás, sequer o
Estatuto dos Militares faz qualquer referência
a regime previdenciário, equilíbrio,
natureza atuarial às despesas com a
pensão militar, tal como está em seu art.
71, cabeça.
52. Por tudo exposto, também não é de se
aplicar o art. 53, § 1º, inciso II, da Lei
Complementar 101:
Art. 53. Acompanharão o Relatório Resumido,
demonstrativos relativos a:
§ 1o O relatório referente ao último bimestre
do exercício será acompanhado
também de demonstrativos:
II - das projeções atuariais dos regimes
de previdência social, geral e próprio dos
servidores públicos;
53. Apenas reafirmando, não há possibilidade
de aplicação da analogia ao caso,
porquanto a Constituição afastou dos
Militares os conceitos de “regime de previdência
social”, de “servidores públicos”
e de “projeções atuariais”.


V - A “DEVIDO PROCESSO LEGAL” DA
TRANSPARÊNCIA DOS GASTOS COM
MILITARES

54. Como dito desde o início, o princípio da
transparência se concretiza nos termos
da lei. É ela quem cria obrigações e deveres,
não cabendo ao intérprete ampliá-las,
sob pena de legislar positivamente, ainda
que sob o manto de potencialização da
transparência. Esse cuidado é que divide
a fronteira entre a principiologia e a
arbitrariedade (Nuria Belloso Martin. El
neoconstitucionalismo a debate: entre la
principiologia y la arbitrariedade).
55. O princípio do escrutínio social, do qual
a transparência é instrumental, estará
atendido em ambas as dimensões: a) a
decorrente das urnas, porquanto a sociedade,
através de seus representantes,
definiu o Regime Constitucional das
Forças Armadas; b) é possível fazer um
exame minucioso dos gastos por formas
alternativas e mais consistentes que uma
avaliação atuarial de resultados questionáveis
sob o ponto de vista da certeza.
56. Como demonstrado acima, em relação à
letra “a” do item anterior, o Constituinte
afastou do texto constitucional, por decisão
explícita, qualquer aproximação do
Regime Constitucional dos Militares das
Forças Armadas com “regime previdenciário”,
“contributivo”, “equilíbrio financeiro
e atuarial” e “servidores públicos”,
tomando decisões que negam a própria
lógica de tais conceitos, tais como a integralidade
e a paridade, preservadas tão
somente para os Militares.
57. O princípio da transparência, em sua dimensão
de informar de modo a permitir
o exame minucioso pela sociedade do orçamento
público e da gestão fiscal subdivide-
se em duas outras formas de realização:
a) a publicidade das informações, nos
termos da Lei; b) a qualidade das informações,
no sentido mesmo de transmitir os
dados de forma clara e precisa, permitindo
conclusões corretas e esclarecidas.
58. Quanto à publicidade das informações,
nos termos da Lei, a lição de Marcelo Rebelo
de Souza e de André Salgado de Matos
é precisa (in Direito Administrativo Geral
- Introdução e Princípios Fundamentais,
Tomo I, 3.ª ed., Lisboa, D. Quixote, 2008):
O princípio da transparência tem também
uma dupla incidência: sobre a Administração,
naturalmente, mas sobretudo, e em
primeira linha, sobre o legislador ordinário,
que está vinculado a regular a atividade,
a organização e o procedimento administrativos
de tal modo que este princípio
possa ser efetivamente cumprido em toda
a linha. Uma vez que a organização administrativa
e o processamento da atividade
administrativa são matérias da reserva de
lei, os princípios constitucionais que lhes
respeitem vinculam, em primeira linha, o
legislador.
59. E a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece
uma série de mecanismos de transparência:
Art. 48. São instrumentos de transparência
da gestão fiscal, aos quais será dada ampla
divulgação, inclusive em meios eletrônicos
de acesso público: os planos, orçamentos e
leis de diretrizes orçamentárias; as prestações
de contas e o respectivo parecer prévio;
o Relatório Resumido da Execução Orçamentária
e o Relatório de Gestão Fiscal; e as
versões simplificadas desses documentos.
Parágrafo único. A transparência será assegurada
também mediante:
I – incentivo à participação popular e
realização de audiências públicas, durante
os processos de elaboração e discussão
dos planos, lei de diretrizes orçamentárias
e orçamentos;
II – liberação ao pleno conhecimento e
acompanhamento da sociedade, em tempo
real, de informações pormenorizadas
sobre a execução orçamentária e financeira,
em meios eletrônicos de acesso
público;
III – adoção de sistema integrado de administração
financeira e controle, que
atenda a padrão mínimo de qualidade
estabelecido pelo Poder Executivo da
União e ao disposto no art. 48-A.
60. Nesse dispositivo estão elencados mecanismos
onde aparecem detalhadamente
as despesas com pessoal ativo, reformados,
da reserva remunerada e com
pensionistas militares da União. Assim
sendo, não é possível, pois não existe
lacuna a ser integrada, fazer analogia
para determinar às Forças Armadas e a
outros órgãos do Executivo Federal a observância
do art. 4º, §2º, inciso IV, alínea
“a”, e o art. 53, §1º, inciso II, todos da Lei
Complementar 101/2000, cujo conteúdo
transcrevemos novamente, em função
do alongamento desta manifestação:
Art. 4º A lei de diretrizes orçamentárias
atenderá o disposto no § 2º do art. 165 da
Constituição e:
§ 2º O Anexo conterá, ainda:
IV - avaliação da situação financeira e
atuarial:
a) dos regimes geral de previdência social
e próprio dos servidores públicos e
do Fundo de Amparo ao Trabalhador;
Art. 53. Acompanharão o Relatório Resumido
demonstrativos relativos a:
§ 1º O relatório referente ao último bimestre
do exercício será acompanhado
também de demonstrativos:
II - das projeções atuariais dos regimes
de previdência social, geral e próprio dos
servidores públicos;
61. Como dito acima, há princípios que são
regulados pela lei, havendo dois controles:
um de constitucionalidade, que se dá
sobre a própria lei, no sentido de sua suficiência
para a concretização do princípio;
outro sobre o cumprimento da lei de
concretização do princípio. Se este Tribunal
entende insuficiente a concretização
do princípio da transparência, não pode
criar obrigações, atuando como legislador
positivo. Presente o conceito de “silêncio
eloquente”, afastando a hipótese da existência
de lacunas, são vedadas analogias
que inconstitucionalmente aproximam
os dispêndios com militares reformados
e da reserva remunerada, bem como os
pensionistas das Forças Armadas, de
conceitos completamente alienígenas e
que mais confundem do que esclarecem:
“avaliação da situação financeira e atuarial”,
“regime de previdência”, “projeções
atuariais” e “servidores públicos”.
62. Adentramos na qualidade da informação,
cabendo antecipar que a lógica da “inatividade”
e das pensões militares, e da própria
estrutura e organização das Forças
Armadas, não possuem pontos de contato
relevantes com a lógica dos regimes previdenciários.
Por essa razão, as informações
produzidas distorcem a essência do que
se pretende demonstrar, são imprecisas,
desequilibradas e levam a conclusões inexatas,
tão somente alimentando discursos
legitimadores de supressão de direitos e
garantias dos Militares através da reprodução
midiática, imprimindo na sociedade
compreensões indevidas.
63. Por exemplo, o próprio conceito “déficit”
é de impossível aplicação lógica aos
militares federais, porquanto déficit é o
resultado negativo da subtração entre
receitas e despesas. Não havendo receita
decorrente de qualquer contribuição,
quer da União, quer dos Militares, não
há que se falar em “déficit”. Seria como
dizer que a segurança pública opera em
déficit. Tanto a segurança pública como a
defesa nacional representam dispêndios
públicos, suportados por impostos recolhidos
pela sociedade em troca de sacrifícios
exigidos dos militares.
64. Destarte, os números divulgados como
Resultado Previdenciário do RPPS da
União, englobando servidores civis e
Militares e seus pensionistas, é um dado
que não permite uma informação correta
porque une coisas completamente distintas
e antagônicas.
65. Além disso, a própria Lei de Responsabilidade
Fiscal possui dispositivos que
preservam a publicidade da referida despesa,
bem como de seu incremento pela
expansão de direitos e garantias aos Militares,
inclusive com a determinação de
não afetar as metas de resultados fiscais,
devendo, seus efeitos, ser compensados
com o aumento de receitas (origem de
recursos para seu custeio):
Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento
de ação governamental que
acarrete aumento da despesa será acompanhado
de:
I - estimativa do impacto orçamentário-
-financeiro no exercício em que deva entrar
em vigor e nos dois subseqüentes;
§ 2º Para efeito do atendimento do § 1º, o
ato será acompanhado de comprovação
de que a despesa criada ou aumentada
não afetará as metas de resultados fiscais
previstas no anexo referido no § 1o do art.
4º, devendo seus efeitos financeiros, nos
períodos seguintes, serem compensados
pelo aumento permanente de receita ou
pela redução permanente de despesa.
[...]
§ 6º O disposto no § 1º não se aplica às
despesas destinadas ao serviço da dívida
nem ao reajustamento de remuneração
de pessoal de que trata o inciso X do art.
37 da Constituição.
Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter
continuado a despesa corrente derivada
de lei, medida provisória ou ato administrativo
normativo que fixem para o ente
a obrigação legal de sua execução por um
período superior a dois exercícios.
§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem
despesa de que trata o caput deverão ser
instruídos com a estimativa prevista no
inciso I do art. 16 e demonstrar a origem
dos recursos para seu custeio.
66. Daí que a publicação que vem ocorrendo
nas leis orçamentárias dos “Custos Constitucionais
com os Proventos dos Militares
Inativos das Forças Armadas” cumpre
a obrigação legal de dar publicidade.
67. Reafirmando o escrito durante esta manifestação,
as técnicas atuariais existentes
(e o que elas visam demonstrar para
fins de tomada de decisão que, no caso
do direito público, deve ser conforme a
Constituição), quando aplicadas, geram
resultados distorcidos, pois a abordagem
do valor presente é para regimes capitalizados,
avaliando as ações iniciais, como
se realizaram e os motivos atuariais para
o desequilíbrio. Cabe aqui destacar doutrina
trazida pelos recorrentes. Segundo
Hsu e Lin, as premissas atuariais para
regimes de previdência (constitucionalmente
estranhos aos Militares da União)
levam em conta a estrutura do plano de
benefício, e sua variabilidade está associada
à solvência dos planos. E ‘solvência’
e ‘plano de benefícios’ não é o que se
aplica ao Regime dos Militares. É despesa
pública, como o é a saúde.
68. O registro de um passivo, sem credibilidade,
pois de estimativa atuarial não
se trata, mais distorcerá o balanço geral
da União do que será capaz de produzir
informação clara e fidedigna. Não há
distorção de longo prazo, simplesmente
porque não existe déficit atuarial a ser
calculado e nem obrigação constitucional
ou legal para fazê-lo. Da mesma forma,
unir as receitas consistentes da participação
dos militares no custeio de suas
pensões para financiar os pagamentos
do contingente de reformados e da reserva
remunerada distorce o dado, dando
finalidade não atribuída pela lei a essa
contribuição. Publicando tudo como
“resultado deficitário pessoal militar” no
RREO, utiliza-se de um conceito que o
constituinte quis afastar.
69. O fato de ser inconstitucional determinar
a observância do art. 4º, §2º, inciso
IV, alínea “a”, e o art. 53, §1º, inciso II,
todos da Lei Complementar 101/2000, e
seu consequente afastamento, em nada
impacta nos Riscos Fiscais, pois não apenas
as despesas do regime previdenciário
e as de natureza atuarial os compõem.
70. Ademais, reafirmando, a transparência
tem mecanismos outros aplicáveis aos Militares
na própria LRF, tal como o Relatório
de Gestão Fiscal (art. 54), que conterá
comparativo da despesa total com pessoal,
distinguindo inativos e pensionistas em
relação aos limites de que trata a dita lei
complementar, Relatório esse a que será
dado amplo acesso ao público, inclusive
por meio eletrônico (art. 55).
71. O efeito de tudo o quanto foi falado é a visão
desconforme ao texto constitucional
posta na recomendação feita à Casa Civil
da Presidência da República por conduto
do subitem 9.11.1, no sentido que esta:
“9.11.1. avalie alternativas de financiamento
para os encargos da União com militares
inativos e seus pensionistas, tendo em vista
o significativo e crescente déficit e a falta de
perspectiva de equilíbrio no longo prazo”,
falando-se no corpo do relatório da unidade
técnica de soluções como a alteração dos
limites de idade. Alerte-se, a utilização de
conceitos afastados pela Constituição pode
levar a soluções antagônicas com a própria
estrutura, organização e características específicas
das Forças Armadas.
72. Novamente citando Peter Häberle (in Os
Problemas da Verdade no Estado Constitucional),
o Estado de Direito consagra
a ponte para o eterno processo de busca
da verdade, já o princípio da publicidade
atua paralelamente. E Estado de Direito
Constitucional é aquele em que a verdade
é revelada pela vontade da Constituição
e não de seu intérprete.


VI - CONCLUSÃO E PROPOSTA DE
ENCAMINHAMENTO

73. Como dito no início desta manifestação,
os fundamentos utilizados para dar provimento
a um item, fazem com que os demais
sejam objetos dos arrastamentos lógico
e teleológico, pois eles fazem parte de
determinações que globalmente emprestam
sentido (critério da interdependência)
(Jorge Miranda. Direito Constitucional, 6ª.
edição revista e ampliada). É o que J.P. Lebreton
designa por “solidariedade” entre
as diferentes normas da lei [aqui itens dos
Acórdãos recorridos], a se traduzir num
enlace operacional de permanente inseparabilidade
(in “Les particularités de la juridiction
constitucionnelle”, RDP, 1983, nº
2, PP. 437/438, apud Rui Medeiros, em “A
decisão de inconstitucionalidade: os autores,
o conteúdo e os feitos da decisão de
inconstitucionalidade da lei”, Lisboa, Universidade
Católica Editora, 1999, p. 424).
74. É de se anotar, ainda, que este Tribunal
de Contas, quando do Parecer Prévio
das Contas da Presidência da República
de 2014, adotou recomendação bastante
razoável, no sentido de sugerir “a Casa
Civil da Presidência da República e aos
Ministérios da Defesa e da Fazenda que
realizem estudo conjunto para avaliar as
melhores práticas internacionais de prestação
de contas dos encargos com militares
inativos”. Práticas essas que, logicamente,
devem ser aderentes à teleologia
do Regime Constitucional dos Militares
das Forças Armadas.
75. Também e necessário ressaltar que não
houve descumprimento de determinações
do TCU, mas o recorrente reiteradamente
vem alegando a impossibilidade
jurídica e científica de seu cumprimento.
76. Como visto, a resposta para que os benefícios
de ‘reserva remunerada’, de ‘reforma’
e as ‘pensões’ delas decorrentes (preservadas
a paridade e a integralidade) integrarem
o Regime Constitucional dos Militares
das Forças Armadas e não um regime
previdenciário dos militares está em que
a lógica dele é completamente distante da
lógica de equilíbrio financeiro e atuarial
dos servidores públicos civis. Além da manutenção
da paridade e da integralidade, a
idade de reforma dos militares é definida
não por critérios atuariais, mas por questões
de fisiologia humana e por necessidades
de progressão nas patentes, dado o
caráter piramidal da estrutura da carreira
militar. Além disso, conforme visto na
análise da mutação constitucional posta
neste capítulo, o constituinte reformador
não quis, conscientemente, equiparar a
reserva remunerada e reforma à aposentadoria,
bem como rompeu completamente
qualquer ponto de contato com o art. 40
da CF, de modo a negar a existência de um
regime de previdência contributivo e atuarialmente
equilibrado.
77. Bem vistas as coisas, o que serve para
qualificar um suposto déficit, e submeter
o Regime Constitucional dos Militares
federais à LRF, é exatamente as razões pelas
quais o constituinte derivado apartou
completamente a figura de um regime
previdenciário sustentável e equilibrado.
É da lógica e constitucional a assimetria
entre o regime previdenciário dos servidores
civis e os institutos constitucionais
da reforma, reserva e pensão militares.
Além desse contrassenso, a própria palavra
déficit é uma contradição lógica,
porquanto déficit é uma operação matemática
de subtração das receitas e das
despesas, gerando um resultado negativo
(vide quaisquer definições científicas,
muitas delas constantes do Glossário disponível
no sítio do Tesouro Nacional).
78. A vontade do constituinte derivado, para
além do “silêncio eloquente”, pode ser aferível
pelas normas explícitas que mantiveram
para os militares da reserva remunerada e
reformados, bem como seus pensionistas,
as regras da paridade e da integralidade, as
quais são completamente antagônicas e negam
do ponto de vista lógico, a existência
de um Regime Constitucional dos Militares
da União, na parte dos dispêndios com
“inativos” e pensionistas, de um regime
previdenciário, baseado na contributividade
e no equilíbrio financeiro e atuarial.
79. Noutro giro, o “devido processo legal da
transparência” é aquele regulado na lei,
sendo inconstitucional o uso da analogia
para a aproximação das despesas com
militares “inativos” e pensionistas com a
dos regimes de previdência dos servidores
públicos, existindo outras normas da LRF
que criam mecanismos de transparência
aderentes ao tema debatido neste processo.
80. Tudo a confirmar o reconhecimento da sociedade
e a devida contrapartida por saber
que suas Forças Armadas estão prontas a
defender a Pátria, inclusive com a própria
vida de seus integrantes. Reconhece o pesado
ônus que carregam tais como passar
dias em extenuantes treinamentos, embrenhados
em florestas e com alimentação limitada,
para aprender como sobreviver em
condições extremas. Retribui aqueles que
vão para batalhões isolados em fronteiras,
em especial no Norte do país, com o risco
presente de contrair doenças como malária
e febre amarela. Aprecia os que passam
dias isolados em alto mar, negando-lhes o
convívio com a família. Compensa os que
não possuem os mesmos direitos que os
trabalhadores da iniciativa privada e do
setor público. Dedica seus impostos (que
não possuem destinação específica), aos
que mudam constantemente de sede, impedindo-
lhes de fixar raízes, como é dado
a quaisquer outros cidadãos. E a família
dos militares a tudo isso suporta. É por isso
que o “ser” do Militar contamina o próprio
conceito de família, formando o indivisível
conceito de “família militar”. Daí as pensões
também operarem como uma retribuição
ao sacrifício.
81. Em conclusão, propomos que este Tribunal
conheça do pedido de reexame interposto
para, no mérito, dar-lhe provimento
de modo a:
a) declarar insubsistentes os itens 9.5 e 9.6
do Acórdão 2.314/2015 – Plenário, bem
como retirar do seu item 9.7 a menção
aos subitens 9.3.2, 9.4.2 e 9.5 do Acórdão
2.059/2012 – Plenário;
b) como decorrência dos arrastamentos
lógico e teleológico, declarar insubsistentes
os subitens 9.3.2, 9.4.2, 9.5 e 9.11.1 do
Acórdão 2.059/2012 – Plenário;
c) deixar de formular recomendações alternativas
em decorrência daquela posta
no Acórdão 1.464/2015- Plenário, consistente
em recomendar “à Casa Civil da
Presidência da República e aos Ministérios
da Defesa e da Fazenda que realizem estudo
conjunto para avaliar as melhores práticas
internacionais de prestação de contas dos
encargos com militares inativos, incluindo
no escopo do estudo a necessidade de registros
contábeis ou elaboração e divulgação
de demonstrações específicas sobre a situação
das despesas futuras com os militares”,
cujos resultados devem ser coerentes com
a teleologia constitucional do Regime dos
Militares das Forças Armadas”.
É o quanto submetemos à elevada consideração
do Exmo. Senhor Ministro Relator.
Brasília, 12 de julho de 2016.


Assinado eletronicamente

SÉRGIO DA SILVA MENDES

Secretário de Recursos

Sérgio da Silva Mendes – Doutor em Filosofia pela Universidade
Gama Filho sob a cátedra de Flávio Beno Siebeneichler
e Jorge Atílio Iulianelli. Mestre em Direito pela Universidade
Gama Filho sob a cátedra de Margarida Maria Lacombe Camargo.
Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental
pela Escola Nacional de Administração Pública. Bacharel em
Direito pela Universidade Tiradentes. Bacharel em Administração
pela Universidade Federal Fluminense.
Ex-Diretor da Divisão de Ações Judiciais do Tribunal de Contas
da União - TCU. Ex-Consultor Jurídico Substituto do TCU.
Ex-Secretário de Recursos processuais do TCU. Ex-Assessor de
Ministro do Tribunal de Contas da União Raimundo Carreiro.
Ex-Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal Ayres
Britto. Ex Chefe de Gabinete do Ministro Presidente do Supremo
Tribunal Federal Carlos Ayres Brito. Auditor Federal de
Controle Externo. Assessor e, mais tarde, Chefe de Gabinete do
Ministro Vice-Presidente do Tribunal de Contas da União Aroldo
Cedraz. Atualmente é Secretário de Recursos Processuais do
Tribunal de Contas da União.
Pesquisador da Universidade Católica de Petrópolis/CNPq, temática
Fundamentos da Justiça e dos Direitos Humanos.
Professor de Cursos de Pós-graduação do Centro Universitário
de Brasília - Uniceub - e do Instituto de Educação Superior de
Brasília - Iesb.
Membro do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais do
Centro Universitário de Brasília - Uniceub, presidido pelos Ministro
Ayres Britto STF) e como Conselheiros, entre outros, os
Ministros e Professores Luiz Fux (STF), Joaquim Barbosa (STF),
Benjamin Zymler (TCU), Maria Elisabeth (STM), Francisco
Rezek (STF) e o ex-Procurador Geral da República Inocêncio
Mártires Coelho.
Membro da Comissão Difusora do Prêmio Innovare e Assessor
do Presidente do Conselho Superior do Instituto Innovare (criado
e mantido pelas Organizações Globo).


 

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