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Erotico-->31. A SOCIEDADE PROSPERA -- 05/02/2003 - 07:24 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A tentativa de fazer valer o artesanato deu resultado. Quem não era estimulado a dar a esmola do dó, à vista dos tocos, considerava o esforço do rapaz na confecção dos artefatos e adquiria anel, colar ou broche, escolhendo as peças segundo a maior ou menor vontade de ajudar o pequeno.

Durante a primeira manhã, ocorreu a Cléber que poderia escrever cartaz ou distribuir impresso em que declarava a necessidade da aquisição das próteses.

Às onze e quinze, levantou acampamento, sem ter sido molestado por ninguém, e dirigiu-se com os parceiros para a agência do banco em que desejava abrir a conta de poupança. Tinha tomado o cuidado de levar a certidão de nascimento e contas pagas de luz e de água, para comprovação do endereço. Insistira com o pai para que levasse não só os documentos de identidade como também os funcionais.

Antes do encontro, separou cerca de duzentos reais dos quinhentos arrecadados, quantia fabulosa perante os magros salários dos pais e do produto dos furtos dos amigos. Desejava impressionar o velho, para que não fizesse objeção ao novo modo de vida. O que não revelaria era a mendicância, tanto que, levado a um mictório público, lá tirou os andrajos que o tornavam maltrapilho e colocou a roupa domingueira.

Ao meio-dia e meio, chegou o pai. À uma e meia, saíam de posse do contrato, esclarecidos quanto à possibilidade de apenas o pai poder retirar as economias, o que lhe dava acesso direto ao saldo, prejuízo no plano, caso os depósitos fossem muito substanciais.

— Como é que você conseguiu tanto dinheiro?

— Vendi tudo o que comprei e ainda mandei buscar mais no endereço que o cara me deixou. Parece que tenho jeito pra vendedor.

— Tem muito jeito mesmo. Como é que você vai fazer pra comprar mais?

— Do mesmo modo. Vendo com lucro.

— Mas você não depositou tudo?

— Quase tudo. Tenho uns trocados pra comprar o material e começamos a nossa produção hoje mesmo, enquanto o resto do material fica exposto.

— Onde é que vocês montaram a banca?

— Longe da polícia e dos malandros, num lugar não muito movimentado. É melhor, porque assim as pessoas notam as mercadorias.

— E onde, exatamente, caso eu precise procurar você?

— Perto da estação Tatuapé do Metrô.

— Aquilo é um mundo.

Cléber não queria ir muito longe nas explicações.

— Diga onde quer que eu fique.

— Fique do lado dos pontos de ônibus. Ali tem outras bancas e algumas barraquinhas de camelôs. Eles vão te ensinar a trabalhar.

— Vamos fazer isso mesmo. Combinado, pessoal?

— Combinado!

— Boa idéia!



O período da tarde foi mais lucrativo ainda. À medida que o dinheiro ia entrando, os dois ajudantes iam fazendo as compras mais urgentes, inclusive de ferramentas parecidas com as que viram com o rapaz do artesanato. Mais à tardinha, Juliano foi em busca da loja da matéria-prima, mas não comprou muita coisa, apenas o que desse para impressionar os passantes e Deodato. A intenção era utilizar o negócio apenas como fachada para a mendicância. Por isso, expunham poucas peças, repondo o estoque à proporção que ia sendo vendido. Em três tempos, lograram aprender a malícia da comoção popular, tanto que as vendas diminuíram sensivelmente em contraste com o notável aumento das esmolas.



Na quinta-feira, tiveram o primeiro atropelo, quando apareceu o dono do pedaço, exigindo aluguel do ponto.

Cléber não se apurou:

— Quanto você vai querer?

— Duzentos por dia.

— O que dá em troca?

— Ninguém se aproxima. Vocês vão operar em segurança.

— E a polícia?

— Está no bolso.

— E se não receber tudo isso, por exemplo, se chover?

— Se vocês forem bacanas comigo, se não mancarem, eu faço pela metade. Mas só naquele dia.

— E quem me garante que você não está blefando? Que só está querendo se aproveitar da gente?

Aí o sujeito levantou discretamente a camisa e mostrou o trinta-e-oito.

— Vocês podem perguntar por aí se não é o Zelão quem manda. De tarde, venho buscar a grana. ‘Tá combinado?

— Ainda acho que duzentos é muito.

— Tem quem cobre trezentos ou mais, conforme a zona. Vão lá no Centro pra ver.

— Se a gente ficar no prejuízo, vamos cair fora. ‘Tá certo?

— Tudo bem!



Naquela noite, precisaram refazer os planos quanto ao dinheiro. Se os depósitos somassem quinhentos por semana, em três ou quatro meses, Deodato ia querer comprar as pernas mecânicas e, aí, ia se intrometer na vida deles.

Cléber estava “sinucado”. O exagero da arrecadação ia constituindo-se em problema, porque não podiam guardar na conta nem ficar com o dinheiro na mão. Seriam assaltados, com certeza. Mesmo se comprassem utensílios e móveis, iam revelar a riqueza da fonte.

— Vamos ter de fazer algo diferente.

Os outros não conseguiam imaginar nada, a não ser que deveriam levar um pouco para casa, para ajudar as famílias.

— Vocês podem fazer isso. Eu, não. Eu não gasto com cigarros, só com remédios. Assim mesmo, Antunes não deixa faltar nada. Esta semana, já passou por aqui duas vezes. Se ele cheirar que fazemos quase mil por dia, vai criar caso.

Banguela quis ajudar:

— Por que vocês não se mudam. Vão pra um lugar longe, do outro lado da cidade.

Juliano explicou:

— Aí, Antunes manda a polícia atrás. Eu até que posso desaparecer, mas são poucos os que têm dois pés a menos.

Cléber achou a ponderação sensata, mas aproveitou a idéia de Banguela:

— Nós podemos alugar uma casa pequena, nos fundos de uma vila, fora da favela, sem papéis e sem contratos. Pagamos adiantado e vamos comprando coisas fáceis de vender depois. Se for o caso, arrumamos um lugar secreto e escondemos o dinheiro. Se eu tivesse idade, ia comprar uma caixa reservada em algum banco.

— O que é isso?

— Os bancos guardam jóias e objetos preciosos, sem perguntar o que estão guardando.

— O teu pai não podia fazer isso?

— Claro que não! Ia ficar curioso e...

— Está certo!

Juliano queria saber o que poderiam comprar. Cléber não tinha pensado no assunto.

— Que tal aparelhos elétricos?

— Vão pensar que estamos roubando.

— E jóias?

— Vai ser difícil de vender depois.

— Então, é melhor guardar o dinheiro.

— Vai perder o valor.

— Pô, meu! Desse jeito é melhor torrar logo.

— É o que vocês estão fazendo. Aliás, não estou gostando da hora que estão acordando. Vocês parecem “babacas”. Onde se viu ficar prejudicando a saúde com fumaça.

— Você diz isso porque não sabe como é legal.

— Pode até ser, mas causa distúrbios neurológicos. Foi o que a Assistente Social...

— Ela não sabe nada.

— Deve saber, porque estudou.

— Deixa a gente em paz. Você disse que não ia amolar...

— É que estão atrapalhando os planos. Por que não deixam a maconha pra...

— O “crack”.

— “Crack”? Mas isso é morte certa. Eu vi na televisão. Vocês vão acabar em fria e vão me levar junto.

Juliano se esquivou:

— Eu só experimentei uma vez.

— Então, pára com isso. E você, Banguela?

— Pra mim, ‘tá legal.

— “‘Tá legal” a droga ou “‘tá legal” parar?

— Os dois.

— Ô cara, isto é sério.

— ‘Tá legal! Eu vou parar. Mas não vou ficar sem o fumo.

— Só nos fins de semana.

— Aí vou ter de sair de casa.

— E quando é que você está puxando?

— Você está faturando e eu, numa boa.

— Desgraçado! Qualquer hora a polícia vai levar a gente.

Cléber estava assumindo o comando da operação.

— Se continuarem pondo em risco o plano, vou ter de arrumar outros.

A ameaça de perda do faturamento teve resultado. Juliano logo se propôs a mudar:

— Não vou perder a boca rica. Não sou tão tonto assim.

— Espero que nem esteja tão viciado.

— Só um pouquinho.

— Você vai acabar me dando trabalho. E você, Banguela? Parece que está grudado na droga.

O outro coçou a cabeça. Se estivesse com os pais, diria um palavrão.; com a polícia, contaria uma mentira.; com os colegas, a coisa havia de ter um ar de lealdade e de honestidade. Era como um código de honra. Prestava serviço e era correspondido. Se falhasse, estaria fora. Sabia bem disso. Tinha de se perfilar:

— Farei tudo o que meu mestre mandar...

— De verdade?

— Juro por Deus!

— E isso vale alguma coisa?

— Então, eu juro pela minha mãe ou por qualquer coisa que você...

— ‘Tá bem. Só que eu vou ficar de olho. O que vocês acharam da idéia de alugar outra casa, só pra esconderijo?

Banguela resmungou:

— Eu não gostei, mas, como o dinheiro não é meu...

Juliano acrescentou:

— E se não der certo? Você vai perder tudo de uma vez.

— Do jeito que estamos indo, logo vamos poder comprar uma casa. Vocês vão ver.

— Vamos ter de esperar quatro anos, até você completar dezoito anos e ficar de maior.

— Enquanto isso, vamos aproveitar. Quem é que já transou com as meninas da escola?

Banguela se antecipou:

— Com o nosso dinheiro, podemos pagar uma profissional.

Foi a vez de Juliano se interessar:

— Quem sabe como é que a gente pode se virar?

Banguela:

— É só passar pela avenida, à noite.

Cléber:

— Mas lá só tem travestis.

— Travestis?

— Claro! — e Cléber ria a bom rir. — Eu não devia ter falado nada. Devia ter deixado você entrar nessa. Vamos deixar pra decidir amanhã à noite. Quem tiver alguma idéia legal, diz pros outros.

— ‘Tá na hora de voltar pra casa.

— Mas antes ajuda o Juliano a limpar os pratos. Quem mandou querer comer comida por peso!

— E não foi bom?

— Mas agora vamos deixar tudo em ordem. Se meu pai passar por aqui, vai arrumar desculpa pra me levar de volta. Inteligência e caldo de galinha não fazem mal pra ninguém.

— Só pra galinha...

— Quem é que vai “soprá” a galinha?

As brincadeiras iriam prosseguir até apertar o sono. O dia era lucrativo, mas o trabalho cansava e derrubava. As noites eram de sono pesado, principalmente porque estavam “biritando” uns drinques de aperitivo.; tudo em nome da liberdade e do poder.

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