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Erotico-->30. DIANTE DA RELUTÂNCIA DOS PAIS -- 04/02/2003 - 06:49 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Cléber expôs parte do plano aos pais. Estranhou muito que a ira dos tempos antigos se transformara em lamentação. A mãe se limitara a chorar em silêncio. O pai ficara vermelho de raiva mas nada disse, a não ser o necessário para demonstrar que o filho deveria ter mandado notícia, porque a preocupação se acentuara muito depois da desgraça que acontecera durante a fuga anterior.

— Prometo que não vou mais sair sem avisar. Mas eu quero ter a liberdade de morar na casa da tia, pra ficar mais à vontade. A televisão está me enchendo o saco e essas aí não param quietas.

— É natural que você não esteja gostando do barulho daqui de casa. No hospital, devia ter muito mais silêncio.

— Lá eu aprendi muitas coisas. O Doutor me disse que deveria usar a cabeça. E me disse que as mãos são o bem mais precioso que me sobrou. Eu gostaria de aprender a fazer artesanato. Trabalhar com arames e com pedras coloridas.

Maria prestava atenção e fazia cálculos:

— Você sabe quanto isso vai custar?

— Já pensei em tudo. Se vocês me levarem à feira, eu sei que lá tem um cara que faz artesanato. Peço pra ele me ceder umas peças como modelo. Ele vai me dar as dicas de onde comprar o material.

Deodato interrompeu:

— Ele não vai querer concorrência...

— Eu digo que não vou atrapalhar. Além do mais, vai demorar pra eu fazer alguma coisa que preste. É só ele querer e eu ponho à venda uns produtos feitos por ele.

Deodato refletiu:

— Você não vai ganhar nada.

— Não tem importância. Vocês me ajudam. A Assistente Social me disse que tudo ia ser muito complicado no começo.; que as pessoas iam opor dificuldades. Mas eu acho que vai dar certo. A menos que vocês tenham algum emprego em vista...

Maria se apressou a responder:

— Nós queremos ver você forte primeiro. Depois vamos pensar nessas coisas.

— Mas eu posso me virar muito bem. O que eu quero é um pouco de apoio.

Deodato pensou nas razões da mulher e resolveu aceder:

— Eu acho que Cléber pode ter razão. O que eu não estou gostando é da idéia de viver sozinho.

— Eu e Juliano. Não é verdade?

O outro concordou com a cabeça.

— De qualquer jeito, não custa tentar. Eu vou com vocês à feira e vamos procurar o homem das bijuterias.

A feira ficava a umas vinte quadras. Cléber aproveitou para colocar ao pai outra idéia que lhe fervilhava na cabeça:

— Quanto dinheiro me deram sexta-feira?

— Exatamente, oitenta e dois reais.

— Será que dá pra abrir uma caderneta de poupança em meu nome?

— Isso é muito pouco. Mas eu acho que, na Caixa Econômica Federal, qualquer quantia serve.

— Então, vamos abrir amanhã mesmo. Quando estiver ganhando o meu dinheiro, quero guardar tudo o que puder, pra comprar logo as pernas.

— Só que eu acho que depois vai ser difícil pra você retirar. Você é de menor. É melhor eu abrir a caderneta no nome de nós dois juntos.

— Isso o homem do banco vai explicar. Depois a gente combina onde vamos se encontrar.

— Na porta da agência, ao meio-dia e pouco. Na hora do almoço.

— Está feito.



A feira estava muito movimentada, mas não foi difícil de localizar o rapaz dos enfeites. Difícil foi explicar o que Cléber pretendia. O artesão olhava seguidamente para a cadeira de rodas e balançava a cabeça negativamente. Olhava também para as pessoas e seus andrajos. Finalmente, observou:

— Vocês estão parecendo mendigos. O povo não vai querer comprar nada de vocês, pensando que pode ter sido roubado. Eu não me visto como um lorde inglês, mas estou limpo. Eu digo isso porque, quando eu vivia sujo, com a barba comprida e a calça rasgada, ninguém queria saber de levar nada. Custou pra eu perceber que a aparência tem muito valor.

— Quer dizer que, se nós trocarmos de roupa, você ajuda a montar o nosso negócio?

— Não posso prometer muita coisa, porque eu não sei quem vocês são. Mas eu vou dizer onde é que compro o material.

— E quanto às peças dos modelos?

— Vocês vão ter de pagar o preço.

— Sem desconto?

— É com isso que eu vivo. Vocês vão ver que eu ganho muito pouco.

Evidentemente, não estava pondo fé na rapaziada. Desconfiou de que poderia ser furtado. Se não fosse a presença de Deodato, teria posto os três para correr.

— Quanto vai ficar o lote todo?

— Preciso fazer as contas.

Pôs-se a separar as peças mais simples, anotando numa folha de papel o preço de cada uma. Ia perguntando o que achavam desta ou daquela. Cléber punha restrições em algumas, para dar importância à opinião. Aí o outro explicava quais que tinham mais saída, dando informações que seriam preciosas, se o objetivo deles fosse verdadeiramente tornarem-se mascates.

Feita a soma, tudo ficava em quinhentos reais. Muito mais do que o pai poderia dispor. Aliás, como é que Cléber iria abrir a caderneta de poupança, se gastasse tudo o que tinha naquelas bugigangas?

Deodato foi taxativo:

— O plano foi por água abaixo. Nós não temos tanto dinheiro. Além do mais, é preciso comprar as ferramentas e todos os apetrechos...

Cléber demonstrou extremo aborrecimento:

— Eu não sabia que precisava de tanto capital. E se eu me propuser a vender algumas peças pra você?

— Eu não faço esse tipo de negócio. Hoje estou aqui.; amanhã posso ir embora. Não faço fiado e não dou em consignação. Se quiser, é nota sobre nota. Podemos cortar pela metade. Você começa com menos peças...

— Quanto ficam só os anéis?

— Sessenta e cinco reais.

— Pessoal, passem o seu dinheiro. Depois eu devolvo.

Estavam combinados. Precisavam impressionar Deodato. Somaram quarenta e cinco reais.

— Pai, dá os vinte que faltam. Depois você retira da minha reserva. Essas peças eu vendo num piscar de olhos.

Ressabiado, Deodato completou a quantia, que o vendedor embolsou de imediato. Condoído com a condição de inferioridade do aleijado e vendo o interesse dele em se manter ativo, apesar das contrariedades financeiras, acrescentou dois colares e duas pulseiras, prometendo dar assistência, caso levassem o projeto adiante.

Os rapazes fingiram absorver-se no exame do material adquirido, colocando o pai de lado. Deodato tinha de realizar as compras solicitadas por Maria, de modo que pediu que esperassem por ele:

— Volto em dez minutos.

— Nós te esperamos aqui mesmo.

Assim que se afastou, Cléber propôs negócio ao vendedor:

— Se fizer o lote todo por trezentos e cinqüenta, incluindo o que já pagamos, eu compro tudo já.

Mostrava o maço de dinheiro que estava com Juliano.

— Mas não pode contar nada pro meu pai, senão o velho vai querer gastar tudo em cachaça.

— Deixo por quatrocentos e cinqüenta.

— Trezentos e oitenta e nem mais um centavo.

— Quatrocentos e quarenta.

— Assim não vai dar. Essas coisas são fáceis de montar. É que estou querendo as peças prontas. Quatrocentos.

— Está certo, mas os brindes eu quero de volta.

— Não seja morrinha. Aposto que você não consegue nem duzentos por semana.

— Tudo bem, mas não vão ficar vendendo por aí, aviltando o meu preço.

— Não esquenta. Se tudo der certo, a semana que vem a gente volta. Trata de fazer outras coisas mais coloridas e brilhantes.

Luciano e o amigo conhecido por Banguela apanharam o embrulho e sumiram.

Quando Deodato regressou, vinha com ar de muita tristeza.

— Você, com tanta vontade de trabalhar, e eu, sem poder ajudar.

— Que é isso, pai. Se vocês forem arrumar o barraco, instalar a luz e ligar a água, dando uma faxina geral, já estarão fazendo muito. Você vai ver como seremos capazes de fazer a multiplicação do artesanato, como Antunes disse que Jesus multiplicou os pães e os peixes. É preciso ter fé, mesmo que seja do tamanho de uma sementinha de pimenta.

— De mostarda.

— Que seja. É isso aí. Vamos pra casa, que eu quero levar as minhas coisas embora.



A tarde se passou em tremenda azáfama. Maria não podia fazer muito esforço, mesmo assim conseguiu deixar o chão limpo e menos nauseabundo. A pia foi desentupida, os registros foram abertos, a descarga da privada foi arrumada, os fios foram esticados, as lâmpadas se acenderam, a cama recebeu umas escoras, o colchão foi coberto por lençóis, dois travesseiros foram acrescentados, a porta ganhou trinco por dentro e cadeado por fora. Faltavam os apetrechos para cozinhar, mas isso não fizeram os pais questão de providenciar. Queriam o filho de manhã em casa, para a primeira refeição. Ele e Juliano, embora tivessem insistido em que o garoto fosse para a sua própria casa. Inútil. Mas ele prometeu que levaria a sua parte dos mantimentos, porque achava que iria ajudar muito o amigo na produção e na venda das quinquilharias.

Às sete da noite, os pais se retiraram, deixando os três com melhor aparência, limpos e trocados. Às oito, estavam os mequetrefes comendo uma pizza no restaurante mais próximo. Era a sensação da liberdade e do poder que se instalava nas mentes juvenis. Que se danassem os mais velhos!

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