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Erotico-->26. DEODATO E OS PROTETORES -- 31/01/2003 - 06:53 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Enquanto Deodato permanecia na repartição desempenhando as modestas tarefas da rotina, Antunes lhe visitava o lar, onde encontrou as meninas com a guardiã. Brincavam do lado de fora mas correram para dentro, ao verem a viatura policial.

— Venham ver o que eu trouxe pra vocês.

A molecada da vizinhança já ia fazendo fuzarca em torno do veículo.

Ajudado pelo companheiro, Antunes retirou do banco de trás um aparelho de televisão novinho em folha. Vinte polegadas. Quando instalou na antena externa, viu-se que era colorido. Foi o bastante para maravilhar as três criaturas, uma vez que a mais nova se entretinha com a velha boneca de plástico.

— Está tudo bem? Como é que você se chama?

— Rosângela.

— Você estuda?

— Já terminei a quarta série.

— E não vai continuar?

— Vou me matricular no período noturno, no ano que vem.

— Meu nome é Guarda Antunes e venho sempre até a casa do Seu Deodato. Eu vou cobrar de você essa promessa.

Certamente, as dificuldades da vida não iriam impedir a menina de efetuar a matrícula, porque, nessa idade, é importante ter amigas e flertes. Contudo, se arrumasse emprego fixo, adeus escola!

— Diga pra D. Maria que eu espero o Deodato hoje no Centro. De qualquer jeito, se ele for direto pra lá, diga pra ela onde é que ele deve estar. Não se esqueça.

— Eu acho melhor o senhor deixar por escrito.

Antunes considerou a esperteza da Rosângela e escreveu um bilhete sucinto, aliás inútil, uma vez que o casal já havia debatido a necessidade de Deodato pôr as cartas na mesa em relação à viúva. A conversa tinha sido mais ou menos assim:

— Preciso ir ao Centro pra interrogar os amigos da espiritualidade a respeito do que fazer da minha vida.

— Você deve ir pedir orientação, mas se estiver com dúvida. Eu acho que você está com muita vontade de ir com ela e me deixar aqui com as crianças. Eu não vou impedir você de fazer o que quiser. Mas devo dizer que ponho de novo as meninas pra pedir esmolas na rua. O que eu ganho não dá...

— Se for essa a decisão que devo tomar, pode ficar tranqüila porque parte de meu ordenado eu dou pra você. Parte, não: dou metade. E ainda vou comprar o que for preciso pros dois meninos.

— Você não ganha tanto.

— Mas vou arrumar outro emprego. Vou ver se me encaixo como segurança, no período da noite. Quem trabalha à noite tem regalias.

— Você acha que vai agüentar, depois de um dia inteiro...

— Só vou saber, se tentar. Às vezes, pode acontecer de largar o emprego de dia...

— Nunca! Depois, quando for a hora da aposentadoria, você vai sair perdendo, porque o Governo paga bem melhor. Mantém o mesmo salário, enquanto, pros...

— Eu entendo disso tudo. Não vou jogar fora quinze anos de serviço no Estado. Mas, se Deus me ajudar, posso...

— Veja lá o que é mais seguro.

— Essa é só uma idéia que me passou agora. Não precisa ficar preocupada.

Maria pensava na possível pensão, muito mais substancial para os inativos do serviço público do que para os aposentados das empresas particulares. Pensava em si mesma, quando ficasse velha. Deodato que se juntasse com a viúva. Não punha obstáculo. Mas dar o divórcio? Nunca!

— Então, fique sabendo que vou passar pelo Centro antes de vir pra casa.

— Vê se fala com a viúva, de uma vez por todas. Eu também preciso ter certeza das coisas. Se você não for ficar em casa, vou ter de trazer alguém pra tomar conta das crianças, quando for pra maternidade.

— Não precisa pensar nessas coisas. Eu já disse que providencio tudo.

— Seguro morreu de velho.

Antunes deixou as meninas, tendo observado que vestiam a roupa que dera ao pai na véspera.



À noite, encontraram-se no Centro. Não eram mais do que seis e meia. As atividades teriam início às sete e meia. Tinham uma hora para porem em dia os assuntos.

Antunes contou que havia instalado o televisor.; que havia conseguido de um colega que havia ganho numa rifa.; que achava muito estranho tanta boa vontade.; que suspeitava de que era fruto da apreensão junto a algum ladrão ou receptador.; que iria ficar de boca fechada, para não comprometer o companheiro.; que achava que isso estava errado.; que não podia fazer nada, por enquanto.; que pretendia levar uns livros espíritas para que o colega lesse.; que, futuramente, iria tentar trazê-lo ao Centro.; que as meninas tinham ficado muito alegres.; que Rosângela estava cuidando direitinho das outras.; que era muito esperta.; que desejava que continuasse estudando.; etc.

Deodato impacientava-se para ir ter com Josefa, mas não podia dar demonstração desse desejo. Assim, ficaram por ali, até que outros membros da sessão de doutrinação foram chegando. Quando Antunes entabulou conversa com um dos amigos, Deodato desapareceu.

Na cozinha, Josefa providenciava a sopa a ser distribuída durante a noite, para os indigentes. Ela não acompanhava o pessoal, porque se cansava demais ao encher tantos caldeirões. Havia várias cozinheiras, mas Josefa é quem assumia o comando.

Deodato foi dizendo:

— Hoje não vou poder acompanhar a turma na distribuição. Avisem os outros quando chegarem. Só vim pra sessão. Aliás, está quase na hora. Alguma de vocês vai ficar na reunião?

Josefa e mais duas confirmaram que iriam. As outras três disseram que iam ter de deixar tudo pronto. Mas não ligavam para comparecer no salão, porque não gostavam de ficar ouvindo as recriminações contra os maus pensamentos, contra a língua solta, contra a precariedade da fé, contra a superstição e demais censuras costumeiras.

Deodato tomou assento junto à mesa em que Josefa descascava batatinhas e, quando as outras se distraíram, fez-lhe sinal de que precisavam conversar. A resposta da outra foi dar-lhe uma faca:

— Não vai ficar aí sem fazer nada. Ajuda a descascar as batatas. Isso não é serviço de homem, eu sei.; mas a caridade, aqui nesta Casa, não tem sexo.

As outras gostaram da observação desbocada contra o machismo do espécime presente. Mas Deodato não se apertou:

— Vivi sozinho durante bom tempo. Essas coisas que vocês fazem, eu também faço. Não tem vantagem nenhuma.

— Faz como o teu nariz. Faça o favor de só tirar a casca. Olha esses pedaços de batata que você está jogando fora.

Meia hora depois, saíam os quatro em busca de se acomodarem no salão principal. Prudentemente, Josefa se sentou na ponta da fileira, deixando as outras duas entre ela e Deodato. Seria muito arriscada qualquer tentativa de intimidade naquele local sagrado, como se essa providência pudesse impedir de os espíritos superiores lerem no coração ou na mente de ambos. A idéia passou num relance pela cabeça da cozinheira. “Será que estou recebendo influência dos protetores?” A pergunta ficaria sem resposta.

Durante a reunião, João se manifestou e proferiu rápida palestra a respeito da necessidade de se cumprirem as obrigações assumidas anteriormente, quando os espíritos se preparam para encarnar. Exortava os presentes a se manterem fiéis aos laços de sangue, mesmo quando tudo parecia estar dando errado na vida.

— “A eternidade não conta tempo”, afirmava, “de sorte que, uma hora ou outra, tudo termina por ser esclarecido no etéreo, momento em que os espíritos simpáticos entre si se aproximam, para se reunirem segundo a afeição que sentem um pelo outro. Quem deseja muito fazer o bem é porque tem o pressentimento da necessidade de reatar vínculos rompidos. Desse modo, o sacrifício se justifica.”

Prosseguiu desenvolvendo o tema, mas tanto Deodato quanto Josefa se perderam em devaneios sobre tais pensamentos, que tão de perto respondiam às suas questões íntimas.

Deodato se lembrou de que faltava consultar o Senhor. Ali mesmo, enquanto se desenvolviam os trabalhos mediúnicos, orou diversas preces, pedindo forças e lucidez para levar avante o projeto de cuidar dos filhos. Não fez menção à esposa, mas insistia em que o sentimento do perdão é que deveria prevalecer na família, caso contrário, não iriam evoluir. Deu de barato que já perdoara Maria, lembrando que a reinstalara em casa, mas não aprofundou o exame desse sentimento. Temia não estar sendo sincero. Segundo seu ponto de vista, nada estava definitivamente resolvido quanto à união com a viúva. Era preciso, conforme dissera o expositor espiritual, dar tempo ao tempo.

Quando as luzes foram acesas, um bom observador teria visto certa inflamação nos olhos do almoxarife. Mas as sensações dos trabalhos persistiam na mente de cada trabalhador e de cada assistente, no sentido de levar todos eles a íntimas reflexões. Os mais experientes davam a reunião por encerrada e se preparavam para a jornada da caridade, na distribuição da sopa pelas vielas escuras, na busca dos miseráveis.

Josefa voltou sozinha para casa.

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