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Ensaios-->Memória Nacional - Verdades ou mentiras? -- 04/07/2012 - 12:00 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

MEMÓRIA NACIONAL – VERDADES OU MENTIRAS?

Vania LCintra

Recebo de um amigo meu o seguinte comentário: “Vania, lembrei que você já postou algumas coisas sobre o Tiradentes aqui. Mas, esse final é novo para mim. Será possível?” E um texto de terceiro - intitulado “o martírio de Tiradentes: uma farsa criada por líderes da inconfidência mineira” - é, em seguida, transcrito.

Entre outras “verdades”, nesse texto encontramos que “A mentira que criou o feriado de 21 de abril é: Tiradentes foi sentenciado à morte e foi enforcado no dia 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro, no local chamado Campo da Lampadosa, que hoje é conhecido como a Praça Tiradentes. (...) Transformaram-no em herói nacional cuja figura e história ‘construída’ agradava tanto à elite quanto ao povo. (...) No livro, de 1811, de autoria de Hipólito da Costa ("Narrativa da Perseguição") é documentada a diferença física de Tiradentes com o que foi executado em 21 de abril de 1792. O escritor Martim Francisco Ribeiro de Andrada III escreveu no livro "Contribuindo", de 1921: "Ninguém, por ocasião do suplício, lhe viu o rosto, e até hoje se discute se ele era feio ou bonito...". (...) Em uma carta que foi encontrada na Torre do Tombo, em Lisboa, existe a narração do autor, desembargador Simão Sardinha, na qual diz ter-se encontrado, na Rua do Ouro, em dezembro do ano de 1792, com alguém muito parecido com Tiradentes, a quem conhecera no Brasil, e que ao reconhecê-lo saiu correndo. Há relatos que 14 anos depois, em 1806, Tiradentes teria voltado ao Brasil quando abriu uma botica na casa da namorada Perpétua Mineira, na rua dos Latoeiros (hoje Gonçalves Dias) e que morreu em 1818.” (grifos meus)

Ora, vê-se que meu amigo me superestima. Com tantos presumidos impossíveis acontecendo ao nosso redor, quem seria eu para pontificar o que foi ou não foi possível acontecer há mais de dois séculos? Como já disse muitas vezes, apenas procuro alertar ao que possa ser, para o nosso bem ou para o nosso mal, possível no futuro, e isso depois de ter somado uns Bs que se desvendam à minha frente com uns As que possam estar meio mascarados, Bs e As esses do nosso presente ou, no máximo, do nosso passado muito recente. Mas, desta vez, vou aproveitar a deixa para discorrer um pouco sobre o nosso passado remoto – ou, melhor, sobre a nossa memória -, que é coisa que faço muito raramente.

Atribuir verdade ou mentira a intenções e a fatos é fazer deles um juízo. O juízo que fazemos das atitudes e dos fatos de que temos conhecimento porque deles participamos ou porque nos foram relatados é nosso, e apenas nosso, particular. Poderá até coincidir com o juízo que outros fazem ou adotam, mas isso não fará desse juízo uma verdade absoluta.

Por outro lado, não terá qualquer memória dos fatos quem não os presenciou ou deles participou. Poderá ter, no máximo, a memória de como eles lhe foram relatados – ou seja, a memória de uma intepretação dos fatos – o que, sendo aceito como verdadeiro ou falso, refere-se à fé, não a qualquer verdade de fato. Já foi mais que comprovado que cada indivíduo vê uma cena qualquer de acordo com sua posição e de acordo com a atenção que dedica a determinados gestos, sons, cores, odores etc. Assim, cada cena merecerá um relato diferente de cada um dos que a puderam presenciar ou dela participar, relato esse baseado em sua própria memória. O conjunto desses relatos poderá propiciar uma remontagem aproximada da cena cuja verdade pretende ser esclarecida. Mas sempre será uma remontagem parcial, nunca a verdade completa, nunca a verdade “verdadeira”.

A nossa memória é, pois, diretamente decorrente de nossa experiência, de nossas crenças e de nossas expectativas. No que de valor prático tem, memória não é coisa que se determine “cientificamente”. Nem mesmo corresponde a qualquer “verdade histórica”, a tal que é muito procurada pelos acadêmicos, muito alegada pelos políticos, e jamais será encontrada – porque a verdade que é a verdade verdadeira de um dado momento estará apenas nesse dado momento, não será, muito tempo depois, encontrada no fundo da memória ou em depoimentos de alguém que o visse e o processasse intelectualmente com seu próprio e exclusivo instrumental físico e psíquico (não nos esqueçamos de que o cérebro é matéria e que é condicionado de uma forma ou outra...).

Memória (assim como idade...) é fato, mas não é documento. Nem a razão dela estará em quaisquer documentos. Para simplificar, não abusando de psicologismos de botequim, digamos que nossa memória é algo visceralmente vinculado ao nosso sistema afetivo. Que, apesar de remotamente, vincula-se também à nossa racionalidade. O que turva qualquer pretendida “verdade”.

Memória, então, serve para quê?

Por exemplo: recorremos à memória para fazer uma boa prova, no Colégio ou em concursos, e, assim, galgar posições sociais. Para pegar o ônibus certo e poder chegar à nossa casa. Memória, então, será compreendida como “saber”. Recorremos à memória para repetir ou reforçar experiências. Para ter o prazer de privar novamente, em espírito, com nossos familiares e amigos que estão ausentes ou já estão mortos. Para justificar nossa gratidão por momentos de satisfação emocional ou material, ou para também justificar o descaso ou uma vingança contra algo ou alguém que atribuímos como responsável por um dano qualquer que tenhamos sofrido.

É preciso conhecer algo para guardar, a respeito desse algo, qualquer tipo de emoção tal como a de lhe emprestar importância. E o conhecimento tem limites. Jamais nos identificaremos na história de um outro indivíduo se nela não estivermos, ou na história de outros povos, por mais que imaginemos conhecê-las. Não nos identificaremos, tampouco, com todos os seus objetivos. Assim, não poderemos – por mais que os acadêmicos nos digam e pretendam o contrário – ter uma memória universal, porque o alcance de nossos atos e nossos sentimentos também têm limites, que são materiais. Mesmo ao nos preocuparmos, por temor, solidariedade ou caridade, com o que acontece com aqueles que vivem de forma diferente da que nós mesmos vivemos, estaremos apenas querendo ampliar o alcance de leis (determinações objetivas) que nós mesmos consideramos justas. Em geral, queremos ampliar o alcance de leis que serão também convenientes a nós mesmos de acordo com nossas próprias determinações e nossos próprios interesses.

Os limites políticos reais de nosso alcance político são, portanto, nossas fronteiras políticas, porque são os limites de nossa identidade, ou seja, são os limites do território em que dadas determinações nos afetam, a todos nós, diretamente. Quanto mais distantes elas estiverem de nós (e as nossas de nós se aproximam pela memória do relato do processo de sua formação, de uma história que nos é comum, a todos nós), menos participação e menos possibilidades de intervenção teremos. Além delas, nada é mais que fantasia.

Se temos um objetivo que extrapole nossas próprias vidas particulares, que busque atender aos interesses daqueles que identificamos como iguais a nós – e o serão porque dependem das mesmas determinações das quais nós dependemos –, ou seja, se temos um objetivo nacional, teremos uma memória nacional. Essa memória será a de fatos que nos fortaleçam em nossa ambição.

Se não nos identificamos nacionalmente, se ilusoriamente restringimos o alcance de nossos atos ou, também ilusoriamente, acreditamos poder ampliá-lo, se não guardamos um sentimento nacional – que corresponde a um objetivo nacional – não teremos uma memória nacional. Não precisaremos dela, porque nada do que seja nacional e nos transcenda queremos manter ou construir. Mas não ganharemos, com isso, qualquer memória universal. Teremos, então, uma memória individual, no máximo uma memória grupal de acordo com o interesse do grupo com o qual coincidimos em objetivos menores, em detalhes pequenos, o grupo cujo objetivo enaltecemos porque nos contempla ambições imediatas.

Noutro dia, divulguei um texto a respeito da memória norte-americana e do culto a essa memória. A memória norte-americana serve a quem? Aos norte-americanos. Somente a eles. No entanto, o culto à memória norte-americana nos diz algo: que devemos cultuar uma dada memória de nós próprios – a de como e por que nos tornamos (se é que nos tornamos) uma Nação e a daqueles que nos permitiram, com seus atos (de verdade ou de mentira? Isso muito pouco nos importa – nossa memória nos diz que eles permitiram!) chegar a tanto.

Memória, então, para que mais? Para amparar os objetivos que hoje temos.

A nossa memória nos ajuda a construir a nossa vida do jeito que a planejamos e a perpetuar certos valores que nos são caros. Nossa memória nos ajuda a defender o que consideramos importante ou mesmo vital. Para saber qual memória mantemos e queremos manter, resta saber apenas como planejamos nossa vida, que valores queremos seguir ou impor aos nossos como corretos e que tipo de objetivos privilegiamos.

Qual memória devemos, nós, brasileiros, ter e preservar? Qual é o nosso objetivo?

Quem reclama da nossa falta de memória nacional reclama necessariamente, de forma consciente ou não, da nossa falta de objetivos igualmente nacionais. Da falta de interesse nacional. Uma memória nacional sadia, falsa ou verdadeira em seus detalhes, será útil para o que sadio for. Nossa memória, quanto mais útil for ao maior número de indivíduos que dependem diretamente de nossas experiências, crenças e expectativas, mais sadia ela será. Quanto mais particular ela for, quanto mais “desconstruir nossos mitos”, desmoralizar nossos ícones, desarticular nossa unidade, mais inútil e mais insana, além de muito perversa, ela se demonstrará.

O resto é conversa fiada.

Quem pretende que exaltemos e preservemos uma especial e particular versão da história em tudo contrária à memória nacional, ao que da história nacional mantivemos vivo até hoje, quer somente usar a nossa (pouca) fé como um instrumento auxiliar de sua própria verdade particular, quer manipular, portanto, nossos sentimentos e nossos julgamentos no sentido da obtenção de seus próprios objetivos. Que, seguramente, não serão os poderíamos ter como sendo os nossos. Fará isso para o nosso bem? Eu cá duvido muito, e creio que apenas faz para o nosso mal.

Que viva, pois, eternamente em nossa memória, o nosso herói Tiradentes exatamente como, há séculos, nela o inscrevemos. Por tudo o que ele ousou e pelo que, de nacional, a sua imagem pôde projetar. Pelo exemplo que representa. Não pelas barbas que criou, pelos dentes que arrancou, pelas namoradas que colecionou, pelos filhos que espalhou, pelo ano em que ou pela forma como, um dia, deu, tal como daremos todos nós, o último suspiro.

VaniaLCintra

http://www.minhatrincheira.com.br - minhatrincheira@uol.com.br

 

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