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Erotico-->23. DEODATO E FILHOS -- 28/01/2003 - 06:35 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Na rua, Deodato imaginou que a casa de onde saía alto o som da televisão fosse aquela em que estavam as filhas. Não hesitou. Fazia tempo que desejava abraçar as meninas. Eram saudades ou seriam remorsos? Ambos os sentimentos surtiam do coração para o efeito da necessidade. Chamou por Isaura e por Beatriz. As meninas vieram ver quem estava lá fora. A mais velha trazia a pequenina no colo. Ao verem o pai, ficaram sem ação. Beatriz demorou para reconhecer o homem e só teve idéia de quem era quando a mais velha o chamou de pai.

— Venham até o portão.

Criaram confiança (ou era reflexo do antigo medo?) e se aproximaram.

Deodato não estendeu os braços. Simplesmente se abaixou, pondo-se do mesmo tamanho que elas. E sentou-se no chão de terra, não se importando com a roupa limpa, domingueira.

— Isaura, você está uma mocinha! Como está bonita! E Beatriz, então, parece uma fadinha!

Fez menção de pegar Lurdes no colo. Isaura não teve a mesma espontaneidade, mas entregou a irmãzinha, que olhava espantada para o homem desconhecido.

“O que alguns meses de afastamento faz com a memória das crianças!”

Lurdes ameaçou choramingar, mas Isaura explicava:

— É o papai, querida. Você não se lembra dele?

Num impulso de recordação e de ciúme, Beatriz se agarrou no braço do pai, como a indicar que desejava ficar com ele.

— Vocês querem ir viver de novo com papai e mamãe, lá em casa?

Demorou para que Isaura se resolvesse a dar demonstração de que havia entendido a pergunta. Fez que sim com a cabeça como quem está a duvidar de tudo.

Deodato percebeu que não iria conquistar as crianças sem oferecer nada que lhes desse alegria e conforto. Enfiou a mão no bolso e tirou alguns bombons que levara com essa finalidade.

— Vocês vão ver como papai vai ser bonzinho com vocês. Até televisão eu vou comprar...

Não sabia o que dizer nem como angariar a confiança das meninas.

— Agora vão ver o programa. Papai precisa ir embora. Amanhã, eu venho buscar vocês todas.

Isaura arriscou:

— A mamãe vai também?

— Vai, sim, querida. Pode ficar sossegada.

Devolveu Lurdes com um beijo na testa, abraçou Beatriz, demoradamente, acarinhou a cabeça de Isaura, levantou-se, enxugando algumas lágrimas, e tomou o rumo da casa de Antunes. Precisava ver Gaspar.

Lá também estavam diante da televisão. Sobre a mesa de centro, bolinhos e café.; e refrigerantes para as crianças.

Gaspar estava sentado ao lado do protetor. Quando viu o pai, estendeu os braços para ele. Estava sereno. Gastavam algumas horas por semana conversando.

— Como tem passado o meu menino?

— Bem.

— Aprendeu muita coisa nova na escola?

— Sim.

Substituía por palavras simples os gestos de assentimento que lhe eram mais dificultosos. Antigamente, simplesmente não respondia, limitando-se a esconder o rosto. O progresso era franco, sensível.

Enquanto Odete punha café na xícara, Deodato ensaiava contar a ambos o resultado das tratativas sentimentais. Mas o programa estava absorvendo a atenção da família, de forma que somente pôde sussurrar ao ouvido de Gaspar que iria levá-lo para casa.

Perturbou-se o garoto. Queria interrogar o pai sobre um mundo de idéias mas não conseguia exprimir-se.

— Calma, querido, calma! Eu vou te contar tudo. Fique tranqüilo, porque, se você não quer ir, pode ficar com a família do soldado.

O menino agarrou o pai pelo pescoço, dando demonstração de que não queria largar mais. Deodato interpretou o gesto como de afeição e confiança. Não supôs que Gaspar estivesse pedindo para ir com ele. Imaginou que o menino lhe agradecia a possibilidade de ficar.

As reações do pequeno chamaram a atenção do casal. Foi Antunes quem perguntou:

— Que está acontecendo com vocês dois? Parece que algo muito grave...

— Não há nada de mais em que o pai queira viver com o filho. É que eu convidei Maria pra voltar pra casa e desejava ver todos os filhos reunidos. Só Gaspar, eu acho que vai estranhar muito.

Inexplicavelmente, foi Odete quem se antecipou:

— Pois ele não está preparado pra mudar de casa nem de escola. Deixe passar um certo tempo, firme o relacionamento com a patroa e, depois, venha buscar o menino.

Antunes reforçou:

— Ela está certa. Espere pra ver como as coisas se arranjam. Maria está em adiantado estado de gravidez e não vai poder dar conta de todos. Por outro lado, Gaspar está bem na escola, os colegas o respeitam e a professora está contente. Anteontem, a diretora me chamou pra dizer que constatou que o menino não é débil. Na semana que vem, deve ir ao médico, e tua esposa não vai poder levá-lo sem faltar ao serviço. Deixe ele aqui e Odete resolve tudo.

Deodato sabia disso tudo. Sabia que não iria dar conta das tarefas provocadas pelos cuidados com Gaspar. Mas achava que era obrigação dele, pai, dar educação e saúde ao filho. Em todo caso, estavam com a razão. E se não desse certo a volta para Maria?

Antunes arrastou o amigo para fora.

— Vamos conversar.

Gaspar ficou na sala, voltando a interessar-se pelo programa. Gostara da reação dos padrinhos e sentira-se muito seguro. Tinha razão a diretora da escola: ele compreendia muito bem o que se passava em torno.

Lá fora, Deodato contou, mais ou menos, as conversas que tivera com Josefa e com Maria. Fez notar a Antunes que a solução não fora a que mais o satisfaria. De qualquer modo, cumpria o dever com as pessoas que estavam sob sua responsabilidade.

— Você vai ver que tudo vai dar certo.

— Mas aquela criança vai ser uma pedra no meu sapato.

— Se você se apegar a ela como eu ao Gaspar, vai ver que...

— Mas ela vai representar a traição...

— Que traição, homem?! Você acaba de me contar que deseja ir viver com outra. O que vale pra você não vale pra ela?

— Mas eu não quero mais nada com ela. Vou fazer um sacrifício, pra cumprir meu dever cármico.

— Se não fizer tudo com muito gosto, nem adianta começar. O Espiritismo ensina que as pessoas devem se amparar umas às outras. Por isso é que fazemos tanta coisa pelos necessitados. Mas se eu me sentir forçado, coagido, atropelado, não sei se vou continuar trabalhando por eles. Antes de mais nada, preciso sentir-me à vontade perante Jesus, aos pés do Supremo Criador. Sem alegria no coração, nenhum sacrifício vai valer de nada.

O discurso punha os temas no lugar, contudo, o coração de Deodato batia em outro ritmo. Os pensamentos vagavam, temerosos, pelos bares. A cabeça girava com as antigas bebedeiras. Os impulsos se continham pela recordação dos desatinos contra as crianças, a mulher, os vizinhos e os companheiros de vadiagem. Ressurgia-lhe a insatisfação de antes, na forma de sensações de insegurança e de descontentamento.

— Não sei se poderei sentir qualquer alegria.

— Você não ama os teus filhos?

— Mas não tenho condições de dar a eles o conforto que você dá aos teus. Não sinto inveja de tua família, mas eu acho que nunca na vida irei dar aos meus a mesma afeição, o mesmo conforto.

— Só porque estão vendo televisão?

— Também por isso. Mas amanhã mesmo vou comprar um aparelho pra pagar em dez vezes. Pelo menos, não vão lamentar que eu tenha vendido a outra.

— Pode contar comigo como fiador. Depois eu dou “xerox” dos documentos. E vou assinar o endosso, se você não trouxer o papel aqui em casa.

Deodato queria ouvir alguma palavra que o liberasse para ir morar com a viúva. Antunes, no entanto, extasiara-se com a idéia de que o antigo lar ia ser reconstruído, vendo nisso a força da Doutrina de Kardec. Sentia nas atitudes do amigo a influenciação dos benfeitores espirituais. Bateu nessa tecla:

— Você está percebendo como é que os protetores da espiritualidade agem? Eles estão induzindo você a receber de volta os teus. Por certo, estavam muito preocupados com a separação...

Deodato quis aproveitar a deixa:

— Mas foi o Cristo quem disse que veio pra separar e não pra unir...

— Essa desculpa é muito esfarrapada. Queria o Mestre dizer que separava os familiares porque eles não admitiam as mesmas idéias e, pra seguir os ensinamentos do Nazareno, é preciso ter firmado todas as convicções do amor ao Pai e à verdade. Os mártires morriam com toda a família dentro da arena. Não estavam separados. Só sobreviviam os que apostatavam, os que faziam como Pedro, negando a si mesmos e a própria fé, os que rejeitavam perante os tribunos os conceitos e as doutrinas evangélicas. Enfim, eu não entendo muito disso, mas acho que tua separação não é aquela citada nas Escrituras.

Não tinha cabedal Deodato para responder ao fervor de pregação do amigo. Apenas lhe apertou a mão e lhe sussurrou:

— Se eu precisar de ajuda moral, venho pedir a você.

— Pode contar comigo e com todo o pessoal do Centro. É pra isso que serve a solidariedade entre as pessoas de mesmo ideal.

O soldado farejou que Deodato estava fraquejando no sentido da frustração que o levara à bebida:

— Fique no café e no refrigerante. Afaste-se da cachaça e da cerveja. Não vá cair na esparrela de que o álcool faz esquecer os problemas. Se se sentir tentado, me procure a qualquer hora do dia ou da noite. Vamos ser fortes pra honrar o sacrifício de Jesus pela humanidade. É tão pouco o que se pede a cada um de nós...

— Às vezes, é muito. Veja Cléber, pobrezinho.

— Eu estou muito triste com o que aconteceu com ele. Mas quem me diz que isso não está refletindo uma necessidade cármica, conforme explicou Kardec?! Vamos fazer tudo que estiver ao nosso alcance pra melhorar as condições de vida dele. Mas devemos entender que todos nós só colhemos o que plantamos e que o Pai nunca vai reservar pra nenhum ser humano um peso maior do que a capacidade de suportar.

A conversa iria prolongar-se por mais uma hora, sempre incentivando a lembrança dos conceitos espíritas, que se adaptavam muito bem às palavras do entusiasmado orador. Nem todas, porém, repercutiam com a mesma força na mente do infeliz pai de família.

Ao se despedirem, Deodato prometeu:

— Amanhã, vou colocar Cléber a par de tudo. Ele precisa saber que o pai está disposto a perdoar. Se ele não me perdoar, paciência! Há de ficar pra outra ocasião, nesta ou noutra encarnação.

— Se Deus quiser, ele vai ser iluminado pelos bons amigos da espiritualidade e vai entender a tua boa vontade e o teu desejo de redenção. Mas, como é ainda muito novo, vamos aguardar que cresça e que compreenda a vida pelas verdades cristãs.

Ambos se admiravam da desenvoltura e da loquacidade do soldado. Deodato atribuía à inteligência e à cultura do amigo. Este se julgava amparado pelos benfeitores da família. Ambos estavam certos.

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