Intriga-se o escrevente com a rima
Que deixa a trova toda um tanto esquálida,
Mas aceita tornar melhor o clima,
Que a tragédia conserva a cor bem pálida,
Ao alegrar o tema que sublima,
Fazendo da poesia peça válida,
Pedindo, com amor, para Jesus,
Que traga paz, verdade, força e luz.
Vetusta lei impede que se diga
O nome do Senhor a toda a hora.
O “força-e-luz” não há de causar briga,
Se se entender que amor aqui vigora,
Que o nome de Jesus ainda intriga
Junto de Deus, que é pai, a quem se adora.
Mas o respeito sempre prevalece,
Ao se rezar, contrito, a melhor prece.
A brincadeira tem os seus limites:
Tu deves bem saber quais eles sejam.
Para a fuzarca, se te dão convites,
Hás de querer que os bons jamais te vejam.
Mas, cá no etéreo, mesmo que te irrites,
As notícias do mal sempre sobejam,
De modo que o que fazes escondido
Se coloca na tela, com sentido.
— “Pretendem-me deixar impressionado,
Com essa idéia de que tudo sabem.
E se estiver na mente o mal fechado?...”
Aí são outros temas que te cabem,
Porque não se acredita ser de agrado
Que o mal os sonhos faça que desabem,
Já que a ninguém é dado perverter
O que se tem na lei como dever.
A quem aspira a glória na matéria
(São tantos que não sei fazer a conta),
As restrições da lei são coisa séria
E o dedo em riste a quem relembra aponta,
Considerando a trova pobre léria
De uma cabeça perturbada, tonta,
Dizendo que é o escrevente quem inventa,
Que é como sua vida se sustenta.
O bom amigo tem graves motivos
Para desrespeitar a nossa trova:
É que os poetas mortos criativos
Não transferem do Além nenhuma prova
De que aqui continuam muito vivos,
E o que vem versejar tão-só desova
Uma poesia reles, mui chinfrim,
A que qualquer daria melhor fim.
Porém, o meu lamento se compensa
Por uma aceitação selecionada.
Não quer dizer que a gente sempre vença,
Pois agradar o bom não vale nada.
O certo é estimular que a nossa crença
Faça o mau refletir: — “Isso me agrada!
Vou ver se existe aí qualquer verdade...”
E um toque deste amor o persuade.
São tantos os mistérios dessa mente
Que os argumentos ficam dispersivos.
O único que lembro suficiente,
Para cobrir os seres todos vivos,
É confirmar a morte plenamente,
Sem recompensas para os que, cativos,
Deixaram seus irmãos a ver navios,
Apenas p’ra vencerem desafios.
Pois humildade é bem que não machuca:
É das virtudes a melhor formada.
Quando a vaidade oprime, funde a cuca
Daquele que não quer perder um nada.
A alma do egoísta vem maluca,
Pois elogios aqui não arrecada,
Que o nosso orgulho é simples expressão
Do amor que nos sustenta o coração.
Não arrelie, pois, nosso escrevente,
Que tudo faz à sua revelia
E que nos diz à mesa só: — “Presente!” —,
P’ra nós a mais suave melodia,
Porque como escrever o que se sente,
Se esse encarnado apenas desconfia?
Vamos rogar ao Pai a doce bênção
Aos que, nesta Doutrina, agora pensam.
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