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Erotico-->22. DEODATO E MARIA -- 27/01/2003 - 06:59 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Antes que se encerrasse o domingo, Deodato foi à casa de Maria, se é que aquele barraco de um só cômodo pudesse ser assim chamado. Condoeu-se com as condições de miséria em que estava a esposa. Cotejou com o que havia deixado e avaliou que deveria haver muito orgulho em não desejar permanecer no mesmo teto que ele. Suspeitou que o cara que a tinha enganado lhe havia prometido coisa muito superior. Em suma, ele também não estava tão bem instalado, apenas tinha cozinha e banheiro à parte, mas era conforto de rei perto das paupérrimas condições do casebre.

— Com licença. Posso entrar?

Maria estava deitada. A barriga proeminente demonstrava que começava a época dos sacrifícios físicos. Envergonhou-se com a visita mas não perdeu o sangue-frio, porque sabia que o marido não iria até lá para nada que representasse vantagem para ela.

— Não repare na desarrumação. É que não tenho me sentido muito bem.

— Você tem ido ao médico?

— Tenho, sim.

— E tem tomado os remédios?

— O que não ganho no Posto, Antunes providencia.

— Ele tem-me contado.

Conversavam como se nunca houvessem mantido qualquer intimidade. Como dois bons e fraternais amigos. Entendiam-se, se é que podemos dizer que os problemas de um o outro soubesse resolver.

— Que veio fazer aqui?

Desconfiava de que vinha para ela assinar os papéis do divórcio.

— Vim fazer uma consulta. Mas não sei se vou ter jeito de falar, sem deixar você magoada ou com raiva.

— Você arrumou outra.

— Arrumei e não arrumei.

— Como assim? Ou arrumou ou não arrumou. Não tem essa de talvez com as mulheres. Ou é sim ou é não.

— Pode ser que venha a ser sim. Também pode ser não. Depende de nossa conversa.

— Não estou entendendo. Será que minha opinião tem algum valor?

— Tem muito valor.

— Então, é bom explicar tudo direitinho.

— Estou querendo saber se você não vai querer pôr obstáculo...

— Por que haveria?

— É que nós temos os filhos pra criar. Por falar nisso, onde estão as meninas?

— Estão vendo o “Sílvio Santos” na vizinha.

— Também Lurdes?

— Isaura fez questão de levar. Assim ela pode tomar leite de graça.

— O teu dinheiro não está dando?

— O dinheiro não dá pra nada. De qualquer jeito, Antunes sempre traz mantimentos.

— É. Eu tenho separado alguma coisa pra vocês. Você sabe que estou trabalhando no Centro Espírita?

— Antunes me tem colocado a par de tudo.

— Bem, lá eu conheci uma viúva...

— ... cheia de filhos...

— ... sem filhos...

— Aí, você pensou em vir me contar pra me encher de ciúmes.

— Não fui eu. Foi ela quem me disse pra vir falar com você.

— E por quê?

— Porque é preciso saber se nosso compromisso está definitivamente rompido. Ou se você vai querer refazer o nosso lar, voltando a morar comigo e com os nossos filhos.

— Você acha isso possível?

— Eu acho, porque sou obrigado a responder perante Deus sobre tudo o que estou fazendo no mundo. Eu não posso morrer, sem me reconciliar com as pessoas. Foi Jesus quem disse.

— Que é isso agora? Virou religioso? Até parece crente falando.

— Não é bem assim. É que estou compreendendo mais o que se espera das pessoas no mundo. Se quer saber o que penso de tua gravidez...

— Se for pra me ofender, não diga nada.

— Eu acho que você procurou outro homem, porque eu já não prestava pra nada.

Deodato estava prestes a derramar algumas lágrimas. Maria também estava sensibilizada. Se estivesse em sua vontade, tudo daria para não estar carregando a criança no ventre. Deodato ajuntou:

— Quando a gente traz filhos pro mundo, tem de se responsabilizar por eles. Como essa criança aí tem pai, eu acho que ele deverá querer se responsabilizar...

— Aquele cara não vai se importar com nada. Sabe o que eu acho? Eu acho que você está querendo livrar tua consciência.; está querendo arrumar uma boa desculpa pra não querer ficar comigo e com este filho que não é teu.

— Não é verdade.

— Então diga: se eu quiser voltar a viver com você, você deixa a outra mulher?

— Eu vou acolher você debaixo do meu teto, mas não prometo reatar a vida que tivemos no começo de casados. O que você fez me deixou muito triste. Só me recuperei porque pus na cabeça que podia viver mais uns anos sossegado. Só que o homem põe e Deus dispõe. Veja o coitado do Cléber, o que aconteceu com ele. Ele me disse que você não vai ao hospital faz tempo. Está pra receber alta e vai morar comigo. Eu acho que Gaspar fica com o soldado. Se você for pra casa, são mais cinco bocas pra alimentar. Lá não tem acomodação...

— Não tem nem nunca teve. Por que agora essa idéia de conforto? Pelo menos tem a televisão...

— Tinha.

— Que é que você fez com ela?

— Propriamente dito, eu bebi. Mas esses são outros tempos. Agora eu me arrependo do que fiz. E acho que as crianças merecem viver melhor do que estão vivendo aqui com você. Se você me liberar do compromisso do casamento, você volta pra casa e eu vou viver com a viúva.

— Esse é o preço...

— Se não me liberar, você volta pra casa e nós ficamos juntos, cada um cuidando de sua vida, porque eu não posso responder por mim perante o filho de outro homem.

— Você é um santinho do pau oco, isso sim. Diz que está arrependido mas perdoar... não perdoa.

— Perdôo, sim.

— Perdoa nada!

— Perdôo. Se não perdoasse, não vinha aqui conversar com você nem oferecia de volta a nossa casa. O que eu não posso é esquecer certas coisas.

— E eu tenho de aceitar essa viúva na boa, sorrindo e cantando de felicidade. O meu marido arrumou outra! Que bom! Como estou contente! Vê se te...

— Não ria de mim nem me ofenda.

Caiu um silêncio de morte naquele ambiente mal iluminado. O cheiro de dejetos humanos fermentados se intensificava. Deodato não contava com a argúcia da mulher. Pensara que, se a levasse para casa, receberia o almejado alvará. Entretanto, ela estava muito sensível e dolorida. Nos últimos tempos, havia meditado sobre a besteira que tinha feito, cedendo logo no primeiro encontro ao homem que a instalara num quarto de hotel. Depois, teve de lutar para afastar um indivíduo que fora lá por pagamento. O que o sujeito queria era jogá-la na vida. E fora tão tonta que até comprara vestidos e badulaques para se enfeitar. Terminou na companhia da irmã, que estava de viagem marcada para o Nordeste. Herdou o barraco com tudo dentro, mas estava pagando caro demais aqueles momentos de desvario e luxúria. Gozara como nunca antes, porque o sujeito era experiente. Pudera, era, simplesmente, cafetão! Mas o sofrimento de agora era insuportável.

Deodato resolveu pôr um ponto final nas suspeitas:

— Amanhã mesmo venho com um carro da Secretaria e carrego tudo pra casa. Você não pode ficar nesta situação. Nem as crianças. Depois a gente resolve o meu caso com a viúva. Seja o que Deus quiser.

Saiu sem ouvir as derradeiras palavras de Maria. Saiu furioso por se deixar envolver sentimentalmente. Como é que iria explicar à outra o desgosto de ver a esposa em tão lamentável condição? No fim, raciocinou:

“Afinal de contas, foi ela mesma quem sugeriu que eu conversasse com Maria. E ainda tenho de falar com Cléber, com os protetores, com Jesus e com Deus!...”

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