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Ensaios-->São Bernado e o Quinze -- 03/04/2010 - 14:16 (Fabrício Sousa Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Uma presença feminina nos livros São Bernardo e O Quinze


Uma das características que mais se destacou na obra, e que reflete uma das importantes bandeiras levantada pelo Modernismo, é a emancipadora presença da mulher na sociedade. O modernismo não possui como característica direta a exaltação da mulher independente, inteligente, livre do julgo da submissão. Como convencionalmente não se pode dizer que o Modernismo brasileiro teve essa característica, houve então uma proposta de análise e estudos que comprovassem essa nova característica pertencente à escola literária. Este ensaio é uma extensão dos estudos realizados nesse sentido. Especificamente, a personagem de Madalena concentrou a minha atenção e suponho que tenha concentrado a atenção de numerosos leitores, pois Graciliano Ramos buscou realçar a inteligência feminina como forma de emancipação político-social. Na década de 30, grande parte das mulheres ainda não gozava de prestígio e independência, não como esposa ou simplesmente dona de casa; mas como ser social – seja profissional, educacional ou revolucionariamente. No entanto Madalena surge como uma figura quebradora de costumes, levando o paradigma a uma crise.

(...) – Convide a Madalena, seu Paulo Honório. Excelente aquisição, mulher instruída (...) página 49.

(...) Mulher superior. Só os artigos que publica no Cruzeiro! (...) página 85.

No princípio da obra, ela aparece na casa do Dr. Magalhães – um ambiente efervescido com discussões políticas. Um ambiente propício às discussões visto que a roda de debate era composta por teorizadores dos diversos problemas sociais e ideológicos. Em outro momento da obra, Paulo Honório surpreendeu seus amigos conversando a respeito de uma moça culta e educada, professora do município.

(...) – De quem são as pernas?
- Da Madalena, respondeu Gondim.
- Quem?
- Uma professora. Não conhece? Bonita (...) página 47.

Esse comentário despertou as atenções de Paulo. Não porque ela era pintada como inteligente, mas porque era educada e bonita. A parte do texto citada acima revela um interesse de um fazendeiro rico, apenas por uma mulher bonita, tendo a idéia de que a mulher inteligente poderia ser perigosa à postura hegemônica do homem. Pensamento conservador e comum à época. A mulher emancipada intelectualmente sofria diversas formas de preconceitos – no fundo deveriam ser condenada por insubordinação.
Os dotes intelectuais de Madalena ficam evidenciados na obra oito dias depois do casamento na mesa do almoço, já em sua nova morada na fazenda São Bernardo.

(...) – Duzentos mil-réis.
Madalena desanimou:
- É pouco.
- Como? Bradei estremecendo.
- Muito pouco (...) página 100.

Ela questiona indiretamente Paulo a respeito do valor pago aos empregados. Com isso, Madalena deixa clara sua posição a favor da classe proletária. O fato de se posicionar do lado do trabalhador e, conseqüentemente, ficar contrária a Paulo evidencia o verdadeiro interesse de Madalena, não apenas questionar o esposo; mas expressar o conteúdo ideológico no qual cria. É o momento da aplicabilidade de suas idéias, até então, apenas no âmbito teórico. O leitor recebe mais de uma demonstração da capacidade intelectual da esposa de Paulo no momento em que seus amigos, juntamente com o Pe. Silvestre, foram jantar na fazenda São Bernardo.

(...) – Porquê? Perguntou Madalena.
- Você é também revolucionária? Exclamei com mau modo (...) página 127.

Madalena rouba o evento ao discorrer sobre as relações políticas e sociais do Brasil, além de discordar do Pe., mostrando-se uma mulher marcada por uma forte convicção Materialista Histórica. Esse deve ser um ponto importante para desenvolver a observação levantada pela ensaísta, pois nos mostra Madalena como um ser à frente de seu tempo, não apenas porque consegue discorrer sobre assuntos de natureza política, mas porque discorre com propriedade ideológica. Se as mulheres inteligentes sofriam preconceito, quanto mais as que defendiam bandeira progressista explicitamente. O autor retoma a realidade social da época – brandamente – pondo em evidência uma reação preconceituosa da parte de Paulo, além de maldosa, a respeito da mulher. Ficou claro, no texto, o pensamento da sociedade com relação a uma mulher que discorda da Igreja.

(...) Tenho portante um pouco de religião, embora julgue que, em parte, ela é dispensável num homem. Mas mulheres sem religião é horrível.
Comunista, materialista. Bonito casamento! Amizade com o Padilha, aquele imbecil. “Palestras amenas e variadas.” Que haveria nas palestras? Reformas sociais, ou coisas pior. Sei lá! Mulher sem religião é capaz de tudo (...) página 131.


Madalena foi considerada atéia e tendenciosa ao adultério. Por isso que Paulo desconfiava dela com Padilha – o professor de São Bernardo também compactuava de ideais progressistas.
Embora Madalena tenha sofrido forte perseguição da parte de Paulo, ela agia racionalmente. Nunca pensou em trair seu esposo por conta de falta de carinho ou das crises de ciúmes.

(...) Procurei Madalena e avistei-a derretendo-se e sorrindo para o Nogueira, num vão da janela.
Confio em mim. Mas exagerei os olhos bonitos do Nogueira, a roupa bem feita, a voz insinuante. Pensei nos meus oitenta e nove quilos, neste rosto vermelho de sobrancelhas espessas. Cruzei descontente as mãos enormes, cabeludas, endurecidas e muitos anos de lavoura. Misturei tudo ao materialismo e ao comunismo de Madalena – e comecei a sentir ciúmes (...) página 132.

Continuou a escrever seus artigos e a debater temas de naturezas sociais com os amigos. Morreu com dignidade e respeito. Recebeu o reconhecimento de todos que a conheciam. Principalmente, por parte de seu esposo, que reconhecera a preciosidade que era a esposa, além de reconhecer sua integridade moral e intelectual. Paulo Honório acabou refletindo sobre sua condição humana e exaltando a importância da presença de Madalena em sua vida como forma de transformação.
Madalena morre, entretanto consegue atingir um objetivo que, talvez, não seja seu, seja do autor da obra. Pode-se afirmar que o objetivo era explicitar a mulher vanguardista que, mesmo sofrendo, conseguiu imprimir sua marca revolucionária, ao mesmo tempo em que fez com que um pensamento conservador, sobre a emancipação feminina, fosse questionado pelos próprios conservadores. Toda mudança desse tipo é gradual e lenta quando há, efetivamente, um início.



Em sua primeira obra literária datada em 1929/1930, Raquel de Queiroz relata uma realidade vivenciada, sofregamente, por milhões de brasileiros: a seca de 1915. Desse romance, nasce uma das maiores obras do Modernismo brasileiro, O quinze. O livro trata de um assunto bastante evidenciado nas leituras realizadas das obras dessa época, no entanto, que os críticos literários, ainda, não deram o verdadeiro reconhecimento a respeito de sua existência: a emancipação feminina pelo modernismo.
O quinze é uma obra que traz como personagem principal Conceição, neta de dona Inácia, que a criou. Conceição surge na obra como uma mulher independente, estudada e inteligente. Características que, até então, recheavam poucas obras da literatura brasileira. Como Conceição vivia com dona Inácia na roça, precisava estudar, foi então para a cidade a fim de desenvolver sua vida acadêmica e adquirir uma profissão. Na cidade, a obra nos evidencia que Conceição adquirira uma profissão que a ajudou em sua desenvoltura intelectual, professora normalista.

(...) Chegava sempre cansada, emagrecida pelos dez meses de professorado (...) pp. 13

(...) – Mas eu, é porque sou uma professora velha, que vou para o meu trabalho! (...) pp. 77

A autora nos mostra uma personagem com uma subjetiva visão de mundo. A aquisição da visão adquirida marcou a obra em numerosos contrapontos a falas de vários personagens. Seja por meio de ironia, seja por interlocuções diretas, Conceição demonstra uma emancipação frente aos fatos, muitas vezes, incontestáveis diante de certos valores arraigados a culturas, sobre tudo a cultura interiorana na qual fora criada. A obra traz algumas passagens com as quais Conceição demonstra não estar de acordo ou não as aceita prontamente.

(...) – E nem chove, hein, Mãe Nácia? Já chegou o fim do mês... nem por você fazer tanta novena...(...) pp. 11

(...) Conceição tinha vinte e dois anos e não falava em casar. As suas poucas tentativas de namoro tinham-se ido embora com os dezoito anos e o tempo de normalista; dizia alegremente que nascera solteirona.
Ouvindo isso, a avó encolhia os ombros e sentenciava que mulher que não casa é um aleijão... (...) pp. 13

(...) - Mas se eu nunca encontrei ninguém que valesse a pena! (...) pp. 148

Tais fragmentos demonstram maturidade intelectual adquirida por meio de uma visão desafiadora para os padrões da época, ainda mais para pessoa do sexo feminino.
Nota-se que se enfatiza a formação intelectual de Conceição desde do início da obra aproveitando para associá-la à literatura.

(...) Foi à estante. Procurou, bocejando, um livro. Escolheu uns quatro ou cinco, que pôs na mesa, junto ao farol.
Aqueles livros – uns cem, no máximo – eram velhos companheiros que ela escolhia ao acaso, para lhes saborear um pedaço aqui, outro além, no decorrer da noite. (...) pp 12

Com esse fragmento, infere-se a Conceição um alto grau de conhecimento adquirido, aludindo a suas leituras insistentes. Essa afinidade entre ela e a literatura remete uma conotação mais evidente de sua força intelectual e, ao mesmo tempo, justifica seu comportamento sóbrio e racionalista em grande parte da obra.
O romance também confronta realidades existentes na cultura popular com análises práticas de uma situação mais global. Conceição se veste de toda responsabilidade ao desconstruir vários desses episódios, sobre tudo relacionados à realidade social.

(...) – É não senhora... A mãe me empresta mode eu pedir esmola mais ele... Sempre dão mais, a gente indo com um menino... (...) pp. 130

(...) - Vocês não têm vergonha? Isso que fizeram era bom de pagarem na cadeia! Explorar assim uma criança! Então não compreendem?! (...) pp. 131(...)

(...) – Mãe Nácia, é a fome, a miséria... Coitadas! Tenho mais pena delas do que dele. (...) pp. 132

Nesses fragmentos, fica claro o senso comum pertencente à personagem de dona Inácia. O justificado espanto e a indignação que possuiu ao se deparar com uma situação como essa é recorrente. Entretanto, concluir de pronto que uma determinada parte é culpada da situação é ignorar todo o contexto sócio-histórico do país. Será que a senhora pedinte é culpada pelo estado de miséria no qual se encontra? Ou o fato da senhora usar uma criança para facilitar sua alimentação não é um processo natural da vida na luta pela sobrevivência? O senso comum tende de, uma maneira hipócrita, a identificar um erro sem refletir sobre o papel social que exerce para conquistar a mudança. Conceição nesse caso sai mais uma vez engrandecida por não comungar da mesma visão generalizadora. Fica evidenciado que a autora criou uma personagem independente dentro de uma visão de mundo. Por meio do senso crítico, sem desconsiderar a influência que recebia de suas leituras, Conceição quebra a casca do ovo que lhe envolvia em um minúsculo mundo para habitar um outro de cujo poucos são seus habitantes.
A obra mostra que sua formação intelectual é revestida de ação transformadora. A aquisição do senso crítico lhe trouxera um avivamento humano. Fica evidente a relação existente entre a verdadeira mudança proveniente do conhecimento, e o conhecimento embasado numa estagnação egoísta.
O destino é a crença em que tudo o que acontece já está definido por um ser superior. Essa relação, assim como referência ao misticismo, enche a obra de uma verdadeira visão atribuída a populares e enraizada na cultua oriunda de certas regiões e que são mantidas por gerações. Tais crenças possuem a elíptica intenção de se criar mitos que confortem ou amenizem a dor humana, além de despir o ser de sua verdadeira culpa. Conceição mais uma vez se vali de uma visão diferenciada para desconstruirb certos mitos e chamar a atenção do ser para as conseqüências que surgiram de acordo com suas atitudes.

(...) – Esse negócio de morrer menino é besteira... Morre quando chega o dia, ou quando Deus Nosso Senhor é servido de tirar...
Conceição mordeu o lábio, pensativa:
- Isso não meu compadre! (...) pp. 107

A questão da sentimentalidade também deve ser considerada como um caráter peculiar. Encarando quase como uma regra, as pessoas que se apaixonam se desprendem de sua posição racionalista e deixa o sentimental tomar de conta do momento. Embora Conceição deixe transparecer que se envolveu sentimentalmente com Vicente, mantém seu controle racional e não perdeu sua identidade ou ficou refém de seu sentimento, perdendo, assim, seus valores.

(...) – Pois mesmo assim, sendo professora velha, como você diz, se eu lhe mandasse, só deixaria sair com um guarda de banda...
- Tolice! Mas vamos falar noutra coisa? Ande, conte o que há de novo no sertão! (...) pp. 77

(...) Deitada na cama, com a luz apagada, Conceição recordava Vicente e sua visita.
A verdade é que ela era sempre uma tola muito romântica para lhe emprestar essa auréola de herói de novela! (...)
E a moça comparou dona Inácia àquelas senhora de alma azul, de que fala o Machado de Assis...
Foi então que se lembrou de que, provavelmente, Vicente nunca lera o Machado... Nem nada do que ela lia.
Ele sempre dizia que, de livros, só o da nota do gado...
Seu pensamento, que até há pouco se dirigia ao primo como a um fim natural e feliz; esbarrou nessa encruzilhada difícil e não soube ir adiante. (...) pp. 81

Conceição foi criada por Raquel de Queiroz para emprestar à sociedade um modelo de mulher comum que pode muito bem manter uma postura independente sentimental, emocional e profissionalmente. A autora deixa claro que Conceição não é uma personagem mística como um santo arrebatado ou uma divindade; é um ser natural como qualquer um poderia ser.

(...) A moça exaltou-se, torcendo nervosamente os cabelos num coque no alto da cabeça:
- Tolice, não senhora! Então Mãe Nácia acha uma tolice um moço branco andar se sujeitando com negras? (...)
(...) – Pois eu acho uma falta de vergonha! E o Vicente, todo santinho, é o pior do que os outros! A gente é morrendo e aprendendo! (...) pp. 63/64

Até o ciúmes por ela tem uma conotação diferenciada. Ela não deixa se embriagar demasiadamente por ele. Deixa-se perverter por algumas linhas, contudo logo depois retoma sua sobriedade e mantém o curso normal de sua vida.
Com a personagem Conceição, Raquel de Queiroz fortalece uma vertente a qual tentei defender nestas poucas linhas neste ensaio. Além de alimentar as discussões e criar novas linhas de estudo as quais envolvem de beleza cada vez mais o Modernismo na pessoa da literatura brasileira.
O desafiador é perceber que a autora trabalhou tão bem a abordagem do assunto nesta obra a ponto de transmitir sua visão emancipadora de uma realidade arcaica e cheia de tabus, utilizando para isso uma personagem feminina sem contrapô-la a personagens existentes na obra. Percebe-se que essa característica urge como natural da autora, pois ela deixa transparecer sua intenção de mostrar uma mulher independente.
Creio que o Modernismo trabalha com essa relação de transformação social, visto que suas obras estão recheadas de temáticas que levam o leitor a reflexões acerca dos problemas sociais que envolvem o país. Entretanto, formalmente falando, a escola modernista não trabalha uma abordagem feminina como forma de transformação. Por outro lado, creio que seja desonesto negar essa relação de emancipação abordada por vários autores em várias obras, tais como: São Bernardo e O quinze, dentre outras. Se compararmos com outras épocas literárias, poderemos constatar a importância de se observar profundamente essa relação – com ressalva a José de Alencar.


Bibliografia


RAMOS, G. São Bernardo: Record: São Paulo, 1983.

QUEIROZ, R. O quinze: Record: São Paulo, 1985.
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