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Erotico-->21. DEODATO E JOSEFA -- 26/01/2003 - 09:01 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Encasquetara-se na cabeça de Deodato a responsabilidade relativa aos entes mais próximos. Não queria acusar a esposa de traição, porque não dera a ela condições de sobrevivência moral, quando, nos últimos tempos de vida em comum, vivia atormentado pela bebida e pelo sentido de profunda frustração em tudo. Lembrava-se de que o sexo tinha sido muito importante para ambos, quando foram produzindo os filhos. No fim, entretanto, recebendo só notícias negativas, pusera-se a questionar a validade de colocar crianças no mundo. Não compreendia que o mais velho o repudiava pelas constantes sovas e ia fazendo acusações contra tudo e contra todos, terminando por se julgar desfavorecido pela sorte e desprotegido de Deus, momento em que se lembrava de Gaspar. Com tais pensamentos, foi deixando de procurar maritalmente a mulher, afogando-se em álcool. Como desejar, então, mantê-la ao seu pé, cadelinha fiel a lamber-lhe as mãos, pela só existência como marido?

Deixando de lado a bebida e recebendo as informações doutrinárias da teoria espírita, foi analisando a própria atitude e a da esposa, a dela como resultado dos destrambelhos da sua. Mas precisava reatar o que se soltara. Ao menos, havia a necessidade de ser formalmente dispensado pela esposa, para assumir novo compromisso sentimental. O fato de estar grávida não significava muita coisa, pois todas as pessoas estão sujeitas a se enganarem ou a serem iludidas, quando existem no mundo seres muito mais espertos e vividos.

Essas coisas todas foram amadurecendo devagar na mente do funcionário público. Quando sentiu necessidade de se declarar a Josefa, desejando, acima de tudo, uma companheira que não tivesse visto a fase mais grosseira dos xingamentos e das agressões, sentiu um frio na espinha, uma como que acusação consciencial irreprimível. Mas contava com o fato de a mulher ser espírita, portanto, com as idéias de moralidade e de responsabilidade familiar bem assentadas.

Naquela noite, após a reunião, Deodato dispensou Antunes e a tradicional visita ao filho, pretextando ter de ultimar os preparativos para a próxima distribuição de merenda noturna.

Propôs-se a acompanhar Josefa até a casa, quando pretendia dizer-lhe o quanto estimaria que ela o aceitasse como companheiro.

Caminharam em silêncio uns três quarteirões.

— Josefa, você deve ter adivinhado que tenho uma queda... que puxo uma asa por você.

— Seu Deodato, a gente tem sido bons amigos. Não sei se você não vai estragar tudo...

— Primeiro deixa eu falar...

— Vai falar que gosta de mim e que quer morar comigo, já que casar não podemos, você por estar casado e eu porque quero continuar recebendo a pensão do falecido.

— Se eu pudesse, eu casava. Quanto à pensão, a lei, conforme corre entre os da Secretaria, essa pode ser mantida mesmo que o pensionista se case.

Falava depressa e não colocava os sujeitos e predicados em ordem. Mas expunha o que pretendia.

— Quer dizer que, se eu me casar de novo, continuo recebendo o salário?...

— Perfeitamente.

— Mas você não se divorciou...

— Isso pode ser providenciado. É que precisa levar um certo tempo de separação. Eu e Maria faz tempo que não temos nenhum tipo de relacionamento. Ela engravidou de um homem qualquer. Deus me perdoe, mas passou pela minha cabeça que uma ou duas das meninas também podem não...

— Deus, eu sei que vai perdoar. Quanto a mim, eu acho que você não deveria levantar falso testemunho.

— Mas foi ela quem disse que está grávida de outro.

— Mas não disse que as meninas são filhas de outro. Eu acho que as mulheres devem ser respeitadas. Se dissessem, ou melhor, se suspeitassem algo parecido de minha conduta, eu não iria gostar nem um pouquinho, ia ficar magoada, ia...

Esperta, Josefa ia colocando os pontos que julgava essenciais para um bom relacionamento marital. Deodato, no entanto, somente conseguia ver críticas sobre críticas ao seu desempenho. Lembrou-se dos problemas surgidos com as noções espíritas e desejou melhorar o nível da conversa:

— Preciso confessar que estou sem saber como resolver o problema do carma perante a minha mulher. Se ela resolvesse ficar com alguém, ia me livrar da necessidade...

— Mas isso é fácil de saber. Basta ir conversar com ela. Quando um não quer, dois não brigam. Se ela foi embora de casa é porque não se sentia bem ou queria alguma outra coisa. O que eu acho que não está certo é abandonar os filhos.

— Eu também fiquei muito sentido...

— Ficou mesmo, ou deu graças a Deus?

— No começo, pra dizer a verdade, achava que tudo era uma maravilha, que não precisava ouvir mais desaforos, que não precisava tomar atitudes mais drásticas, mais agressivas.

— Não sei se foi bem assim...

— Como?

— E as brigas com os vizinhos? E as bebedeiras homéricas?

Josefa ia encaixando o vocabulário que aprendia com os expositores. Na verdade, visava a demonstrar que não entraria na de Deodato ingenuamente. Punha medo nas comadres do Centro. Não ia perder a oportunidade de se mostrar poderosa para o pretendente. Contudo, entendeu a mensagem moral e o drama de consciência correspondente:

— Pelas explicações dos espíritos, é preciso desempenhar a contento o trabalho de criar os filhos, amando e fazendo-se respeitar. A lição do honrar o pai e a mãe é muito importante. Eu não tive filhos. Bem que queria, mas não foi possível. Meu defunto marido, que deve estar me ouvindo e me inspirando, graças a Deus, soube me entender e me perdoar. Se tivesse algumas crianças e não pudesse criar, teria arrumado outro homem para arcar comigo as despesas. Se eu fosse você, não insistiria em declarar que está apaixonado, que quer juntar os trapos. Ia correndo conversar com a “ex” para saber se não está querendo pedir perdão, expondo, tintim por tintim, todas as idéias e sentimentos, de joelhos, se for preciso, para ter a certeza da liberdade ou do compromisso. Depois ia falar com os filhos que podem entender, para mostrar que está pretendendo montar de novo o lar, seja com uma, seja com outra. Conforme as respostas, iria consultar os protetores, pedindo esclarecimento e ajuda. E rezaria muito ao Pai e a Jesus, para que abençoassem todas as pessoas, favorecendo os procedimentos.

Deodato começava a desconfiar de que toda a longa falação podia resumir-se em simples e categórico não. Se tivesse lido o pensamento de Josefa, teria percebido que ela apenas pretendia não ofender os benfeitores espirituais nem as pessoas que iriam ter o sentimento da perda do marido ou do pai (ou da esposa-viúva). Desconfiava de que o homem estava sendo precipitado quanto à análise das próprias emoções. Queria segurança, eis tudo. Porque o homem não era de se desprezar e demonstrava estar profundamente mudado, interessando-se tão intensamente quanto ela pelos assuntos espirituais, razão de sua vida desde muitos anos. Ela estava ainda em idade de procriar, embora não priorizasse esse desejo biológico. Punha tudo na mão de Deus, desde que Deodato lhe garantisse que não iria prejudicar ninguém.

Cada qual amargou os pensamentos durante o final de semana. Deodato admirava a maneira como Josefa tinha deixado tudo em pratos limpos. Meditou muito e concluiu pela verdade: se ela não quisesse aceitá-lo, não teria colocado as coisas de maneira tão evidente, tão determinada, tão pragmática.



É preciso que diga o narrador que tenho tomado a liberdade de explicar, a meu modo, as reações íntimas das personagens. É questão de economia estrutural. Sendo assim, resume-se o que levou vários dias para se desenvolver na mente de cada um.



Por isso, Deodato deliberou procurar Maria. Deus os protegesse da provável desinteligência!

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