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Erotico-->20. TRÊS MESES DEPOIS -- 25/01/2003 - 09:54 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Maria cumpriu a promessa de ficar com as meninas. A bem da verdade, é preciso que se diga que, sentindo-se pouco vigiada, alugava as duas mais novas para conseguir algum dinheiro com a mendicância. Mas dava atenção a elas e as levava regularmente ao Centro de Saúde, de sorte que iam recuperando-se da anemia dos tempos de incúria materna.

Por outro lado, calaram fundo as palavras de Odete a respeito do aborto. Como o marido não a queria mais e como não a ofendera além dos limites (mistério que a intrigava muito, levando-a a cogitar de que ele estaria de olho em alguma dona da vizinhança ou do Centro Espírita), resolveu ficar com a criança no ventre, ainda mais porque ouvira dizer que a patroa deveria pagar o tempo correspondente à licença para gestantes e parturientes, podendo permanecer em casa. Adiou, portanto o envio da moça que a substituiria e permaneceu no emprego, fazendo questão de mostrar o avanço da gestação.

Nesse ponto, agradecia muito às orientações que recebeu de Antunes, o qual lhe fez ver que deveria ter a carteira de trabalho registrada pela patroa, ainda que isso representasse certo desconto previdenciário. Em tempo hábil, receberia tudo de volta, em forma de aposentadoria, embora a carteira contivesse lacuna de mais de doze anos de desemprego.

Deodato ficou sozinho o tempo todo, acompanhando o soldado ao Centro Espírita, regularmente. Como se a ex-esposa tivesse lido o livro de sua vida, estava interessando-se por uma mulher que lá trabalhava na qualidade de auxiliar de cozinha. Josefa era viúva e atarracada, como se as qualidades sociais e físicas se misturassem para o efeito de sua poderosa presença, pondo as pessoas inquietas, pois estava sempre pronta para a lembrança das leis e preceitos evangélicos. Mas o fazia sorridente, enquanto dava andamento às tarefas rotineiras da cozinha. Não precisava do auxílio financeiro dos confrades, porque não tinha filhos nem qualquer parentela que lhe sugasse a pensão recebida religiosamente todo início de mês. E era religiosamente mesmo, porque o dinheirinho era sagrado, estando sempre na agulha dos gastos, disparando parcimoniosamente, sem supérfluos e sem vícios. Reservava até pequena quantia para considerar-se sócia contribuinte da instituição, orgulho que registrava no íntimo como o reflexo do ensino de Jesus, no episódio evangélico do óbolo da viúva. Entretanto, tinha boas recordações do matrimônio e retribuía os olhares convidativos do recém-chegado para entrosamento sentimental.

Entrementes, iam os dois absorvendo os dizeres dos mais experientes, nas palestras e discussões, no momento em que compareciam aos treinamentos mediúnicos ou às reuniões públicas, às quais se seguia a sessão de “passes”. Era aspiração de ambos sentarem-se à mesa da desobsessão, para darem vazão às manifestações do plano da espiritualidade. Iam acompanhando a leitura dos livros de Kardec e de uma ou outra obra de Emmanuel. O que não apanhavam do contexto lhes era explicado pelos expositores e a Doutrina lhes ia ficando cada vez mais clara.

Deodato, em especial, interessou-se sobre o ponto da reunião de adversários de outras encarnações numa mesma família, para que aprendessem a tolerar e a amar uns aos outros, conforme a segunda lei, já que a primeira era o amor a Deus sobre todas as coisas. Sentiu certo arrependimento por não ter tido mais paciência, mais condescendência, mais carinho, em relação aos filhos. Quanto a Maria, não via nela propriamente um inimigo. Tinha sido uma companheira e ambos haviam gerado aqueles seres que, finalmente, lograram separá-los. Por conta desse arrependimento, passou a visitar Cléber no hospital, levando-lhe pequenos presentes, dando-lhe um pouco de conforto, incentivando-o a aceitar a sorte, provando-lhe que havia pessoas muitíssimo mais infelizes. Por iniciativa de Antunes, lia pequenos trechos do Evangelho, demonstrando não ter medo das incriminações pelo passado litigioso. Ia também à casa do policial para cumprimentar Odete e rever Gaspar, a quem começava a admirar, por constatar progressos incríveis na área do aprendizado mental.

Por sua vez, Antunes desejou retornar ao trabalho mas foi barrado pelo médico, de maneira que esses três meses teve de permanecer de licença. Surpresa muito agradável foi ter sido agraciado por preciosa medalha, por haver cumprido sua missão além das exigências do dever, de maneira heróica, o que redundou em promoção na carreira e mais dinheiro no ordenado. Mesmo tendo de alimentar e vestir o jovenzinho, ainda podia ir guardando mais algum para a compra do carro, intenção que se viu barrada quando a esposa lhe solicitou um videocassete, que prometeu adquirir. Pensou na possibilidade da gravação das novelas e sossegou. O carro viria oportunamente.

Como deve ter ficado claro, foi para Cléber e Gaspar que o tempo foi mais generoso. O hospitalizado não podia fazer muita coisa. Esperava impaciente que chegasse a hora de ir para casa. É verdade que manipulava as muletas com alguma destreza, porém, precisava criar músculos e calos, o que demandaria mais algum tempo. A pedido de Antunes, o médico foi adiando a alta, para que se mantivesse o rapaz alimentado convenientemente.

Gaspar foi recebido pela nova professora com reservas. As palavras de Odete e de Antunes não foram suficientemente expressivas para que ficasse satisfeita com a aquisição de mais um aluno com dificuldades. Contudo, advertida para o tipo de problema que impunha limitações a ele, na esperança de que o psiquiatra iria desenvolver tratamento paralelo ao seu ensino, aceitou o menino, colocando-o de modo adequado perante os coleguinhas, para que não fosse atenazado. Quando constatou que a escrita iria apresentar fortes restrições, fortaleceu os aspectos meramente intelectuais e, com imensa paciência e sabedoria, pôs-se a avaliar-lhe o desempenho em sessões particulares, durante o recreio. Em pouco tempo, Gaspar se sentiu seguro e reagiu à altura da dedicação da mestra, lendo e interpretando as lições com acerto.

Certa tarde, quando Antunes abre o jornal, recebe de chofre a notícia da morte do menor que o ferira. Havia sido executado na prisão. Simplesmente. O jornalista descrevia o quadro com cores vivas e propunha que não fora assassinado pelos companheiros de cela, apesar de um deles ter assumido a culpa. Levantava a hipótese de que o criminoso agira a serviço dos policiais, mas se resguardava, relacionando longa série de crimes produzidos pela vítima, entre os quais pontificavam o assassinato de dois menores, o tráfico e o consumo de drogas.

Antunes não teve dúvida quanto às causas da eliminação do pirralho, mas quedou muito triste, uma vez que pretendia, assim que melhorasse, ir dar apoio doutrinário e moral à pobre criatura. Avisou Cléber do sucedido e teve oportunidade de recriminar-lhe a reação de regozijo:

— Tudo indica que você é credor de, pelo menos, um pedido de desculpa. Não queira ficar devendo a ele essas vibrações de ódio, as quais irão atormentar ele, onde quer que se encontre.

A palavra “vibração” se incorporara ao vocabulário de Cléber, conquanto o sentimento do perdão estivesse muito longe de ser assimilado. Por isso, retrucou:

— E é justo que ele desconte em mim o sofrimento todo que fez por merecer?

— E quem é capaz de conhecer a Justiça de Deus? Não fale em ser justo ou não. Apenas sinta amor pelas pessoas, porque foi assim que Jesus nos ensinou.

Cléber não tinha motivos para considerar Jesus benfeitor da humanidade. Não sabia do evangelho nada além do que Antunes lhe vinha explicando. Aturava-o mal em casa. Agora, a presença do militar, não muito freqüente, fazia com que houvesse uns minutos de esquecimento de seu drama. Por isso, não era demasiado áspero, posto, no íntimo, o chamasse de “babaca”. Valia a promessa de ir morar com ele, até que se desvencilhasse das muletas, na esperança das próteses ortopédicas. Complicava-lhe o pensamento o regresso do pai, que atribuía à influenciação do soldado, mas que se impunha, pouco a pouco, como provinda do desejo de restabelecer os vínculos familiares.

Ao cabo daqueles três meses, dava-se alta ao enfermo, encerrava-se a licença do soldado, pesava a gestação a Maria, comprava-se o vídeo para Odete, Gaspar ia ser levado ao psiquiatra e Deodato declarava-se à viúva.

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