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Erotico-->17. NOTÍCIAS DA FAMÍLIA -- 22/01/2003 - 06:49 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

No dia seguinte, logo cedo, os milicianos que transportaram a mãe de Gaspar surgiram para relatar a Antunes o resultado das investigações.

— A mulher está vivendo não longe daqui. Está sozinha, ou melhor, ocupa um barraco que lhe foi cedido pela irmã, que se despachou com o namorado pro Nordeste. Evidentemente, o marido deve saber onde ela está e já deve ter vindo em busca de satisfações, o que ela nega com veemência. Em todo o caso, deve ter surgido outro homem, porque a gravidez não parece dar estímulo pra que volte pra família. Arrumou emprego de doméstica em casa de gente remediada e está ganhando o salário mínimo, além, é claro, da comida e o mais que possa conseguir, porque sempre se retira algo mais... De qualquer jeito, não tem condições de cuidar de filhos estropiados, retardados ou nenês.

O outro quis participar:

— Foi ontem ao Posto de Saúde pra confirmar que está grávida. Agora, vai tentar abortar, pra manter o emprego.

Foi a vez de Antunes:

— Deus não permita e ilumine o espírito dela pra que não cometa esse crime contra...

Não sabia caracterizar contra o que estava a mulher investindo. Mas entendia que era contra uma alma que se implantava na matéria, talvez algum desafeto que lhe incentivava os maus pendores, o ódio ou, simplesmente, a rejeição moral.

Emendou:

— Vocês a levaram pra ver as filhas?

— Levamos mas não encontramos nenhuma. Era sobre isso que queríamos a sua opinião. Você não acha que ela matou as meninas?

— Tenho certeza que não. A vizinha me contou que ela mesma não quis ficar com nenhuma e que as crianças foram distribuídas pra mendicância. Devem estar lá por perto da casa do pai.

— Quer ir atrás do homem?

— Se vocês estão dispostos...

Gaspar havia passado a sua segunda noite no novo lar e estava recuperando-se muito bem das feridas. Antunes perguntou se queria ir com eles atrás das irmãs e ele fez que sim com a cabeça.

— Vocês não querem confirmar se ela está trabalhando?

— Temos o endereço. Podemos dar uma passada por lá, se não formos prejudicá-la com a nossa presença. E se a patroa achar que ela tem problemas com a polícia?

— Bem pensado. Vamos ver se encontramos o marido em casa.

— Se você souber onde trabalha, podemos passar por lá.

— Não é difícil. Ele é funcionário da Secretaria do Trabalho. Podemos interrogar os computadores.

— Mas não custa passarmos pela casa dele. Quem sabe a vizinha esteja a par de mais alguma coisa.

Decididos a resolver o mistério do desaparecimento das meninas, os três soldados acionaram a sirene e dispararam atrás das informações.

Antunes se sentia melhor, como se estivesse voltando às atividades. Gostava desse tipo de tarefa, que punha ordem nos desajustes causados pelos irresponsáveis, podendo redundar em harmonização do que se esboroava. Era raro, mas não impossível.

Encontraram a casa fechada. A vizinha, contudo, se apressou a dizer que o homem saíra cedo, no horário do trabalho.

— Ele tem voltado mais cedo. Não está causando transtornos na vizinhança. Parece que não está bebendo. A mulher esteve aqui ontem e eles nem discutiram. Foi embora com uma mala grande. Deve ter vindo buscar o resto das coisas.

— A que horas foi isso?

— À tardezinha, quando o marido larga o serviço e vem pra casa.

— Talvez quisesse falar com ele.

— Talvez julgasse que fosse muito cedo pra ele retornar.

— Antes que me esqueça, uma das meninas, a mais velha, apareceu em minha casa, querendo voltar. Eu não pude ficar com ela, nem o pai aceitou que ela ficasse tomando conta da casa. Tem só seis aninhos, coitada. Aí, dei um prato de comida e mandei ela de volta pra casa de onde saíra.

— E a senhora sabe quem é a pessoa que está com ela?

— Sei. É a Dona Amélia, que mora no fim desta rua. No trezentos e treze.

— E as outras duas?

— Dessas, eu desconheço o paradeiro.

Agradeceram as informações e foram confirmar se a menina estava realmente com a D. Amélia. Estava, sim, mas, no momento, as duas tinham saído. A criança que os recebeu estava atemorizada e não sabia como esconder o que elas tinham ido fazer.

— Aonde foram?

— Acho que na praça.

— Fazer o quê?

— Foram pedir.

— Esmolas?

— Sim.

— E você, o que faz em casa?

— Eu tenho de deixar tudo arrumado. Faço a comida, lavo a louça e a roupa...

— Quantos anos você tem?

— Onze.

— Não está na escola?

— Não.

— Sabe ler e escrever?

— Sei.

— Então leia o que está escrito aqui.

Antunes apanhara um pedaço de jornal no lixo. A menina embatucou.

— Sabe ler nada.

— Sei, sim. É que estou sem óculos.

— Pois vai buscar.

— Quebrou e minha mãe disse que não vai comprar outro.

Não tinham o que fazer. De qualquer forma, a menina estava ocupada com algo importante para a família. Não estava “piveteando”, abandonada pela via pública.

— A que horas tua mãe volta?

— Bem tarde, lá pelas sete da noite.

Dava para ver que a sala estava bem arrumadinha, com o aparelho de televisão colorida ligado.

— Diga pra tua mãe que voltaremos hoje mesmo, pra pegar a menina.

— Que vamos fazer agora?

— Toca pra Secretaria do Trabalho.

Em vinte minutos, lá estavam. Não foi difícil de localizar o pai de Gaspar. Estava trabalhando no almoxarifado.

Quando viu os policiais com a criança, quis escapulir pelos fundos. Mas não teve tempo. Recebeu ordem de parar e obedeceu.

— Que aconteceu?

— Não precisa se assustar. Não viemos prender ninguém.

— Que é que estão fazendo com meu filho?

— Ele está apenas nos acompanhando. Estava querendo ver o pai.

— Pois já viu.

— Não é bem assim, meu amigo. Você vai ter de nos dar algumas explicações. Por que abandonou o teu filho no hospital? Não sabe que é função do pai...

— A última vez que estive lá, ele fez o maior escândalo. Me chamou de bêbado. Me deixou envergonhado.

— E você não merecia...

— Mesmo que merecesse, fui eu quem pôs ele no mundo.

— Pra sofrer com tuas...

— Calma, Antunes. Nós não viemos pra isso.

— O senhor sabe onde estão as meninas?

— A mãe levou embora.

— Não se faça de desentendido. Vocês conversaram ontem e ela deve ter dito onde deixou elas.

— Não disse. O que ela disse foi que não queria mais ficar com elas.

Antunes percebeu que não iria tirar nada dele. Desviou o assunto:

— Soube que não está bebendo mais.

— Parei com a cachaça.

— Por quê?

— Porque tenho tido mais paz de espírito, sem minha mulher e sem as crianças. Eles me punham fora de si.

— ... de mim...

— Isso aí.

— E agora, que pretende fazer com o Gaspar?

O menino agarrava a mão do amigo com muita força.

— Não gostaria de fazer nada. Ele não pode ficar em casa sozinho. Eu acho melhor que a mãe fique com ele, agora que ela está vivendo com outro.

— Foi o que ela te disse?

— Foi.

Antunes fez um gesto significativo para que os parceiros não revelassem a verdade. Achava melhor que o homem ficasse sem saber.

— Pois foi ela quem mandou que nós trouxéssemos ele pra você.

— Bem que ela disse que vocês...

— É, fomos nós mesmos que a levamos pra casa ontem. E ela não quer saber das crianças. Parecem órfãs de pais vivos.

— Vocês têm de acreditar em mim. Como é que eu vou cuidar dos cinco, se um está internado sem pernas, outro é demente e as meninas, tão pequenas. Você bem sabe que a menorzinha é de colo. Se largarem o menino aí, eu vou ter de procurar o Juizado de Menores.

Antunes abriu o jogo:

— Ele está vivendo comigo. Mas só até tua mulher criar juízo e voltar pra casa, porque a minha não pode cuidar dos meus filhos e também dos teus. O meu soldo não cobre todas as minhas despesas. Imagine com mais cinco bocas.

— E o meu ordenado? Pensa que dá pra muita coisa?

Criara-se impasse emocional. O pai sentia que o soldado estava querendo ficar com a criança. Talvez desejasse também levar o aleijado para casa. As poucas vezes que ouvira as leituras do Evangelho foram suficientes para concluir que o homem não pretendia enganar ninguém, que tinha o desejo honesto de ajudar as pessoas. Não deixou claro para si mesmo que o exemplo o havia influenciado, mas um bom entendedor poderia conhecer a verdade dessa mudança de procedimento.

— O menino precisa de roupas. Ele tem alguma?

— Nada que preste. Mas se quiser ir pegar, eu deixo tudo com a vizinha.

— Vale a pena?

— Não vale mesmo.

Antunes achou que o homem estava deveras mudado. Não estava tão esquivo quanto antes e se deixara envolver pelos assuntos, buscando dar as respostas mais coerentes com o estado atual da vida. De fato, perdera o controle da família e não tinha como restabelecer. “Que falta faz a mulher em casa!” — pensava, lembrando-se de Odete e de tudo o que fazia em prol dos filhos e dele mesmo.

— Vamos fazer o seguinte: eu vou ficar com Gaspar. Talvez fique também com Cléber, até que aprenda a manejar as muletas e possa arrumar alguma ocupação.

— Você não conhece aquele...

— As pessoas mudam. Algumas até deixam de beber, por exemplo. Mas o que eu ia propor é coisa muito simples: Você vai ter de comparecer ao Centro Espírita que eu freqüento pra ajudar a gente a distribuir alimentos pros mendigos, algumas noites por mês. Sabe onde fica o Centro “Caminho e Vida”?

— Sei.

— Pois espero você lá hoje mesmo. Às sete e meia.

Os policiais se entenderam tacitamente e saíram depressinha, sem dar ensejo a que o homem arrumasse alguma desculpa.

A caminho de casa, Antunes procurou interessar os companheiros em que também comparecessem, mas não os convenceu da necessidade da prática da caridade gratuita, que o bem que estavam fazendo profissionalmente já lhes bastava. Além do mais, tinham família e prezavam ficar em casa, curtindo o crescimento dos filhos, aspiração mais do que natural.

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