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Ensaios-->A Darwin o que é de Darwin -- 08/02/2009 - 21:54 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Charge publicada na revista Hornet em 1871

Revista Veja

Edição de 11/02/2009

Especial

A Darwin o que é de Darwin...

As ideias revolucionárias do naturalista inglês, que nasceu há 200 anos, são os pilares da biologia e da genética e estão presentes em muitas áreas da ciência moderna. O mistério é por que tanta gente ainda reluta em aceitar que o homem é o resultado da evolução

Gabriela Carelli

Charles Darwin é um paradoxo moderno. Não sob a ótica da ciência, área em que seu trabalho é plenamente aceito e celebrado como ponto de partida para um grau de conhecimento sem precedentes sobre os seres vivos. Sem a teoria da evolução, a moderna biologia, incluindo a medicina e a biotecnologia, simplesmente não faria sentido. O enigma reside na relutância, quase um mal-estar, que suas ideias causam entre um vasto contingente de pessoas, algumas delas fervorosamente religiosas, outras nem tanto. Veja o que ocorre nos Estados Unidos. O país dispõe das melhores universidades do mundo, detém metade dos cientistas premiados com o Nobel e registra mais patentes do que todos os seus concorrentes diretos somados. Ainda assim, só um em cada dois americanos acredita que o homem possa ser produto de milhões de anos de evolução. O outro considera razoável que nós, e todas as coisas que nos cercam, estejamos aqui por dádiva da criação divina. Mesmo na Inglaterra, país natal de Darwin, o fato de ele ser festejado como herói nacional não impede que um em cada quatro ingleses duvide de suas ideias ou as veja como pura enganação. Na semana em que se comemora o bicentenário de nascimento de Darwin e, por coincidência, no ano do sesquicentenário da publicação de seu livro mais célebre, A Origem das Espécies, como explicar a persistente má vontade para com suas teorias em países campeões na produção científica?

Para investigar a razão pela qual as ideias de Darwin ainda são vistas como perigosas, é preciso recuar no passado. Quando o naturalista inglês pela primeira vez propôs suas teses sobre a evolução pela seleção natural, a maioria dos cientistas acreditava que a Terra não tivesse mais de 6.000 anos de existência, que as maravilhas da natureza fossem uma manifestação da sabedoria divina. A hipótese mais aceita sobre os fósseis de dinossauros era que se tratava de criaturas que perderam o embarque na Arca de Noé e foram extintas pelo dilúvio bíblico. A publicação de A Origem das Espécies teve o efeito de um tsunami na Inglaterra vitoriana. Os biólogos se viram desmentidos em sua certeza de que as espécies são imutáveis. A Igreja ficou perplexa por alguém desafiar o dogma segundo o qual Deus criou o homem à sua semelhança e os animais da forma como os conhecemos. A sociedade se chocou com a tese de que o homem não é um ser especial na natureza e, ainda por cima, tem parentesco com os macacos. Havia, naquele momento, compreensível contestação científica às novas ideias. Darwin havia reunido uma quantidade impressionante de provas empíricas – mas ainda restavam muitas questões sem resposta.

O primeiro exemplar a sair da gráfica foi enviado a sir John Herschel, um dos mais famosos cientistas ingleses vivos em 1859. Darwin tinha tanta admiração por ele que o citou no primeiro parágrafo de A Origem das Espécies. Herschel não gostou do que leu. Ele não podia acreditar, sem provas científicas tangíveis, que as espécies podiam surgir de variações ao acaso. Pressionado, Darwin disse que, se alguém lhe apontasse um único ser vivo que não tivesse um ascendente, sua teoria poderia ser jogada no lixo. O que se encontrou em profusão foram evidências da correção do pensamento de Darwin em seus pontos essenciais. Hoje, para entender a história da evolução, sua narrativa e mecanismo, os modernos darwinistas não precisam conjeturar sobre o funcionamento da hereditariedade. Eles simplesmente consultam as estruturas genéticas. As evidências que sustentam o darwinismo são agora de grande magnitude – mas, estranhamente, a ansiedade permanece.

Outros pilares da ciência moderna, como a teoria da relatividade, de Albert Einstein, não suscitam tanta desconfiança e hostilidade. Raros são aqueles que se sentem incomodados diante da impossibilidade de viajar mais rápido que a luz ou saem à rua em protesto contra a afirmação de que a gravidade deforma o espaço-tempo. Evidentemente, o núcleo incandescente da irritação causada por Darwin tem conotação religiosa. A descoberta dos mecanismos da evolução enfraqueceu o único bom argumento disponível para a existência de Deus. Se Ele não é responsável por todas essas maravilhas da natureza, sua presença só poderia ser realmente sentida na fé de cada indivíduo. Mas isso não explica tudo. Em 1920, ao escrever sobre o impacto da divulgação das ideias darwinistas, Sigmund Freud deu seu palpite: 'Ao longo do tempo, a humanidade teve de suportar dois grandes golpes em sua autoestima. O primeiro foi constatar que a Terra não é o centro do universo. O segundo ocorreu quando a biologia desmentiu a natureza especial do homem e o relegou à posição de mero descendente do mundo animal'. Pelo raciocínio do pai da psicanálise, a rejeição à teoria da evolução seria uma forma de compensar o 'rebaixamento' da espécie humana contido nas ideias de Copérnico e Darwin.

O biólogo americano Stephen Jay Gould, um dos grandes teóricos do evolucionismo no século XX, morto em 2002, dizia que as teorias de Dar-win são tão mal compreendidas não porque sejam complexas, mas porque muita gente evita compreendê-las. Concordar com Darwin significa aceitar que a existência de todos os seres vivos é regida pelo acaso e que não há nenhum propósito elevado no caminho do homem na Terra. Disse a VEJA o biólogo americano David Sloan Wilson, da Universidade Binghamton: 'As grandes ideias e teorias são aceitas ou rejeitadas popularmente por suas consequências, não pelo seu valor intrínseco. Infelizmente, a evolução é percebida por muitos como uma arma projetada para destruir a religião, a moral e o potencial dos seres humanos'. Uma pesquisa publicada pela revista New Scientist sobre a aceitação do darwinismo ao redor do mundo mostra que os mais ardentes defensores da evolução estão na Islândia, Dinamarca e Suécia. De modo geral, a crença na evolução é inversamente proporcional à crença em Deus. Mas a pesquisa encontrou outra configuração interessante: os habitantes dos países ricos acreditam menos em Deus que aqueles que vivem em países inseguros. Isso pode significar que a crença em Deus e a rejeição do evolucionismo são mais intensas nas sociedades sujeitas às pressões darwinistas, como escreveu a revista Economist.

O medo do inferno

Muito religiosa, Emma, a mulher de Darwin, temia que o marido fosse para o inferno. Ela dava por certo que iria para o céu e sofria com a ideia de ficarem separados pela eternidade. À direita, a casa da família, nos arredores de Londres: nela, Darwin viveu e trabalhou por quarenta anos
A teoria da evolução causa mal-estar em muita gente – mas só algumas confissões evangélicas converteram o darwinismo em um inimigo a ser combatido a todo custo. Como essas reli-giões são poderosas nos Estados Unidos, é lá que se trava o mais renhido combate dessa guerra santa. Ciência e religião já andaram de mãos dadas pela maior parte da história da humanidade (veja reportagem). Mas esse nó se desatou há dois séculos e Dar-win foi um dos responsáveis por esse divórcio amigável, com nítidas vantagens para ambos os lados.

Desde o ano passado, o bordão entre os criacionistas americanos é 'liberdade acadêmica'. A ideia que tentam passar é que o darwinismo é apenas uma teoria, não um fato, e ainda por cima está cheio de lacunas e é carente de provas conclusivas. Sendo assim, não há por que Darwin merecer maior destaque que o criacionismo. O argumento é de evidente má-fé. Em seu significado comum, teoria é sinônimo de hipótese, de achismo. A teoria da evolução de Darwin usa o termo em sua conotação científica. Nesse caso, a teoria é uma síntese de um vasto campo de conhecimentos formado por hipóteses que foram testadas e comprovadas por leis e fatos científicos. Ou seja, uma linha de raciocínio confirmada por evidências e experimentos. Por isso, quando é ensinado numa aula de religião, o gênesis está em local apropriado. Colocado em qualquer outro contexto, só serve para confundir os estudantes sobre a natureza da ciência.

A ciência não tem respostas para todas as perguntas. Não sabe, por exemplo, o que existia antes do Big Bang, que deu origem ao universo há 13,7 bilhões de anos. Nosso conhecimento só começa três minutos depois do evento, quando as leis da física passaram a existir. Os cientistas também não são capazes de recriar a vida a partir de uma poça de água e alguns elementos químicos – o que se acredita ter acontecido 4,5 bilhões de anos atrás. A mão de Deus teria contribuído para que esses eventos primordiais tenham ocorrido? Não cabe à ciência responder enquanto não houver provas científicas do que aconteceu. O fato é que a luta dos criacionistas contra Darwin nada tem de científica. Em sua profissão de fé, eles têm o pleno direito de acreditar que Deus criou o mundo e tudo o que existe nele. Coisa bem diferente é querer impingir essa maneira de enxergar a natureza às crianças em idade escolar, renegando fatos comprovados pela ciência. Essa atitude nega às crianças os fundamentos da razão, substituindo-os pelo pensamento sobrenatural.

Manda o bom senso que não se misturem ciência e religião. A primeira perscruta os mistérios do mundo físico; a segunda, os do mundo espiritual. Elas não necessariamente se eliminam. Há cientistas eminentes que creem em Deus e não veem nisso nenhuma contradição com o darwinismo. O mais conhecido deles é o biólogo americano Francis Collins, um dos responsáveis pelo mapeamento do DNA humano. Diz ele: 'Usar as ferramentas da ciência para discutir religião é uma atitude imprópria e equivocada. A Bíblia não é um livro científico. Não deve ser levado ao pé da letra'. A Igreja Católica aceitou há bastante tempo que sua atribuição é cuidar da alma de seu 1 bilhão de fiéis e que o mundo físico é mais bem explicado pela ciência. O Vaticano até organizará em março o simpósio 'Evolução biológica: fatos e teorias – Uma avaliação crítica 150 anos depois de A Origem das Espécies'.

Em A Origem das Espécies, num raciocínio que cabe em poucas linhas mas expressa ideias de alcance gigantesco, Darwin produziu uma revolução que alteraria para sempre os rumos da ciência. Ele mostrou que todas as espécies descendem de um ancestral comum, uma forma de vida simples e primitiva. Darwin demonstrou também que, pelo processo que batizou de seleção natural, as espécies evoluem ao longo das eras, sofrendo mutações aleatórias que são transmitidas a seus descendentes. Essas mutações podem determinar a permanência da espécie na Terra ou sua extinção – dependendo da capacidade de adaptação ao ambiente. Uma década depois da publicação de seu livro seminal, o impacto das ideias de Darwin se multiplicaria por mil com o lançamento de A Descendência do Homem, obra em que mostra que o ser humano e os macacos divergiram de um mesmo ancestral, há 4 milhões de anos.

O embate entre evolucionistas e criacionistas teria causado um desgosto profundo a Darwin, que era religioso e chegou a se preparar para ser pastor da Igreja Anglicana. Esse plano foi interrompido pela fantástica aventura que protagonizou entre 1831 e 1836, em viagem a bordo do Beagle, um pequeno navio de exploração científica, numa das passagens mais conhecidas da história da ciência. Aos 22 anos, Darwin embarcou no Beagle para servir de acompanhante ao capitão do barco, o aristocrata inglês Robert Fitzroy. Durante a viagem, que se estendeu por quatro continentes, Darwin deu vazão à curiosidade sobre o mundo natural que o acompanhava desde a infância. Até a volta à Inglaterra, havia recolhido 1 529 espécies em frascos com álcool e 3 907 espécimes preservados. Darwin escreveu um diário de 770 páginas, no qual relata suas experiências nos lugares por onde passou. No Brasil, visitou o Rio de Janeiro e a Bahia, extasiando-se com a biodiversidade da Mata Atlântica – mas ficou horrorizado com a escravidão e com a maneira como os escravos eram tratados.

O pescoço da girafa

Anterior a Darwin, o naturalista francês Lamarck elaborou a primeira teoria da evolução. Para ele, o pescoço da girafa teria esticado para colher folhas e frutos no alto das árvores. A seleção natural de Darwin explica melhor: em grandes períodos de seca, só os animais de pescoço mais longo conseguiam se alimentar, o que favoreceu a reprodução dos pescoçudos

Durante a viagem, Darwin fez as principais observações que o levariam a formular a teoria da evolução pela seleção natural. Grande parte delas teve como cenário as Ilhas Galápagos, no Oceano Pacífico. Lá, reparou que muitas das espécies eram semelhantes às que existiam no continente, mas apresentavam pequenas diferenças de uma ilha para outra. Chamaram sua atenção, principalmente, os tentilhões, pássaros cujo bico apresentava um formato em cada ilha, de acordo com o tipo de alimentação disponível. A única explicação para isso seria que as primeiras espécies de animais chegaram às ilhas vindas do continente. Depois, desenvolveram características diferentes, de acordo com as condições do ambiente de cada ilha. Era a prova da evolução. Mais recentemente, ao estudarem os mesmos tentilhões das Ilhas Galápagos, grupos de biólogos observaram a evolução ocorrer em tempo real. Os pássaros evoluíam de um ano para outro, de acordo com as mudanças nas condições climáticas da ilha. Darwin, que definiu a evolução como um processo invariavelmente longo, através das eras, ficaria espantado com as novas descobertas em seu parque de diversões científico.

Ao retornar à Inglaterra, após a viagem do Beagle, Darwin foi amadurecendo a teoria da evolução e começou a escrever A Origem das Espécies dois anos depois, em 1838. Só publicou o volume, no entanto, após 21 anos. Ele sabia do potencial explosivo de suas ideias na ultraconservadora Inglaterra do século XIX – da qual, ele próprio, era um legítimo representante. Elaborar uma teoria que ia contra os dogmas da Bíblia era, para Darwin, motivo de enorme angústia. Não colaboravam em nada os temores de sua mulher, Emma, de que, por causa de suas ideias, Darwin fosse para o inferno após a morte, enquanto ela iria para o céu – com isso, eles estariam condenados a viver separados na vida eterna. Darwin nunca declarou que a Bíblia estava errada. Manteve a fé religiosa até os últimos anos de vida, quando se declarou agnóstico – segundo seus biógrafos, sob o impacto da morte da filha Annie, aos 10 anos de idade.

Após o lançamento de A Origem das Espécies, um best-seller que esgotou rapidamente cinco edições, os cientistas não demoraram a aceitar a proposta de que as plantas e os animais evoluem e se modificam ao longo das eras. Na verdade, essa ideia chegou a ser formulada por outros cientistas, inclusive pelo avô de Darwin, o filósofo Erasmus Darwin. A noção de que a evolução das espécies se dá pela seleção natural, no entanto, é original de Charles Darwin, e só foi aceita integralmente depois da descoberta da estrutura do DNA, em 1953. Darwin atribuiu a transmissão de características entre as gerações a células chamadas gêmulas, que se desprenderiam dos tecidos e viajariam pelo corpo até os órgãos sexuais. Lá chegando, seriam copiadas e passadas às gerações seguintes. Os estudos feitos com ervilhas pelo monge austríaco Gregor Mendel na segunda metade do século XIX, mas aos quais a comunidade científica só deu importância no início do século XX, estabeleceram a ideia básica da genética moderna, a de que as características de cada indivíduo são transmitidas de pais para filhos pelo que ele chamou de 'fatores', e hoje se conhece como genes. Com as ervilhas de Mendel, o processo concebido por Darwin teve comprovação científica. A descoberta da dupla hélice do DNA, pelos cientistas James Watson e Francis Crick, em 1953, finalmente esclareceu o mecanismo por meio do qual a informação genética é transmitida através das sucessivas gerações. Hoje, os biólogos se dedicam a responder a questões ainda em aberto no evolucionismo, como quais são exatamente as mudanças genéticas que provocam as adaptações produzidas pela seleção natural. É espantoso que, enquanto continuam a desbravar territórios na ciência, as ideias de Darwin ainda despertem tanto temor.

Com reportagem de Leandro Narloch, Paula Neiva e Renata Moraes

Especial

Onde Darwin é só mais uma teoria

Nas escolas evangélicas, os alunos aprendem que o evolucionismo existe, mas que a razão
está com a Bíblia

Carolina Romanini
Lailson Santos

Questão de prioridade

Alunos do Colégio Adventista Unasp com seus livros de ciências: o darwinismo é apresentado em segundo plano

As escolas brasileiras ligadas a instituições religiosas sempre ensinaram o criacionismo. Seja nas aulas de religião, seja nos cultos, os alunos aprendem que Deus criou o mundo e todos os seres que o habitam. A triste novidade é que, na maioria das escolas mantidas por confissões evangélicas, o criacionismo passou a ser ensinado também nas aulas de ciências e de biologia, dividindo território com o evolucionismo de Charles Darwin. No fim do ano passado, o Colégio Presbiteriano Mackenzie, de São Paulo, trocou os livros convencionais de ciências do ensino fundamental I por apostilas traduzidas da Associação Internacional das Escolas Cristãs nos Estados Unidos. Com o novo material didático, até a 4ª série os alunos da instituição aprendem apenas a versão criacionista do mundo e da vida. Da 5ª série em diante, Darwin entra em cena. O evolucionismo passa a fazer parte das aulas de biologia, mas informa-se aos alunos que, entre as duas teorias, a escola prefere aquela amparada na Bíblia. 'Não viramos criacionistas do dia para a noite. Nossa escola tem 138 anos, e durante todo esse tempo fomos criacionistas', diz a professora Débora Muniz, diretora do Colégio Presbiteriano Mackenzie.

Os adventistas, que mantêm a maior rede de escolas evangélicas do país, com 130.000 alunos, optaram por outro caminho para ensinar o criacionismo em sala de aula. Há cinco anos, empreenderam uma total reformulação nos livros didáticos de ciências produzidos por uma das 56 editoras mantidas pela igreja. Agora, os livros contrapõem a teoria bíblica à ciência em diversos capítulos, deixando claro que consideram que a segunda nem sempre é verdadeira. No capítulo das origens do universo e da vida, Darwin é impiedosamente surrado. Diz o texto a certa altura, tropeçando no português: 'Muitos ensinam a evolução como se ela fosse um fato cientificamente comprovado. Isso não é verdade e nem honesto, já que não se podem provar cientificamente as origens da vida'. Os criacionistas sustentam suas posições antidarwinistas alegando que o criacionismo não se mantém apenas pela fé, mas também pela comprovação científica. Diz o professor Nahor Neves de Souza Júnior, do Centro Universitário Adventista de São Paulo: 'As descrições literais e históricas da Bíblia, incluindo o livro do Gênesis, estão sendo progressivamente confirmadas pelas mais recentes descobertas arqueológicas no Oriente Médio'.

Em nome do Senhor

Débora Muniz, diretora do Colégio Presbiteriano Mackenzie, de São Paulo, defende a troca dos livros de ciências convencionais por apostilas de conteúdo criacionista até a 4ª série, feita no ano passado: 'O evolucionismo é apresentado no momento certo'

As escolas evangélicas batistas veem com desconfiança o material didático produzido especialmente para introduzir o criacionismo nas aulas de ciências – tanto o importado quanto o preparado por autores brasileiros. Os batistas preferem usar os livros didáticos convencionais, utilizados também nas escolas laicas, e introduzir o criacionismo por meio da Bíblia e de livros de apoio sobre temas religiosos. O Ministério da Educação não apoia o ensino do criacionismo nas aulas de ciências, mas não pode proibi-lo. A única exigência do órgão é que os livros didáticos, mesmo defendendo a teoria bíblica da criação, apresentem simultaneamente a versão evolucionista consagrada pela ciência. 'Não aprovamos livro didático que trate do criacionismo apenas. Temos uma posição muito clara, a de que o criacionismo é para ser lecionado e discutido na aula de religião', diz Maria do Pilar Lacerda, secretária de Educação Básica do Ministério da Educação. Essa conduta é adotada pelas escolas católicas, que evidentemente sustentam os dogmas bíblicos, mas separam a religião da ciência. 'Sabemos que o criacionismo é uma teoria de fé e que o evolucionismo é ciência. Não podemos contrastá-los em sala de aula', diz o paranaense Dilnei Lorenzi, secretário executivo da Associação Nacional de Educação Católica.

Nas salas de aula, as escolas evangélicas não chegam a desqualificar as ideias de Darwin como fraudes. Elas aceitam que os animais evoluam ao longo das eras, mas não que uma espécie possa gerar outra completamente diferente, e muito menos que o homem e os macacos tenham ancestrais comuns. Com relação a outros aspectos do mundo animal, os evangélicos têm posições bem mais controvertidas. Os fósseis seriam restos de animais que morreram durante o dilúvio bíblico, que data de 2400 a.C. Os dinossauros também teriam sido extintos na mesma enxurrada, e não 65 milhões de anos atrás, como ensinam os cientistas. Os dinossauros não poderiam ter existido há tanto tempo – os evangélicos acreditam que o mundo tenha sido criado em 4004 a.C., data estabelecida no século XVII pelo bispo irlandês James Ussher.

Os alunos das escolas evangélicas não são necessariamente seguidores da religião pela qual elas se orientam. Nas escolas adventistas, por exemplo, 70% dos estudantes não seguem essa doutrina. Os pais de alunos das escolas evangélicas não costumam reclamar do fato de seus filhos serem instruídos no criacionismo em detrimento da ciência. Dizem ter escolhido a escola por acreditar que ela incute nas crianças valores morais, éticos e cristãos. 'Nossa escola forma verdadeiros cidadãos. De que adianta o adolescente estar preparado para o vestibular se não tiver uma boa formação como ser humano?', diz a baiana Selma Reis Guedes, uma das diretoras do Colégio Batista Brasileiro, de São Paulo.

Longe do muro

Selma Reis Guedes é a responsável pelo atendimento religioso de pais e alunos no Colégio Batista Brasileiro, de São Paulo, que usa livros de ciência convencionais, mas defende o criacionismo. 'Não podemos ficar em cima do muro. Por que não ensinar criacionismo se é nisso que acreditamos?', ela diz

À época em que governava o Rio de Janeiro, Rosinha Garotinho tentou implantar aulas de religião com viés criacionista nas escolas do estado. Em abril de 2004, a governadora chegou a declarar publicamente que não acreditava na teoria da evolução. O projeto causou polêmica, principalmente entre a comunidade científica, e foi oficialmente implantado, mas não vingou. A pedido do arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eusébio Scheid, o novo prefeito do Rio, Eduardo Paes, que é católico, pretende implantar o ensino religioso nas escolas públicas do município. Segundo fontes da Secretaria da Educação da prefeitura carioca, no entanto, o mais provável é que o projeto não saia do papel.

Embora as escolas evangélicas brasileiras procurem conciliar as ideias darwinistas com o criacionismo, a verdade é que, para os defensores da versão bíblica da criação do mundo, a teoria da evolução representa um inimigo a ser combatido a todo custo. Nos Estados Unidos, a oposição ao darwinismo se tornou uma guerra que frequentemente chega aos tribunais. Nos últimos anos, muitas escolas americanas de ensino fundamental e médio simplesmente subs–tituí-ram os ensinamentos de Darwin pelo criacionismo nas aulas de ciências e de biologia. Duas dezenas de estados americanos já criaram leis que obrigam os colégios a ensinar o criacionismo ao lado da teoria da evolução. O último deles foi a Louisiana, em junho do ano passado. A manobra é constantemente motivo de processos judiciais por parte de pais de alunos – que em geral são derrotados nas decisões dos juízes.

Os criacionistas americanos se reúnem em organizações influentes e com forte lobby político. De tempos em tempos eles aperfeiçoam seu arsenal de argumentos para desqualificar Darwin. Um dos mais recentes é que certos elementos da natureza são tão complexos que só podem ter sido criados por uma inteligência superior. Como o olho humano. No reino animal, um bom exemplo de design inteligente é o besouro-bombardeiro, chamado de 'o besouro de Deus'. Comum em várias regiões do mundo, esse artrópode é dono de um sistema de ataque que lembra uma complexa arma militar. Duas bolsas localizadas em seu abdômen armazenam, separadamente, água oxigenada e hidroquinona, substâncias que entram em ebulição ao ser misturadas. Diante do predador, o besouro abre uma câmara de combustão e mistura os dois líquidos. Depois comprime a bolsa, disparando a solução tóxica por meio de um jato fortíssimo.

Os evolucionistas explicam que as substâncias que o besouro armazena são comumente produzidas por artrópodes, como também são corriqueiras nesses animais as vesículas de reserva de líquidos. Por acaso, ao longo da evolução, líquidos e bolsa se concentraram numa determinada espécie. De qualquer forma, a ideia de que os seres vivos são o resultado de um planejamento cuidadoso realizado por um designer inteligente não resiste ao menor exame. Veja o exemplo do engasgo, que pode levar uma pessoa à asfixia e à morte. Os seres humanos engasgam porque têm a laringe em posição muito baixa na garganta, se comparada à dos chimpanzés e à da maioria dos mamíferos. Esse arranjo adaptativo permite a modulação dos sons e, por consequência, a fala. É excelente do ponto de vista da sobrevivência da espécie, mas atrapalha quando se trata de respirar e comer ao mesmo tempo. Se o homem tivesse tido um designer mais inteligente, esse problema teria sido evitado com a simples colocação das tubulações – a da respiração e a da alimentação – bem distante uma da outra. É por isso que o biólogo Francisco Ayala, da Universidade da Califórnia, definiu a seleção natural como o 'design sem um designer'.

Apoio discreto

Professor e alunos numa aula de ciências no Colégio Cristão, de Belo Horizonte, de orientação batista: o criacionismo aparece só em materiais de apoio

A mais recente estratégia dos criacionistas americanos para implantar os dogmas da Bíblia nas aulas de ciências das escolas públicas é sustentar o discurso de que a liberdade acadêmica deve ser preservada a qualquer custo. O texto da lei que tornou obrigatório o ensino do criacionismo nas escolas da Louisiana afirma que é preciso 'ajudar os professores a criar nas escolas um ambiente que promova o pensamento crítico, a análise lógica e a discussão objetiva das teorias científicas'. Além disso, diz a lei, 'deve-se incentivar os alunos a analisar com objetividade as teorias estudadas'. São sábios conselhos, ninguém duvida. Apenas não estão a serviço do aperfeiçoamento das instituições acadêmicas, mas das aspirações dos criacionistas de universalizar suas ideias nas salas de aula. O conceito de liberdade acadêmica é o tema central do primeiro filme destinado a panfletar as ideias criacionistas, Expelled: No Intelligence Allowed, lançado nos Estados Unidos há dez meses (e massacrado pela crítica). O filme denuncia uma suposta conspiração por parte da comunidade científica americana contra o criacionismo. Uma pesquisa recente da Universidade da Pensilvânia mostrou que, nos Estados Unidos, um em cada oito professores do ensino médio apresenta o criacionismo a seus alunos como 'uma alternativa cientificamente válida para a explicação darwinista sobre a origem das espécies'. No Brasil, não existem estatísticas sobre o assunto, mas, pelo avanço criacionista nas aulas de ciências das escolas evangélicas, pode-se apostar que os dogmas da Bíblia estão em alta no meio educacional.

O julgamento do macaco

Em 1925, o professor de biologia John T. Scopes, de 24 anos, foi julgado por violar a lei que proibia o ensino da teoria da evolução nas escolas públicas do Tennessee. 'O julgamento do macaco', como ficou conhecido, contrapôs o promotor William Jennings Bryan, candidato derrotado três vezes à Presidência dos Estados Unidos, ao advogado Clarence Darrow e deu visibilidade global ao tema. Scopes foi condenado a pagar a irrisória multa de 100 dólares, mais tarde revogada.

CONFRONTO NO TRIBUNAL

Spencer Tracy e Fredric March em O Vento Será Tua Herança

A duração do dia do Senhor

'O julgamento do macaco' chegou às telas do cinema pela primeira vez em 1960, com O Vento Será Tua Herança. Ao lado, a transcrição de trecho do debate entre os personagens Henry Drummond (o advogado de defesa representado por Spencer Tracy) e Matthew Harrison Brady (o promotor interpretado por Fredric March). Na versão cinematográfica, a defesa usou a Bíblia para demonstrar a fragilidade das teses do criacionismo.

Brady: o bispo Ussher, estudioso da Bíblia, determinou dia e hora exatos da criação. Deus iniciou a criação em 23 de outubro do ano 4004 a.C., às 9 horas.

Drummond: no horário da costa leste ou das Montanhas Rochosas? Não era horário de verão, já que Deus não criou o sol antes do quarto dia, certo?

Brady: certo.

Drummond: quanto tempo o senhor acha que durou esse primeiro dia? Vinte e quatro horas?

Brady: a Bíblia diz que foi um dia.

Drummond: não havia sol. Como o senhor sabe quanto tempo durou? É possível que tenha durado 25 horas, já que não havia um método para saber?

Brady: é possível.

Drummond: o primeiro dia, tal qual descrito no livro do Gênesis, poderia ter durado por tempo indeterminado?

Brady: quero dizer apenas que não foi necessariamente um dia de 24 horas.

Drummond: poderia ter durado uma semana, um ano, 100 anos ou 10 milhões de anos. A Bíblia é um livro. Um bom livro, mas não o único.

Brady: é a palavra revelada por Deus aos homens que a escreveram.

Drummond: como o senhor pode saber que Deus não falou com Charles Darwin?

Brady: Deus ordena que eu me oponha aos ensinamentos malignos desse homem.

Drummond: Deus fala com o senhor? Diz-lhe o que é certo e errado?

Brady: sim!

***

Criacionismo e evolucionismo

Félix Maier

Entre os cientistas, a maioria afirma que não é possível provar se Deus existe ou não existe. Da mesma forma, dizem os cientistas que não é possível dizer se o universo teve começo ou não - afinal, o resultado do Big Bang foi sobre algo que já existia, não foi uma 'geração espontânea'.

Entre os cristãos, não se pode excluir o criacionismo da evolução, visto que a criação foi um ato de Deus - segundo a Bíblia - e a evolução de todos os seres que viriam a compor nosso planeta já estava codificada nessa criação primordial.

Aliás, a própria Bíblia, no Gênesis, capítulo 1, apresenta a criação como sendo cientificamente verificável, se não levarmos o conceito de 'dia' ao pé da letra, pois muito de sua escrita tem uma linguagem simbólica que não devemos desprezar. Vejamos:

'Exista a luz!' (verso 3). E o Big Bang entrou em ação. 'Produzam as águas répteis animados' (verso 20). 'Produza a terra animais viventes' (verso 24). A teoria da evolução ensina que a vida começou na água e depois se espalhou pela terra - exatamente como está na Bíblia.

'Façamos o homem à nossa imagem e semelhança' (verso 26). A evolução dos animais sobre a terra chegou ao ser humano, o ser supremo da criação, ao qual todas as coisas devem estar sujeitas: 'Crescei e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre a terra' (verso 28).

Por que, então, toda essa celeuma entre as teses do 'criacionismo' e do 'evolucionismo', se uma não pode prescindir da outra, já que uma deriva da outra? Ignorância pura ou má-fé extrema?




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