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Ensaios-->A Guerra em Gaza e o ódio a Israel -- 09/01/2009 - 12:26 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A guerra em Gaza e o ódio a Israel

Rodrigo Constantino

constantino.rodrigo@gmail.com

'Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos' (Karl Raimund Popper)

O anti-semitismo é praticamente tão antigo quanto o próprio judaísmo. Os motivos variaram com o tempo. A arrogância presente na idéia de 'povo escolhido' pode ser parte da explicação, mas não basta, pois todas as religiões acabam se vendo como a única detentora da Verdade e das chaves para o paraíso.

O fator econômico pode ser parte da origem desse sentimento também. A prática da usura era condenada enquanto os judeus desfrutavam de sua evidente lógica: o tempo tem valor. Shakespeare retratou de forma intensa o anti-semitismo de seu tempo, na sua clássica obra 'O Mercador de Veneza'. Shylock é o ícone do financista insensível e explorador, visão até hoje alimentada por muitos. O Holocausto, com apoio dos principais líderes muçulmanos, foi o ponto alto do preconceito contra judeus. Atualmente, o ódio irracional aos judeus está novamente em alta.

O anti-semitismo acaba levando ao anti-sionismo, e o próprio direito de existência de Israel é negado por muitos. Vários países existem por causa de decisões arbitrárias de governos, principalmente após guerras. São inúmeros exemplos, e Israel é apenas mais um. Só que, curiosamente, somente Israel não tem o direito de existir. O que Israel faz de tão terrível para que mereça ser 'varrido do mapa', como fanáticos islâmicos defendem? Vou arriscar uma possível resposta nesse artigo, com base no foco econômico.

Israel é um país pequeno, criado apenas em 1948, contando com pouco mais de sete milhões de habitantes. Entretanto, o telefone celular foi desenvolvido lá, pela filial da Motorola, que possui seu maior centro de desenvolvimento em Israel. A maior parte do sistema operacional do Windows NT e XP foi desenvolvida pela Microsoft-Israel. A tecnologia do chip do Pentium MMX foi projetada na Intel em Israel. O microprocessador Pentium 4 e o processador Centrino foram totalmente projetados, desenvolvidos e produzidos em Israel. A tecnologia da 'caixa postal' foi desenvolvida em Israel. A Microsoft e a Cisco construíram suas únicas unidades de pesquisa e desenvolvimento fora dos Estados Unidos em Israel. Cientistas israelenses desenvolveram o primeiro aparelho para diagnóstico de câncer de mama totalmente computadorizado e não radioativo. Em resumo, Israel possui uma das indústrias de tecnologia mais avançadas do mundo.

A economia de Israel tem um PIB acima de US$ 180 bilhões por ano. A penetração de computador é uma das maiores do mundo. Quase um terço dos habitantes tem acesso a internet. Lá são produzidos mais artigos científicos per capita que qualquer outro país do mundo. Israel possui o maior Índice de Desenvolvimento Humano do Oriente, ostentando o 23º lugar no ranking geral. A renda per capita chegou a US$ 25 mil, bem acima da média da vizinhança. A taxa de mortalidade infantil está em 4,3 mortes para cada mil nascimentos, um padrão de país rico. O Irã, por outro lado, tem 37 mortes por cada mil nascimentos, enquanto o Egito tem 28, a Síria tem 27 e o Líbano tem 23. A expectativa de vida ao nascimento está acima de 80 anos em Israel, comparado aos 71 anos no Irã, 72 no Egito, 71 na Síria e 73 do Líbano. Praticamente não existe analfabetismo em Israel. E por aí vai.

Não custa lembrar que tudo isso foi conseguido sob constante ameaça terrorista por parte dos vizinhos muçulmanos, demandando um pesado gasto militar pelo governo israelense. Em relação ao PIB, Israel possui um dos mais elevados gastos militares do mundo. Ainda assim, o país foi capaz de gerar um quadro sócio-econômico bastante razoável, mesmo para os padrões desenvolvidos. Quando comparamos esta realidade com a situação caótica da maioria dos países com predominância islâmica na região, fica mais fácil entender uma parte do ódio que é alimentado contra os judeus. O sucesso incomoda, acaba despertando inveja. A romântica postura de Davi contra Golias, de tomar sempre o partido dos mais fracos, ajuda a explicar o ódio a Israel.

Claro que os fatores religiosos pesam muito. A lavagem cerebral feita nas crianças muçulmanas desde cedo, retratando o judeu como o grande demônio culpado por todos os males locais, contribui muito para o quadro também. Mas as gritantes diferenças econômicas e sociais adicionam muita lenha na fogueira, não resta dúvida. Fora isso, os israelenses podem escolher seus governantes democraticamente, enquanto os muçulmanos vivem sob ditaduras. Isso para não falar das diferenças na liberdade feminina. Há um abismo moral que separa Israel do restante no que diz respeito aos direitos das mulheres.

Com tanta miséria e ignorância, ausência das liberdades mais básicas, mulheres submissas com o corpo todo coberto, e uma religião que enaltece o sacrifício por Alá, a tentação de morrer como mártir e ser recebido por dezenas de virgens no paraíso parece irresistível. O ideal seria mostrar para os muçulmanos que isso não é necessário. Israel não é um paraíso - longe disso. Mas perto da realidade dos vizinhos islâmicos, acaba parecendo um oásis no meio do deserto. Ao invés de cometerem suicídio em ataques terroristas na tentativa de destruir Israel, os muçulmanos fariam melhor se pressionassem seus líderes para que Israel fosse um exemplo a ser seguido, não 'varrido do mapa'. Todos, à exceção dos seguidores do profeta que usam a existência de Israel como escusa para todo tipo de atrocidade doméstica, sairiam ganhando. Principalmente os pobres palestinos. Afinal, não custa lembrar que os maiores responsáveis pelas mortes e pela miséria na Palestina e demais países islâmicos são os próprios líderes muçulmanos, que usam a religião para manter o poder.

***

Novo conflito no Oriente Médio (não trata do conflito atual)

Fernando Malburg da Silveira

Referir a um novo conflito no Oriente Médio talvez não seja a forma mais adequada de retratar o que lá acontece. Na verdade, a região é convulsionada desde os tempos bíblicos; e o “novo” conflito, iniciado em julho de 2006 e não terminado no momento em que este artigo é escrito, é apenas o mais recente capítulo na história dessa conturbada região, desta vez representado pelos confrontos das forças israelenses com o Hamas na faixa de Gaza e o Hezbollah no sul do Líbano.

Habitado desde remotas eras da civilização humana, o Oriente Médio é uma das regiões mais problemáticas do planeta. Trata-se de área de enorme importância estratégica, quer sob o prisma econômico – pois abriga no subsolo do mundo árabe e persa o petróleo que move o mundo -, quer sob o enfoque geopolítico e militar – de vez que situa-se na rota de comunicação entre a Europa e a Ásia. Além disso, é região de um passado milenar de antagonismos religiosos, que já deram causa a muitos morticínios de cristãos, muçulmanos e judeus, desde os tempos bíblicos.

Um aspecto de grande relevância merece atenção nos tempos modernos: as circunstâncias econômicas do mundo atual já não permitem que se reduza os conflitos árabe-israelenses tão somente ao contencioso religioso entre muçulmanos e judeus, por mais graves que sejam as incompatibilidades e as intolerâncias de ambos. Trata-se hoje de conflito multidimensional, ou seja, econômico, geopolítico, étnico e religioso. Dentre esses ingredientes, todos explosivos, é fato que se destaca, por seu potencial de radicalização e geração de ódios, o componente de natureza religiosa que coloca em pólos opostos os judeus e o mundo islâmico. O sionismo e o islamismo são os grandes protagonistas atuais do contencioso e de seus alastramentos; e a Jihad, que literalmente significa luta em árabe, é enaltecida pelos muçulmanos, com base no Corão (o livro sagrado do Islã), para indicar o caminho da libertação do mundo islâmico das influências ocidentais, tendo recebido a conotação de Guerra Santa nos escritos da sharia’ah (a lei islâmica estabelecida no século que se seguiu à morte do profeta Mohammad, ou Maomé, disseminador do Islã).

Conflitos do passado distante

Há registros históricos de que tribos israelitas povoaram, desde 1.250 AC, as terras de Canaã, após o Êxodo que marcou a libertação dos antepassados dos atuais judeus de seu cativeiro no Egito, para onde haviam emigrado cerca de 1.700 anos antes de Cristo. Libertados do jugo dos faraós e liderados por Moisés, após 40 anos vivendo como nômades na península do Sinai, as tribos israelitas empreenderam a longa jornada rumo a Canaã, guerreando e exterminando (apesar de um dos dez mandamentos recebidos por Moisés no Monte Sinai rezar 'Não matarás') todos os povos que habitavam o caminho e ocupavam a região desejada. Falecendo Moisés, foi Josué quem finalmente liderou o restante da jornada e continuou as guerras de extermínio das populações locais (o que provavelmente foi a primeira Guerra Santa da História, conduzida - segundo as Escrituras - a conselho divino pelos israelitas contra as populações que habitavam a Palestina). Foi pela guerra que as doze tribos de Israel se estabeleceram na “Terra Prometida” por Deus aos descendentes de Abraão, após longa e cruel campanha militar, marcada pela impiedosa destruição de todas as sociedades que pudessem obstaculizar a missão. Mais tarde, derrotados pelos assírios em 722 AC e pelos babilônicos em 586 AC, foram os israelitas exilados, mas sempre voltaram à terra ancestral. Sob a dominação romana os judeus foram novamente banidos da área, resultando a grande diáspora ordenada pelo imperador Tito no ano 70 da era cristã. Nas ausências dos israelitas e ao longo de séculos, povos que seriam os ancestrais dos palestinos de hoje procuravam estabilizar-se naquelas terras. Com o desmonte do império romano pelas invasões bárbaras, essas terras passaram à dominação do império bizantino (antigo império romano do Oriente). Com a queda de Bizâncio teve lugar a expansão do império árabe, que ocupou a região trazendo consigo a religião muçulmana, que proliferava no Oriente Médio desde os anos 600 DC, fruto das pregações do profeta Maomé.

Maomé, O Mensageiro, iniciou em 610 da era cristã o amálgama do povo árabe em torno de uma nova fé, o islamismo, religião monoteísta que representa a submissão à vontade de Deus e encontra sua definição e ordenamento no Corão, livro sagrado que, segundo o profeta do Islã, teve seu conteúdo a ele ditado por Alah, Deus único do Islã, por intermédio do anjo Gabriel. A migração de Maomé de Meca para Medina, em 622, é o marco inicial da era muçulmana e da expansão do islamismo.

É curioso observar que, até o surgimento do islamismo e do Corão, o livro que registra a história dos judeus (ou israelitas, como eram denominados na antiguidade) era adotado como livro sagrado pelos cristãos e pelos povos árabes que hoje formam o mundo islâmico. Trata-se da Bíblia. Na verdade, a Bíblia cristã, o Corão dos islâmicos e a Torah dos judeus consagram, para as três religiões monoteístas principais (cristianismo, judaísmo e islamismo), princípios historicamente e teologicamente relacionados à veneração de um mesmo e único Deus; e pregam os mesmos princípios de amor ao próximo, benevolência, tolerância, piedade e repulsa à violência. Não obstante, cristãos, judeus e muçulmanos jamais hesitaram em lançar mão da guerra para alcançar seus objetivos maiores. As guerras das tribos de Israel, rumo a Canaã, contra os habitantes da Palestina; as várias Cruzadas da Idade Média, desencadeadas pelos cristãos europeus contra os muçulmanos para tomar Jerusalém (a primeira delas convocada pelo Papa Urbano II, em 1.095, e todas visando libertar Jerusalém do domínio muçulmano); e os atuais conflitos árabe-israelenses que incendeiam o Oriente Médio, presentemente extravasando na forma de terrorismo islâmico para os países simpatizantes de Israel (vide o ataque às torres gêmeas e ao Pentágono, nos EUA, em 2001), são manifestações da Guerra Santa, a Jihad, que portanto existe há milênios e não dá sintomas de se extinguir. Depreende-se que a Guerra Santa, seja durante o Êxodo judeu para Canaã, seja durante os séculos das Cruzadas, seja na forma da Jihad islâmica dos tempos presentes, não é uma postura guerreira exclusiva de qualquer das três religiões que ensangüentaram aquelas terras ao longo dos tempos: todas a praticaram, embora sua versão islâmica dos tempos atuais seja mais chocante, por sua divulgação visual instantânea pela mídia eletrônica e por nos afetar diretamente.

O grande conflito que, a cada nova guerra, permanece vivo até os dias presentes (sem perspectivas de terminar bem) é um milenar contencioso entre povos cujas convicções religiosas eram similares, construídas sobre os mesmos pilares da crença e dos costumes sociais, mas que hoje vivenciam, no cenário judaico e islâmico, antagonismos capazes de colocar em risco a paz mundial. É importante observar, ainda, que embora as nações que hoje se digladiam no Oriente Médio vivessem há milênios na área dos conflitos, seus Estados e fronteiras são bastante recentes e ainda não consolidados, como se verá a seguir, o que em parte pode ser uma das causas de não terem muçulmanos e judeus logrado uma convivência pacífica na região.

Conflitos dos tempos mais recentes

Até as vésperas da 1ª Guerra Mundial o que se entende hoje por Palestina ocupava 26 mil quilômetros quadrados, abrigando cerca de um milhão de palestinos e 100 mil judeus, sob a dominação turca otomana. Com a derrota dos turcos na Grande Guerra, a Síria e o Líbano ficaram sob o domínio da França; e a Palestina passou à dominação britânica, tendo a Inglaterra se comprometido a ali criar um Estado judaico para os judeus da Palestina, dessa forma incentivando uma nova imigração desse povo, então disperso pelo mundo. Essa imigração se deu fortemente amparada pelo movimento sionista mundial, lançado ao final do século XIX pelo húngaro Theodor Hertzl. Desde então, os renovados objetivos dos judeus eram o novo retorno à 'Terra Prometida', a Palestina, então ocupada majoritariamente, há séculos, pelos palestinos; a criação do Estado de Israel; e a realização do sagrado dever de uma nova reconquista de Jerusalém (disputada também há muitos séculos por cristãos, judeus e muçulmanos como cidade sacra). Observe-se que a posse de Jerusalém, cidade sagrada para as três maiores religiões monoteístas do planeta, está no epicentro de muitos conflitos do passado e do presente (e provavelmente do futuro, face ao radicalismo que norteia o pensamento religioso de judeus e islâmicos).

Os assuntos do Oriente Médio passaram, após a 1ª GM (1914/18), a ser decididos nas capitais dos vencedores, Londres e Paris, sem levar na devida conta a história, a cultura, as tradições e a vontade dos povos que o habitavam. As reações anti-colonialistas não tardaram a surgir no mundo árabe. Foi fundada, no Egito, a Irmandade Muçulmana, firmemente disposta a expulsar os estrangeiros e a restabelecer o respeito aos princípios do Corão e aos costumes do Islã. Aí reside o berço do fundamentalismo islâmico, fruto da pregação da fiel observância à lei islâmica, que determina ser dever de todo muçulmano, entregando sua vida se necessário, libertar suas terras sagradas de qualquer dominação ou influência dos ocidentais infiéis. As primeiras guerrilhas contra os ocupantes estrangeiros então começaram a manchar de sangue a terra.

Paralelamente, a Europa enfrentava uma seqüência de crises nacionais e conflitos internos, que resultaram na 2ª. Guerra Mundial (1939/45). Na Alemanha, Hitler construiu uma formidável força bélica e, nos anos 30, iniciou uma implacável perseguição aos judeus espalhados pela Europa, que responsabilizava pelos males do mundo. Isso reforçou a imigração destes para várias partes do planeta, principalmente para a Palestina. Com o término da 2ª. GM os britânicos, desgastados politicamente pela ocupação e militarmente pelas guerrilhas, decidiram deixar a Palestina, colocando sobre os ombros da ONU a solução dos milenares problemas locais. Assim é que, em 1947/48 a ONU, então presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, aprovou um plano de divisão das terras em disputa, contemplando a existência de dois Estados, um judeu (com 57% da área) e um palestino (com 47%). Jerusalém ficava sob gestão internacional. Na época habitavam a região 600 mil judeus e 1 milhão e 300 mil palestinos. O mundo árabe, como era de se esperar, rechaçou essa proposta. Ainda assim os judeus decidiram proclamar em 1948 a existência do Estado de Israel, consoante seus antigos desideratos; e assim fizeram com o apoio das potências ocidentais, interessadas nas maiores jazidas de petróleo do planeta.

Palestinos e árabes recusaram-se a reconhecer o novo Estado, acendendo o estopim da primeira guerra árabe-israelense dos tempos modernos (1948/49). Israel não só venceu o conflito contra a Liga Árabe (Egito, Síria, Jordânia e Líbano) como, ainda, expandiu suas fronteiras, ocupando quase 80% da área da faixa de Gaza. O pretendido Estado Palestino sucumbiu, dividido entre Israel, Jordânia (que tomou a Cisjordânia) e Egito (que ficou com Gaza). Tem nascedouro neste conflito a Questão Palestina, marcada pela fuga de quase um milhão de palestinos das áreas ocupadas militarmente por Israel e agravada pelo enfraquecimento, em 1952, da decisão da ONU sobre um país palestino. É a diáspora palestina, dispersando esse povo pela região, passando os deslocados a viver em condições precárias em acampamentos de refugiados espalhados pelos países vizinhos ou tornando-se um povo errante, tal como ocorrera dois mil anos antes com os judeus.

Passados sete anos o Oriente Médio foi palco, em 1956, de uma segunda guerra entre árabes e judeus, desta feita causada pela nacionalização do Canal de Suez pelo nacionalista Gamal Abdel Nasser, presidente do Egito (que derrubara a monarquia egípcia em 1952). Israel, França e Grã-Bretanha juntaram-se militarmente contra Nasser, cuja derrota foi evitada pela intervenção de americanos e soviéticos, sob a lógica da Guerra Fria que passou a dividir o mundo em duas áreas geopolíticas de influência. Prevaleceu o jogo do equilíbrio bipolar entre Moscou e Washington, pois não interessava aos EUA nem à URSS o domínio egípcio sobre aquela via estratégica de navegação marítima; o canal permaneceu nacionalizado, mas aberto à navegação de todos os interessados. Como parte dos acordos de então, Israel desocupou a Península do Sinai e recuou para as fronteiras de 1949. Uma Força de Emergência da ONU (da qual tropas brasileiras fizeram parte) estabeleceu-se em Gaza, de onde só saiu em 1967.

A Questão Palestina, porém, tomou vulto e gerou reações, desde 1956. Foi criada em 1959 a Al-Fatah, organização combatente cujo nome significa “reconquista” em árabe. Dentre seus fundadores, destacava-se Yasser Arafat, um engenheiro nacionalista palestino, simpatizante de Nasser. Mais adiante, em 1964, diante dos fracassos dos esforços para que a ONU equacionasse a contento os problemas de seu povo, Arafat criou a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que de pronto iniciou guerrilhas contra Israel para a retomada das áreas ocupadas pelos judeus. A pregação da destruição do Estado de Israel, inicialmente defendida por Nasser, passou a ganhar força e adeptos no mundo árabe. O Oriente Médio tornou-se um barril de pólvora, e dissipou-se qualquer possibilidade de uma coexistência pacífica entre árabes e judeus.

Não tardou uma terceira guerra, ocorrida em 1967, tão logo as forças de paz da ONU retiraram-se da fronteira entre Egito e Israel. Com auxílio logístico dos Estados Unidos, Israel atacou simultaneamente o Egito, a Síria e a Jordânia, que alegadamente preparavam uma ação militar conjunta contra o Estado judeu. A surpresa permitiu que toda a aviação desses países árabes fosse neutralizada no solo; e em seis dias de combates (daí o nome de Guerra dos Seis Dias) Israel saiu novamente vitorioso. As forças israelenses voltaram a ocupar a faixa de Gaza, a Península do Sinai, as colinas sírias de Golan e a Cisjordânia jordaniana. O êxodo palestino, por conseqüência, aumentou, tendo em 1968 sido avaliado em 1 milhão e 600 mil os refugiados palestinos espalhados em Gaza, Cisjordânia e sul do Líbano. A Al-Fatah e outros grupos radicais intensificaram as ações terroristas contra Israel. Em 1969 Yasser Arafat assumiu pessoalmente a direção da OLP, que crescia como organização líder dos extremistas que pregavam a destruição de Israel. Os países árabes perderam o controle da organização, tendo chegado a ocorrer um ataque contra suas bases, em 1970, ordenado pelo rei Hussein da Jordânia, operação que passou à História com o nome de Setembro Negro. A OLP teve que se transferir para o Líbano e, mais tarde, para a Tunísia, devido às divergências entre os próprios países árabes, receosos de terem seus Estados ameaçados por abrigarem a organização extremista. Milhares de palestinos morreram nesses conflitos internos.

Em 1973 teve lugar novo confronto militar, quando Síria e Egito (este agora governado pelo sucessor de Nasser, Anuar Sadat) atacaram Israel na sua data religiosa (Yom Kippur para os judeus e Ramadã para os árabes), objetivando a recuperação de territórios. A vantagem inicial dos árabes, que retomaram Golan e um trecho do Sinai, foi em duas semanas revertida por Israel, novamente com auxílio americano, recuperando as colinas sírias e a península egípcia. Esta quarta guerra árabe-israelense causou profundas alterações no tabuleiro de xadrez do Oriente Médio, levando o Egito para a esfera de influência americana e a Síria (onde prevalecia a ortodoxia islâmica) para a esfera soviética. Além disso, a crise do petróleo que sobreveio em 1973 elevou o preço do barril de 14 para 34 dólares, causando grande impacto na economia mundial, especialmente na Europa e Japão. A dependência do resto do mundo do petróleo árabe veio à tona em sua verdadeira grandeza.

O ano de 1979 testemunhou um acordo de paz entre Egito e Israel, fruto da distensão política da Guerra Fria (conhecida como detènte), mas isso não reduziu a violência dos atos da OLP e de outros grupos palestinos radicais, seguindo-se anos de terrorismo. Esse mesmo ano foi, também, o marco de um novo acontecimento de grande relevância no cenário: a Revolução Islâmica Iraniana, através a qual os xiitas islâmicos, liderados pelo carismático e radical aiatolá Khomeini, derrubaram a monarquia persa da dinastia Reza Pahlevi (aliado dos Estados Unidos) e proclamaram a República Islâmica do Irã. Khomeini instalou no país um regime teocrático, não influenciado pela lógica da política da Guerra Fria, que dividia o mundo sob a égide das duas superpotências, os EUA e a URSS. A jihad ganhou extraordinária força, intensificando-se a pregação da extinção de Israel e o crescimento da campanha anti-americanista. Anuar Sadat, sucessor de Nasser no Egito que vinha buscando acordos com o governo israelense de Menahen Begin, resultou assassinado por extremistas muçulmanos durante uma parada militar no Cairo, em 1981. Não ficou imune a União Soviética, que passou a ter preocupações muito maiores com os países muçulmanos separatistas ao seu redor, como o Cazaquistão, o Turcomenistão e outros da região do Cáucaso. As conseqüências, aliás, estão visíveis ainda hoje no 'cinturão muçulmano' que circunda o sul da Rússia, representadas pelos conflitos do governo russo (após a extinção da URSS) com os vários países caucasianos de maioria muçulmana (a Chechênia é o exemplo mais expressivo). Também não escapou o subcontinente indiano, com o recrudescimento das hostilidades entre a Índia e o Paquistão muçulmano, tendo como motivação principal a posse da Caxemira (também majoritariamente muçulmana). A Guerra Santa, portanto, alastrou-se para outros continentes, sempre carregando em seu bojo o radicalismo islâmico.

Voltando ao Irã, é relevante observar a posição intransigente com que seu atual presidente, o fundamentalista islâmico Mahmoud Ahmedinejad, com o apoio dos aiatolás, preconiza a extinção de Israel, representando ameaça permanente ao Estado judeu e aos interesses norte-americanos no Oriente Médio. Outrossim, desde 1975 tiveram início dissidências graves entre o Irã, majoritariamente xiita, e os árabes iraquianos sunitas, revelando as fortes divisões internas reinantes no mundo islâmico. O contencioso girava em torno de terras iraquianas que haviam passado ao controle iraniano, mas o pretexto formal para a guerra entre Irã e Iraque, que estalou em 1980 opondo árabes e persas, foi o controle das águas do Chatt-el-Arab, o canal de acesso para o escoamento do petróleo do Iraque para o Golfo Pérsico. Foram oito anos de uma guerra devastadora entre os dois países, que terminou sem vencedores mas deixou evidente o apoio incondicional norte-americano a Israel, ao Iraque de Sadam Hussein, à Arábia Saudita e a outros governos árabes conservadores, enquanto a URSS apoiava a Síria e outros governos árabes nacionalistas. Curioso é observar que, nessa guerra, interessou aos EUA apoiar Sadam Hussein contra o Irã; e que, decorridos alguns anos, os mesmos norte-americanos iriam invadir o Iraque e depor Sadam Hussein, mostrando ao mundo como gira a roda gigante dos interesses das potências hegemônicas...

Só em 1985, com a posse de Mikhail Gorbachev na URSS, veio a ocorrer uma nova distensão no cenário da Guerra Fria, sob a abertura política conhecida como glasnost. Em 1988 Yasser Arafat, pela primeira vez, admite negociar a paz com Israel em troca de territórios palestinos ocupados, logo após os sérios incidentes de 1987 que deram causa à revolta palestina conhecida como Intifada, que convulsionou Gaza e Cisjordânia. Um novo obstáculo, porém, surgiu no cenário: a invasão do Kuwait pelo Iraque em 1990, quando Saddam Hussein tentou anexar o país petrolífero vizinho. Era o início da Guerra do Golfo, defrontando o Iraque com a coalisão ocidental capitaneada pelos Estados Unidos. Empurrados de volta os iraquianos e terminada a guerra, os diálogos entre a OLP e Israel puderam prosseguir, tendo finalmente Yasser Arafat e o premier israelense Yitzak Rabin apertado historicamente as mãos em Washington, em 1993. Já não mais estava em cena o antigo equilíbrio de forças bipolar entre Washington e Moscou, mas sim os interesses das potências ocidentais, fazendo da Guerra do Golfo o primeiro confronto militar internacional ocorrido sob as novas regras do jogo, após a dissolução da União Soviética; regras essas, aliás, que centralizavam no petróleo aqueles interesses ocidentais.

O acordo de paz foi um marco histórico nas relações entre árabes e judeus, mas não resistiu ao fanatismo radical. Em 1995 um extremista judeu assassinou Yitzak Rabin, fazendo retornar a violência ao cenário recém pacificado. Não obstante os novos esforços de Arafat e do premier israelense Ehud Barak, em Camp David, EUA, em 2000, o caminho da paz definitiva não resultou bem pavimentado. A situação permanece explosiva no Oriente Médio, com os ódios alimentados pelas recentes invasões norte-americanas do Afeganistão e do Iraque e com os radicalismos reacendidos pela subtração de Arafat, falecido em 2004, do cenário político. Há cerca de 400 mil refugiados palestinos no Líbano; outros tantos estão na Síria; cerca de 1 milhão e 700 mil ocupam campos na Jordânia; quase 700 mil estão na Cisjordânia; e quase 1 milhão em Gaza. O número total de campos de refugiados, espalhados por diferentes países, chega a quase 60; e a Questão Palestina permanece não resolvida: inexiste um Estado Palestino unificado.

Dos quase quatro mil anos de sacrificada história dos povos israelitas e quase sessenta anos de conflitos recentes, resultou a existência do Estado de Israel, em área pouco fértil, encravada em meio a povos milenarmente adversários, mas com o apoio das grandes potências ocidentais interessadas no petróleo do Golfo Pérsico e do Vale do Cáspio. As muitas lutas havidas na região, todavia, não concederam aos palestinos, até agora, reunir as condições para a criação de um Estado pátrio, em que pesem as resoluções da ONU; e tudo indica que, sem a existência de um Estado Palestino, muitas outras refregas virão.

Nesse atual contexto é que se desenvolvem as atrições na faixa de Gaza entre Israel e os militantes do Hamas, partido palestino radical que venceu as eleições parlamentares na Palestina, substituindo (democraticamente, aliás) a liderança de Arafat pela de um partido radical; e com o Hezzbolah libanês, que se abriga sob o cenário da Questão Palestina no sul do Líbano (país vítima de um conflito que, a rigor, dadas suas origens fenícias, não lhe pertence). A História poderá nomear estes confrontos como sendo a quinta guerra árabe-israelense.

O novo capítulo da guerra sem fim: Líbano, 2006

O hiato deixado pela morte de Arafat foi preenchido de forma adversa para os israelenses, com a vitória do partido radical Hamas nas recentes eleições palestinas e a retomada do discurso da eliminação de Israel. O caminho da paz, longamente trabalhado, viu-se novamente ameaçado; e Israel tomou medidas retaliatórias drásticas, como o corte de verbas essenciais para viabilizar o governo da Autoridade Palestina. A direção do Hamas não tardou em pedir auxílio político e financeiro ao Irã, onde conta com apoio. Militantes do Hamas na Faixa de Gaza logo iniciaram hostilidades contra Israel. Concidentemente ou não (pois não se pode afirmar a existência de uma ação coordenada, nem de uma vinculação direta entre o Hamas e o Hezbollah), o Hezbollah também as iniciou no sul do Líbano, fazendo Israel se defrontar simultaneamente com dois inimigos islâmicos, um ao norte e outro ao sul. O Irã revelou-se, com o beneplácito e o apoio sírio, como sendo o braço logístico do Hezbollah, fornecendo-lhe armas (principalmente mísseis, logo usados pelo Hezbollah para atacar o norte de Israel) e outros recursos; e o governo libanês não se mostrou capaz de conter o ímpeto do movimento (que aliás já ocupa dois ministérios no governo e já elegeu diversos representantes para o parlamento libanês). Em apertada síntese, esse é o cenário do mais recente conflito, iniciado em julho de 2006 e do qual resultou o bombardeio de diversas cidades libanesas pela aviação israelense (inclusive a capital Beirute) e a invasão do sul do Líbano por tanques e tropas de infantaria de Israel.

O Líbano, há longo tempo sob a influência síria e iraniana, vê-se palco de uma guerra na qual palestinos, iranianos e sírios hostilizam Israel, sob uma mesma motivação islâmica. Embora o povo libanês, diante da pesadíssima reação israelense, esteja se unindo contra o que, no momento, mostra-se como o inimigo comum, o país não revela uma unidade político-religiosa sólida. Dentre os muitos grupos em que se divide a sociedade libanesa desde o fim do domínio otomano em 1917, 60% são muçulmanos (sendo 35% xiitas, os menos prósperos e mais radicais; e 25% sunitas, mais prósperos, mais moderados e espalhados em centros urbanos); 25% são cristãos maronitas que fugiram das perseguições na Síria no século VII e se concentram em Beirute, seus arredores e sopés das montanhas; 10% pertencem a outros ramos cristãos, inclusive o grego ortodoxo; e 5% são drusos, comunidade pequena e fechada que vive há décadas em atrição com o governo central e com a parcela muçulmana xiita. Nesse cenário, os militantes do Hezbollah, concentrados principalmente no sul, se consolidaram e iniciaram os ataques a Israel, sem que o governo libanês tivesse dado apoio formal a essas ações belicosas (o que não ocorre pela primeira vez, pois em 1993 e 1996 também ocorreram ataques desses militantes e Israel reagiu com operações militares que resultaram na fuga de centenas de milhares de civis para outras regiões do Líbano, tendo sido necessárias as atuações diplomáticas dos Estados Unidos e da Síria para apaziguar os ânimos).

O Hezbollah, ou Partido de Deus, tornou-se uma poderosa organização política e uma agressiva milícia, formada principalmente por muçulmanos xiitas do Líbano. Surgiu em 1982, após a invasão do país por Israel. A saída das tropas israelenses no ano 2000 (seguida pela saída das forças sírias em 2005) parece ter coroado os esforços desse braço armado do movimento conhecido como Resistência Islâmica, que tudo indica ter recebido recursos financeiros e bélicos do Irã e apoio da Síria. Desse sucesso resulta, em grande parte, a simpatia do povo libanês, que apoiou a transição do Hezbollah para o cenário político (eleição de representantes no Parlamento e ocupação de alguns cargos de governo) e a concessão de apoio governamental, na forma de serviços médicos e sociais. Territorialmente, o movimento islâmico acusa Israel de ter ocupado as granjas de Sheeba, área no sopé das colinas de Golan que, segundo a ONU, pertenceria na verdade à Síria, e não ao Líbano. Abrigando-se na causa palestina e usando de pressão para deter as incursões israelenses em Gaza e na Cisjordânia, esse partido radical mostra seu retorno à arena política na fase de transição que o Líbano, após o assassinato em 2005 do premier libanês Rafik Hariri, atravessa. E os ataques a Israel servem de aviso ao governo de que o movimento está vivo e forte. A liderança do sheik Hassan Nasrallah, chefe do Hezbollah, ganha força política e, com isso, o governo libanês fica enfraquecido e congela suas ações, pois é financeiramente dependente da Síria, que junto com o Irã apoia o Hezbollah. Uma grande confusão, como se depreende, no historicamente complexo cenário político libanês, que ainda se recuperava da terrível guerra civil da década de 80. O país mais democrático e pluralista do Oriente Médio, que tinha sua capital vista como a pérola do Mediterrâneo no passado, está sendo novamente destruído, e isso não contribui para o projeto (ocidental, na verdade) de democratizar a região.

Para Israel, o fato de que os ataques com mísseis e os seqüestros de soldados foram desencadeados por um grupo instalado no território libanês, e não pelo governo libanês, é irrelevante: trata-se, do ponto de vista da segurança do Estado judeu, de um ataque armado ao seu território, desfechado por uma força irregular bem armada e adestrada, que deveria e poderia ter sido contida pelo governo do Líbano, na visão israelense. Argumentam ainda os judeus que, desde a retirada de suas tropas do território libanês há seis anos, vêm advertindo o Líbano e a comunidade internacional sobre a imperiosa necessidade de o Exército libanês ocupar o sul do país e neutralizar as ações do Hezbollah, que vinha desde então se armando e treinando suas milícias, às claras, preparando o ataque a Israel, com o apoio político e logístico de países islâmicos vizinhos, Irã e Síria. É o caso de questionar-se os motivos pelos quais o Hezbollah não atacou as tropas israelenses durante sua ocupação no Líbano, quando inclusive poderia contar com alguma compreensão da ONU, que já vinha recomendando a retirada israelense; mas prevaleceram outros interesses, à espera de melhor oportunidade e melhor aprestamento.

O fato é que, independentemente de se julgar se devia ou não existir o Estado de Israel em terras que os palestinos reivindicam como suas, Israel nelas existe; e foi atacado, reagindo em legítima defesa. Após intensos bombardeios pela Força Aérea israelense das áreas em que alegadamente se encontram instalados os milicianos xiitas ou seus órgãos de direção e suporte, sem que os disparos de foguetes e mísseis contra o território israelense cessassem (uma vez mais demonstrando que as teorias de Douhet sobre a suficiência do Poder Aéreo não funcionam bem), tornou-se necessário o emprego dos tanques e da infantaria, adentrando o sul do Líbano. E a tendência é que as forças israelenses progridam até as margens do rio Litani, empurrando o Hezbollah uns 20 quilômetros para o norte e formando uma zona de proteção, até que um cessar fogo seja alcançado e tropas da ONU voltem a ocupar a região, protegendo Israel de novas agressões até que o governo libanês (que já manifestou concordância em enviar 15 mil soldados) posicione suas próprias tropas na área principal do conflito. Para a crítica da mídia internacional, que reprova a destruição de grande parte da infraestrutura libanesa (estradas, aeroportos, portos), os israelenses têm a resposta de que estão interditando as vias logísticas que, ao longo de anos, têm sido usadas pelo Hezbollah para receber armas e suprimentos diversos da Síria e do Irã (via Síria). Isso explica também a desproporcional resposta militar israelense às ações do oponente, o que na verdade é muito mais do que uma simples retaliação ao seqüestro de soldados e aos ataques com foguetes contra Israel: é uma ação estratégica, a ser mantida tão limitada quanto possível, mas cujo objetivo é interditar as vias de suprimentos bélicos essenciais ao prosseguimento das operações dos extremistas islâmicos. Mas nem por isso a comunidade internacional perdoa o grande número de baixas entre a população civil libanesa, que decorre da mistura dos milicianos às populações das localidades em que se instalaram, causando centenas de vítimas civis.

Outrossim, mesmo que o Exército libanês venha finalmente a ocupar a área, os israelenses não se sentirão totalmente seguros, pois trata-se de tropa heterogênea, mal treinada e mal equipada, talvez pouco capacitada a conter uma milícia bem treinada, homogênea e muito motivada pela jihad. Basta dizer que, tal como a estrutura governamental reserva a presidência para um cristão, o cargo de primeiro ministro para um sunita e a liderança do parlamento para um xiita (numa tentativa de balancear forças políticas dissidentes e neutralizar os antagonismos entre cristãos e muçulmanos), o Exército (que tem mais de 60% de muçulmanos xiitas e sunitas em suas fileiras) é comandado por um cristão e tem a chefia do estado maior exercida por um druso, o que significa que sua operacionalidade torna-se muito dependente do entendimento entre as forças políticas internas. Além disso, é questionável se as forças libanesas regulares conseguiriam empurrar para o outro lado do rio Litani, e lá manter, as milícias xiitas, pois ao norte do rio está a zona sunita; e é também duvidoso que essas forças regulares, que têm 35% de xiitas, combateria, caso necessário, as milícias do Hezbollah, de mesma formação.

Trata-se de um conflito claramente assimétrico. A superioridade do Poder Militar de Israel, em meios bélicos e em tecnologia, é gritante. Para o lado militarmente mais fraco fica a opção da guerra não convencional, caracterizada pela ação da guerrilha e do terrorismo, forças irregulares capazes de causar sério desgaste ao inimigo, em longas confrontações. Como agravante, tem-se as alegadas participações de elementos da tropa de elite iraniana, a Guarda Revolucionária, pelo menos no treinamento dos combatentes do Hezbollah, o que parece ser feito tirando partido da falta de firmeza do governo libanês. Se é verídica essa participação subterrânea de forças iranianas, mais difícil se torna neutralizar as milícias xiitas no Líbano.

É relevante observar que o oponente militarmente mais fraco, embora seja essencialmente uma milícia armada, vem contando com o apoio de armamento de origens externas, provavelmente obtido no passado. Além dos foguetes e mísseis fornecidos pelos vizinhos, que podem ser iranianos, sírios e russos, houve pelo menos um episódio em que um míssil, alegadamente de origem chinesa, atingiu e causou sérias avarias em um navio da Marinha de Israel que realizava bombardeio da costa libanesa, passando pelas defesas de ponto da belonave sem que seus dispositivos de guerra eletrônica lograssem detectá-lo a tempo de reagir. Esse episódio decerto irá dar motivo a estudos de americanos e israelenses sobre a eficácia de seus equipamentos de contramedidas eletrônicas.

Conseqüências relacionadas com o terrorismo global

A organização islâmica Al-Qaeda, liderada por Osama Bin laden, não deixa dúvidas sobre sua atuação nitidamente terrorista, intensificada desde a invasão do Afeganistão pelos EUA e, mais recentemente, do Iraque. Inicialmente, recrutou seus combatentes para a jihad dentre aqueles que haviam combatido a invasão soviética do Afeganistão, anterior à intervenção americana. Com o passar do tempo, foi aumentando seus efetivos com voluntários de outros países, todos dispostos a morrer pela causa muçulmana (e assim conquistar o paraíso, segundo a crença islâmica). Após o September Eleven nos EUA em 2001, outros atentados atribuídos à Al-Qaeda tiveram lugar em 2002, em Bali; 2003, em Istambul; 2004, em Madrid; 2005, em Londres; e, no momento em que este artigo era escrito, a polícia britânica acabava de frustar o que seria um novo ataque terrorista de escala mundial, que pretendia explodir simultaneamente vários aviões civis americanos sobre o Atlântico. Embora neutralizado a partir de informações obtidas pela inteligência britânica (com a cooperação da inteligência paquistanesa), esse último plano ainda assim rendeu aos terroristas os frutos desejados, pois as providências de segurança praticamente paralisaram o mundo durante um dia, com sérias conseqüências para os viajantes e para a economia mundial.

Nota-se, na evolução da estratégia da Al-Qaeda, que seus militantes suicidas continuam sendo muçulmanos e, em geral, árabes ou descendentes de árabes, mas em vários casos evidenciou-se serem nacionais dos países-alvo dos ataques. Na recente ocorrência de Londres, o governo britânico informou que os terroristas eram cidadãos britânicos de origem árabe, ou seja, o recrutamento desses insanos militantes da jihad já se dá dentro dos países-alvo. Isso mostra a real magnitude da transnacionalização e da globalização do terrorismo islâmico, que aparentemente iriam implementar, como parte das reações à invasão do Líbano por Israel, um plano longamente arquitetado pela Al-Qaeda: a chuva de aviões sobre o Ocidente, não importando quantos inocentes seriam sacrificados.

Não seria adequado equiparar o Hezbollah, em termos de atuação, à Al-Qaeda. O Hezbollah prioriza a ação na área das disputas, e não parece visar, pelo menos no presente, o ataque remoto a países ocidentais simpatizantes (ou parceiros militares) dos EUA. Não obstante, o conflito no Líbano apresenta alta importância estratégica para o Hezbollah e para seus mais chegados aliados, o Irã e a Síria. Vindo a lograr sucesso (pelo menos político, pois militarmente isso só seria possível com o envolvimento das forças armadas sírias e iranianas na contenda), agregaria alto valor ao reforço das pretensões iranianas de propagar mais intensamente a Revolução Islâmica na região e no mundo, forçando o Ocidente a negociar uma solução para o permanente conflito do Oriente Médio, com será comentado adiante. Não logrando sucesso, é bem possível que seus líderes e militantes passem a se dedicar a ações terroristas contra Israel, EUA e seus simpatizantes, cooperando com a Al-Qaeda, o Hamas e outros movimentos islâmicos radicais na disseminação cada vez mais global do terror.

Ações terroristas dessa espécie horrorizam e apavoram o mundo, inclusive dentre as sociedades islâmicas que não as apóiam (que não são poucas). Semeando a barbárie com audácia e frieza, os terroristas acabam por fazer com que os ocidentais passem a ser mais tolerantes (ou estimulem) as posturas do governo norte-americano (e de seu aliado mais fiel, o governo britânico) na guerra anti-terror, e muitos governantes que ainda permanecem críticos ou silentes poderão vir a apoiar mais explicitamente as reações armadas preventivas defendidas pela doutrina Bush de defesa.

Conseqüências estratégicas para o Oriente Médio

Enquanto tudo isso acontece, o mundo passa por novo sobressalto, de vez que o governo teocrático islâmico radical do Irã renova seu discurso de extinção do Estado de Israel e suas ameaças de não abandonar o programa de enriquecimento de urânio em curso, apesar das reiteradas manifestações e ultimatos da ONU a respeito (inclusive brandindo ameaças de sanções de várias naturezas contra a República Islâmica do Irã). Os iranianos já desenvolveram vetores balísticos de médio alcance, capazes de atingir Israel e parte da Europa; e parecem, embora oficialmente seja negado, buscar a capacitação bélica nuclear, trazendo para o cenário do Oriente Médio esse perigoso ingrediente (tal como a Coréia do Norte vem fazendo no cenário que envolve o problema da unificação das duas Coréias, outra dor de cabeça - das grandes - para os Estados Unidos e seus aliados ocidentais).

Nesse perigoso cenário tem-se, por enquanto, uma típica guerra limitada e com objetivos específicos, sob o prisma do emprego das forças israelenses; e uma guerrilha irregular (atuando com apoio no terrorismo) no lado oponente, sem envolver forças regulares libanesas, sírias ou iranianas. Mas qualquer passo em falso da Síria ou do Irã, que os falcões da guerra do Pentágono julguem ameaçador aos interesses da sociedade norte-americana, pode levar a mais uma intervenção militar americana no Oriente Médio, alastrando o conflito com conseqüências ainda inimagináveis, na medida em que venha a envolver as forças regulares dos Estados Unidos e de seus mais tradicionais aliados contra as forças armadas (regulares e irregulares) dos países árabes vizinhos.

É importante observar as posturas norte-americanas diante da situação criada no Líbano. Uma tentativa da ONU de conter o avanço israelense e obter rapidamente um cessar fogo foi obstaculizada pelos americanos. Interessa aos EUA que Israel permaneça firmemente plantado onde está, como bastião dos interesses ocidentais nas riquezas petrolíferas da área; e não seria coerente, sob a óptica de George Bush, tolher Israel em seus movimentos de defesa, de vez que a política de defesa norte-americana preconiza até mesmo o emprego de ataques preventivos, quando ameaçados os interesses ou a segurança dos Estados Unidos (como negar esse direito aos aliados ?). Interessa também aos EUA que Israel use da oportunidade para mostrar sua utilidade na guerra contra o terrorismo islâmico, o que se daria pela derrota do Hezbollah (que, juntamente com a organização terrorista Al-Qaeda, soma o maior número de mortes de norte-americanos, bastando lembrar o ataque que vitimou mais de duzentos soldados americanos em 1983, perpetrado por aquele movimento). Outrossim, a avaliação do que aconteceu no Afeganistão e no Iraque, quando as intervenções armadas americanas e de seus aliados mais fiéis não logrou estabilizar esses países, nem logrou amedrontar os radicais islâmicos em sua determinação de livrar o mundo árabe da presença e da influência ocidentais, leva a pensar com certo ceticismo sobre o sucesso dessas estratégias.

Observar as posturas do Irã é igualmente crucial. O Irã parece buscar (em paralelo com as conquistas tecnológicas que podem torná-lo um player nuclear no Oriente Médio) a liderança do mundo islâmico, esfacelada e vazia desde a queda do Império Otomano. Com a severa repressão ocidental contra a Al-Qaeda, o sucesso do Hezbollah serviria como uma luva para essas pretensões, auxiliando o Irã a estender a influência da Revolução Islâmica sobre o Líbano e a Palestina, desestabilizando Israel e, por via de conseqüência, a influência americana (e ocidental em geral) na região. Embora não conte, pelo menos até agora, com o apoio político dos países árabes mais moderados, como Egito, Arábia Saudita e Jordânia (até mesmo porque os iranianos são persas, e não árabes, o que leva a alguma rejeição da pretendida liderança do Irã no mundo árabe), o governo teocrático iraniano não parece hesitante em motivar suas massas contra a existência de Israel e contra a hegemonia norte-americana, ambos considerados infiéis e inimigos diabólicos do Islã. O esmagamento do Hezbollah, nesse contexto, seria uma severa derrota estratégica na tentativa iraniana de vir a se tornar uma potência regional líder (que, se bem sucedida nesse intento, decerto prosseguiria na sua inabalável trajetória de, sob a inspiração da lei divina expressa no Corão, libertar as terras islâmicas da presença militar, cultural e econômica dos infiéis ocidentais).

A Síria também merece cuidados, pois seu governo tem declarado abertamente que, se atacada, revidará militarmente, no que contará com apoio do Irã, que não quer o enfraquecimento do regime sírio; e outros países árabes, hoje moderados, poderão vir a tomar atitudes hostis contra Israel e os EUA, conforme o desenvolvimento do conflito (ou o aumento do terrorismo interno em retaliação aos alinhamentos com os EUA) venha afetar suas sociedades.

Israel que, no passado, confiante em sua enorme supremacia bélica, não concordava com as tentativas da OLP de instalar uma força de paz multinacional na área, já não parece tão relutante. Com o apoio dos Estados Unidos, Israel não deseja um cessar-fogo imediato, antes de empurrar as milícias islâmicas para longe de suas fronteiras; mas percebe que voltar a ocupar o Líbano por longo tempo poderá resultar em grande desgaste, face à tenacidade das guerrilhas islâmicas, que tornam difícil uma vitória militar decisiva. A brutal resposta militar das forças israelenses contra o Hezbollah no Líbano e o Hamas em Gaza serve de aviso à Síria e ao Irã sobre a determinação dos judeus, mas também serve de alerta a todo o Ocidente de que, sob certas condições, é chegado o momento de contar com forças internacionais que ocupem as áreas críticas e sejam capazes de evitar a escalada dos conflitos. Mas se tais forças (e aí residem os condicionantes) não forem enérgicas o bastante para evitar as violações de tréguas e o terrorismo (sem o que Israel não aceita sua presença), novas respostas militares israelenses sacudirão o cenário. Acordos diplomáticos que viabilizem uma presença internacional eficaz passam, necessariamente, por difíceis conversações com Irã, Síria e os partidos islâmicos mais proeminentes (Hezbollah e Hamas). Não está afastada, porém, para Israel e EUA, a opção de, caso dificultadas essas negociações, colocar em prática pela força o cumprimento da resolução 1.559 da ONU, que em 2004 determinou a saída das tropas sírias (o que já ocorreu) e o desarmamento das milícias do Líbano, para torná-lo mais governável. Essa resolução também contemplava a intervenção de forças internacionais, mas se executada apenas parcialmente (leia-se, desmantelamento do Hezbollah pelas forças israelenses) estar-se-á diante da possibilidade de uma séria escalada do conflito, dependendo das reações do Irã e da Síria.

Sob o prisma da estratégia das potências ocidentais que, sob a liderança americana, entendem ser necessária a implantação da democracia (nos moldes ocidentais) como parte do solucionamento dos problemas da região, as experiências iniciais não são animadoras. No Iraque, no Líbano e nos territórios palestinos as eleições têm levado ao poder grupos islâmicos que não abrem mão de perseguir os tradicionais objetivos do islamismo, persistindo em manter milícias armadas e consentindo a violência. Hamas e Hezbollah, por exemplo, de fato conquistaram cadeiras e cargos públicos via eleições democráticas, mas voltaram seus esforços políticos para servir aos propósitos das facções extremistas. Esses fatos levam os mais céticos a questionar se a democracia, tal como a praticam os ocidentais, terá sucesso em terras que há milênios cultivam outros conceitos culturais.

Uma solução sensata para a Questão do Oriente Médio (que transcende à Questão Palestina) certamente requer a criação do Estado Palestino unificado e a construção de uma coexistência pacífica deste com Israel. Requer também a cessação da disputa por Jerusalém, com algum controle internacional da cidade sagrada e acesso garantido a judeus e muçulmanos (e naturalmente aos cristãos). Requer forças internacionais capazes de resfriar os ânimos nas áreas críticas, como Gaza e sul do Líbano. Requer, ainda, uma ampla negociação com todo o mundo árabe para que os governos dos países que hospedam movimentos radicais e terroristas (como o Hamas e o Hezbollah) neutralizem suas ações extremadas e os desarmem (mas sem deixar de contemplar suas participações legítimas, enquanto movimentos sócio-políticos, nas sociedades hospedeiras e em seus parlamentos). E requer também um esforço integrado de todos os órgãos de inteligência dos países desejosos da paz para neutralizar, em tempo, antes que ocorram, os atos terroristas planejados pelos grupos islâmicos mais extremados, usando para tanto suas forças policiais, e não as forças armadas. Uma tarefa gigantesca, a desafiar os governantes, a diplomacia dos países envolvidos e a Organização das Nações Unidas nas décadas iniciais do século XXI, mormente diante de posições intransigentes como a do atual governo iraniano, que prega com virulência a varrida de Israel do mapa e pode tornar-se um figurante dotado de armas nucleares.

No momento em que era encerrado este texto, a ONU finalmente conseguiu um acordo unânime sobre a cessação das hostilidades, antes que ocorresse um confronto de Israel com Síria e Irã. Após mais de trinta dias de combates (e somente após as forças israelenses já terem penetrado no Líbano com mais de 30 mil homens e causado grande destruição na infraestrutura que serve ao Hezbollah), os americanos abriram mão de seu poder de veto e o governo israelense manifestou que aceitaria um cessar-fogo. A resolução da ONU, a vigorar a partir de 14 de agosto, estabelece a cessação dos ataques dos milicianos xiitas a Israel; o fim imediato da ofensiva israelense; o envio de tropa internacional para ocupar o sul do Líbano e apoiar as forças armadas regulares libanesas no restabelecimento da ordem; e, last but not least, determina que sejam estabelecidas as condições para que o Hezbollah seja desarmado, como já havia sido decidido em 2004 pela resolução 1.559 da Organização. Sintomaticamente, na véspera da decisão, Israel realizou um amplo esforço de ampliação da ofensiva, procurando tirar o melhor partido militar possível da situação. Não obstante a unanimidade agora alcançada e a concordância, já manifestada, do governo libanês, o dirigente máximo do Hezbollah, Hassan Nasrallah, já deixou claro que aceitará a cessação das hostilidades, mas desde que precedida da retirada das tropas israelenses; e nada disse, pelo menos num primeiro momento, sobre o desarmamento de suas milícias. Esperemos que as condições para a completa implementação da resolução sejam consolidadas, mas não será fácil. O amanhã ainda é uma incógnita.

Enquanto uma solução abrangente para o problema do Oriente Médio (se é que existe) não venha a ser alcançada, e enquanto o petróleo permaneça como insumo crucial para a economia mundial, conflitos localizados continuarão a ocorrer, acrescentando novos capítulos às guerras árabe-israelenses; homens-bomba continuarão a explodir na região; aeronaves civis continuarão a ser dinamitadas nos céus internacionais; cidades populosas importantes continuarão a viver o medo de explosões terroristas em seus meios de transporte e locais de concentração popular; e a humanidade permanecerá amedrontada e insegura pela presença invisível e letal do terrorismo, praticado em nome da libertação das terras islâmicas das influências econômicas, culturais e militares ocidentais. Estamos na era do medo global.

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