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Contos-->Evil deck -- 19/12/2002 - 14:55 (Renato Junqueira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Vindo do campo de batalha, aquele mago necromante fazia mais uma vítima. Vinha com uma postura perfeitamente ereta, de forma imponente, para mostrar seu ato grandioso. O sorriso no seu rosto não deixava dúvidas sobre seu estado de graça. Ao seu redor, criaturas grotescas - em sua maioria, ratos - se juntavam no espaço de uma aura escura que os cercava. Se sentia bem com aquelas criaturas e aquele ambiente ao seu redor; e, como efeito, no meio daquela escuridão, podridão e ar pútrefo, seus olhos brilhavam. Fizera sua última vítima de um campeonato de Magic que disputava. Aquela sua vítima, já tinha matado algumas vezes em outros campeonatos.
Alguns minutas dali, já não era mais o mais temido dos magos, o mais imponente deles; agora era Paulo, que acabava de sair da loja para voltar para casa; e logo se encontrava arrastando os pés no andar como se o fardo de estar vivo fosse deveras pesado para ele. Mas, mesmo com aquele peso todo para agüentar, parecia que outra carga, seu deck, não lhe trazia dificuldade extra alguma; ao contrário, quando o olhava, seus passos pareciam mais leves em seguida.
Ia o levando dentro de um saco plástico junto com a grana da conquista, e o saco amarrado em seu braço em forma de espiral como se fosse parte indissociável do seu ser.
Chegou em casa. Veio um grupo de pessoas ao seu encontro - entre eles familiares - perguntando sobre o campeonato. Paulo girou o corpo, dando a face do rosto para eles. Estranhamente, seus olhos se arregalaram e voltaram a brilhar; quando se voltou de frente para todos, já não era mais Paulo: descrevia as batalhas gesticulando muito, todos os movimentos que o mago fizera; repetia com precisão os gestos daquele ritual sombrio que usara para invocar três ratos de vez. Sim, era mesma pessoa que estava no campo de batalha, não haveria como reproduzir a estória daquele embate tão bem sendo outra. Findo o interesse pelo assunto, Paulo fazia força descomunal para subir as escadas até seu quarto.
Jogou os quatrocentos reais básicos de todos campeonatos para o lado, ocupando as mãos apenas com o deck. Olhava e revia aqueles cards, que agora era seus companheiros de batalha. Não os cansava de olhar, como se fosse extremamente agradecido a eles por fazê-lo ganhar mais um campeonato. O tempo passava rápido assim para ele, tão rápido que parecia nem ter decorrido tempo. E já era hora de fazer outra coisa como estudar para o vestibular ou arrumar o quarto para mantê-lo limpo naquele estado que o agradava, decidiu logo o que fazer primeiro e pôs-se ao trabalho. Mas nem sempre foi metódico desse jeito, houve tempo em que ao colocar o corpo em movimento era difícil para o rapaz, quanto mais arrumar o quarto em tempo ágil, ou criar disposição para estudar no momento em que decidisse.
Agora tudo aquilo era passado, o dia brilhava lá fora e, mesmo que ainda não houvesse uma vontade, fazia as coisas em seu tempo, sem hesitar muito, movimentando os materiais extremamente densos de seu quarto. Fazia o que tinha de ser feito como procedimento normal para não gastar tempo, para se adiantar e chegar logo em - vamos deixar por suas palavras - “algo realmente de útil a se fazer”. Entrou na internet em um site de cards.
Seu tempo era gasto com volúpia e esbanjo, sem ganância dessa forma. Olhava todos aqueles cards na net, analisando um por um, concluindo e anotando grau de ameaça ao seu deck. O que fazia era uma verdadeira ciência, fazia contas de análise combinatória e proporção; tinha passado por muitas dessas contas para criar o deck perfeito, chegara à razão ideal da quantidade de mana per card; na análise combinatória, identificou as combinações de mão mais prováveis de se sair; criou a teoria do deck perfeito, aquele cujas as combinações em sua maior parte fossem favoráveis. Para isso, havia aqueles que se tornariam mais tarde seus melhores amigos: os ratos!!
Sim, os ratos. Foi ao ridicularizarem-nos que surgiu a idéia que daria origem àquele super deck. O que foi chamado pejorativamente de deck de “bog rats”.
Apenas usando cards sem muita força, seu poder foi desprezado, subestimado; mas logo se via um deck imbatível surgir. Usava o poder do fogo, e seus ratos apareciam freqüentemente aos três de uma vez após um ritual sombrio. Eles pululavam e pulavam em cima de seus adversários sem dar-lhes tempo de reação, disseminando a doença nos corpos dos mesmos com suas mordidas infecciosas. Até mortos, suas criaturas eram úteis, pois se embebia de suas almas para se tornar mais forte na luta. O fogo tratava do resto.
Se tornou campeão no meio daqueles cards baixos, para a perturbação geral. Então sua fama não era só de campeão, mas de campeão com ratos; o que o tornava mais reconhecido pela sua capacidade de vencer. Vencer campeonatos era o seu hobby.
E estava lá ele, de novo, consultando os cards na net, executando os procedimentos de sua ciência para que se criasse o deck e se side board ideais para o próximo campeonato; sempre contando com ratos, é claro! Jamais abandonaria seus preciosos amigos.
Chegando de cabeça baixa e saindo com postura majestosa foi o que rolou por muito tempo. Até que um dia...
Chegou arrastando o corpo e sentou na cadeira ante seu adversário do outro lado da mesa. Estendeu a cabeça imediatamente, atento, com um sorriso de satisfação querendo se alargar. A postura era de vencedor. O combate começava e, como era freqüente, ratos pululavam e pulavam no seu oponente com suas doenças letais. Enquanto o anterior se debatia com ratos, o mago necromante preparava com calma o próximo spell de ataque. Mas, inesperadamente, todos os ratos tombaram com as outras criaturas mais fracas. Um spell forte demais em tão pouco tempo. Não esperava por essa, teve sorte de vir os terrenos certos para fazer a magia. O que não impedia de soltar mais ratos em cima do inimigo, ganhando tempo para invocar o senhor das profundezas!!
O inimigo contra-atacou com dois raios seguidos em sua lata. Mas os ratos ainda o atacavam sem cessar. Soltou a maldição da peste. Não esperava o seguinte, dado que não olhava minuciosamente o deck junto também com o side boards de todos: o inimigo, mais uma vez, liqüidava com seus ratos com o mesmo spell.
Como um spell tão poderoso não é restrito? Pensava consigo, se remoendo de raiva. Devia ter quatro desses em seu deck, e nem fez questão de se cuidar contra isso. Teve que segurar o senhor das profundezas e a Hecatombe que estavam prontas para serem feitas por mais um turno! E de cara, tomava mais uma bola de fogo na cara.
Estava mal, a doença o corroía por dentro enquanto tinha sido maltratado pelo fogo. Jogar o senhor das profundezas de uma vez e arriscar era a única saída. Mais mana veio em sua vez, ficando assim mais poderoso. Não havia mais dúvidas, ia soltar o senhor das profundezas junto com um rato para o sacrifício necessário em honra daquele.
O monstro veio com toda sua fúria junto com o rato; esperaria mais um turno, quando sacrificaria o rato para atacar com o monstro. Mas a sorte estava do lado de seu inimigo, e, mais uma vez, rato foi para o espaço. O senhor das profundezas reclamava por sacrifício e, não podendo oferecê-lo a ele, o necromante foi punido pelo mesmo. Logo em seguida, a doença ainda causava mais estrago. Estava à beira da morte, mas o senhor das profundezas ainda iria interceder por ele... se não fosse pelo raio que tivesse levado logo em seguida. O jogo tinha acabado e, pela primeira vez em um campeonato, tinha perdido.
Dessa vez, não tinha saído de cabeça erguida de lá, onde se realizara o campeonato. Saía do mesmo jeito com que foi, cabisbaixo. Ele não entendia como tudo pode ter dado tão errado: a culpa... a culpa... era com certeza de... de que aquele card matador de ratos, “destrua todas as criaturas com poder menor ou igual a 3”. Demais! É demais aceitar isso!
Chegou mais dificilmente em casa do que de costume. Seu corpo se arrastava mais, estava mais pesado carregar aquele fardo. Não perdeu tempo! Correu para cima, onde começou a estudar o deck para melhorá-lo, olhando também vários cards na Internet. Deixou o que tinha de fazer para depois, não havia nada de mais importante que aquilo no mundo. Viu cards, esquemas, apelações, combos, tipos de decks e side boards melhores para o seu.
Ansiava pelo próximo campeonato onde pudesse encontrar aquele que o derrotou. Sabia que não iria se omitir do próximo campeonato com um deck tão poderoso. Com grande satisfação, viu os decks e side boards de seus adversários no site do próximo campeonato, entre eles estava o daquele.
Tinha feito uma ou outra alteração, mas o que assustava mesmo era aquele novo spell apelativo. Um spell tão terrível contra um necromante que o assustava. Seria prudente ir com o deck de “bog rats”? Pensou. Havia um outro deck em mente que poderia facilitar sua empreitada um tanto bem. Mas não... não podia trair seus melhores amigos, os ratos. Não poderia abandoná-los depois de tudo que fizeram por ele. Podem achar inverossímil o que lhes escrevo a respeito do necromante, mas havia um forte senso de lealdade nele. Isso, sem contar outras coisas difíceis de serem descritas.
Os ratos dariam conta do recado com certeza. O spell era forte, mas era necessário tempo e sorte para que pudesse chegar a usá-lo, sem contar que o spell tinha de fazer parte de um combo para chegar ao seu poder máximo. Não ia deixar o deck de “bog rats” de lado. JAMAIS!!
O campeonato se sucedeu sem surpresas. O oponente esperado pelo necromante quase tinha perdido duas partidas; as venceu pela sorte, mostrando logo que tinha montado o deck para enfrentar o do necromante. Seu side board era cheio de cartas de oposição ao dele. Como eu disse, o campeonato se sucedeu sem surpresas: o necromante e seu oponente esperado iam disputar a final.
O mago vencedor havia dado as costas aos restos mortais do necromante; foi precipitado, presunçoso até; não se mata um necromante infligindo dano a sua carne e ossos. Carne brotando de seus ossos descarnados, o necromante começou a se reconstituir e se regenerar. Pegou o adversário de surpresa, lhe arremessando três ratos nas costas. Esse se virou pasmado com a visão do necromante perfeitamente bem, onde se destacava seus olhos brilhantes de outrora. Não era para menos, além do brilho no olhar, aquele semi-sorriso de empolgação e moral interior se fazia; tinha a primazia do ataque.
O necromante foi minando o adversário sem sofrer muitos ferimentos, era um jogo ganho. Iria dar o golpe de misericórdia sugando sua alma, mas o azar bateu novamente à porta como se fosse recorrente a ele neste mundo. Azar para uns, sorte para outros; o adversário, em uma seqüência inadvertida de sorte, começou a soltar os spells necessários para o temido combo. Ele ainda não acreditava que pudesse haver assim tanta sorte para que lançasse o spell derradeiro, aquele que acabaria com tudo. Mas, mesmo decaindo, o adversário ia terminando um por um os spells, dando a impressão de que sabia o que estava por vir.
Não podia ser: tinha soltado o penúltimo spell do combo. Era só mais um turno para matá-lo para o necromante. Jamais conceberia que seu oponente tivesse em mãos aquele temível card que finalizava o combo. E assim foi. Tudo perdido novamente, e Paulo, sem entender, fazia forças para manter seus músculos tesos e o tronco ereto, sentado e encostado ao muro. Não havia mais spells, apenas um monte de cards em suas mãos que eram difíceis de se manterem seguradas. E estava prostrado, sem movimento, com os olhos sem brilho fitando o nada. A verdade era que tinham soltado o pior dos spells contra aquele necromante, o “destrua alma-alvo”.
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