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Artigos-->FUKIKO KOBAYASHI E A POESIA CONCRETA -- 23/10/2012 - 19:22 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



 



FUKIKO KOBAYASHI E A POESIA CONCRETA



 



L. C. Vinholes



 



Em Tóquio, paralelamente ao leito dos trilhos do trem urbano da linha circular Yamate, entre as estações de Yurakucho e Shinbashi, estende-se a Rua Sotobori onde, nas proximidades desta última estação, no primeiro subsolo do Hotel Nikko ficava o café-concerto homônimo que, nos finais da tarde, reunia jovens apreciadores dos últimos lançamentos do repertório popular japonês e do jazz, apresentados por um pequeno conjunto também de jovens.



 



Pouco mais de um mês depois de inaugurada a Exposição de Poesia Concreta Brasileira no Museu de Arte Moderna de Tóquio, em abril de 1960, o vocalista do conjunto que, vez por outra ariscava, com habilidade, alguma canção italiana e, ao mesmo tempo, se interessava pelo nosso samba e pelas nossas marchas carnavalescas, apresentou-me a uma jovem japonesa que disse ter visitado a referida exposição, manifestando curiosidade e, com entusiasmo, afirmando ter ficado interessada pelo que vira.



 



Fukiko Kobayashi, recém egressa da universidade, continuou o diálogo dizendo que, como exercício, tentara escrever poemas cumprindo o que lera no Plano Piloto da Poesia Concreta, em versão japonesa, exibido na entrada da mostra. Complementou afirmando que sua nova experiência resultara em algo bastante diferente do que praticara até então. Solícita, marcou um encontro para o mesmo local, em data combinada. Mostrou-me apenas uma das suas tentativas, dizendo que as demais - que cheguei a ver dentro de uma pasta com manuscritos -, careciam de mais elaboração. Foi assim que tive o primeiro contato com o poema que não tardaria merecer atenção do outro lado do mundo.



 



Motivado, empenhei-me em traduzir o que Fukiko[i] me confiara, resultando em quatro formas que me pareciam adequadas embora com visualizações gráficas distintas. Quando tive oportunidade de mostrar-lhe o que havia feito teceu comentários que me pareceram pertinentes, uma vez que refletiam sua posição com relação aos diferentes aspectos daquele do original por ela concebido.



 



Como ponto de convergência, balizando o que será tratado a seguir, é indispensável que, de início, se disponibilize o original do poema, assim como Fukiko o concebeu e registrou, para que seja apreciado seu aspecto gráfico-visual que, de algum modo, foi também baliza para a formatação do texto da tradução para o português.



 



Assim como no manuscrito de Fukiko, os versos do poema aqui exibidos estão escritos na posição vertical, com leitura da direita para a esquerda e de cima para baixo, como é a tradição japonesa.



 



 



& 39080; & 39080; & 35433; & 39080; & 35433; & 39080; & 35433; & 39080; & 35433; & 39080; & 35433; & 39080;



& 12364; & 12399; & 12399; & 12399; & 12399; & 12399; & 12399; & 12399; & 12364; & 12399; & 12391; & 12399;



& 35433; & 35433; & 39080; & 35433; & 35433; & 35433; & 39080; & 39080; & 39080; & 35433; & 12399; & 35433;



& 12434; & 12434; & 12434; & 12391; & 12391; & 12391; & 12391; & 12391; & 12434; & 12434; & 12394; & 12391;



& 39080; & 21109; & 21109; & 12354; & 12354; & 12399; & 12354; & 12354; & 35433; & 21109; & 12356; & 12399;  & 35433;



& 12395; & 12425; & 12427; & 12427; & 12427; & 12394; & 12427; & 12427; & 12395; & 12425; & 35433; & 12394;



& 12377; & 12394;                               & 12377; & 12394; & 12424; & 12356;



& 12427; & 12356;                               & 12427; & 12356; & 12426;



                                                  & 35433;



                                                  & 12391;



                                                  & 12354;



                                                   & 12427;



 



A seguir o mesmo texto tem sua escrita na posição horizontal, com cada linha seguida do texto romanizado onde aparecem sublinhadas as sílabas correspondentes aos três ideogramas utilizados pela autora: & 35433; = shi = poema, & 39080; = kaze  = vento e & 21109; = so[ii]  = começo, início; radical de & 21109;& 12427; = tsukuru = criar/fazer.



 



& 35433;                                                 shi                    



& 39080;& 12399;& 35433;& 12391;& 12399;& 12394;& 12356;                          kazewa[iii]shidewanai       



& 35433;& 12391;& 12399;& 12394;& 12356;& 35433;& 12424;& 12426;& 35433;& 12391;& 12354;& 12427;      shidewanaishiyori shidearu 



& 39080;& 12399;& 35433;& 12434;& 21109;& 12425;& 12394;& 12356;                      kazewa shiwo[iv]tsukuranai              



& 35433;& 12364;& 39080;& 12434;& 35433;& 12395;& 12377;& 12427;                      shiga kazewo shinisuru            



& 39080;& 12399;& 39080;& 12391;& 12354;& 12427;                              kazewa kazedearu                             



& 35433;& 12399;& 39080;& 12391;& 12354;& 12427;                              shiwa kazedearu                              



& 39080;& 12399;& 35433;& 12391;& 12399;& 12394;& 12356;                          kazewa shidewanai                        



& 35433;& 12399;& 35433;& 12391;& 12354;& 12427;                              shiwa shidearu                               



& 39080;& 12399;& 35433;& 12391;& 12354;& 12427;                              kazewa shidearu                            



& 35433;& 12399;& 39080;& 12434;& 21109;& 12427;                             shiwa kazewo tsukuru                     



& 39080;& 12399;& 35433;& 12434;& 21109;& 12425;& 12394;& 12356;                     kazewa shiwo tsukuranai                   



& 39080;& 12364;& 35433;& 12434;& 39080;& 12395;& 12377;& 12427;                     kazega shiwo kazenisuru          



 



Esta apresentação dos versos em linhas horizontais pretende facilitar a leitura do texto em japonês e, ao mesmo tempo, cotejar o original com as quatro formas de apresentação gráfica da tradução, disponibilizadas a seguir:



 



Forma I



poema



vento não é poema



é mais poema que poema não poema



vento não cria poema



poema faz do vento poema



vento é vento



poema é vento



vento não é poema



poema é poema



vento é poema



poema cria vento



vento não cria poema



vento faz do poema vento



 



Forma II



poema



vento não é poema



                                          é mais poema que poema não poema



vento não cria poema



poema faz do vento poema



vento é vento



poema é vento



vento não é poema



poema é poema



vento é poema



poema cria vento



vento não cria poema



vento faz do poema vento



 



Forma III



poema



vento não é poema



                               é mais poema que poema não poema



vento não cria poema



poema faz do vento poema



vento é vento



poema é vento



vento não é poema



poema é poema



vento é poema



poema cria vento



vento não cria poema



                                                         vento faz do poema vento



 



 



Forma IV



                       



 



 



                                                                                 poema



 



                        vento               não       é                                 poema



 



é          mais     poema                      que                             poema                não      poema



 



                        vento               não      cria                              poema



 



                        poema           faz       do        vento               poema



 



                        vento                          é                                   vento



 



                        poema                       é                                 vento



 



                        vento               não      é                                poema



 



                        poema                         é                                poema



 



                        vento                          é                                  poema



 



                        poema                       cria                              vento



 



                        vento               não      cria                            poema



 



                        vento               faz       do        poema           vento



 



 



 



 



Na elaboração da Forma IV foram muitas as combinações estudadas, vários os exercícios feitos e, com dificuldade, rejeitados aqueles que pareceram inconsistentes.



 



 



Quanto às buscas da distribuição espacial do poema de Fukiko, as da Forma IV foram as mais gratificantes e delas guardo uma das variações obtidas, sem pretender com ela alcançar nenhum objetivo. Nela observo a disposição escolhida para os verbos criar/fazer conjugados no presente do indicativo, cria/faz, e o não da negativa do fazer, parecendo alcançar mais visibilidade e, assim, deixar mais fortes suas pretendidas mensagens:



 



 



 



 



 



 



                                                                                                      poema



                           vento                não      é                                  poema



 



é          mais     poema                          que                              poema               não      poema



 



                          vento                não      cria                                poema



 



                          poema             faz       do          vento               poema



 



                         vento                             é                                     vento



 



                        poema                           é                                     vento



 



                        vento                 não      é                                     poema



 



                        poema                           é                                     poema



 



                        vento                              é                                     poema



 



                        poema                           cria                                vento



 



                        vento                não       cria                                poema



 



                        vento                faz         do          poema           vento



 



 



 



 



No afã de buscar uma tradução para o português que resultasse em alinhamento dos vocábulos poema e vento, na mesma alternância em que eles figuram no texto original, inclusive com a repetição do vocábulo vento na última linha, criei, como exercício, quatro formas de apresentação gráfica. Na Forma I, com o alinhamento do texto da tradução no lado direito da página, não é alcançada a alternância dos vocábulos poemae vento, uma vez que na sétima linha é repetido o vocábulo vento. A alternância dos vocábulos poemae vento na Forma II é quebrada na terceira linha do poema quando o alinhamento do texto é do lado esquerdo da página e no seu início não está presente o vocábulo poema. Na Forma III, abandonando a rigorosidade do alinhamento do lado esquerdo da página na terceira linha do poema, a alternância dos vocábulos poemae vento é alcançada plenamente, inclusive com a variante da repetição do vocábulo vento na última linha, conforme o original. Entretanto, a autora não manifestou simpatizar com esta versão. Assim como no original em japonês, as formas I, II e III, da tradução para o português, são formas graficamente compactas da apresentação do poema. Finalmente, na Forma IV uma disposição do texto de “maneira mais ousada”, como qualificou Fukiko, com maior exploração/aproveitamento do vazio do espaço oferecido pela página e com os alinhamentos dos vocábulospoemae ventoem duas colunas por eles criadas e situadas nos lados esquerdo e direito da página, a alternância destes vocábulos na coluna da esquerda é a mesma alcançada na Forma III, igual a do original em japonês. A disposição gráfica desta forma permite mostrar horizontalmente a justaposição dos vocábulos poema e vento presentes em cada uma das colunas laterais, sugerindo uma como que reverberação de si mesmos quando vento ou com suas contrapartes quando poema - e vice versa -, reverberação esta dos seus próprios fonemas, mas também das suas diferenças semânticas que se modificam, se completam e dialogam à medida em que são percorridas as linhas da  construção gráfico-espacial do poema, enquanto é criada uma movimentação virtual icônica do próprio vento, ocupando a página como um todo: o poema.



 



Antes de prosseguir, recordando as observações feitas por Fukiko, compartilho com os que lerem este artigo o que, à época, tive o cuidado de anotar, acreditando ter sido bastante fiel ao expresso pela autora. Quanto à Forma I, parecendo bastante satisfeita, viu “um ordenar-se, um organizar-se, um tornar-se completo e como que um se igualar: o iniciar irregular de cada uma das linhas, concentrando-se num fim” o alinhamento do lado direito (final único, denso). Não apreciou as Formas II e III “pelo fato de ser justamente o contrário” do dito com relação à Forma I: “começa com uma aparência de ordem, a linha vertical na esquerda, que subtrai o interesse da poesia que se cria em si própria, se ordena pouco a pouco”. Finalmente, embora, como dito, qualificando como “maneira mais ousada”, mas não familiarizada com a novidade do aproveitamento do espaço da página como nova sintaxe, para fixar no papel o texto da poesia, Fukiko considerou a Forma IV “demasiado quadrada, fora do espírito informal, de metamorfosismo estável da própria ideia do trabalho”.



 



Recordo ainda que Fukiko quando perguntada se a primeira vez que o ideograma & 35433;  = shi = poema aparece na primeira linha vertical do original, primeira linha horizontal na tradução, era título ou o primeiro verso de sua obra ela respondeu que dependia da maneira de interpretar e de ler o que estava escrito e demonstrou o que queria dizer, ora fazendo pequena pausa entre os dois primeiros ideogramas do texto, & 35433; = shi = poemae & 39080; = kaze vento, ora lendo um logo depois do outro, como se estivessem unidos por um hífen. O que está registrado em parágrafos mais abaixo permite imaginar que Haroldo de Campos parecia ter ouvido não só a justificativa dada por Fukiko, mas também a sua voz quando fez a demonstração oral da resposta que me dera; Haroldo em artigo publicado em 1964 dá apenas o título de Poema - o mesmo que figura das minhas traduções -, ao texto escrito por Fukiko, mas quando inclui esse mesmo artigo no livro que publicou em 1969 intitula o poema de Poema-Vento.



 



Embora, reconhecendo que o título do trabalho de Fukiko, & 35433; = shi = poema, é o mesmo vocábulo que figura do texto como elemento preponderante - 14 vezes -, aproveitei-me dele para ampliar a sequência de alternância que compõe com o outro elemento, igualmente importante, o vocábulo & 39080; = kaze =vento -12 vezes.



 



Sempre que tive a oportunidade de conhecer alguém no Japão que se interessava pela poesia concreta ou algum poeta que, de alguma forma, a praticava, compartilhava a notícia com meus interlocutores no Brasil. Foi assim que cópia do original do poema de Fukiko, com as formas elaboradas para a tradução, foi enviada aos poetas Haroldo de Campos, um dos líderes do movimento de poesia concreta, e Affonso Ávila, um dos mentores do Grupo Tendência, de Belo Horizonte, em Minas Gerais.



 



Graças ao interesse demonstrado por Affonso Ávila o poema de Fukiko foi exposto na Semana Nacional de Poesia de Vanguarda[v] realizada na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, de 14 a 20 de agosto de 1963, juntamente com os poemas cenário do branco,[vi] de Kitasono Katue[vii], e ninfa da chuva,[viii] de Akito Osu.



 



As quatro formas do poema de Fukiko, foram enviadas para Haroldo de Campos, em 6 de julho de 1960, sendo a Forma II publicada na revista Invenção nº IV (junho/1963), do grupo Noigandres, de São Paulo, figurando também do seu artigo intitulado Visualidade na Poesia Japonesa,  publicado no Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo[ix] e, cinco anos depois, reproduzido no seu livro a Arte no Horizonte do Provável e Outros Ensaios (1969). Em ambas as publicações Haroldo utilizou a versão do poema de Fukiko Kobayashi alinhada do lado esquerdo por ser, como justificou, a que “menos dificuldade oferece para a composição tipográfica”[x]. O mesmo foi decidido para o poema de Akito Osu.



 



Não fossem as dificuldades de realizar os arranjos espaciais tipográficos das versões formais da tradução do texto do poema de Fukiko, estou seguro de que Haroldo também teria escolhido a Forma I, para ilustrar o artigo citado, aquela com alinhamento do lado direito, tida pela autora como “a mais fiel à forma original do poema”.



 



Examinando a “notação extremamente sintética e estilizada” do ideograma japonês na literatura da época de Matsuo Basho e na dos autores da segunda metade do século XX, Haroldo diz que:



 



“é, em si mesmo, uma verdadeira metáfora gráfica, tanto mais complexa quanto mais ‘abstratas’ as ideias a veicular, pois com este sistema de escrita se podem, como é óbvio, representar não apenas coisas do mundo real, como também emoções, sentimentos, etc. (daí a pertinência do termo ideograma, ou representação gráfica de ideias)” e, logo em seguida, afirma que “Na atual poesia japonesa - especialmente na sua ala de vanguarda -, é do maior interesse verificar como esses elementos encontradiços na tradição do haikai, e que remontam à escrita chinesa, são remanipulados, em miscigenação com outros, aportados pela poesia ocidental contemporânea”[xi]



 



Nesta mesma publicação, com relação aos poemas de Akito Osu e Fukiko Kobayashi Haroldo analisa os ideogramas nelas utilizados dizendo:



 



“Interesse todo particular oferecem, agora, os poemas em que o elemento visual do kanji é aproveitado de um ponto de vista exterior, isto é, segundo um arranjo ditado por fatores gestálticos, não muito diverso do empregado pela poesia ocidental moderna,...”.



 



Com relação ao poema Ninfa da Chuva Haroldo tece o seguinte comentário:



 



“Ninfa da Chuva (Ame no ninfu = & 38632;& 12398;& 12491;& 12531;& 12501;[xii]) de Akito Osu (n.1920) do grupo VOU (nº 70, junho de 59), o kanji para chuva (ame = & 38632;: uma cobertura indicando o céu e gotas de água caindo)[xiii] é marginado de modo a produzir uma espécie de grafismo do pingar da chuva, o que não deixa de nos recordar o conhecido caligrama pluvial de Apolliner (“Ecoute s´il pleut”)”[xiv].



 



E, valendo-se da agudez de um observador gabaritado que sempre lhe foi peculiar, comenta o poema de Fukiko e analisa os ideogramas-chave escrevendo:



 



“poetisa nascida em 1937, são destacados: o kanji de ‘vento’ (& 39080; = kaze, uma verdadeira metáfora zoomórfica, algo como “bicho do vento”, combinando o símbolo para mushi, = & 34411; = ‘inseto’, com um elemento pictográfico que representa “um mastro com uma flâmula atada”; conforme Vaccari[xv], este mastro servia para indicar a direção do vento, a cada vento correspondendo determinados insetos que, segundo a crença, nele se geravam e eram por ele espalhados); b) o kanji de “poema” (& 35433; = shi: composto do kanji de ‘palavra’ = & 35328;= koto, ou seja, uma boca encimada por quatro linhas que representam vocábulos; aliado  ao de “templo” = & 23546; = teraou “tribunal”, este último reunindo os símbolos superpostos de ‘terra’ = & 22303; = tsuchi e ‘lei’ = & 23544; = sun)[xvi]. No poema de Kobayashi, estes ideogramas são tratados como elemento iterativos, permutáveis, cuja andadura procura figurar o movimento do vento. Pois o que faz o vento senão repetir-se? Como escreveu Fernando Pessoa por seu heterônimo Alberto Caeiro, ‘o vento só fala do vento’”.[xvii]



 



Além dos ideogramas comentados por Haroldo, Fukiko usa ainda o ideograma & 21109; = sonas flexões verbais que aparecem no final da 3ª e 11º linhas, em conjugação negativa, & 21109;& 12425;& 12394;& 12356; = tsukuranai, e no da 11ª linha na forma infinitiva do verbo, & 21109;& 12427; = tsukuru. Na tradução para o português para que este verbo fique, também, no infinitivo, o verso da 10ª linha poema cria vento ficaria, por exemplo, poema pode (é capaz de) criar vento, forma não só de densidade diminuída e prolixa em termo de quantidade de palavras, mas, ainda, não adequada para refletir com exatidão o que está em japonês onde & 21109;& 12427;= tsukuru não pede, não exige que se assegure sua capacidade de criar/fazer, dispensando, portanto, a forma do exemplo em português. O mesmo pode ser observado com relação ao verbo fazer (& 12377;& 12427; = suru) que, escrito em hiragana, aparece no infinitivo na 4º e 12ª linhas e no presente do indicativo na tradução para o português. Para usar o infinitivo deste verbo assim como está no original, na tradução poema faz do vento poema e vento faz do poema vento, ficaria poema pode (é capaz de) fazer do vento poema e vento pode (é capaz de) fazer do poema vento.



 



Para bem acompanhar as observações a serem feitas com relação aos ideogramas que com & 21109; =so compõem palavras e que lhe dão vibrações semânticas peculiares, convém registrar que a maioria dos ideogramas usados pelos japoneses tem duas formas de leitura: a leitura on derivada do chinês e a leitura kun criada/adaptada pelos japoneses a cada um dos ideogramas herdades dos chineses no século VII. Acrescente-se que, em japonês, um mesmo ideograma é usado com duas ou mais leituras on ou kun, cada uma indicando um significado ou nuança diferente. Para perceber a complexidade e pluralidade das vibrações semânticas presentes em & 21109; = so é mister conhecer alguns dos ideogramas fixadores gráfico-visuais de outras semânticas que, quando a ele se juntam formando novas palavras, são arautos das nuanças que lhe são peculiares.



 



No texto a seguir a leitura on dos ideogramas será indicada sublinhada.



 



Os exemplos a seguir, permitirão vislumbrar nuanças de substantivos afins com criar/fazer encontrados amalgamando-se em & 21109; = so. Compondo  & 21109;& 36896; = sozo = criação, & 21109; = so está precedido por & 36896; = tsukuru = produzir, construir. Compondo & 21109;& 20316; = sosaku e sa = criação (literária), & 21109; = so está precedido por & 20316; = saku, sa = fazer. Compondo & 21109;& 31435;= soritsu = fundação, organização, estabelecimento & 21109; =so está precedido por  & 31435; = ritsu(ryu) = levantar (-se), erguer(-se), ficar em pé. Compondo & 29420;& 21109; = dokuso = independência,originalidade, criatividade & 21109; = soestá antecedido por  & 29420; = doku = sozinho, só.  Note-se que quando Fukiko utiliza, na 4ª e 12ª linhas do poema, o verbo fazer escrito com sinais fonéticos do hiragana[xviii], (& 12377;& 12427; = suru), diferentemente do de  & 21109; = so,ele, o verbo, é, na realidade, transformar, enquanto & 21109; = so é, ao mesmo tempo, fazer, no sentido de construir, e criar, no sentido de produzir.



 



Voltando ao texto original em japonês, presente no início deste artigo, considerando o poema com título e doze versos, observa-se que, na linha superior horizontal, o primeiro ideograma de cada verso contribui para a construção de uma sequência de alternância dos ideogramas  & 35433; = shi = poemae & 39080; = kaze = vento, alternância esta que é quebrada quando, no último verso, o idiograma vento é repetido. Esta alternância dos ideogramas pode ser considerada como que um acróstico, registrando os nomes dos dois elementos básicos na concepção e construção do poema de Fukiko. A referida sequência lida da direita para a esquerda, tem a seguinte forma:



 



                                             & 39080; & 39080; & 35433; & 39080; & 35433; & 39080; & 35433; & 39080; & 35433; & 39080; & 35433; & 39080;



 



A terceira linha horizontal do poema, de cima para baixo, mostra uma sequência irregular, sem alternância dos ideogramas & 35433; = shi= poemae & 39080; = kaze = vento, e, ainda, a presença do fonema & 12399; = wa escrito em hiragana, segundo fonema da expressão dewanai (& 12391;& 12399;& 12394;& 12356;) não é:



 



& 35433; & 35433; & 39080; & 35433; & 35433; & 35433; & 39080; & 39080; & 39080; & 35433; & 12399; & 35433;



 



As demais linhas horizontais não apresentam sequências dos ideogramas - elas aparecem sem ordem definida -, e são ocupadas por hiraganas, ora preposições, ora desinências verbais; kanji na quinta (6), sexta e nova linhas (1); e espaços vazios da sétima a décima primeira linhas, nenhuma delas tendo, portanto, o rigor sequencial apresentado na primeira linha do poema. Tomando a sequência de alternância dos ideogramas na primeira linha do original como parâmetro balizador da forma gráfica do poema de Fukiko, as Formas III e IV da tradução são aquelas que guardam, com rigor, a sequência presente no texto em japonês.



 



Estas duas sequências não levam em consideração o idiograma & 35433; = shi= poemaque para Fukiko era simplesmente o título do seu poema, escrito na altura da quinta linha e afastado do corpo do poema.



 



Acreditando ter esgotado neste registro o que conheci e sei a respeito de Fukiko, manifesto minha surpresa e incontida admiração por quem, com uma única obra, ainda é lembrada pelo manifesto desejo de experimentar e participar do então nascente movimento embrionário da literatura poética japonesa que se firmou em meados da década de 1960 com o surgimento de poetas que abraçaram a linguagem concretista, ampliando-a e formando um novo filão singular com os elementos característico da sua milenar cultura.



 



Depois daqueles primeiros encontros, não tive mais oportunidade de avistar-me com Fukiko, nem mesmo por ocasião da I Exposição Internacional de Poesia Concreta[xix], em junho de 1964, quando, confiante, esperava contar com sua presença não só visitando a mostra, mas também participando dos eventos ali promovidos.



 



Sem ter notícias sobre a poetisa nos últimos 50 anos e ansioso por dar-lhe conhecimento do evento em Belo Horizonte e do interesse que seu poema despertou, chegando a merecer a cuidadosa análise de Haroldo de Campos, procurei obter informação sobre a autora em 1988,1991e 1995, em visitas ao Japão, e nos permanentes contatos que desde então mantenho com poetas japoneses de vanguarda. Em vão. Restam lembranças.



 



Como última e derradeira homenagem concluo este texto com o registro do nome de Fukiko Kobayashi com os quatro ideogramas com os quais escreveu seu nome na valiosa folha de papel com o poema que me foi confiado, acompanhados da leitura e da semântica de cada um deles.



& 23567;& 26519;& 12288;& 34135;& 23376;



Kobayashi        Fukiko



 



& 23567;= SHO, chii(sai) = pequeno; ko-, o- = pequeno.



& 26519;= RIN, hayashi = bosque, floresta.



& 34135; = Fuki = Petasites japonicus, planta herbácea perene, da família Asteraceae, nativa da Província (estado) de Akita, no Norte do Japão, da qual é um dos símbolos. Levando em consideração o processo na escolha dos ideogramas para compor o nome dos japoneses, este fato permite supor ali ser a terra natal de Fukiko Kobayashi.



& 23376; = SHI,SU, ko = criança.



 



 



[i] No Japão o tratamento formal é o que dá preferência ao sobrenome e o informal é o do uso do prenome.





[ii] So pronunciasse como sô e com o o longo.





[iii] Em japonês lê-se ua.





[iv] Em japonês lê-se ou simplesmente ô.





[v] Um dos marcos das atividades do Grupo Tendência. Com a presença de poetas e críticos, foi organizada uma exposição com obras dos brasileiros Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, José Lino Grünewald, José Paulo Paes, Edgard Braga, Ronaldo Azeredo, Pedro Xisto, Feliz de Athayde, Wladimir Dias Pino, Affonso Ávila, Affonso Romano de Sant´Anna, Laís Corrêa de Araújo, Henri Corrêa de Araújo, Libério Neves, Ubiraçu Carneiro da Cunha, Délio César Paduani, Márcio Sampaio, Osmar Dillon, L. C. Vinholes e dos japoneses citados.





[vi] Original em japonês foi publicado em Tóquio (1959) na antologia Reta da Fumaça (Kemuri no chokusen) e traduzido por L. C. Vinholes em 1964. A antologia, no original e em português, foi publicada no Brasil pela revista Através nº 1 (janeiro de 1983), da Editora Martins Fontes.





[vii] Katsue e Katue é a romanização do prenome do poeta obedecendo aos dois sistemas recomendados pelo Governo japonês (1952), no qual o símbolo  pode ser grafado tsu, pelo sistema criado pelo filologista James Curtis Hepburn, ou tu, pelo sistema kunrei, preferido por Kitasono.Entretanto, o poeta, em diferentes fases de sua vida, utilizou também a grafia Katué.





[viii] O original em japonês foi publicado em Tóquio pela revista VOU, n° 70, de julho de 1959. do grupo homônimo; e no Suplemento Literário, p3, do jornal O Estado de São Paulo, de 25.07.1964, ilustrando artigo de Haroldo de Campos intitulado Visualidade na Poesia Japonesa, reproduzido no seu livro a Arte no Horizonte do Provável e Outros Ensaios, da Editora Perspectiva, 1969. A tradução para o português, disponível no site www.usinadeletras.com.br, tem o vocábulo chuva alinhado do lado esquerdo, tendo sido feita outra versão com alinhamento de chuva do lado direito.





[ix] Em 25.07.1964, p3, juntamente com poemas de Horiuchi Reiko, Kitasono Katue (1902-1978) e Matsuo Basho (1644-1694), traduzidos por Haroldo de Campos, e Akito Osu, com fotos de Ezra Pound (1885-1972) e da lápide, por mim fotografada, abrigando os restos mortais de Ernest Francisco Fenellosa (1853-1908) que visitei em 1964.





[x] Nota nº 7 inserida no final do artigo Visualidade na Poesia Japonesa.





[xi] Em Arte no Horizonte do Provável e Outros Ensaios, p63/64 e 67.





[xii] No título deste poema de Akito Osu estão representados os três tipos de símbolos utilizados na escrita do japonês: um dos ideogramas herdados da China, o substantivo & 38632;= ame = chuva,e dois dos grupos silábicos criados pelos japoneses: o dos hiraganas, & 12398; = no = contração de de + a; eo doskatakanas, o substantivo & 12491;& 12531;& 12501; = ni n fu (herdado do inglês nymph = ninfa).





[xiii] Tradução de L. C. Vholes, de 1960, está disponível no site www.usinadeletras.com.br.





[xiv] Orientalista italiano (1886-1980), autor de livros e outros materiais didáticos para estudo de japonês, produzidos de parceria com sua esposa Eiko Elisa Vaccari.



[xiv] Medida, unidade de comprimento equivalente a cerca de 3 cm; norma.



[xiv] Os ideogramas deste parágrafo foram por mim acrescidos para reproduzir e ser fiel ao que consta da página 68 do livro de Haroldo de Campos, citado.



[xiv] Realizada em Tóquio, com a participação de 28 poetas de 5 países: Brasil (13), Alemanha (8), Japão (5), França e Suiça (1).





 





 





 





 



 





 




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