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Erotico-->12. A FALA REPERCUTE -- 17/01/2003 - 09:18 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Antunes ficou muitíssimo impressionado com a manifestação do douto orientador. Mas achou que poderia ter sido mais claro, falando em termos mais compreensíveis. Do jeito que fez, obrigava o grupo a executar a sua sugestão de reproduzir a gravação por escrito, já que se afigurava de muita substância doutrinária.

Em suma, entendeu que deveria continuar prestando assistência aos petizes, no interesse deles e seu. O mais deveria discutir com os companheiros de mesa evangélica.

Ao término da reunião, os comentários foram gerais:

— O amigo João hoje esteve demais. Mandou bala na Doutrina e rasgou o verbo.

— Se Antunes não ficou satisfeito é porque é muito caturra.

Precisava expressar seus sentimentos:

— Olha, gente, achei tudo ótimo e reconheço que me deram muito mais atenção do que podia imaginar. Mas estou achando que sou muito pequenino pra me envolver com tanta sabedoria. Vocês já pensaram se aquelas balas me tivessem mandado pro lado de lá? Vocês iam querer me ouvir e eu não teria nada pra dizer.

— Isso é interessante. Faça de conta que você tivesse sido invocado. O que diria aos teus amigos?

O soldado entrou na deles:

— Meus irmãos, graças a Deus! Vocês devem estar interessados em saber por que não fui arremessado diretamente nas trevas. É porque pratiquei o bem, escutando os que me ensinaram, acatando as razões dos mais experientes, trabalhando na farmácia e na distribuição da sopa...

Os demais riam a bom rir.

— ... principalmente, aturando toda essa gente que só pensa em si mesma e pra onde será encaminhada depois da morte.

— Nem morreu ainda e já pensa em nos repreender.

— Contanto que não nos queira “prender”...

— Conte como foi que se “desprendeu” do corpo, já que foi enviado pro outro lado de repente.

— Fiquei dois meses tentando desenlear-me do cordão luminoso que me prendia o perispírito à matéria. Mas o meu amigo e protetor do Centro, o João, veio com uma tesoura bem afiada e cortou o fio bem rente ao umbigo...

A turma estava realmente se divertindo, pois via o esforço do policial para refletir o que aprendera da teoria espírita. Contudo, a “tesoura” provocou os pruridos científicos de um dos estudiosos:

— Nunca ouvi falar nesse instrumento cirúrgico da espiritualidade.

Antunes não se perdeu:

— O nome da “tesoura”, segundo o que me disseram na hora, era comiseração, solidariedade, fraternidade, amor humanitário e universal, e fazia parte do instrumental cirúrgico dos socorristas.

A diversão ia passando dos limites da contenção que o ambiente sagrado exigia, na sensação, principalmente, da presença dos mentores espirituais que os assistiam. A seriedade da resposta de Antunes, refez os ânimos excitados, aproveitando-se ele para cobrar dos responsáveis a transcrição da fala do benfeitor.

— Deixa comigo. Eu também estou interessado em compreender todos os termos. Na próxima semana, trago algumas cópias, se vocês não se incomodarem de receber em xerox de manuscrito. Posso garantir que vou caprichar na letra.

Antunes gostava muito daqueles amigos. Achava-os trabalhadores leais da seara espírita, onde semeavam muito amor e respeito pela obra do Criador, tudo fazendo para construir um lar cristão de atendimento aos necessitados, não só no campo da espiritualidade como da matéria.



Comentou com a esposa, católica fervorosa, o que se passara na sessão, prometendo-lhe levar a transcrição da palestra.

— Você sabe que não acredito nessas coisas.

— Não precisa acreditar. Você vai ler e avaliar se existe alguma coisa ruim. Desse modo poderá me orientar, segundo o teu ponto de vista.

— Desde que não estejam falando mal da Igreja nem dos Sacerdotes.

— Pelo que entendi, não se falou mal de ninguém... Ou melhor, o Irmão João disse qualquer coisa a respeito dos espíritas que não prestam atenção no que lêem, precisando ser alertados pra todos os pontos da Doutrina a toda a hora.

— Bem feito. Aposto que estava se dirigindo a você.

Antunes gostava dessas tiradas da mulher, quando observava que, na verdade, ela estava com a tendência a acreditar no fato mediúnico. Não ia com ele, com certeza, por estar com medo, porque o confessor devia ter advertido para a presença dos demônios durante as sessões.

— Vou aproveitar este mês que falta de licença médica pra investigar onde se encontram os irmãos do pobrezinho do hospital. Amanhã mesmo vou falar com o pai deles. Movimento os colegas e ponho uma das viaturas à minha disposição.



No dia seguinte, Antunes não conseguiu dissuadir nenhum dos companheiros a lhe servir de motorista. O pessoal estava muito atarefado e os carros estavam escasseando, já que a manutenção não se fazia e também não se repunham os veículos. Desde que se internara, o quartel perdera quinze viaturas avariadas em acidentes durante as perseguições aos bandidos. Nesse mesmo tempo, mais três colegas foram baleados e dois morreram. Nem o argumento de que precisava levar conforto às famílias deles convenceu os demais a conduzi-lo.

Havia um recurso: convidar algum dos amigos do “Caminho e Vida” para ir com ele nesse trabalho caritativo. Entretanto, todos estavam muito ocupados em seus empregos e serviços durante o dia. Só poderiam à noite e ele estava precisando ir de manhã atrás do pai das crianças. Não queria encontrá-lo bêbado. A pé, iria ser muito penoso, porque não se recuperara totalmente do tiro na coxa. Até para respirar tinha dificuldade. Ainda bem que o Centro distava um quarteirão de casa e ali poderia ir sem receio de sofrer muito.

Lembrou-se de que já tivera um fusquinha velho, que precisou vender para comprar a casa, juntando a todas as economias, inclusive ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço da época em que era funcionário de casa de comércio. Restava uma dívida que levava cerca de vinte por cento do salário. O que vinha ajudando era o trabalho que o filho mais velho arranjara. Ganhava pouco, mas, aos dezesseis anos, ia obtendo independência financeira, aliviando em muito as despesas da casa. Com isso, na Caderneta de Poupança, avultava certa quantia, tentação crescente para dar de entrada noutro carro velho. A mulher, contudo, foi taxativa:

— Não estamos precisando de carro. Usa o da ronda, como todos fazem. Se for pra ir atrás daquela família de mal-agradecidos, ainda menos que você vai conseguir me convencer a comprar. Já pensou no gasto com a gasolina, além das prestações mensais?

Falaria ainda por mais quinze minutos, mas o policial desligou-se da freqüência em que a esposa emitia as razões que evidenciavam que deveria estar fazendo outros planos para o dinheiro.

Naquele dia, Antunes teve de se resignar a ficar em casa. À noite, voltou ao Centro Espírita. Livrava-se das novelas da televisão. Caminhava devagar e meditava a respeito das transmissões eletrônicas:

“Essas novelas o mais que fazem é prender em casa pessoas que poderiam estar progredindo muito mais, se fossem ajudar em alguma causa nobilitante. Será que muitas mulheres se conservam católicas pra ficarem com o tempo livre pra televisão?...”

Recordou-se de ter ouvido uma companheira de tarefas socorristas comentando capítulos de certa novela. Aguçara o ouvido e ficou sabendo que deixava o vídeo ligado, gravando a programação. Era um recurso válido, que ele, coitado, não podia oferecer à mulher. E se destinasse o dinheiro para a compra desse aparelho?

Antes de chegar junto à porta do velho prédio, havia percebido que estava bolando saídas para atender às solicitações do mentor espiritual. Não decifrara o discurso em todos os termos, mas o sentido geral se lhe havia impregnado na mente. Era preciso ajudar as pessoas e a sua inoperância estava incomodando sobremaneira.

As primeiras frases que ouviu o médium reproduzir foram:

— O mundo não foi feito às pressas. Há milhões de anos que tudo evolui. Quem estabelecer a paciência como a primeira das virtudes, haverá de conquistar todas as outras.

“Será que esse espírito está se dirigindo indiretamente a mim?”

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