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Erotico-->10. ANTUNES TOMA TENTO DA REALIDADE -- 15/01/2003 - 09:18 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Ninguém informou ao soldado a desgraça que se abateu sobre Cléber. O amigo de corporação limitou-se a referir-se ao bom estado da criança, mentindo, ingenuamente.

Também não quis o bondoso miliciano enviar algum dos filhos, porque temia pela segurança dos rapazes, andando pelos bairros menos civilizados da cidade. Grassava o crime, onde a lei não conseguia instalar postos de segurança, como delegacias ou quartéis. De resto, sabia ele muito bem que tais casernas muitas vezes eram assaltadas por quadrilhas para resgate de facínoras, para execução de inimigos ou, simplesmente, para intimidação das autoridades policiais, ocasião em que roubavam as armas e destruíam os móveis e apetrechos eletrônicos.

A família de Cléber não moveu palha no sentido de descobrir o que tinha ocorrido ao protetor do garoto. Não se acreditava na legitimidade dos sentimentos de fraternidade e de solidariedade. Não se admitia que alguém pudesse interessar-se pelo semelhante desvalido, até mais, inclusive, do que os próprios pais. O que era levado pelo policial era recebido como se cumprisse obrigação, mesmo que somente desse ouvidos à consciência. Se perguntassem à mãe ou ao pai, diriam: “Deve ter um peso qualquer na consciência e quer se aliviar. Quem sabe matou alguns pivetes e agora quer se livrar das acusações da consciência.” Falariam da consciência do outro, sem consultar a própria.

Três semanas ficou Antunes preso ao leito hospitalar. Quando pôde voltar para casa, quis passar para ver como ia o amiguinho Gaspar. Encontrou a casa vazia. Ninguém atendeu aos chamados. Buscou na vizinhança quem pudesse dar-lhe informações. A vizinha do lado se prontificou:

— O senhor é a pessoa que vinha trazer os remédios?

— Eu mesmo.

— Por que só agora é que voltou?

— Como assim? Que foi que aconteceu?

— A família está desfeita.

— Desfeita?

— O marido bateu tanto na mulher que ela não quis mais ficar com ele. Deu as crianças menores para a vizinhança e se mandou. O menino menor desapareceu. Dizem que está abobalhado, vivendo de esmolas. O mais velho, desde que cortaram as pernas dele, está no hospital.

— Santo Deus! Cortaram as pernas dele?

— É. Apodreceram por falta de cuidados.

— Em qual hospital está o pobrezinho?

— No mesmo do Gaspar. Foi a enfermeira...

— Deixa pra lá. E o pai?

— Sai pra trabalhar de manhã. Mas não deve chegar lá, porque sempre está saindo depois das nove. Volta (quando volta), às dez da noite. Capengando de bêbado. Está a toda a hora causando problemas com os homens, nos bares. Já andou apanhando e já foi preso, porque tentou esfaquear o dono do boteco.

A mulher falava rápido. Não queria perder nenhuma informação. Mas não via no soldado a mesma figura alegre das outras vezes.

— O senhor está doente?

— Levei dois tiros de um marginalzinho. Mas agora estou quase bom. A senhora não ficou com nenhuma das meninas?

— Eu não, que já me bastam os três que eu tenho. Depois, elas devem estar servindo pra mendicância.

Antunes fez sinal com o dedo de positivo e voltou para a viatura.

— Vamos ter de fazer uma visita antes de irmos pra casa.

— Que visita?

— Ao que você me disse que estava bem e de quem cortaram as pernas.

Não adiantava responsabilizar o amigo. Que poderia ter feito ele para evitar a desgraça? Se fosse simples determinar um destino melhor para as pessoas, havia tanta gente nos centros espíritas...

Antunes se perdia nesses pensamentos, quando chegaram ao hospital.

— Cléber, meu filho, como foi isso?

O rapazinho não quis responder. O médico avisara o visitante de que o traumatismo moral estava impedindo o jovem de aceitar a cirurgia. A mãe viera nos primeiros dias e depois, inexplicavelmente, não apareceu mais. O pai também não se apresentava para dar conforto ao filho. As enfermeiras eram rejeitadas, quando manifestavam interesse em ajudá-lo. Os médicos recebiam na cara palavras de baixo calão, havendo necessidade, muitas vezes, de dopá-lo, tanta era a agitação no leito. Por duas vezes, encontraram os tocos das pernas abertos, com os pontos desfeitos, precisando levá-lo de novo para a cirurgia. O padre desistiu dele, porque xingava Deus e os santos. A única pessoa que chegou a aceitar foi o médico encarregado das próteses. Mesmo assim, ao saber que deveria demorar para que as pernas mecânicas fossem providenciadas, precisando de muletas, teve tremenda crise, pondo em risco todo o tratamento.

Antunes insistiu em conversar, mas não obteve sucesso. Lágrimas abundantes escorriam pelo seu rosto, a ponto de impedi-lo de continuar ali. Não estava preparado para enfrentar tão triste condição. Pediu ao amigo que o levasse embora. Iria para casa. Reconhecia a falência da intercessão que pretendera levar a efeito naquele lar. Não compreendia como é que os protetores da família, nem mesmo o seu, não puderam impedir a tragédia.

Naquela mesma noite, compareceu à sessão no Centro Espírita. Precisava, urgentemente, de esclarecimentos dos orientadores espirituais da casa.

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