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Ensaios-->Empreendedorismo: Delmiro Gouveia e sua fábrica no Sertão -- 25/07/2007 - 16:43 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Delmiro Gouveia - Uma Fábrica no Sertão

Eider Dantas

(Texto disponível no endereço http://eiderdoo.sites.uol.com.br/delmiro.htm)


A Destruição

Em abril de 1930, uma equipe de demolidores partiu do porto de Recife para uma longa viagem. Navegaram para o sul até o porto de Piassabussu, na foz do rio São Francisco. Subiram o rio até Piranhas, de onde puderam prosseguir viagem pela ferrovia, até chegar ao distrito da Pedra, município de Água Branca, no extremo oeste das Alagoas, a 400 quilômetros do litoral.

Chegando, iniciaram imediatamente o cumprimento de sua tarefa. Com marretas, destruíram meticulosamente um grande número de máquinas inglesas ali instaladas, numa grande fábrica. Depois, transportando os destroços em carretas puxadas por juntas de boi, dirigiram-se para a cachoeira de Paulo Afonso, distante 20 quilômetros, e jogaram tudo penhasco abaixo.

O Brasil não era mais uma colônia e eles não estavam dando cumprimento a nenhum alvará régio. Tratava-se isto sim, de mais uma batalha numa guerra que havia sido prevista pelos industriais brasileiros.


Distrito de Pedra - Condições sociais invejáveis até para os dias atuais

O distrito da Pedra, onde se deu aquela batalha estúpida de homens contra máquinas, contava com uma população de cerca de cinco mil pessoas. Suas residências eram servidas de luz elétrica, água corrente e esgotos. Funcionavam ali oito escolas, sendo duas profissionais. Dali partiam cinco estradas de rodagem e as terras em redor, beneficiadas pela irrigação, produziam algodão, mandioca, feijão, milho e arroz. Havia criação de gado zebu e holandês e estavam sendo realizadas experiências com novos cruzamentos.


Companhia Agro-Fabril Mercantil

Toda essa atividade era resultado da atuação da Companhia Agro-Fabril Mercantil, organizada em 1912. O artigo 4º de seus estatutos descrevia assim seus objetivos:

'A Companhia tem por fim explorar nos Estados de Pernambuco, Alagoas e Bahia o comércio de gado vacum, cavalar, caprino e ovino, plantio de algodão, irrigação de terras secas, força elétrica e suas aplicações em indústria fabril, para o que se utilizará dos direitos e concessões feitas pelo governo do Estado de Alagoas aos incorporadores ou organizadores da Cia., os senhores Iona & Cia., conforme decretos 499, 503 e 520, que concederam o direito de aproveitamento das terras secas e devolutas no município de Água Branca, a isenção de impostos para a exploração de uma fábrica de linhas e o aproveitamento da força hidrelétrica e sua transmissão em todo o Estado...'


Delmiro Gouveia

O organizador da empresa foi o cearense Delmiro Gouveia, que chegou a Pedra em 1903, quando ali havia pouco mais de cinco casebres em torno de um terminal da ferrovia que unia Piranhas a Petrolândia, pela qual circulava um trem por semana. Filho ilegítimo de um fazendeiro e negociante de gado, que morrera na Guerra do Paraguai, ele contava então com cerca de 40 anos e havia sido um bem sucedido comerciante na cidade do Recife.


'Rei das Peles' - A prosperidade no Recife

A trajetória de Delmiro Gouveia tem dois momentos. Primeiro momento: servindo inicialmente de intermediário entre os produtores de peles de cabra, carneiro e couros de boi espalhados por todo o sertão nordestino e os comerciantes estrangeiros sediados no Recife, trabalhou depois para a Keen Sutterly & Co., da Filadélfia. Tornou-se em 1892, gerente de sua filial. No ano seguinte, quando a matriz faliu, ele comprou seus escritórios no Recife e fundou a Delmiro Gouveia e Cia. Ligou-se à firma L. H. Rossbch, Brothers de Nova York e, com seu apoio financeiro, eliminou todos os concorrentes. Com postos de compra espalhados por todo o Nordeste, tornou-se conhecido como o 'rei das peles'. Sua residência, um palacete que pertencera ao gerente da filial do British Bank, tornou-se ponto de freqüência obrigatória para o 'grand monde' recifense.

Ampliou e diversificou seus negócios construindo o grande Mercado do Derby, a primeira instalação da cidade a ser servida de energia elétrica. Adquiriu a Usina Beltrão, que com maquinismos importados da Europa pretendia refinar o açúcar bruto dos engenhos e bangüês por um processo de dupla cristalização, à vácuo.

Embora tenha chegado a presidir a Associação Comercial, Delmiro Gouveia havia se indisposto com os oligarcas da família Rosa e Silva que governava o Estado. Sua refinaria foi boicotada pelos produtores e seu mercado incendiado. Faliu, foi perseguido e, sob ameaça de prisão, viu-se forçado a fugir para o vizinho estado de Alagoas, terminando por se instalar no distrito de Pedra.


Reerguimento de Delmiro Gouveia - Distrito de Pedra

Segundo momento: com apoio financeiro dos irmãos Rossbach, uniu-se a dois sócios italianos, Lionelo Iona e Guido Ferrário, formando a firma Iona e Cia., com sede em Maceió.

A região onde ficava situado o distrito da Pedra, na confluência de quatro estados, servida por ferrovia e banhada pelo rio São Francisco, funcionava como corredor de todo o comércio do sertão. Tropas de burros - a firma chegou a possuir 200 - traziam peles e couros dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Sergipe. Na Pedra elas eram tratadas e enfardadas. Seguiam de tem até Piranhas, desciam o São Francisco até Penedo e por mar seguiam para Maceió, de onde eram exportadas para os Estados Unidos. Em pouco tempo, Delmiro recuperou sua fortuna e o título de 'rei das peles'.

Delmiro Gouveia - Pioneiro da Eletrificação (Antevisão de Paulo Afonso como fonte de energia para o Recife)

Delmiro Gouveia viajou diversas vezes à Europa e aos Estados Unidos e viu de perto os efeitos revolucionários que a utilização da energia elétrica tivera na indústria. Quando ele conheceu o distrito da Pedra, sua proximidade da cachoeira de Paulo Afonso e as possibilidades de explorar racionalmente toda aquela região, teve a idéia de realizar ali um grande projeto.

Em 1909 ou 1910, chegou à Pedra uma comissão de cientistas, engenheiros e técnicos, liderados por um empresário norte-americano de nome Moore. Visitaram a cachoeira, avaliaram suas possibilidades e, em sucessivas reuniões com Delmiro, acertaram a formação de uma grande empresa. O plano: Delmiro deveria comprar as terras adjacentes à cachoeira nos estados de Alagoas, Pernambuco e Bahia. Em seguida conseguir autorização desses três Estados para explorar a cachoeira. Satisfeitas estas pré-condições, os capitais norte-americanos fluiriam para a construção de uma grande hidrelétrica, que geraria energia para iluminar e abastecer o Recife. A energia restante seria utilizada para um empreendimento agro-industrial a se instalar nas terras em torno da cachoeira. Plantações irrigadas forneceriam matérias-primas para indústrias que seriam movidas pela abundante energia.


Negativa do Gov. Dantas Barreto da instalação dos postes em solo pernambucano

Delmiro começou a adquirir as terras e obteve diversos contratos de opção de compra e venda. Mas o governo de Pernambuco, mesmo depois da substituição da oligarquia Rosa e Silva, não quis negócios com ele. Conta-se que o governador Dantas Barreto, eleito no final de 1911, consultado por Delmiro se autorizaria a instalação em território pernambucano dos postes para conduzir a eletricidade até a capital, teria respondido: 'O negócio que o senhor propõe é tão vantajoso para o Estado que deve envolver alguma velhacaria'. E negou. Sem autorização governamental, o contrato com os americanos não pôde ser cumprido.

Redimensionamento dos projetos de geração de energia

Forçado a reduzir as dimensões do projeto, e sempre com o apoio dos irmão Rossbach, ele organizou a Cia. Agro-Fabril Mercantil. Com turbinas e geradores alemães e suíços, instalou, num dos saltos da cachoeira, o de Angiquinho, no lado alagoano do rio, uma usina hidrelétrica que gerava 1.500 HP, com uma voltagem de 3 KV. Pessoalmente, escolheu, na Inglaterra, máquinas da indústria Dobson & Barlow, para uma fábrica que iniciou, em 6 de junho de 1914, a produção de linhas de coser, para rendas e bordados, fios e cordões de algodão cru em novelos, fios encerados e fitas gomadas para embrulhos.


O sucesso das linhas Estrela

A fábrica era formada por três grandes pavilhões unidos entre si. No primeiro ano, empregando 800 operários, a produção diária era de 1.500 a 2 mil carretéis. As caixa para embalagem eram construídas com tábuas de pinho que vinham do Paraná. Os carretéis vinham da Finlândia e o primeiro algodão processado veio do Egito. Em seguida este foi substituído pelo nacional, do tipo seridó, que a empresa plantava em suas terras. Os rótulos com a marca Estrela eram impressos em litografia instalada na própria fábrica.

O mercado brasileiro, assim como o latino-americano, de linhas de costura era monopolizado, até então, pelo grupo britânico Machine Cotton (atual Linhas Corrente), encabeçado pela J.P.Coats & Co. e tendo como subsidiárias a Clark & Co. e a Ross & Duncan. Com o início da Primeira Guerra Mundial, seus produtos escassearam no mercado. A produção da Pedra havia começado dois meses antes do começo da Guerra. A linha marca Estrela, que logo se tornou conhecida por sua qualidade e resistência, obteve aceitação imediata. A fábrica passou a funcionar 24 horas por dia, em três turnos de 8 horas, produzindo mais de 20 mil carretéis por dia. A Cia Agro-Fabril instalou depósitos no Rio de Janeiro, Recife, Paraíba e Fortaleza, chegando a empregar 3.500 pessoas em suas diversas atividades. Em 1916, as linhas Estrela abasteciam os mercados da Argentina, Chile, Peru e outros países andinos.


Reação da Machine Cotton (Linhas Corrente)

A Machine Cotton não demorou a reagir. Em 1916, mesmo antes da Guerra terminar, registrou no Chile e Argentina a marca Estrela, forçando o produto brasileiro a voltar à Pedra para ser embalado e ter seus rótulos trocados. Em seguida, tentou comprar a fábrica de Delmiro oferecendo-se a pagar um preço equivalente a três vezes o capital realizado mais os lucros previstos para os próximos dez anos. Depois de ver recusada essa oferta, em tom de ultimato, exigiu obter uma participação mínima na empresa em troca de 'parar a guerra' movida contra a marca Estrela. A intensidade da guerra que estavam dispostos a manter pode ser avaliada se levarmos em conta que o truste alegou ao jornal Daily Mail de 19 de fevereiro de 1920 que, no ano anterior, seus lucros haviam sido de 19% na Inglaterra e de 80 % no Exterior.


Morte de Delmiro Gouveia

Delmiro Gouveia, que recusou todas as ofertas, não viveu para participar das últimas batalhas dessa guerra. Em 10 de outubro de 1917, foi assassinado em circunstâncias nunca total mente esclarecidas.

Ele havia encomendado quatro novas turbinas e pretendia geral 10 mil HP para alimentar uma fábrica de tecidos com 2 mil teares. Pesquisava a possibilidade de industrializar as fibras da região como o sisal e caroá. Além disso, pretendia plantar fumo e fabricar cigarros. Da cana-de-açúcar contava extrair a celulose e lançar-se à produção de papel.


Intensificação da guerra contra as linhas Estrela

Depois de sua morte, as pressões do truste se intensificaram. Por todo o território nacional os comerciantes passaram a ser chantageados para não vender as linhas da marca Estrela. Além dos 10% de comissão, a Machine Cotton dava aos comerciantes um bônus semestral no valor de 5% das vendas totais. Ela passou a retirar esses bônus daqueles que insistissem em vender o produto brasileiro. Agentes do truste se disfarçavam de fregueses, e funcionários da Recebedoria do Estado eram subornados para elaborarem listas de comerciantes que compravam as linhas Estrela clandestinamente.

Mas a tática que definiu o destino da guerra foi a prática da manobra conhecida com 'dumping'. As linhas da Machine Cottom eram vendidas aqui pela metade do preço que alcançavam na Inglaterra, apesar dos gastos com fretes e tarifas. Dessa forma foram liquidadas duas outras fábricas que haviam se instalado no país. E o truste comprou, depois de forçar sua desvalorização, as ações da Cia. Brasileira de Linhas de Coser, de São Paulo, que se tornou sua subsidiária.

Pres. Artur Bernardes defende a Cia. Agro-Fabril contra 'dumping'

Tais práticas foram denunciadas oficialmente no Decreto 17.383 de 19 de julho de 1926 que o presidente da República Artur Bernardes assinou, quintuplicando o valor da taxa de importação sobre linhas de coser. O texto introdutório do Decreto aludia à 'terrível concorrência' movida contra a única fábrica brasileira de linhas e baseava-se em documentos apresentados pela Cia Agro-Fabril para afirmar que estava evidenciado o 'propósito dos fabricantes estrangeiros de extinguir a concorrência nacional, para, dominando o mercado, estabelecerem preços exorbitantes'.

Pressão dos banqueiros ingleses (Qualquer semelhança com os dias atuais de 'globalização' não é mera coincidência)

Dois anos depois, no governo Washington Luis, a lei foi revogada. Empenhado em estabilizar a moeda e contando para isso com os banqueiros ingleses, o presidente teria sido advertido, pelo embaixador britânico Henry Lynch, de que os banqueiros seus compatriotas considerariam a volta da barreira alfandegária como um ato de hostilidade.

No dia de finados, 2 de novembro de 1929, em Paislay, Escócia, na sede da Machine Cotton, a fábrica da Pedra foi vendida por 27 mil libras, seguindo-se o desmantelamento das máquinas.


BIBLIOGRAFIA

Azevedo, Carlos e Zago Jr, Guerino. Série 'Retrato do Brasil': Do Tear ao Computador - As lutas pela industrialização no Brasil. São Paulo, Editora Política, 1988

Fonte para aprofundamento no tema
Martins, F. Magalhães. Delmiro Gouveia - Pioneiro e Nacionalista. 2ª Edição. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira/MEC, 1976.

Agradecimentos:

Aos jornalistas Carlos Azevedo e Guerino Zago Jr, a toda a equipe por eles dirigida e à Editora Política que, após exaustivo trabalho, permitiram que tomássemos conhecimento dos esforços pela industrialização no Brasil.

A todos aqueles que continuam acreditando na possibilidade de fazermos um Brasil grande, com o fortalecimento da produção nacional, do mercado interno, uma distribuição de renda mais igualitária, saúde e, acima de tudo, educação para todos, a despeito de todo o estrago realizado nos últimos anos pelos que rezam pela cartilha neo-liberal.

Críticas, comentários e sugestões:

Esta Web Page foi organizada em 20 de Março de 1999 por Eider Dantas do Ó. Críticas, comentários e sugestões podem ser enviadas por E-Mail para eiderdoo@uol.com.br



Comentarios

RENATO SOUZA FERRAZ  - 14/08/2023

Excelente texto! Eu sou natural de Delmiro Gouveia, morei lá até 1969. A trajetória do fundador da cidade, Delmiro e Gouveia e história da cidade são muito bonitas. Parabéns pelo texto!

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