Usina de Letras
Usina de Letras
248 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140786)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6176)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->O imperativo cosmopolita -- 21/05/2007 - 09:08 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Imperativo Cosmopolita

Claudio Téllez (*), 20 de maio de 2007
http://www.claudiotellez.org/

O primeiro grande debate teórico nas Relações Internacionais como campo de estudos foi a oposição entre realistas e idealistas. Logo após o término da Primeira Guerra Mundial, a retórica pacifista do presidente norte-americano Woodrow Wilson pareceu concretizar-se na criação da Liga das Nações, erigida sobre os princípios da democracia, da liberdade e da auto-determinação dos povos, de modo a permitir, mediante o conceito de segurança coletiva, a garantia da paz e a promoção da cooperação no meio internacional.

Os turbulentos anos do período entre as duas primeiras guerras mundiais colocaram contra a parede a viabilidade da institucionalização da paz mundial e o irromper da Segunda Guerra Mundial foi um duro golpe para os proponentes do internacionalismo idealista. Os teóricos do Realismo Político tomaram a dianteira na consolidação das Relações Internacionais como disciplina dentro da Ciência Política. A partir de 1947, com a Guerra Fria, o Realismo afirmou-se como corrente teórica predominante.

A dura e fria realidade da política internacional, contudo, não foi suficiente para enterrar as pretensões ideológicas dos idealistas. A razão ideológica, ao contrário da razão científica, não tem compromisso algum com a realidade ou com a intelecção como ato de apreensão do real. Ideólogos propõem realidades, não se atêm ao real e não o aceitam como teste para a validade de suas construções teóricas, já que reivindicam o monopólio sobre a autoridade moral que lhes permite desdenhar do mundo como ele 'é' e pensá-lo como acreditam (ou fingem que acreditam) que ele 'deveria ser'.

A complexa realidade das dinâmicas internacionais contemporâneas, inclusive - e talvez principalmente - o temor diante da ameaça do terrorismo, confere fôlego a diversas propostas de caráter idealista. O filósofo norte-americano Louis Pojman (1935 – 2005), que foi professor na Academia Militar de West Point, defendia uma resposta moral ao terrorismo, baseada na criação de um governo mundial para a promoção da paz e da cooperação mediante a legislação internacional.

As propostas de Pojman partem da idéia de que é possível existir a cooperação compulsória, ou de que a paz pode ser institucionalizada. Aqui, estamos tocando em um dos temas centrais da Filosofia Política desde a época dos nossos antepassados intelectuais na Grécia antiga: o bem comum. É a partir desse tema que o pensamento político abordará questões como a legitimidade do poder, a origem da autoridade, a natureza das leis, a representatividade do governo e tantas outras interrogações que compõem a problemática das relações dos homens consigo mesmos, com os outros homens, na vida em sociedade e para com a transcendência.

A cooperação surge da identificação de interesses comuns. Diante de um problema que diz respeito a mais de um agente, às vezes pode ser possível coordenar modos de ação para resolvê-lo. Entretanto, mesmo diante de interesses comuns, cada parte terá também seus objetivos particulares. A cooperação também requer, portanto, que as interações sejam voluntárias. Temos, por exemplo, o problema do terrorismo islâmico, que representa uma ameaça para as nações que compõem o que se entende por civilização ocidental. Diante dessa ameaça e da identificação de interesses comuns (sobrevivência e preservação da identidade), é possível coordenar ações para que o conjunto da ocidentalidade lide com o problema através de respostas capazes de proporcionar resultados mais eficientes do que se cada uma das partes enfrentasse o problema individualmente. Cada nação ocidental, por sua vez, posicionará o problema do terrorismo em um lugar diferente na sua escala de prioridades.

Tanto no interior das sociedades quanto no ambiente internacional, a cooperação nasce, portanto, da identificação de interesses comuns e das interações voluntárias entre as unidades individuais. No interior de um Estado-nação, são essas interações voluntárias entre os indivíduos, cada um buscando a concretização de seus interesses particulares, que fazem surgir o bem comum da sociedade. Já no exterior dos Estados, isto é, no meio internacional, os interesses particulares são mais complexos e envolvem a razão de Estado, uma razão que a razão idealista desconhece. Essa diferença entre o que é bem comum dentro de uma determinada sociedade e o que é bem comum entre os Estados no sistema internacional decorre da dupla expressão do conceito de soberania. No interior de um Estado-nação, a soberania expressa-se como o império das leis dentro das fronteiras territoriais do Estado. No exterior, contudo, a anarquia do sistema internacional não permite a existência de um império das leis e o que dita a última palavra é a força.

Qualquer tentativa de eliminar os conflitos no meio internacional através da instituição forçada da cooperação implicará necessariamente na supressão das vontades individuais. Assim como o socialista acredita que o seu modelo político e econômico será o mais benéfico para todos os membros da sociedade (mesmo que seja apenas no longo prazo), os defensores da idéia de um governo mundial acreditam que é possível criar um império das leis entre as nações, garantindo assim um objetivo desejado por todos – a paz mundial. Se os adeptos do socialismo defendem a imposição do altruísmo por obrigação, criando assim a ilusão de uma sociedade justa e fraterna, os proponentes do governo mundial, por sua vez, defendem a necessidade de impor a cooperação por obrigação, criando a ilusão de um mundo pacificado.

A idéia de que o progresso racional da humanidade terminará por abolir as diferenças entre os povos e recriar uma suposta unidade perfeita primordial envolve a negação do tempo histórico e o desejo de um retorno às origens, ao 'tempo fabuloso dos começos', nas palavras de Mircea Eliade. Seria possível, a partir do exercício racional, criar na realidade o cosmopolitismo perfeito? Talvez, porém somente através da anulação das vontades individuais e da submissão a esse imperativo cosmopolita. A unidade perfeita em torno do ideal da paz implicaria na negação das individualidades e, em última análise, na aceitação de que somos partes de uma coisa só, que alguns chamam de 'consciência cósmica' ou de 'vibração universal'. É por isso que, concomitante ao movimento em prol da instituição de um governo mundial, promove-se a negação da identidade moral e cultural do ocidente (isto é, o desprezo das raízes judaico-cristãs) e a disseminação do panteísmo oriental como resposta ao vazio existencial resultante do relativismo.

Muitos dos proponentes de um governo mundial vêem na Organização das Nações Unidas muito mais do que um palanque ou foro de debates para a promoção do diálogo entre as nações. A intervenção dos Estados Unidos no Iraque provocou tanta fúria da parte dos 'intelectuais globais' não por ter sido uma violação do 'direito internacional', como alegam, mas principalmente por ter representado um duro golpe no projeto de consolidação das Nações Unidas como centro das decisões políticas mundiais. Os ideólogos da paz na verdade não se importam com a soberania dos iraquianos ou com questões humanitárias. O que eles realmente desejam é uma organização ou entidade supra-nacional que tenha autoridade sobre o gládio temporal das diversas nações.

A idéia de um governo mundial, representado pelas Nações Unidas ou por outra coisa qualquer, significaria a consolidação de um supra-Estado ético, onde a 'plenitudo potestatis' (totalidade do poder) ficaria nas mãos, naturalmente, daqueles que reivindicam o monopólio sobre a autoridade moral. Qualquer semelhança com Marsílio de Pádua não é mera coincidência, afinal de contas já encontramos no pensamento do paduano vários elementos que constituirão, nos séculos XIX e XX, a base filosófica para os grandes totalitarismos.

O próprio Marsílio de Pádua rejeitou a utilidade de um governo mundial. Ele remetia à unidade do poder nos reinos, onde a autoridade deveria ser indivisível. Porém o imperativo cosmopolita de Louis Pojman parte de uma outra realidade política: a globalização. Sob uma perspectiva globalista, os ideólogos da paz defendem a indivisibilidade da autoridade política para o mundo inteiro, isto é, uma concentração de poder sem precedentes em um projeto megalômano de engenharia social. Caso sigamos por esse caminho, não haverá retorno.


(*) Claudio Téllez é analista internacional e matemático.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui