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Ensaios-->O Rei (ou a Rainha) dos Francos -- 23/04/2007 - 10:48 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Rei (ou a Rainha) dos Francos

Claudio Téllez (*), 22 de abril de 2007
http://www.claudiotellez.org

Em outubro do ano 732 d.C., Charles Martel ('o Martelo'), liderando os francos, derrotou, na célebre Batalha de Tours, os invasores muçulmanos vindos da Espanha. O episódio significou, para diversos historiadores, o início da vitória da cristandade sobre o Islã. De acordo com o historiador militar britânico Sir Edward Creasy (1812 – 1878), 'a vitória de Charles Martel (...) deu um xeque decisivo à carreira das conquistas árabes na Europa Ocidental, resgatou a Cristandade do Islã, preservou as relíquias da civilização antiga e os germes da civilização moderna'.

Sobre a afirmação de Sir Edward Creasy, devemos destacar o final, a preservação dos germes da civilização moderna. O resultado da Batalha de Tours garantiu as bases para o Renascimento Carolíngio e foi nesse período, sob o reinado de Carlos Magno (de 771 a 814 d.C.), que surgiu a civilização européia, fundamentada no passado romano, no modo de vida germânico e na religião cristã. Quando, nos séculos nono e décimo, a Europa sofreu novas e devastadoras invasões dos vikings, magiares e muçulmanos, as bases civilizacionais européias já estavam assentadas. Mesmo após o declínio do Império Carolíngio, os monges católicos preservaram a vida intelectual, a educação européia e a cultura ocidental, garantindo a recuperação da Europa após mais de um século de invasões bárbaras.

Hoje, 22 de abril de 2007, os franceses estão acudindo às urnas para a eleição do sucessor do presidente Jacques Chirac. Dentre os doze candidatos, que ocupam um espectro que vai desde o nacionalismo visceral até o trotskismo, há somente quatro que têm possibilidades de ir para o segundo turno e obter a vitória: o direitista Jean-Marie Le Pen, do partido Frente Nacional, o centrista-liberal François Bayrou, da União para a Democracia Francesa (UDF), a socialista Ségolène Royal, do Partido Socialista, discípula de François Mitterrand, e o centro-direitista Nicolas Sarkozy, do partido União por um Movimento Popular (UMP).

A campanha eleitoral deste ano manteve o foco sobre as questões da saúde econômica doméstica, a reforma das políticas sociais, a imigração, a identidade nacional e as relações com os Estados Unidos. A ênfase, contudo, foi colocada nas questões internas, especialmente na insustentabilidade do modelo econômico atual, no problema do desemprego, no baixo crescimento econômico e na imigração muçulmana.

Economicamente, Jacques Chirac deixa a França em uma situação melhor do que como a recebeu, pelo menos para os padrões da Europa continental. Contudo, a economia francesa caminha rapidamente para a esclerose. Na faixa de 25 a 49 anos, o desemprego caiu mais de dois pontos percentuais desde que Chirac chegou ao poder, porém a taxa ainda é muito elevada (acima de 21%) para a parcela da população situada abaixo de 25 anos. O crescimento francês, no período de Chirac, foi em média de 2.1%. É um número significativamente maior do que o crescimento alemão (1.5%), porém a França ainda fica atrás da Inglaterra e dos Estados Unidos. Alarmante, entretanto, é o tamanho da dívida pública, que aumentou de maneira indecente durante o governo de Chirac e que atualmente ocupa mais de dois terços do PIB do país.

Uma das maiores preocupações do eleitorado francês é a elevada taxa de desemprego, uma das mais altas da União Européia e, tal como no resto do bloco, decorrente em grande parte da insistência no modelo econômico de 'welfare state' e da excessiva rigidez no mercado de trabalho. O problema do desemprego fragiliza a ordem social, já que as pessoas mais jovens enfrentam muitas dificuldades para conseguir trabalho. Apesar da arraigada aversão que os franceses ostentam orgulhosamente com relação ao 'sistema econômico anglo-saxão', já começa a surgir um ponto passivo tanto à esquerda quanto à direita: é necessário reaquecer o mercado de trabalho francês.

Outro assunto que sem dúvida fará a diferença no resultado das eleições presidenciais deste ano é a questão migratória. A maneira de lidar com os imigrantes é um tema central para o interesse nacional de qualquer Estado-nação. Trata-se algo tão importante que contribuiu decisivamente para a chegada de Le Pen, o patinho feio da política francesa, ao segundo turno das eleições presidenciais de 2002, derrotando o socialista Lionel Jospin. Em sua campanha de 2002, Le Pen atribuiu o crescente desemprego à invasão migratória.

O impacto da imigração e da integração não é um problema exclusivamente francês. A União Européia capta um excesso de imigrantes de baixa qualificação, geralmente originários de países árabes, o que afeta a cultura e o modo de vida europeus. A intensa migração, além de incrementar o desemprego, pressiona as infra-estruturas e os mecanismos de assistência social nos países economicamente desenvolvidos. Além disso, abre espaço para a penetração de elementos hostis às sociedades hospedeiras, configurando um problema de segurança. Temos o exemplo recente do cineasta Theo van Gogh, vitimado na Holanda pelo radicalismo islâmico em 2004. O assassino, Mohammed Bouyeri, descendente de imigrantes, nasceu na Holanda, porém possui dupla cidadania (holandesa e marroquina) e agiu motivado pelo fundamentalismo religioso.

Em pesquisa recente do jornal Le Figaro, 56% dos entrevistados consideraram a imigração como um tema importante para o próximo governo. Isso contribui para que o debate eleitoral também gire em torno da identidade francesa e do orgulho nacional. Ségolène Royal mostra-se entusiasmada com a idéia de que todos os franceses tenham a sua bandeirinha em casa. Com relação aos imigrantes, em entrevista recente à radio RTL, Royal afirmou-se favorável à anistia para todos os estrangeiros ilegais que têm filhos estudando em escolas na França. Como na França é obrigatório que as crianças estejam nas escolas, a proposta de Royal significa a anistia para todos os imigrantes ilegais que têm prole.

Já Nicolas Sarkozy é mais realista quanto ao tratamento que deve ser dispensado aos imigrantes. Ele reconhece a imigração como um assunto de segurança nacional e pretende tornar mais difícil a presença dos imigrantes ilegais no país, por exemplo facilitando a sua expulsão e dificultando a reunião das suas famílias. Contudo, reconhece que a imigração pode ser benéfica, desde que os imigrantes se comprometam com os valores franceses, trabalhem pelo seu dinheiro e respeitem as leis. Ora, o que Sarkozy está fazendo é simplesmente afirmar os princípios básicos da soberania de seu país. Diante disso, os críticos que rotulam Sarkozy de 'racista' ou 'xenófobo' acabam apenas demonstrando ingenuidade ou demagogia.

Como o debate eleitoral têm se concentrado nas questões internas, vale a pena comentar como o resultado das eleições francesas repercutirá no sistema internacional. Alguns assuntos centrais, e que têm recebido pouca atenção, são o futuro da integração européia, as relações da França com os Estados Unidos e a interação com o mundo islâmico.

Ségolène Royal encarna o espírito francês contemporâneo ao proferir críticas duras e ácidas contra as políticas dos Estados Unidos no Oriente Médio, ao pedir à Inglaterra que escolha entre a Europa ou um futuro como país 'vassalo da América' (declaração que mereceria uma resposta no programa 'Monty Python’s Flying Circus', se a série não tivesse terminado em 1973) e ao defender que a integração européia significará um contrapeso ao poderio norte-americano. Apesar do Joseph Nye, professor da Universidade de Harvard, defender que as relações franco-americanas deverão melhorar, qualquer que seja o candidato eleito (Ségolène Royal, Nicolas Sarkozy ou François Bayrou), no caso de uma vitória de Royal, o seu anti-globalismo exacerbado e seu apego excessivo ao protecionismo (em um momento em que a França já é - ou pelo menos deveria ser - um país forte) parecem indicar que o seu governo levaria a Europa a se fechar mais ainda na própria Europa, o que talvez represente um reaquecimento do processo de integração europeu depois da derrota do projeto de constituição, rejeitado em plebiscito pelos franceses em 2005.

Já Nicolas Sarkozy não esconde a sua admiração por diversos aspectos da sociedade norte-americana, em particular a ênfase dada à meritocracia como ética do trabalho. O candidato declara-se a favor da globalização, sente afinidades com a 'maior democracia do mundo', é solidário para com Israel e afirma ser necessário trabalhar em parceria com os Estados Unidos em uma agenda global. É claro que, à frente de um possível governo, Sarkozy enfrentaria dura oposição interna às suas posições pró-Estados Unidos e pró-Israel.

Uma possível vitória democrata nas próximas eleições norte-americanas pode significar um fortalecimento dos laços entre os Estados Unidos e a Europa no âmbito de uma política externa mais voltada para o multilateralismo. Sarkozy é favorável ao fortalecimento da aliança transatlântica, porém não deixa de manter-se firme em suas posições de desacordo com os Estados Unidos, por exemplo ao afirmar-se contrário à aceitação da Turquia como membro da União Européia.

Com relação ao mundo islâmico, devemos recordar que, apesar da França ter se manifestado contrária à guerra no Iraque em 2003, no ano passado o terrorista egípcio Ayman al-Zawahiri, da rede Al-Qaeda, ameaçou a França e solicitou ajuda dos extremistas argelinos do Grupo Salafista de Pregação e Combate para que o país 'cruzado' e 'aliado' dos Estados Unidos seja atacado e punido pela sua traição e apostasia. Para os radicais islâmicos, a França é parte da civilização ocidental e a memória da humilhação que os muçulmanos sofreram quando foram esmagados pelos exércitos de Charles Martel, no ano 732 d.C., ainda está viva.

Para os Estados Unidos, uma vitória de Sarkozy poderia significar uma melhoria das relações entre Paris e Washington, após décadas de olhares gélidos. Como os Estados Unidos já contam com um relativo apoio da chanceler alemã Angela Merkel, uma postura francesa mais amigável pode contribuir para o fortalecimento dos laços internos no Ocidente e para o surgimento de um contrapeso às novas potências globais que estão emergindo no continente eurasiano.

Nicolas Sarkozy não esconde que ele sonha com uma França onde os alunos chamam os professores de 'Senhor', onde as escolas ensinam valores morais e onde a meritocracia garante que o trabalho recompensa. Para Sarkozy, a França precisa de um novo Renascimento e não deve 'renunciar a 2.000 anos de civilização e herança cristã'. Através de uma reintegração do Ocidente, mediante a promoção dos valores e da cultura que caracterizam a identidade ocidental, as semelhanças que existem dos dois lados do Atlântico podem voltar a se tornar mais decisivas do que as diferenças. Nesse sentido, uma possível vitória de Sarkozy pode realmente significar o início de um novo 'Renascimento Carolíngio'.

Quem será o próximo rei (ou rainha) dos francos? Nada está decidido e só teremos uma resposta definitiva nas próximas semanas. Seja qual for o caminho que os franceses escolherem, vivemos em um mundo cada vez mais competitivo, onde as ameaças à segurança são mais complexas e no qual novos atores vindos do Oriente estão configurando rapidamente uma nova estrutura para o sistema internacional. Neste mundo novo, a sobrevivência da pequena aldeia gaulesa dependerá da coragem e da sabedoria do próximo governante: coragem para tomar as decisões necessárias para reverter o processo de estagnação econômica pelo qual a França está passando, e sabedoria para assumir que não estamos mais no século XX e que as dinâmicas internacionais do século XXI não deixam muito espaço para paroquialismos.

(*) Claudio Téllez é analista internacional e matemático.


http://www.claudiotellez.org/port/artigos/220407. html

Claudio Téllez
Vice President of Formation and Projects - CIEEP

Personal Web Page: http://www.claudiotellez.org/
E-mail: claudio@tellez.com


'Ever tried. Ever failed. No matter. Try Again. Fail again. Fail better' (Samuel Beckett).





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