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Ensaios-->Ricardo Kotscho, o buldogue de Lula -- 07/02/2007 - 11:31 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ricardo Kotscho, o buldogue de Lula

Félix Maier

O livro de Ricardo Kotscho, Do golpe ao Planalto (*), é uma autobiografia do jornalista que na maior parte de sua vida teve como missão “grudar” em Lula – um trabalho imposto por Mino Carta. Kotscho participou de todas as campanhas presidenciais de Lula, exceto a de 1998, e foi o secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República nos dois primeiros anos de governo do petista (2003 e 2004) e esperava-se que o livro traria algumas novidades sobre Lula. Nesse sentido, foi uma decepção. Parece até que todos fizeram um pacto de silêncio, de Waldomiro Diniz a Carlinhos Cachoeira, de Delúbio Soares aos mensaleiros, dos sanguessugas a Ricardo Kotscho.

Kotscho, ao longo de sua obra, mostra ser um bom sujeito, muito bem-humorado e equilibrado nas análises que faz da política brasileira. Não se utiliza de palavras de ordem tão comuns entre autores de esquerda, os quais, ao invés de discorrer com objetividade sobre a recente história brasileira, preferem dar seus pitacos, repetindo mentiras e meias-verdades por meio de jargões já rotos na Europa do Leste, porém ainda muito atuais nessa terra que reverencia múmias ideológicas como Fidel Castro e Hugo Chávez. Kotscho nunca se filiou a nenhum partido, por isso guarda uma boa distância das tendências políticas em voga nesta Terra dos Papagaios. Porém, quando se trata de defender os amigos, o faz com vigor, mesmo tendo pertencido a movimentos clandestinos e terroristas, como Frei Betto e o jornalista Flávio Tavares.

Por estar tanto tempo “grudado” em Lula, era de se esperar um pouco mais de Kotscho, o “buldogue de Lula”.

Abaixo, alguns dos trechos mais importantes do livro.


Kotscho no Estadão: a nomenklatura tupiniquim

“Com seu jeito manso de falar, Fernando Pedreira, o diretor de redação, assim como quem não quer nada, me passou um recorte de jornal. Era uma extensa reportagem do correspondente do New York Times em Moscou sobre a boa vida e os privilégios dos superfuncionários do governo comunista na hoje extinta União Soviética. ‘Aqui no Brasil está acontecendo a mesma coisa, os mesmos abusos, talvez até pior. Levanta isso pra mim, não tem pressa’.
(...) A tese de Fernando Predeira era que se criara no Brasil, a exemplo do que ocorria na União Soviética, uma casta formada por tecnocratas e militares que, graças à censura imposta aos meios de comunicação, montaram um esquema de poder paralelo fora de todo controle. Em suas viagens ao Rio e a Brasília, o diretor de redação ouvira de alguns amigos histórias de gastos absurdos, as quais podiam servir de ponto de partida para o levantamento da matéria. O problema era que as ‘fontes’ – como são chamadas no jargão jornalístico as pessoas que se dispõem a dar informações aos repórteres – só admitiam falar em off absoluto – ou seja, seus nomes não podiam jamais aparecer.
(...) Nessas conversas, eu não podia nem falar sobre os verdadeiros objetivos da matéria. ‘Estou preparando uma reportagem de comportamento sobre a vida em Brasília, os hábitos das pessoas...’, era o argumento que usava. Foi um senador da oposição, Roberto Saturnino Braga, do MDB, quem me deu a primeira pista: ‘Você tem que começar a ler o Diário Oficial. Está tudo lá. É só procurar o que sai publicado sob a rubrica ‘mordomias’.
De fato, a certeza da impunidade chegara a tal ponto que as longas listas de comes e bebes para residências oficiais, compras de flores e de peças de decoração, aluguel de carros e de jatinhos executivos, reformas em mansões e requisição de passagens aéreas, uso indiscriminado de cartões de crédito, distribuição de dividendos em empresas estatais deficitárias, salários astronômicos – tudo era publicado na imprensa oficial. Uma ou outra informação já vazara para a imprensa. Mas, como os jornalistas não tinham o hábito de ler o Diário Oficial e ainda estavam condicionados pelos anos de censura a não ir atrás de denúncias contra o governo militar, as mordomias continuavam sendo um assunto do conhecimento de poucos.
(...) Lá para o fim de junho de 1976, entreguei a encomenda ao diretor de redação, certo de que ele se entusiasmaria com o que fora apurado e daria a ordem para iniciar a publicação no dia seguinte. Pedreira, porém, nem chegou a ler todas as matérias. Após uma rápida olhada naquela maçaroca de laudas, pensou um pouco, coçou os cabelos brancos e decidiu consultar Julio de Mesquita Neto, o dono do jornal responsável pela parte editorial. ‘Acho melhor a gente tratar este assunto com muito cuidado. O Congresso Nacional vai entrar em recesso de julho, talvez seja melhor esperar a reabertura em agosto. Vai dar mais repercussão. (...) Só me lembro do susto que levei ao voltar de Martim de Sá, em Caraguatatuba, no domingo 1º de agosto e, na banca, dar de cara com a manchete do Estadão: ‘Assim vivem os superfuncionários’. Claro que fiquei contente, até orgulhoso, mas ao mesmo tempo me deu um frio na barriga. Tratava-se, afinal, da primeira reportagem de denúncia sobre abusos e desmandos cometidos por integrantes do governo dos generais implantado doze anos antes.
A pressão dos militares sobre a direção do jornal foi dura e imediata. Julio de Mesquita Neto seria convocado pelo presidente Ernesto Geisel para se explicar em Brasília. (...) A oposição encontrou farta munição para partir para o ataque. ‘Se houvesse responsabilidade, o mínimo que se pode dizer é que o escândalo das mordomias já teria posto abaixo o governo’, disparou o senador gaúcho Paulo Brossard, um dos líderes do MDB. ‘Em nenhum país do mundo civilizado tal fato teria acontecido sem a imediata substituição do governo’. Apesar do barulho provocado pelas matérias, a conseqüência prática das denúncias foi nula. Ninguém foi punido, ninguém perdeu seus privilégios, e as mordomias passaram a fazer parte do nosso vocabulário político, atravessando décadas, indo alegremente dos governos militares para os civis e sobrevivendo a qualquer tentativa de acabar com a impunidade dos donos do poder” (Ricardo Kotscho, in “Do Golpe ao Planalto”, pg. 9, 10, 11, 12 e 13).
Obs.: Ou seja, tudo continua como dantes no terreiro dos xavantes (F.M.).


Kotscho na Alemanha

“Quando comecei a pensar no que fazer da vida, o acaso resolveu as coisas por mim. Selma Santa Cruz, ex-colega da Escola de Comunicações da USP e depois colega de trabalho, me avisou que uma amiga dela, Dorrit, a quem eu não conhecia, queria falar comigo: ‘Ela vai te fazer um convite, e você tem que aceitar!’
Chefe dos correspondentes internacionais do Jornal do Brasil, Dorrit Harazim, nascida na Iugoslávia e importada de Paris por Mino Carta para ajuda-lo a implantar a revista Veja, estava procurando um repórter que falasse alemão para ser correspondente na antiga Alemanha Ocidental. Profissional das mais respeitadas pela sua dedicação e acuidade no trabalho, tinha fama de ser uma chefe severa, apesar da aparência frágil. Mas não foi essa a impressão que tive na nossa primeira conversa, no café do hotel Eldorado, na avenida São Luís, pertinho do Estadão. Para ajudar a me convencer de que aquela era uma boa oportunidade, como se fosse preciso, Dorrit levou com ela um amigo, o jornalista José Roberto Guzzo, diretor da Veja, que também já havia trabalhado como correspondente no exterior.
Nem pensei duas vezes, Era ao mesmo tempo a chance de voltar à Europa dos meus antepassados e de escapar do clima pesado que ainda dominava o Brasil no longo período de agonia da ditadura militar. Vários amigos tinham sido demitidos, pediram para se afastar ou foram afastados dos cargos de chefia no jornal, no auge de um grave conflito entre a redação e a nova ordem instalada no Estadão, após a saída da Censura e a crise financeira provocada pelos gastos com a mudança da sede da empresa para a Marginal do Tietê. Entre esses amigos estava Clóvis Rossi, meu primeiro chefe no jornal, um profissional fora dos padrões convencionais, a começar pela altura. (...)
Chegamos a Bonn bem no meio do tiroteio do Acordo Nuclear Brasil-Alemanha, bombardeado pelos Estados Unidos, e no auge dos atos terroristas do grupo Baader-Meinhof, que tinha acabado de seqüestrar uma avião da Lufthansa. Mal deu tempo de deixar as malas no hotel, e já havia uma pauta da Dorrit me esperando” (idem, pg. 13 e 14).


A construção de Lula

“Do outro lado da linha estava Mino Carta, diretor da grande novidade da imprensa na época, a Istoé, onde já trabalhavam Clóvis Rossi e Raul Bastos, além de outros ex-colegas do Estadão: ‘Meu caro, as coisas estão acontecendo por aqui, não na Europa... Você não viu a revista que te mandamos? Pois então, volta logo para o Brasil e venha trabalhar com a gente’.
Não era propriamente um argumento ou um convite gentil. Italiano de nascença e de temperamento, Mino, que veio bem jovem para o Brasil, nunca foi de admitir muita contestação ao que pensa. Nem era o caso. Na verdade, eu estava louco de vontade de voltar, de trabalhar novamente numa redação cercado de amigos. Na viagem de volta, depois de ainda ter de ir a Roma para cobrir a morte de outro Papa – demorou uma eternidade para sair a fumaça branca indicando a eleição de João Paulo II, sucessor de João Paulo I, que 51 dias antes assumira o trono de Paulo VI -, mais uma vez eu não tinha a menor idéia do que me esperava. Nem podia imaginar que a missão a mim reservada por Mino Carta na revista iria determinar meus caminhos pelo resto da vida. A ordem que ele me deu foi simples e direta: ‘Você vai para o ABC e gruda no Lula. Quero matéria toda semana’ ” (idem, pg. 15).


Um certo Zé Dirceu

“O bom de jornal é que não dá nem tempo de sentir tristeza quando algo não dá certo. Logo o pau começou a quebrar nos confrontos entre a polícia e os estudantes, cada vez mais mobilizados contra a ditadura. Na rua Maria Antônia, entre a Consolação e a avenida Higienópolis, ficavam frente a frente a Faculdade de Filosofia da USP, reduto da esquerda liderado por um certo Zé Dirceu (José Dirceu de Oliveira e Silva, presidente da UEE), e a Universidade Mackenzie, quartel-general do CCC, o Comando de Caça aos Comunistas. Estabeleceu-se ali um permanente campo de guerra, com a polícia no meio” (idem, pg. 44).


Mataram o Vlado!

“A notícia correu como rastilho de pólvora naquele começo de tarde de 25 de outubro de 1975, um sábado. Eu tinha acabado de chegar da chácara de Cotia. Vlado era Vladimir Herzog, jornalista da minha idade, fisicamente muito parecido comigo e com uma origem familiar semelhante, diretor de jornalismo da TV Cultura, uma emissora estatal de São Paulo. Poucas semanas antes, Vlado me convidara para trabalhar com ele, mas tive que viajar a serviço do jornal, e ficamos de nos falar depois. Não deu tempo. Ele vinha sendo atacado havia semanas por um certo Cláudio Marques em sua coluna no Shopping News, semanário que circulava gratuitamente aos domingos. Marques o denunciava como o chefe de uma ‘célula comunista’ implantada na emissora.
Vários outros jornalistas estavam sendo presos naqueles dias, todos acusados de pertencer ao Partidão (como era chamado o Partido Comunista Brasileiro). Tratava-se de um desafio da linha dura do regime militar à proposta de abertura lenta, gradual e segura do presidente Ernesto Geisel. Em São Paulo, o governador Paulo Egydio apoiava a política de Geisel, mas o comandante do então II Exército, general Ednardo d’Ávila Mello, a boicotava, e dava toda a força ao DOI-CODI, a sinistra sigla da repressão fora de controle” (idem, pg. 52).

Obs.: Sabe-se que o Caso Riocentro foi um “acidente de trabalho”, em que um sargento morreu ao manusear um explosivo, ocasionando ferimentos graves em um capitão que o acompanhava no Puma. Apesar de todas as evidências fotográficas mostradas pelo Jornal do Brasil na época, o governo Figueiredo permitiu que um coronel apresentasse uma farsa sob o nome de IPM (Cfr. http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=7969&cat=Artigos). Com referência ao Caso Herzog, tenho algumas dúvidas até hoje, não sei se dá para acreditar nestas esquerdas que escreveram tantas mentiras nas últimas décadas. Afinal, segundo Lênin, “dizer a verdade é um conceito pequeno-burguês”. No site do Ternuma (http://www.ternuma.com.br/herzog.htm), lê-se:

“Senhor Daniel Freixeiro Sampaio
A respeito do caso Herzog, transcrevemos abaixo o publicado por Raymundo Negrão Torres, em livro de sua autoria, intitulado '1964 uma revolução perdida':
Outro caso emblemático é o da morte no DOI de São Paulo do jornalista Vladimir Herzog, largamente explorado pela esquerda e focalizado pelo ex-presidente Geisel em seu depoimento histórico há pouco publicado. Profundamente irritado com a ocorrência e levado pela grita levantada, o ex-presidente foi à São Paulo e, não só determinou a abertura de um IPM, como escolheu o seu encarregado, um general de sua absoluta confiança - Fernando Cerqueira Lima -, já falecido. O inquérito feito com o maior rigor, com laudos e perícias de toda a ordem concluiu que por negligência da vigilância, o preso conseguira suicidar-se. O IPM foi dissecado em todos os seus detalhes na Justiça Militar e sua conclusão referendada, exceto na exploração ideológica do cadáver que o próprio Geisel sintetizou, ao dizer: agora a esquerda tem um herói! Um apagado e desimportante membro de uma célula do PCB na Revista Visão que de próprio punho, delatara seus companheiros e ia ser posto em liberdade; ao sabe-lo entrou em crise de consciência e matou-se. Esse o fato, comprovado em um IPM feito por um homem íntegro, mas cujas conclusões irretorquíveis foram obscurecidas pelas versões dos interessados em explorar o novo e inesperado herói. E se as versões contrariam os fatos, pior para os fatos, ja sentenciava Nelson Rodrigues...’
atenciosamente,
Ternuma Regional Brasília”


Morte do operário Fiel Filho

“ ‘Ricardinho, vê o que voc~e consegue levantar sobre isso...’ Rossi só me deu o nome do operário e o endereço da fábrica onde ele trabalhava. Na fábrica, ninguém queria falar. Com muito custo, consegui o endereço de Fiel filho: rua Coronel Rodrigues, 155, Sapopemba. (...) ‘Rossi, consegui a história completa. Mataram o operário do mesmo jeito que fizeram com o Vlado e tentaram esconder a morte dele’ (...) Apesar de todo o meu medo, eu não tinha alternativa. A matéria foi publicada na íntegra, sob o título ‘Manoel, da fábrica da Mooca à morte’, no alto da página 16 do primeiro caderno, na edição de 21 de janeiro de 1976. No dia seguinte, caía Ednardo d’Ávila Mello, o comandante do então II Exército. Geisel cumpriu o que prometera: se houvesse um novo caso Herzog nos porões da repressão, demitiria o comandante. Fiel Filho, cuja única atividade ‘subversiva’ era distribuir o jornal Voz Operária, do então clandestino Partido Comunista Brasileiro, decerto foi morto por engano – um ‘acidente de trabalho’, como se dizia cinicamente naqueles anos mais tardes chamados ‘de chumbo’ ” (idem, pg. 57)


Terrorismo no ar

“O chanceler Helmut Schmidt ainda recebia cumprimentos pelo êxito da operação na Somália, em que o comando GSG-9 (Grupo Especial de Polícia de Fronteira, corpo de voluntários criado em 1972, quando teve início o movimento terrorista na Alemanha) libertou os 86 passageiros de um avião da Lufthansa, seqüestrado há seis dias, quando foi chamado a um canto para receber a informação de que três terroristas haviam sido encontrados mortos na prisão de Stuttgart e um quarto estava gravemente ferido.
Eram 9h30 e começava mais um dia de medo e tensão em Bonn. O júbilo dos jornais e das rádios pela libertação dos reféns, logo foi substituído pelo temor de que essa ação provocasse o assassinato do empresário Hanns-Martin Schleyer, presidente da Federação das Indústrias Alemãs, seqüestrado há mais de um mês [...]. A comida, o vinho, a cerveja e a champanha postos à disposição dos passageiros e tripulantes do Boeing seqüestrado para a festa de reencontro com seus familiares ontem em Frankfurt não foram tocados. No rosto da maioria dos ex-reféns ainda dominava a expressão de apatia e esgotamento.
Uma enorme multidão os saudou quando começaram a descer do avião que foi busca-los em Mogadíscio e só não trouxe os seis passageiros que ficaram feridos na operação-resgate. Além de quatro ministros do governo, mais de mil jornalistas os aguardavam – num desembarque transmitido ao vivo para toda a Alemanha pela televisão” (idem, pg. 67).


Geisel na Alemanha

“Houve alguns pequenos protestos contra sua visita, organizados por agrupamentos de esquerda que denunciavam a ditadura militar, mas a lembrança que ficou foi a alegria de Mariana, que por acaso passeava com a mãe numa rua próxima à prefeitura quando a comitiva de Geisel passou por lá: ‘Olha, mãe, o presidente do Braisl me reconheceu, acenou para mim...’ ” (Pg. 76). Obs.: Mariana é filha de Ricardo Kotscho e Mara (F.M.).


Paulo Francis x William Waack

“Durante um jantar em casa, saiu a maior discussão entre William Waack e Paulo Francis, que trabalhava para a Folha de S. Paulo, em Nova York, por causa de um livro de Karl Marx. O fecho do diálogo entre eles foi engraçado:
- Qual tradução você leu, Francis?
- O problema é este: eu li no original...” (pg. 76)


Vovós contrabandistas

“Ah, a televisão. As mulheres lembram da época em que a polícia da Alemanha Oriental quebrava todas as antenas que estavam voltadas para o lado ocidental. Depois, para impedir que se sintonizasse a televisão colorida da Alemanha Ocidental, implantaram o sistema francês, que exigia um transformador, cuja importação era proibida. Proliferaram então as ‘vovós contrabandistas’. Elas contam:
- As vovós (do lado oriental) nunca viajaram tanto como agora. É que com elas o controle da alfândega é menos rigoroso. Minha sogra era uma artista. Ficava tremendo o tempo todo, tinha ataques, a polícia só faltava carregar as malas para ela, não revistavam nada...” (idem, pg. 77).


Flávio Tavares: um guerrilheiro genial!

“ ‘Seu Flávio, o senhor é um gênio!’, comemorou o operador de telex improvisado no centro de imprensa junto ao gabinete do primeiro-ministro. O titular estava de férias, e Flávio era meu velho amigo, Flávio Tavares, correspondente do Estadão e exilado político, que fora obrigado a procurar o próprio Mário Soares em meio à crise para que se providenciasse um teletipista. O problema era que este colocava a fita amarela do telex ao contrário, e foi só depois da sugestão de Flávio para que ele a invertesse que as coisas começaram a funcionar” (idem, pg. 78).

Obs.: Faltou Kotscho dizer mais sobre o guerrilheiro genial. “1. O Movimento de Ação Revolucionária (MAR) tinha ligações com o jornalista Flávio Tavares, da “Última Hora”, que respondia em liberdade ao processo sobre a frustrada guerrilha do Triângulo Mineiro, de inspiração brizolista. O objetivo do MAR era a fuga dos militantes da prisão e a busca de um local para implantar um foco guerrilheiro; para isso, o grupo externo promoveu assaltos para obter recursos necessários para aliciar guardas, adquirir armamentos e introduzi-los no presídio. Durante a ação de fuga, foram feridos 3 pessoas: os guardas Aílton de Oliveira (que morreu dias depois) e Jorge Félix Barbosa, e João Dias Pereira, funcionário da Light, que ficou paraplégico. Após a fuga, o grupo dirigiu-se a Angra dos Reis, RJ, e instalaram na mata um barraco, a “Cabana do jacu”, onde iniciaram treinamentos de guerrilha. Com as declarações de um prisioneiro à Polícia, a Marinha cercou a área com tropas de Fuzileiros Navais. Um dos guerrilheiros, ferido na perna, foi preso e os demais fugiram, incorporando-se uns ao PCBR, outros fugindo para Cuba ou pedindo asilo político no Uruguai. Veja Foquismo e OLAS. 2. Movimento Armado Revolucionário (MAR): o professor de História da USP, Wilson Nascimento Barbosa, “militante” do MAR (e também da POLOP e da VPR), era assaltante de bancos e foi um dos banidos para Santiago, Chile, em troca da vida do Embaixador da Suíça, que havia sido seqüestrado em 07 Dez 1970” (Verbete extraído de “Arquivos I”, de Félix Maier, publicado em www.usinadeletras.com.br).


Lula e os “intelectuais babaquaras”

“Não poderia haver nada melhor do que voltar ao Brasil com emprego garantido, ainda mais numa redação comandada por Mino Carta, na qual trabalhavam meus amigos. Raul Bastos, que retornara de seu exílio na Bahia depois de uma sofrida negociação para sair do Estadão, onde tinha estabilidade mas era infeliz, numa das suas cartas já havia me alertado sobre o novo personagem que despontava no renascido movimento sindical do ABC paulista: ‘O Lula, esse do sindicado dos metalúrgicos, o primeiro sujeito que está falando as coisas como devem ser faladas, disse que o MDB é a mesma porcaria e que são porcarias também os políticos e esses babaquaras intelectuais que ficam falando coisas esotéricas’.
(...) Quando me dei conta, já tinha voltado à rotina de repórter, e minha missão, já mencionada na introdução deste livro, era ‘grudar no Lula’ para contar tudo o que estava acontecendo na chamada ‘República do ABC’, o grande centro de resistência à ditadura militar. A partir dali, profetizava Mino Carta, o Brasil começaria a mudar” (idem, pg. 82-83).


Sociedade civil

“Naquele final de 1978 estava brotando o que mais tarde viria a se chamar de ‘sociedade civil’ – o conjunto de pessoas e entidades que se organizaram em diferentes movimentos com o objetivo comum de lutar pela redemocratização do país, no momento em que a ditadura militar dava os primeiros sinais de fadiga. A região do ABC, conflagrada pelas greves dos metalúrgicos comandados por Lula, quando ele ainda não havia incorporado o apelido ao nome, era o epicentro dessa luta. Os movimentos contra a carestia, pela volta dos exilados, pela Constituinte, pelo estado de direito, reuniam desde a Igreja Católica, em especial sua ala progressista, até setores da esquerda que tinham abandonado a luta armada, além de entidades como a OAB e a ABI” (idem, pg. 86).

Obs.: Faltou Kotscho discorrer sobre o famigerado “Governo Paralelo” do PT e a “Interpol do PT”, na verdade um golpe branco que ajudou a derrubar o presidente Fernando Collor de Mello: “PTpol - Trocadilho de “Interpol” e “polícia do PT”, criado pelo Senador Esperidião Amin durante a “CPI dos Anões do Congresso”, em 1993. Amin estranhava a desenvoltura com que José Dirceu, deputado petista, apresentava documentos que só um espião poderia fazer. Aliás, José Dirceu, antigo presidente do PT, é especialista em Informações, Contra-informação, Estratégia e Segurança Militar, com treinamento em Cuba, e fez parte do MOLIPO, grupo terrorista criado pelo Serviço Secreto cubano do famigerado Manuel Piñero, vulgo ‘Barbarossa’ ” (in “Arquivos I”, de Félix Maier, publicado em www.usinadeletras.com.br).


Garrincha x Bunda Baixa

“PIRAPOZINHO, 26 – URGENTE - Apareceu aqui hoje, nas barrancas do Paranpanema, um cidadão de nome Manoel Francisco dos Santos, dizendo-se Mané Garrincha. A notícia de sua presença colocou em polvorosa esta pequena cidade de 30 mil habitantes. ‘Mas ele não está doente no Rio?’, perguntavam as pessoas. Hospedou-se na pensão do Morais, junto com a equipe do Milionários FC. Ganhou buquês de flores, placa de prata e beijos de moças bonitas, no Estádio Municipal. O juiz apita, Garrincha com a bola. O lateral esquerdo Antonio Carlos, 25 anos, o ‘Bunda Baixa’, vai em cima dele. Garrincha faz que vai, mas não vai, a torcida dá risada. Era ele mesmo, Mane Garrincha em pessoa, não havia mais dúvidas. Viajou 1100 quilômetros, oito horas de meia de ônibus, para jogar 45 minutos e ganhar 6 mil cruzeiros de cachê. Saiu de campo suado, sujo e feliz” (idem, pg. 90).


Brizola novamente com “o pé no estribo”

“Os cabelos ficaram ralos e encanecidos, abertos em leque na nuca. Ele lembra um maestro em férias. O Brizola que entra correndo na suíte e vai direto atender o telefone, falando com todo mundo ao mesmo tempo, parece muito mais moço do que aquele homem amargurado que encontrei em março do ano passado em Hamburgo, durante uma reunião da Internacional Socialista. A certeza da volta iminente remoçou Brizola, que anda lépido de um lado para outro, dá ordens aos assessores, atende telefonemas, tudo como nos bons tempos do poder. [...]
Na confortável suíte 729 do Hotel Roosevelt, o dia começou bem cedo. Brizola tinha ido dormir às três da manhã, depois de trabalhar seis horas seguidas nos discursos que pronunciará em São Borja, Porto Alegre e por onde passar na sua volta ao Brasil. E, às seis e meia, já tocava o telefone: era um jornalista de Porto Alegre, querendo saber como estavam os preparativos para a viagem: ‘Já estou com o pé no estribo’, respondeu Brizola, frase que repetiria durante o resto do dia” (idem, pg. 91).


Um certo Boris Casoy

“Comuniquei as novidades à mulher, pensei que estava tudo resolvido, mas não foi bem assim. Ao me apresentar a Boris Casoy, então editor-chefe do jornal – um jornalista algo conservador, digamos, mas muito bem-humorado -, notei logo que as indicações feitas por Abramo à Folha, entre elas a de Clóvis Rossi, não o haviam agradado muito. Boris sabia da minha ligação com Lula e com outros líderes da oposição e, sem disfarces, explicou-me as razões do convite: ‘Nós temos pensamentos bem diferentes sobre as coisas. Vou te contratar só porque precisamos de gente no jornal que saiba escrever, e você sabe” (idem, pg. 95).


O “Bispo dos Pobres” ou “Bispo Vermelho”?

“De Foz do Iguaçu, passando por São Paulo só para escrever a reportagem, fomos para o Nordeste. O objetivo era mostrar os preparativos para a visita que o papa João Paulo II faria a treze cidades brasileiras em onze dias. No Recife, muito atarefado em deixar tudo em ordem para a chegada do papa, d. Helder Câmara não dava conta de atender aos jornalistas do mundo todo que o procuravam. O ‘Bispo dos Pobres’, como era conhecido, pediu-me, então, que deixasse algumas perguntas, às quais ele responderia por escrito quando pudesse. Guardei o manuscrito em que d. Helder resumia numa frase o que pensava e o que o movia em seu trabalho: ‘Eu disse aos franceses que, infelizmente, favela existe, hoje, na periferia de todas as grandes cidades. E lembrei a razão: estamos em um sistema que fabrica a miséria, na hora mesma em que fabrica riqueza’ ” (idem, pg. 97).

Obs.: Nelson Rodrigues também tinha uma interessante opinião sobre o “Bispo dos Pobres”: “D. Helder só olha o céu para saber se leva ou não o guarda-chuva.
D. Helder já esqueceu tanto a letra do Hino Nacional quanto a da Ave-Maria. Prega a luta armada, a aliança do marxismo e do cristianismo. Se ele pegasse uma carabina e fosse para o mato, ou para o terreno baldio, dando tiros em todas as direções, como um Tom Mix, estaria arriscando a pele, assumindo uma responsabilidade trágica e eu não diria nada. Mas não faz isso e se protege com a batina. Sabe que um D. Helder sem batina, um D. Helder almofadinha, de paletó ou de terno da Ducal, não resistiria um segundo. Nem um cachorro vira-lata o seguiria. Estou imaginando se, um dia, Jesus baixasse à Terra. Vejo Cristo caminhando pela rua do Ouvidor. De passagem, põe uma moeda no pires de um ceguinho. Finalmente, na esquina a Avenida, Jesus vê D. Helder. Corre para ele; estende-lhe a mão. D. Helder responde: — 'Não tenho trocado!'. E passa adiante (Frases retiradas da coletânea de Ruy Castro 'As 1.000 melhores frases de Nelson Rodrigues' Companhia das Letras, 1997).


Lua preta

“Poucas semanas antes da eleição, a direção do jornal me autorizou a escrever um artigo na primeira pessoa, que começava na primeira página, sob o título ‘Meus caros leitores’, em que descrevia as dificuldades do trabalho:

- Quer dizer, então, que você agora passou para o PMDB. Só escreve sobre o Montoro?
- Como é que a Folha manda um petista para cobrir o Montoro?
Essas duas perguntas me foram feitas na semana passada por dois ‘luas pretas’, um lulista e outro montorista, e dão bem uma idéia das desventuras de um repórter na cobertura da campanha eleitoral paulista.
‘Lua preta’, como se sabe, é uma expressão que surgiu no Rio de Janeiro para qualificar os assessores do candidato peemedebista Miro Teixeira. Tão sábios eles seriam – e, por isso, tão respeitados e ouvidos – que, se disserem que a lua é preta, ele acredita.
A pressão sobre os repórteres vai das pequenas ironias à sonegação de informações, da mera mentira da notícia plantada até telefonemas raivosos aos seus superiores, na tentativa de cortar o mal pela raiz, quer dizer, tirá-lo de circulação pela perda do emprego” (idem, pg. 108).


Operação Camanducaia

“Edmilson Lucas da Silva, um dos menores abandonados na estrada durante a célebre ‘Operação Camanducaia’, apaixonou-se pela psicóloga Tova Cohn, na Febem, onde ela trabalhava e ele estava internado. Foram viver juntos e tiveram um filha, Paula. Na tarde de quinta-feira, Edmilson, agora com 25 anos, matou Tova, a tiros, na frente da filha de oito meses, no interior de uma clínica de repouso na Vila Mariana. Em seguida, se matou” (idem, pg. 109). Cfr. http://www.bocc.ubi.pt/pag/caleiro-mauricio-folha-sao-paulo-infancia-marginalizada.pdf.


Os “Três Mosqueteiros”: Ulysses, Lula e Brizola

“Os ‘Três Mosqueteiros das Diretas’, como eles se tornariam conhecidos, não perdiam um único comício. Tal qual cantores sertanejos, repetiam sempre os mesmos números, quer dizer, faziam sempre os mesmos discursos. Com Lula, Ulysses tinha uma relação de pai para filho, sem nenhum sinal de ciumeira partidária. No vôo de Teresina para São Luís, o presidente do PMDB chegou a brincar com o do PT: ‘Lula, você acha que está certo isso? O PMDB monta o palanque, paga tudo, e você é o mais aplaudido?’ ” (idem, pg. 119).

“Ainda me recuperava da ressaca das Diretas, quando uma noite dr. Ulysses telefonou para minha casa, também ele inconformado com o que acontecera: ‘Sabe o que eu descobri, Kotscho? Enquanto nós estávamos viajando pelo Brasil defendendo as eleições diretas para presidente, o Tancredo já estava se acertando com os dissidentes do PDS e mesmo com companheiros meus do PMDB para montar sua campanha no Colégio Eleitoral. Gastei meu verbo à toa. Assim é a vida, meu filho’ ” (idem, pg. 129).


“Brasil: nunca mais”

“Apesar de o processo de abertura política continuar avançando, ainda havia receio de um retrocesso. Para evitar a possibilidade de que a história se repetisse, d. Paulo Evaristo Arns me convidou antes do final do ano a participar de uma reunião, em sua casa, no Sumaré, que deveria ser mantida em absoluto sigilo. Nela apresentou a um restrito grupo de amigos o projeto Brasil: nunca mais, livro que decidiu produzir juntamente com o pastor Jaime Wright para contar a história completa da repressão política no Brasil durante o regime militar. Tratava-se de uma iniciativa arriscada para o momento que o país vivia, mas era o tipo do convite irrecusável, meus medos à parte.
D. Paulo queria que Frei Betto, Paulo Vanucchi e eu cuidássemos da redação do texto do livro-denúncia com base nas cópias dos documentos encontrados na Justiça Militar, em Brasília, por dois advogados muito ligados ao cardeal (Luiz Eduardo Greenhalgh, de São Paulo, e Eny Moreira, do Rio); receberíamos um pró-labore pelo trabalho. Nosso maior desafio não foi resumir toneladas de documentos oficiais, mas fazer isso durante vários meses sem ninguém saber, nem a própria família, por razões de segurança.
Essa foi minha primeira e única experiência com a clandestinidade. Começamos a trabalhar numa saleta da própria Cúria Metropolitana, saleta à qual só d. Paulo tinha acesso; depois, mudaram-nos para os fundos de um seminário no Ipiranga, e assim sucessivamente, para diferentes locais, até que o livro ficasse pronto e fosse publicado, em 1985, pela editora Vozes. Entre o encontro na casa de d. Paulo e o lançamento de Brasil: nunca mais, o cenário nacional sofreria uma mudança radical. É que o povo resolveu sair às ruas, e eu fui atrás” (idem, pg. 113).


General “Nini”

“Lá fora, o clima era ao mesmo tempo de festa e de guerra, tendo de um lado Ulysses Guimarães, o ‘Senhor Diretas’, e de outro o general-de-divisão Newton Guimarães de Oliveira e Cruz, comandante militar do Planalto e executor plenipotenciário das medidas de emergência determinadas pelo governo. O confronto de desenhava:
Montado num imponente cavalo branco, que ganhou do presidente João Figueiredo, o general Newton Cruz, também chamado de ‘Nini’, adentrou o gramado do Setor Militar Urbano, conhecido como ‘Forte Apache’, às nove da manhã, dando início ao mais portentoso desfile de tropas de que se tem notícia em Brasília” (idem, pg. 126).


Diretas já: Fafá de Belém, com pombinha saindo dos seios famosos

“Chegou,enfim, o grande dia. Nas horas que antecederam o início da sessão no gabinete de Ulysses, fiquei recordando passagens dos 40 mil quilômetros percorridos pelo país, de ponta a ponta. Em Maceió ou Aracaju, ninguém lembrava ao certo, a pomba que a cantora Fafá de Belém soltava do meio dos seios famosos estava, como dizer?, com problemas intestinais. Ao perceber o drama, Fafá jogou a bichina em cima do dr. Ulysses” (idem, pg. 127).

Obs.: Na época, o slogam “Diretas já” era chamado também de “Dieta já” pelos mais bem-humorados, tendo em vista as dimensões avantajadas de Fafá de Belém, a “Musa das Diretas” (F.M.).

“Ainda me recuperava da ressaca das Diretas, quando uma noite dr. Ulysses telefonou para minha casa, também ele inconformado com o que acontecera. ‘Sabe o que eu descobri, Kotscho? Enquanto nós estávamos viajando pelo Brasil defendendo as eleições diretas para presidente, o Tancredo já estava se acertando com os dissidentes do PDS e mesmo com companheiros meus do PMDB para montar sua campanha no Colégio Eleitoral. Gastei meu verbo à toa. Assim é a vida, meu filho” (idem, pg. 129).


“Boris, vou ser obrigado a virar corrupto!”

“ ‘Você está parecendo o Stroessner’, disse-me Boris Casoy após uma dessas eleições, referindo-se ao ditador paraguaio, que costumava vencer com votações quase unânimes. Como representante eleito, juntamente com três ou quatro colegas, eu levava os problemas da redação a Boris e, quando não conseguia resolvê-los com ele, ia direto ao proprietário do jornal. O editor-chefe, obviamente, ficava contrariado e, em conseqüência, não me dava aumento. Durante um almoço, ameacei-o – brincando, é claro: ‘Boris, se você não melhorar meu salário, vou ser obrigado a virar corrupto’. Ele deu risada.
- Corrupto? Não vai dar certo...’
- Por quê?
- Porque os corruptos não confiam em você... Vão achar que é só uma armadilha para denunciá-los depois... Você fez fama de honesto...’ ” (idem, pg. 134).


A morte de Tancredo Neves

“No Incor, em São Paulo, para onde Tancredo foi transportado, cobri seus prmeiros dias de agonia, que se prolongaram, cirurgia após cirurgia. Certa noite, ‘seu’ Frias, que não gostava de ser chamado de jornalista mas adorava farejar notícias exclusivas, me deu ordens para viajar a São João Del Rey, em Minas Gerais, onde Tancredo nascera e onde vivia sua família. ‘O quadro dele é irreversível’, garantiu – e lá fui eu, na certeza de que o desenlace se daria em poucas horas. Ainda quando o presidente eleito estava sendo tratado em Brasília, ‘seu’ Frias conseguiu a informação de que não se tratava de diverticulite, e sim de um tumor maligno. Fomos todos nós, repórteres, ‘furados’ pelo dono do jornal.
(...) Quando o porta-voz Antônio Britto leu a nota oficial no início do Fantástico, da TV Globo, e Fafá de Belém cantou o Hino Nacional, os sinos começaram a repicar em São João del Rey. Jorge Araújo e eu, mal acabamos de transmitir o material do domingo, nos pusemos a planejar a cobertura do enterro, que atrairia milhares de pessoas para a histórica e acanhada cidade mineira.
(...) O esquife foi levado por irmãos da Ordem Terceira em seus hábitos negros até a entrada do cemitério e entregue à família. Na frente, trazendo o caixão até a sepultura, vinham o presidente José Sarney e o filho Tancredo Augusto, enquanto a banda do Regimento Tiradentes tocava a marcha fúnebre de Chopin. Os sinos da igreja de São Francisco de Assis, onde o corpo estava sendo velado desde as 11h30, dobraram mais forte” (idem, pg. 136 a 138).


O sexo, segundo Frei Betto

“ ‘Deus, Marx e Libertação’ foi o título que o editor Zuenir Ventura deu à entrevista na contracapa do Caderno B, espaço onde todo jornalista queria escrever. Marxista e cristão, tudo bem, todo mundo já sabia desse casamento do frade, mas, valendo-me de uma ousadia que nossa amizade permitia, resolvi tocar também num tema considerado tabu quando se fala com um religioso: sexo.
- Você sempre diz que é casado com Deus. Mas tem muita gente que não acredita e jura que Frei Betto é um Casanova cercado de belas mulheres. Você nunca pensou em largar a Igreja para casar? É possível alguém viver sem sexo?
- E bem... Em primeiro lugar, o religioso não vive sem sexo. A sexualidade é não só imanente mas eu diria que é também transparente na vida de cada ser humano. O que é incompatível é pertencer a uma comunidade religiosa e o vínculo matrimonial. Eu escolhi esta pertença e isso de modo algum me torna imune a possibilidades afetivas, como ocorre na vida de qualquer ser humano. Viver sem amor eu não posso e o fato de ser celibatário paradoxalmente me permite muito amar e me sentir amado por muitos” (idem, pg. 146).

Obs.: Dissimulado como sempre, o teólogo da libertação mais esconde do que mostra na entrevista. Esperto como sempre, não se sabe se Frei Betto fatura algumas de suas fãs ou não (F.M.).


Socialismo bananeiro

“De Cuba, seguimos para a Nicarágua, então dirigida por uma junta dominada pelos sandinistas, após a revolução que derrubara Anastácio Somoza. Um dos integrantes do governo, o jornalista Bayardo Arce, convidou nossa comitiva para uma conversa reservada, a portas bem fechadas, quando nos faria um relato franco da difícil situação enfrentada pelo país às vésperas de uma eleição presidencial que poria em risco a sobrevivência do regime: ‘Somos obrigados a reconhecer que, com o embargo comercial e todas as dificuldades que nos foram impostas pelos Estados Unidos, nosso povo vive hoje ainda pior do que nos tempos de Somoza’.
Obs.: Ironicamente, o socialista bananeiro estava reconhecendo que seu país não pode viver bem sem a ajuda americana que tanto desdenham – pelo menos da boca para fora (F.M.).
Bastava dar uma volta por Manágua para verificar que ele não estava exagerando. Escombros e lixo espalhados por todo canto; prateleiras vazias nas lojas; o povo, com uma fisionomia triste, andando sem rumo e sem trabalho pelas ruas. Até na casa de hóspedes do governo havia racionamento de água e luz, e a comida era escassa e ruim. No segundo dia, ao caminhar com Lula pela cidade, José Genoino, que na época integrava a ala mais radical do PT, chegou a uma dolorosa constatação: ‘Chefe, precisamos repensar essa coisa de socialismo. Pelo jeito, antes de chegarmos ao socialismo, será preciso criar o capitalismo, para termos o que dividir’. Meses depois, Violeta Chamorro, representante da velha oligarquia nicaragüense, derrotava os sandinistas nas urnas.
Nos demais países que visitamos, o quadro também não era muito animador para a esquerda. O jovem presidente do Peru, Alan Garcia, durante um encontro com Lula em seu gabinete, revelou que temia sofrer um atentado e precisava desconfiar até do garçom que lhe servia cafezinho, para não ser vítima de envenenamento. No Chile, Laís, filha do nosso amigo Perseu Abramo, fundador do PT e jornalista de respeito, residia havia alguns anos na capital e se via obrigada a admitir: ‘Com todas as suas atrocidades, a verdade é que a ditadura do Pinochet modernizou a economia do país, e a vida das pessoas melhorou’ ” (idem, pg. 157).


MAG, um “intelectual de bosta?”

“À noite, durante um jantar com a direção de uma central sindical num restaurante bem chique cuja especialidade eram frutos do mar, quase que bandejas voaram numa discussão entre Aloizio Mercadante e Osvaldo Bargas, secretário de Relações Internacionais da CUT. Os dois começaram a falar mais alto, chamando a atenção das personalidades que estavam no centro da grande mesa – os assessores sentavam-se nas pontas. Bargas, muito bravo, atacava Mercadante: ‘Vocês, intelectuais de merda, não podem falar nada, só sabem se aproveitar do nosso trabalho. Se não fôssemos nós, nem existiria o PT, vocês não seriam nada’. Pedi ajuda a Marco Aurélio Garcia para acalmar os contendores, mas foi pior. ‘E você também, Marco Aurélio. Também é outro intelectual de bosta...’, disse o sindicalista” (idem, pg. 161).


Lula, o rei do esporro

“Mas ninguém reparou na nossa aparência de foragidos do deserto quando entramos no auditório lotado para mais um Encontro dos Povos da Floresta, onde Lula foi aclamado como se já tivesse sido eleito.
Quando o candidato discursava, um dirigente do PT veio me solicitar que o avisasse do assassinato de dois trabalhadores rurais. Queria que ele denunciasse o fato, ocorrido naquele dia, no microfone. Sem prática no ofício de assessor, o instinto de repórter foi mais forte: subi no palco e interrompi o discurso de Lula para lhe dar a notícia, anotada num papelucho. Ele não entendeu direito o que se passava, ficou olhando para os nomes dos mortos e perdeu o fio da meada. Depois, com a tradicional delicadeza de peão, me deu um esporro e me pediu que nunca mais agisse daquela meneira” (idem, pg. 163).


O monstro “Brizula” contra o “Caçador de Marajás”

“À primeira vista, poderia parecer fácil combater esse candidato fabricado pela mídia com os mais requintados recursos técnicos e financeiros do marketing político. Bastava mostrar sua verdadeira história, revelar sua face real. Para isso, porém, seria necessário utilizar os mesmos meios de comunicação que estavam completamente embevecidos com o ‘Fenômeno Collor’. Os donos do poder tinham por fim encontrado seu candidato para combater os dois até então favoritos – o ex-governador Leonel Brizola e Lula, o monstro ‘Brizula’, que tanto atemorizava as elites” (idem, pg. 164).


O peão continua dando esporro

“O candidato acordava a mil por hora: ‘Assim nós não vamos ganhar a eleição. Vocês só querem dormir. Vamos trabalhar, porra!’. A agenda começava geralmente com um café-da-manhã já de trabalho, e, em seguida, íamos a alguma porta de fábrica ou ao estúdio da TV Globo local para participar do programa Bom Dia. Eu dava uma rápida olhada nos jornais, que traziam más notícias cada vez que eram divulgados os resultados de uma nova pesquisa. Certa manhã, Lula ficou inconsolável: ‘Não é possível. Quanto mais a gente trabalha, mais viaja, mais gente aparece nos comícios, mais a gente cai nas pesquisas’. Para desanuviar o ambiente, brinquei: ‘Desse jeito, vamos terminar com índice negativo no Ibope, vamos ficar devendo” (idem, pg. 165).


Fora FMI!

“A Perez de Cuéllar, o candidato diria que ‘a questão da dívida externa está intimamente ligada ao futuro da democracia na América Latina’.
Logo no primeiro dia de cobertura, o Estadão resumiu o que seria o noticiário sobre a viagem: ‘Em Nova York, Lula ameaça com moratória – Lula irrita credores e faz campanha em Nova York’:
O candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, trouxe a campanha do partido para os salões de Nova York. Em discurso na Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, prometeu, se eleito, ‘suspender imediatamente o pagamento dos juros da dívida externa’. O discurso no luxuoso Waldorf Astoria, no centro de Manhattan, provocou reações acaloradas, como a do banqueiro John Landers, do Manufacturers Hanover, que, ao final do almoço, convidou Lula para uma ‘conversinha’ na sede do banco. Alguns banqueiros e empresários americanos e brasileiros deixaram a reunião. Mas o salão foi pequeno, faltando cadeiras para grande número de interessados” (idem, pg. 166).


O nascimento do messetê, no RS

“Partimos cedo de Porto Alegre e cumprimos a programação abaixo, que é uma boa amostra do pique da campanha:
11:30 – Saída para Encruzilhada Natalino
12:30 – Chegada ao aeroporto de Sarandi
13:00 – Chegada na Encruzilhada e ato – Inauguração do monumento de dez anos do acampamento que resultou na conquista da terra e no nascimento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)
14:00 – Almoço
17:00 – Ato público
Volta a São Paulo ao final da tarde
Obs. Limite de saída: 18:30 de Sarandi.
(...) Lá pelas tantas, um homem quase escondido pelo tamanho do chapéu se aproximou do candidato e lascou: ‘Ó Lula, escuta eu aqui. Nós não queremos pedir nada pra você. Não vamos pedir nada para o teu governo também. Nós só queremos que você não atrapalhe, que o governo deixe de atrapalhar o trabalhador’ ” (idem, pg. 171)


Chico Buarque pede penico

“Quando apareceu o jatinho da Transamérica na campanha, faltando um mês e pouco para o primeiro turno, foi uma festa – para nós e para a imprensa. A cada escala, os repórteres perguntavam quanto havia custado a hora de vôo, quem estava pagando e tal. O jatinho não tinha nem banheiro, e parecia de brinquedo perto do Challenger que servia a Collor, com aeromoças e tudo. Num vôo de Maceió para São Paulo que trazia também artistas, Chico Buarque disse que precisava urgentemente que o avião desse uma parada em algum lugar. Como estávamos atrasados, não teve jeito. ‘Isto aqui não é táxi, que é só pedir para parar...’, brincou Lula. A saída foi improvisar um penico com uma garrafa de plástico. ‘Ainda bem que a imprensa não está vendo a gente’, conformou-se o secretário Espinosa” (idem, pg. 172).


Brizola ministro da Fazenda?

“Em nome de Brizola, Roberto d’Ávila veio me pedir que transmitisse a Lula a única reivindicação do PDT: o Ministério da Fazenda. Perguntei ao amigo quem era o indicado pelo ex-governador. ‘Você não vai acreditar, mas ele mesmo gostaria de ser o ministro’. O petista mais cotado para o posto era Aloizio Mercadante, que estava no avião quando contei a Lula sobre o pedido de Brizola. Eu não saberia dizer qual dos dois ficou mais atônito” (pg. 176).


Gonzagão: povo sem bolsa-esmola, te esfola

“Já em fim de carreira, com problemas financeiros, Gonzagão morava num sítio próximo à cidade, onde tinha um posto de gasolina que estava fechado por falta de licença para funcionamento. Seria o ganha-pão dele na velhice. Em seu longo depoimento, noite de lua cheia adentro, alternando a prosa de histórias saborosas com a cantoria de grandes sucessos, o sertanejo chorou ao contar um episódio muito triste vivido algumas semanas antes, no pior momento de mais uma seca: ‘Todo ano, os flagelados vinham aqui pedir comida, e eu dava o que podia para ajudar. Mas, desta vez, a comida acabou antes da chuva chegar e o povo revoltado apedrejou a minha casa. Nunca poderia imaginar que pudesse acontecer uma coisa dessas comigo’ ” (idem, pg. 185-186).

Obs.: Com o Bolsa-Família, poderá ocorrer o seguinte: o governo suspende a esmola e o povaréu, revoltado, apedreja o Palácio do Planalto... Estava certo Gonzagão quando disse em uma de suas músicas: “Uma esmola, para o homem que é são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão” (F.M.).


Caravana da Cidadania em livros

“O contraste entre o que vimos e vivemos durante a Caravana da Cidadania, que na verdade foi a produção de uma grande reportagem pelos fundões do Brasil, e o que saiu na imprensa levou um grupo de jornalistas, personalidades convidadas e assessores de Lula a contar a nossa versão da história, já que uma parte dela havia sido omitida ou manipulada pelo noticiário. Os livros Viagem ao coração do Brasil e Diário de viagem ao Brasil esquecido foram publicados em 1993 e em 1994, ambos pela editora Scritta. Os direitos autorais do segundo reverteram integralmente em benefício da Casa das Meninas da cidade mineira de Teófilo Otoni, uma das obras sociais mais bonitas que visitamos” (idem, pg. 191).


Plano Real

“O ministro das Relações Exteriores de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, que havia sido transferido para a Fazenda – muito a contragosto, segundo ele próprio -, acabara de implantar a URV (Unidade Real de Valor). Era o primeiro passo para o lançamento de uma nova moeda, o real, que tinha por objetivo principal controlar a inflação, sem tabelamento de preços, e estabilizar a economia.
Recebido com descrédito pelos economistas do PT, o Plano Real revelou-se um sucesso fulminante, a ponto de, em poucas semanas, levar Fernando Henrique a subir nas pesquisas, ao mesmo tempo que Lula descia. (...) Os fregueses do bar estavam entusiasmados: ‘Quando eu poderia pensar que iria tomar uma pinga por vinte centavos sabendo que amanhã o preço não vai aumentar?’, ouvi de um deles. Ao voltarmos para o barco, mostrei a cédula a Lula: ‘Isto aqui pode mudar a história da eleição’, alertei, mas ele não deu muita importância à opinião do assessor.
(...) Num encontro de economistas com o candidato, promovido no hotel Danúbio, em São Paulo, todos criticaram o Plano Real, taxado de ‘recessivo e eleitoreiro’ pela professora Maria da Conceição Tavares. Acho que só eu discordei dessa análise, e comentei com Lula no final da reunião: ‘Olha, eu não entendo nada de economia, mas o plano não pode ser eleitoreiro e recessivo ao mesmo tempo. Ou é uma coisa ou é outra, que ninguém vai ser louco de implantar um plano econômico para provocar a recessão na economia se pretende ganhar a eleição’. Para Aloizio Mercadante, o Plano Real não duraria nem três meses. ‘Tudo bem, mas, se durar três meses, nós perdemos as eleições em outubro’, ainda tentei argumentar. Nossos discursos, porém, continuaram na mesma linha de ataques ao plano que o povo estava adorando” (idem, pg. 201 a 203).


Meirelles, uma indicação de Mercadante

“Todos os clientes como os funcionários dos bancos na região central da cidade vinham sendo vítimas constantes de ataques de trombadinhas. Por isso, apresentamos um projeto social destinado a cuidar dos meninos de rua. Descobrimos por meio de uma pesquisa que eles eram menos de mil. Para ajudar na implantação do projeto, fomos conversar com o presidente do BankBoston no Brasil, um certo Henrique Meirelles, que já havia demonstrado a Berzoini interesse em cooperar nesse tipo de trabalho social. Formou-se aí uma aliança capital-trabalho, que atrairia a contribuição de outras empresas. Duda Mendonça, sem nada cobrar pelo serviço, ocupou-se da parte visual do projeto, que ele mesmo batizou de Travessia.
Em poucas semanas, graças ao entusiasmo de Gilmar Carneiro, ex-presidente e diretor do sindicato, o Projeto Travessia já cuidava de centenas de menores. O número de assaltos praticados por trombadinhas caiu bastante, e o trabalho seria um sucesso nos anos seguintes, uma das melhores coisas que fiz na vida. Menos de uma década depois, estávamos todos em Brasília, trabalhando no governo Lula. Mercadante, eleito senador com mais de 10 milhões de votos,foi quem indicou Meirelles a Lula para a presidência do Banco Central; Berzoini, eleito deputado federal, seria o primeiro ministro da Previdência do governo” (idem, pg. 204-205).


Kotscho na CNT de Matinez

“No telefone, o dono da rede de televisão CNT, José Carlos Martinez, com quem estudara no Colégio Santa Cruz, me fez um convite: ‘Você não quer vir trabalhar comigo aqui em Curitiba? Quero que você seja o meu diretor de jornalismo’.
(...) Mais político do que empresário, Martinez fez um discurso: ‘Vocês sabem que o Kotscho trabalhou com o Lula e eu com o Collor. Mas isso não tem problema, porque ele não veio aqui para fazer política. O que eu quero que ele faça é um bom jornalismo, e para isso terá toda a liberdade’. Prometeu e cumpriu – nos dois anos que fiquei na CNT, ele nunca tentou interferir no meu trabalho.
(...) Certa vez, pedi a Ratinho que não exagerasse na baixaria, pois não precisava nada disso, mas ele não quis saber de conversa: ‘Ô, Kotscho, você não entende nada disso. Você só sabe escrever. Quem sabe ganhar dinheiro sou eu, entendeu?’. Tinha toda a razão” (idem, pg. 206 e 207).


1998: Kotscho não participa da campanha de Lula

“Em 1998, haveria novas eleições gerais. Johnny temia que eu largasse o trabalho para entrar na campanha de Lula, que tentaria a Presidência da República pela terceira vez. Dei-lhe minha palavra e cumpri os dois anos de contrato, ficando pela primeira e única vez de fora de uma campanha presidencial de Lula. Não perdi grande coisa. Candidato à reeleição, Fernando Henrique Cardoso liderou as pesquisas durante todo o tempo e de novo ganhou no primeiro turno.
Só houve um momento, no mês de maio, em que as pesquisas registraram praticamente um empate técnico entre Fernando Henrique e Lula, em meio a uma grande crise de desemprego nas principais áreas urbanas e ao agravamento dos problemas da seca no Nordeste, temas muito explorados pela imprensa. O presidente-candidato chamou a Brasília os donos dos veículos mais importantes e conversou com cada um, em audiências separadas. Na semana seguinte, como que por encanto, as notícias negativas foram minguando, até desaparecerem de vez. Dali para a frente, como em 1994, a Lula restava apenas cumprir o calendário eleitoral. Como eu cuidava somente do noticiário local, acompanhei à distância a cobertura da campanha política” (idem, pg. 208).


Kotscho na Época e o “lipinho” da Hebe Camargo

“Ao chegar à redação e lá encontrar, além de Nunes, o Geraldo Mayrink e o José Roberto de Alencar, outros dinossauros da imprensa, fiquei tão à vontade que brinquei: ‘Este é o plano sangue novo na Época? Agora, só falta o Augusto contratar o Barbosa Lima Sobrinho [lendário presidente da ABI, ex-governador de Pernmabuco, que andava próximo dos cem anos]’.
(...) A menos de vinte quilômetros da sede da revista, na região do Embu, o governo do estado construía quase em segredo o Rodoanel, a maior obra de engenharia do Brasil na época – tema de uma matéria tão extensa que foi desdobrada em duas edições (de 8 e 15 de janeiro), fato raro em revista.
Para contar os cinqüenta anos da televisão brasileira, matéria que saiu na edição de 11 de setembro, rodei menos ainda. Bastou ir até o Morumbi e tocar a campainha da casa da Hebe Camargo, minha velha amiga, que conhece essa história de cor; afinal, faz parte dela. Numa de nossas conversas, também nos camarins do SBT, Hebe me revelaria pela primeira vez que não participou do programa inaugural da TV Tupi, ao lado de Assis Chateaubriand, como reza a lenda. Por causa de uma grande paixão, ela inventou uma amigdalite e pediu à amiga Lolita Robrigues que fosse representá-la. ‘Agora vou para o hospital fazer uma ‘lipinho’ [nome carinhoso que Hebe dava à lipoaspiração]. Quer ir comigo até lá, a gente vai conversando...?’, convidou-me, ao deixar os estúdios da emissora, já depois da meia-noite. Entrou no hospital Albert Einstein e fez tamanha festa na portaria que parecia estar chegando a um baile” (idem, pg. 213).

Obs.: a revista a que se refere Kotscho é a Época (F.M.).


Povo sem ajuda do governo progride mais

“Encontramos muita vida nos lugares que percorremos, a partir de algumas pistas recolhidas ainda no Recife, onde ouvi falar pela primeira vez na sigla ASA (Articulação do Semi-Árido), um tipo de sociedade civil do sertão. Constatamos um contraste brutal entre as cidades que dependiam da ajuda do governo federal para sobreviver e as que se organizavam por conta própria. Com um inédito título aberto em doze módulos – ‘Sertão aprende a superar seca sem o governo’ – ocupando duas páginas do jornal do dia 8 de julho, a reportagem mostrava como organizações não-governamentais promoviam programas para melhorar a qualidade de vida dos moradores de regiões assoladas por estiagem” (idem, pg. 217).


Lula e Alencar: aliança capital-trabalho

“No meio do churrasco, Lula me chamou: ‘Vem cá que preciso te apresentar um cara fantástico’. O ‘cara’ era um homem bastante circunspecto, bem mais velho que nós, o único que estava de paletó; logo gostei do seu jeitão. Tratava-se do senador mineiro José Alencar, que trocara o PMDB pelo PL. ‘Ele vai ser no nosso vice’, segredou-me Lula.
Fiquei sabendo então que os dois haviam se conhecido um ano antes, em Belo Horizonte, durante uma festa em homenagem aos cinqüenta anos de vida empresarial de José Alencar, à qual Lula só comparecera depois de muita insistência do deputado federal José Dirceu, então presidente do PT. Um dos maiores industriais brasileiros no ramo têxtil e ex-presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, Alencar tinha o perfil do vice que o candidato havia bastante tempo procurava para apresentar uma aliança capital-trabalho. Nos discursos, Lula e Alencar acabariam descobrindo – como repetiriam milhares de vezes ao longo da campanha – que tinham uma trajetória muito semelhante: de origem humilde, saíram-se vitoriosos por esforço próprio, um na política, outro nos negócios.
(...) De outro lado, a esquerda petista, mais uma vez, nem queria ouvir falar numa aliança desse tipo. ‘O PL está fora do nosso campo de alianças’, decretou Raul Pont, da Democracia Socialista e ex-prefeito de Porto Alegre – o aguerrido líder gaúcho que não admitia o apoio de Leonel Brizola a Lula no segundo turno da campanha de 1989.
(...) ‘Não estou disposto a perder uma quarta eleição’, repetia Lula aos que não concordavam com os três pontos que apresentara como condições para aceitar candidatar-se novamente: ter o comando da campanha (para o qual indicou José Dirceu), alianças amplas e o controle da publicidade (com Duda Mendonça)” (idem, pg. 218-219).


Roseana caiu com R$ 1,3 milhão; Lula seguiu firme com R$ 1,7 milhão...

“O publicitário Nizan Guanaes, um ex-sócio de Duda que havia trabalhado nas duas campanhas vitoriosas de Fernando Henrique Cardoso, inspirou-se nos anúncios de uma marca de cerveja para apresentar Roseana como a ‘número um’. Encontrei o candidato do PSDB, José Serra, numa festa de casamento, e ele se mostrou preocupado: ‘Vocês precisam abrir o olho, porque ela está crescendo também em cima do Lula’. De fato, enquanto Roseana alcançava o segundo lugar à frente de Serra, Lula caíra cinco pontos.
O fenômeno Roseana teria curta duração. Numa operação da Polícia Federal em São Luís, foi apreendida a quantia de 1,3 milhão de reais em dinheiro vivo no escritório do marido da governadora, Jorge Murad. O efeito foi fulminante. Roseana despencou nas intenções de voto e desistiu da candidatura. Serra não decolava, e os fatos iam dando razão a Duda Mendonça, que repetia o mantra: ‘Nós só perdemos esta eleição para nós mesmos’ ” (idem, pg. 221).

Obs.: Enquanto Roseana caiu, soterrada pela “montanha” de R 1,3 milhão, Lula seguiu firme na campanha da reeleição, apesar da montanha de R$ 1,7 milhão encontrada na mão da cúpula petista diretamente ligada a Lula, destinada a minar a campanha de José Serra a governador por São Paulo, ao mesmo tempo em que o PT tentava desmoralizar, por tabela, o candidato presidencial Geraldo Alckmin. O fato levou a eleição presidencial de 2006 ao segundo turno, porém não foi suficiente para derrubar Ali Babaca, aquele que não sabe de nada o que fazia a “quadrilha” composta pelos “40 ladrões” que estavam sob o seu comando, denunciados pelo procurador-geral da República. Veja quem é “O Chefe” em www.escandalodomensalao.com.br (F.M.).


Negociatas PT-PL: 10 milhões de motivos para o impeachment de Lula

“Dezenas de jornalistas aguardavam uma definição na portaria do edifício Rocha. Por pouco não desci para dizer-lhes que não haveria mais a chapa PT-PL. Quando já ia pegar o elevador, fui chamado de volta. As negociações haviam recomeçado, agora no quarto do anfitrião. Embora sempre procurasse me manter à distância nessas horas, esperando por uma decisão para comunicá-la à imprensa, estava claro para todos que o impasse se dava na questão da ajuda financeira que o PL tinha pedido ao PT para fazer sua campanha. Somente três anos depois, quando estourou o ‘escândalo do mensalão’, eu ficaria sabendo que o valor solicitado era de 10 milhões de reais. No início da noite, os dirigentes dos dois partidos anunciaram que a aliança estava selada, como queriam Lula e Alencar” (idem, pg. 223).

Obs.: Ana Prudente, candidata ao Senado por São Paulo em 2006, entrou com pedido de impeachment contra Lula, baseado no conteúdo do livro de Ricardo Kotscho, “Do Golpe ao Planalto – Uma vida de repórter” (São Paulo: Companhia das Letras, 2006), em que o jornalista, ex-porta-voz de Lula, denuncia a compra do PL pelo PT (R$ 10 milhões), maracutaia que já era do conhecimento de todo o País, embora Ali Babaca continue dizendo que não sabia de nada (Cfr. http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=3211&cat=Discursos&vinda=S – F.M.). O mais correto seria rebatizar PL para “Partido do Lula”.


Mr. Bibi é fã confesso de Lula; Boris Casoy é demitido da Record

“Apesar de Lula liderar as pesquisas – ou até por causa disso -, nos freqüentes levantamentos que fazíamos sobre o noticiário dos jornais, o espaço a ele reservado não só era menor que o oferecido a outros candidatos como as notícias negativas prevaleciam sobre as positivas. Já nas principais emissoras de TV havia mais equilíbrio, a despeito da evidente simpatia do Jornal da Record, de Boris Casoy, pela candidatura Serra. A Rede Globo, por exemplo, cumpriu à risca o projeto ‘A Globo nas Eleições 2002’, que apresentou em junho aos assessores dos candidatos, comprometendo-se a dedicar espaço igual a todos eles em seus diferentes telejornais e programas. Duda Mendonça e que, representando o PT, assinamos um documento de sete páginas, que detalhava a cobertura até o dia seguinte à eleição” (idem, pg. 224).

Obs.: Mr. Bibi é William Bonner, fã confesso de Lula. No final de 2005, por pressão do governo petista, Boris Casoy foi demitido da TV Record, em troca da liberação de R$ 10 milhões (de novo, 10 milhões...) que estavam retidos na Polícia Federal, que foram apreendidos com um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus, num avião. Lula e o PT não admitiam que Boris Casoy continuasse como âncora do Jornal da Record em 2006, ano de eleições, já que era um crítico contundente das maracutaias petistas. Acesse http://www.gabeira.com.br/noticias/noticia.asp?id=2069 para conhecer a história (F.M.).


Duda Mendonça cobra a fatura dos “meninos de rua”, lembra?

“Se com o candidato as relações de Duda eram bastante tranqüilas, propiciando muitos momentos de descontração nas gravações, que faziam delas um divertimento, e não um martírio como nas outras campanhas, o mesmo não se podia dizer da sua relação com o PT. Mais teimoso do que Lula, o marqueteiro não admitia nenhuma interferência em seu trabalho, e não gostava de ouvir palpites de quem não era ‘do ramo’. Para serenar os ânimos, uma das tarefas de Luiz Gushiken era servir como uma espécie de embaixador do partido junto à equipe de Duda, mas as queixas mútuas continuavam.
As divergências se deviam a um único motivo: segundo os dirigentes do PT, Duda estaria ‘despolitizando’ o discurso do candidato e se preocupando mais com a forma do que com o conteúdo. Mas a discussão de conceitos foi superada logo após a edição dos primeiros programas, de grande beleza plástica. Parecia coisa de cinema” (idem, pg. 227).


Lulinha, paz e amor

“Como em 1989, o que era inevitável acabou acontecendo. Ao perceber que estava cada vez mais difícil reverter a curva das pesquisas, o PSDB decidiu radicalizar no seu programa de televisão, com ataques a Lula e ao PT. Até então eu procurava me controlar, e não havia mandado nenhuma carta desaforada para as redações. Sentia-me contagiado pela postura que Lula adotara depois de ouvir, de um militante a caminho de um comício no Nordeste, o bordão ‘Lulinha, paz e amor’. Assim, diferentemente do que muita gente divulgou na época, a nova imagem do candidato não foi criação de Duda Mendonça, que nos acompanhou em poucas viagens” (idem, pg. 228).


Fome Zero, o “projeto chupim de Lula”

“Três semanas e mais uma dúzia de comícios depois, quando foi finalmente eleito presidente da República do Brasil, com quase 53 milhões de votos, no primeiro discurso após a vitória Lula apontaria o combate à fome como o principal objetivo do seu governo.
Tratou do assunto também no discurso de posse, no dia 1º de janeiro de 2003, dizendo:
E quero propor isso a vocês: amanhã, estaremos começando a primeira campanha contra a fome neste país. É o primeiro dia de combate à fome. E tenho fé em Deus que a gente vai garantir que todo brasileiro e brasileira possa, todo santo dia, tomar café, almoçar e jantar, porque isso não está escrito no meu programa, isso está escrito na Constituição brasileira, está escrito na Bíblia e está escrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos. E isso nós vamos fazer juntos” (idem, pg. 230).

Obs.: O apóstolo São Paulo, em uma de suas epístolas, diz claramente que existem pessoas que não valem sequer o que comem, pois não se esforçam sequer para ter um prato de comida, já que querem tudo de graça. De certa forma, o Fome Zero de Lula não passa de um “projeto chupim” (Cfr. http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=781 - F.M.).


Palocci: indicação de Kotscho?

“Bem, primeiro tomamos um baita susto, porque, apesar de suas hoje conhecidas qualidades, entre elas o bom humor, Antonio Palocci, então prefeito de Ribeirão Preto, é médico sanitarista. Pensei até que Lula estivesse brincando. Meses antes, também durante uma viagem, e na presença de Palocci, eu tinha sugerido seu nome para o ministério.
- Mas por que você quer indicar o Palocci? Para qual ministério? – indagou Lula com cara de bravo, como se estivesse me desafiando.
- Sei lá, para qualquer um... Porque eu acho ele engraçado, e vai ser duro agüentar Brasília sem ter alguém pra pelo menos divertir um pouco a gente.
- Você está querendo me chamar de palhaço? – perguntou Palocci, entrando na brincaderia.
Passada a perplexidade inicial, Lula explicou para mim e para Gilberto que chegara ao nome de Palocci pelo eficiente trabalho de articulação feito pelo coordenador do programa de governo durante a campanha, tanto nos meios empresariais como entre os sindicalistas. Os argumentos do presidente eleito nos convenceram de que sua idéia era capaz até de dar certo: ‘Acho melhor colocar um bom político na Fazenda, que se relaciona bem com todo mundo, do que um economista, que vai brigar com todos os outros economistas do partido, porque eles nunca se entendem...’ ” (idem, pg. 238-239).


Lula, Fidel e Chávez: o comando do Foro de São Paulo em ação

“O primeiro compromisso do dia era uma audiência com Hugo Chávez, presidente da Venezuela. Para não perder o costume, Lula começou o expediente reclamando de algumas coisas – da cadeira, da bursite, até do café: ‘Pô, mas aqui não tem café expresso?’. Com ele estavam o chanceler Celso Amorim, o assessor de Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, e o chefe do gabinete pessoal, Gilberto Carvalho, todos ainda encantados com a festa popular da posse. Ficamos ali em pé, conversando, tomando um café atrás do outro, e nada de o visitante aparecer.
Chávez chegou com uma hora de atraso e, muito sorridente, foi logo explicando: ‘Sabe, presidente Lula, fiquei conversando com o Fidel até de madrugada... Ele sempre fala muito...’. Assim, todos os demais compromissos da agenda presidencial daquele dia seriam empurrados para mais tarde, dando-se prosseguimento à prática que vinha desde os tempos de sindicato, do partido, das campanhas” (idem, pg. 249 e 250).

Obs.: Acesse http://www.midiasemmascara.com.br/editoria.php?id=8 e http://www.ternuma.com.br/forosp052.htm para conhecer o objetivo desse onagro, que pretende transformar nossa região na União das Repúblicas Socialistas da América Latina (URSAL).


Estrela petista nos gramados do Palácio da Alvorada

“Viver no palácio-símbolo do poder era para eles apenas uma conseqüência natural da vida. ‘Acho que vocês não vão querer sair daqui nunca mais’, eu brincava. Tempos depois, quando um dos jardineiros resolveu fazer, com flores vermelhas, um canteiro em forma de estrela para agradar a primeira-dama, foi um escândalo na imprensa. Fotógrafos chegaram a alugar um ultraleve para denunciar o ‘crime contra o patrimônio público’. Como sou meio desligado, nem tinha reparado naquela novidade no meio do imenso jardim” (idem, pg. 254).


Decálogo pra inglês ver

“ ‘Muitos de vocês, como eu, passaram a vida do outro lado do balcão, reclamando dos assessores de Imprensa. Agora, temos a oportunidade de mostrar na prática que é possível fazer aquilo que cobramos dos outros’, disse aos meus colegas de governo, e, no final da reunião, distribuí a eles um decálogo elaborado pelo jornalista e professor da USP Bernardo Kucinski, da Secom, que recomendava:

1) A informação é um bem público. Não é propriedade do governo.
2) A informação é um direito, não um favor.
3) A informação é um requisito básico para o exercício de outros direitos como o de escolher, de julgar, de optar e de participar.
4) A informação deve ser clara, pronta e precisa.
5) É proibido mentir ou tergiversar.
6) Responda no mérito e de modo objetivo às críticas da mídia.
7) Corrija de modo cortês os equívocos de informação da imprensa.
8) Se detectar calúnia, injúria ou difamação, atue com firmeza.
9) Não faça patrulhamento ideológico.
10) Trate com igualdade todos os jornalistas e todos os veículos.
(idem, pg. 254-255)


Lula refratário à imprensa

“Em maio, as cobranças chegariam às manchetes. Sob o título ‘Lula é o mais refratário à imprensa’, o Valor publicou a primeira de uma seqüência de matérias que sairiam em diferentes jornais e que repetiam basicamente a mesma coisa. ‘Em quase cinco meses de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não deu entrevistas. Em compensação, fez 72 discursos e pronunciamentos’. O objetivo era mostrar que o presidente preferia o monólogo dos discursos ao diálogo das entrevistas” (idem, pg. 261).


Soberba de Lula

“Quem mais tentava me ajudar a convencer o presidente a intensificar seus contatos com a imprensa era o velho Tom Thimoteo, com quem Lula gostava bastante de discutir política. Já comigo ele não discutia o assunto, porque sempre me achou muito ingênuo nesse campo, no que não estava tão errado. Nas raras vezes em que eu arriscava algum palpite, Lula vinha com a mesma pergunta: ‘Você, que se acha tão inteligente, quantos votos teve na última eleição? Então, vai ver quantos eu tive...’ ” (idem, pg. 262).


Repartição pública, missão cortar jornais

“Uma coisa que também aprendi no governo é de onde vem a expressão ‘repartição pública’. É que, desde o Império, presumo, cada funcionário público quer ter uma sala, de preferência só para ele. Dava-me aflição não ver as pessoas a qualquer hora, precisar chamá-las à minha sala ou ir até a delas. Habituado às grandes redações, onde todo mundo trabalhava junto, resolvi fazer uma na Secretaria de Imprensa. A reforma era simples e barata: bastava derrubar as divisórias. No começo, a reação dos funcionários foi a pior possível. ‘É melhor não mexer com isso’, me aconselhavam. Se eu indagava os motivos, a resposta era uma só: ‘Deixa assim porque sempre foi assim’. Pensei: ora, se era para deixar tudo como estava, então para que ganhar a eleição?

Teve uma antiga funcionária, responsável pelo banco de dados, que veio falar comigo, indignada: ‘Posso saber o que está acontecendo? Em 22 anos que trabalho aqui, já é a terceira vez que vão me mudar de sala. Eu prefiro ficar onde estou’. Só então eu soube que, além dela, havia no setor três funcionários cuja função era apenas recortar notícias de jornal, com tesoura e gilete, e preparar álbuns para entregar ao presidente no final do governo. Foi a deixa: fechei a seção, devolvi os funcionários a seus órgãos de origem e iniciei imediatamente a implantação de um sistema de informatização na Secretaria de Imprensa” (idem, pg. 263-264).


Gafes do presidente Lula

“No banco em frente ao meu, duas repórteres, uma de televisão e outra de jornal, travaram o seguinte diálogo:
- Nenhuma gafe do presidente hoje?
- Como não? Você não soube o que aconteceu durante a viagem no avião?
- Não, me conta, que preciso escrever sobre isso.
- Ah, o deputado fulano, que estava no avião, me disse que...
Não recordo os detalhes, mas eu estava no avião, e nada do que elas disseram tinha de fato acontecido. Escrever sobre gafes de Lula passara a ser uma pauta fixa para alguns jornalistas, pouco importando se haviam sido cometidas ou não. Embora não estivessem presentes ao jantar, as duas repórteres e outros, como se tivessem combinado fazê-lo, escreveram no dia seguinte que o presidente, no final de seu discurso (Obs.: na Síria), cometera uma gafe ao propor um brinde num país onde bebidas alcoólicas são proibidas, e que isso teria causado um grande constrangimento.
Em nota oficial que distribuí aos jornalistas, expliquei que o intérprete, Said Khoury, traduzira a expressão ‘proponho um brinde’ para o árabe como ‘faço uma saudação’. Portanto, os participantes do jantar não poderiam ter ficado incomodados, pelo simples e bom motivo de que não falavam português. ‘Não só não houve constrangimento, como Lula foi vivamente aplaudido ao final de seu discurso. O grave é que a generosa quantidade de detalhes oferecida pelos repórteres na descrição de uma cena que não presenciaram pode transformar um fato que não aconteceu em registro histórico’, escrevi no final” (idem, pg. 266-267).

Obs.: O “buldoque de Lula” é bastante condescendente com o presidente. Todos os brasileiros já ouviram dezenas de gafes presidenciais. Para relembrar algumas delas, acesse o site Ternuma, seção “Cala a boca, Magda!”, e divirta-se! Cfr. http://www.ternuma.com.br/magda05.htm e também magda01.htm, 02.htm, 03.htm e 04.htm. F.M.


PT e PSDB: irmãos siameses

“Ali na mesa, de fato, pulava-se de um assunto a outro, de relações do governo no Congresso a macroeconomia, passando por meio ambiente, mas o assunto que predominou foram as afinidades entre certos líderes do PT e do PSDB, e a possibilidade de aproximação entre os dois partidos, em algum momento da vida política nacional. ‘Há companheiros no PT e no PSDB que têm contatos. No futuro, penso que vamos caminhar para o bipartidarismo. Não vou dizer com quem, mas estamos conversando com pessoas do PSDB. Há uma grande convergência de idéias’. Lula se alongou sobre o tema, que, entre tantos outros tratados durante o jantar, sem dúvida renderia muitos comentários e matérias” (idem, pg. 274).

Obs.: A respeito do assunto, acesse http://www.usinadaspalavras.com/index.html?p=ler_texto&txt_id=16096&cat=7 – F.M.


Caso Waldomiro

“No dia seguinte, estourou a bomba que abriu a primeira grande crise no governo. A revista Época trazia na capa uma grave denúncia de corrupção, com fita gravada e tudo, contra Waldomiro Diniz, secretário de Assuntos Parlamentares da Casa Civil, muito próximo ao ministro José Dirceu. Durante a campanha eleitoral de 2002, segundo a denúncia, Diniz tentara achacar um bicheiro de nome Carlinhos Cachoeira. Era tudo o que não podia acontecer. Para o governo Lula, com diversos problemas de gestão, principalmente na área social, onde o ‘Fome Zero’ demorava a decolar, e ainda sem mostrar sinais de crescimento econômico, a questão ética era fundamental, pois o diferenciava dos seus antecessores, como eu havia argumentado no almoço com a cúpula da Folha, no começo do ano.
Embora já tivesse deixado a articulação política, Dirceu continuava sendo um ministro importante do governo do PT, a ponto de ter sido chamado por Lula no jantar com jornalistas de ‘capitão da equipe’. Por isso, avaliando a gravidade da denúncia, logo no início da reunião de coordenação política – uma reunião convocada pelo presidente Lula nas manhãs de segunda-feira, com os principais ministros -, José Dirceu pôs o cargo à disposição. Mas, fiel a seus amigos e companheiros de construção do partido, o presidente não aceitou nem discutir o assunto: rejeitou, liminarmente, a oferta de Dirceu. Nos dias seguintes, a denúncia ocupou todos os veículos. Pela primeira vez, o governo Lula enfrentava uma crise séria.
Acontece tudo tão rápido nessas horas, você é obrigado a resolver tantas questões em segundo – os mesmos segundos fatais que os presidentes têm para tomar uma decisão, e, depois, não tem volta -, que não dá para fazer uma avaliação serena em meio ao tiroteio. Sai cada um atirando para um lado. Só no fim de semana, caminhando com o presidente pelos jardins do Alvorada, é que fui me dar conta do tamanho da crise vivida por ele. ‘Ricardinho, esta semana cometi o maior erro político da minha vida’, disse Lula, e em seguida ficou em silêncio. Pelo rumo que seguiu a conversa, ele só podia estar se referindo à sua recusa em aceitar a demissão de José Dirceu. O próprio Dirceu, muito mais tarde, também me diria que seu grande erro político foi não ter deixado o governo naquele momento. O certo é que o episódio parecia ter atingido o governo Lula na alma, embora haja fracassado a tentativa da oposição de criar uma CPI para investigar o caso” (idem, pg. 274-275).


Caso Larry Rohter: tempestade em copo de cachaça...

“No começo de maio, a imprensa brasileira reproduziu trechos de um texto do correspondente Larry Rohter, do New York Times, até então um ilustre desconhecido para mim. Em reportagem na qual cita políticos de oposição e jornalistas críticos do governo, Rohter pôs em dúvida a capacidade de Lula para governar o país e atribuiu o fato ao gosto do presidente do Brasil por bebidas alcoólicas.
Como o correspondente tratara a questão de forma leviana, sem fundamentar suas afirmações, Lula imediatamente ganhou a solidariedade de quase toda a mídia nacional e até dos líderes de oposição – fato inédito no governo. (...) O assunto teria morrido na segunda-feira, se o governo brasileiro, por intermédio do porta-voz André Singer, não divulgasse uma nota agressiva na noite anterior, dando à reportagem e ao autor uma importância que não tinham.
(...) Centralizador ao extremo, o presidente julgava que nada deveria ser difundido em nome do governo sem sua autorização. Diante da reação irada de Lula, o ministro Luiz Gushiken logo assumiu a responsabilidade pela nota, redigida e divulgada por Singer a seu pedido.
(...) Fiquei do lado de fora, celular na mão, esperando uma ligação do ministro

(Obs.: da Justiça), que veio no meio da tarde: ‘Já estou com a carta do advogado na mão. Nela ele afirma que Rohter não teve a intenção de ofender o presidente. Não é tudo o que a gente queria, mas serve para sair dessa encrenca’. Lula estava no palco. Subi por trás, dei-lhe a notícia em voz baixa e perguntei se poderia informar a imprensa de que o caso estava resolvido. Ele abriu um largo sorriso: “O que você e o Márcio decidirem para mim está bom’ ” (idem, pg. 277 e 280).


Aspones de Lula contra a imprensa

“Queriam convencer Lula a fazer um discurso duro contra a imprensa e o Congresso, e partir para a ofensiva. Para tanto, utilizavam frases como ‘Estão passando dos limites’, manchetes de jornais, e capas de revistas – entre elas a que trazia João Vicente, o qual rompera com o pai, Leonel Brizola, para trabalhar no governo do PT do Rio Grande do Sul, e denunciara a ligação do partido com bicheiros gaúchos. Fiquei preocupado e resolvi dar meu palpite, mesmo sabendo que estava outra vez em minoria: ‘Lula, me desculpa, mas acho que no seu discurso você deveria fazer exatamente o contrário: elogiar o papel da imprensa e o trabalho dos parlamentares’.
(...) Para encurtar a história: em Caxias do Sul, como registram os jornais da época, o presidente Lula elogiou o trabalho da imprensa e o do Congresso Nacional. Se um assessor não tem condições de evitar as crises, pelo menos pode ajudar a não aumentá-las” (idem, pg. 280-281).


Kotscho se desgruda de Lula. Será?

“Meus argumentos todos, eles já conheciam. Mesmo assim, foi muito duro encarar aquela conversa. Afinal, não se tratava apenas de um funcionário pedindo demissão ao chefe. Ali falávamos de uma relação de quase três décadas de lealdade mútua, sonhos comuns, companheirismo. Pedi para falar sobre a minha substituição. ‘Isso não tem problema. Fica o Fábio Kerche no teu lugar. Só quero que você continue de alguma forma nos ajudando, mesmo morando em São Paulo’, respondeu o presidente.
Uma das alternativas seria ficar baseado no escritório regional da Presidência em São Paulo. Mas eu tinha planos de escrever este livro e não queria continuar trabalhando como funcionário público, até por questões financeiras. Com os problemas de saúde na família, a situação estava difícil. Eu teria que recomeçar, já caminhando para os sessenta anos, minha vida profissional na iniciativa privada. Pretendia ter uma coluna semanal, dar alguma consultoria, fazer palestras.
(...) Sabia que estava encerrando mais um ciclo na vida e só tinha uma vaga idéia de como seria o novo, talvez o derradeiro da minha carreira profissional. Aprendi muito sobre a natureza humana, na função de assessor de Imprensa do governo – o brutal jogo de interesses que existe de parte a parte -, mas estava decidido a não mais trabalhar nessa área, que não é a minha praia. Também não tinha planos de voltar para uma redação. O tempo e o acaso haveriam de me indicar outros caminhos” (idem, pg. 290-291).


O “serpentário” planaltino

“Conciliar governo com campanha eleitoral é sempre complicado, sobretudo com um presidente como Lula, que gosta de palanques e se sente na obrigação de ajudar os companheiros que fundaram o PT com ele. Arrumei um tempo em outubro para dar uma longa entrevista à Caros Amigos, revista mensal independente chefiada por Sérgio de Souza, um dos mestres da revista Realidade, que fez muitos da minha geração se apaixonarem pelo jornalismo.
O título da capa – ‘O guardião do Planalto’ – foi motivo de muitas gozações no gabinete presidencial quando levei a revista para eles. ‘Vocês precisam ler esta entrevista, que é muito rara. É alguém do governo falando bem do governo’, provoquei. Lula olhou bem para a capa e não perdoou: ‘Guardião do Planalto? Estão te chamando de cachorro, e você acha isso bom?’
Jornalista ser entrevistado por jornalista é uma coisa meio esquisita, mas fiquei satisfeito com o resultado. Não deixei pergunta sem resposta e defendi o governo com números e argumentos. Não era difícil fazê-lo até ali, naquela maré favorável, que aproveitei para preparar minha saída, já que isso seria impossível num momento de crise.
Lembro-me de ter dito na entrevista qual foi a principal lição que aprendi no governo: ‘A gente acha que a esquerda é de um jeito, a direita de outro e o centro de outro. No governo, aprende-se que a natureza humana é uma só’. Referia-me às lutas internas por poder, às pequenas vaidades, às cobranças e pedidos que vinham de todo lado. Ao me despedir de Ana Tavares e lhe perguntar por que nunca tinha atendido meus convites para tomar um café no Planalto, ela fez cara de brava e me fulminou: ‘Você está maluco? Eu prometi para mim mesma que nunca mais entro lê no palácio do Planalto, por nada deste mundo. Aquilo é um serpentário. Não importa quem esteja no governo. O poder alimenta as cobras’ ” (idem, pg. 292-293).


A verdadeira ética do PT

“O mais grave era que acusavam o PT exatamente num campo em que o partido sempre procurou se mostrar diferente dos demais: o da ética. Assim, de uma hora para outra, o que era bonito ficou feio, bandido virou mocinho e vice-versa, o sonho longamente sonhado transformou-se em pesadelo, o medo venceu a esperança, invertendo o lema da vitória de dois anos e meio antes.
‘E vai me dizer que você não sabia de nada?’, cansei de ouvir de todo mundo. Na verdade, a pergunta já trazia embutida uma resposta afirmativa: ‘Claro que sabia. E foi por isso que você saiu do governo antes?’
Não foi, mas as pessoas não esperavam que eu respondesse. Nem adiantava argumentar que nunca tinha ouvido falar em ‘mensalão’, ‘valerioduto’ (derivado do nome Marcos Valério, publicitário mineiro que intermediou empréstimos para o PT) e outros neologismos que, a partir da metade do ano de 2005, passaram a fazer parte do dia-a-dia do brasileiro” (idem, pg. 300).

Obs.: Ora, o PT nunca foi um “partido ético”. Desde que conquistou as primeiras prefeituras paulistas, o Partido da Trapaça sempre esteve envolvido em falcatruas, como denunciou o ex-petista Paulo de Tarso Venceslau, que, por esse motivo, foi expulso do partido. A respeito do assunto, acesse http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=7694&cat=Ensaios. Hélio Bicudo, um dos fundadores do PT, disse à revista Veja que “Lula é mestre em esconder a sujeira debaixo do tapete”.


Kotscho escreve no site NoMínimo

“Para ganhar a vida, estreei na internet a convite dos editores do site NoMínimo, onde já escreviam vários colegas com quem tinha trabalhado no Jornal do Brasil. Mais uma vez, estava me rendendo numa área nova e para mim desconhecida, a cada dia descobrindo outro mundo, mas logo percebi que estava no lugar certo na hora certa, como acontecera em tantas fases da minha vida. Diferentemente do que que ocorria nas mídias tradicionais, o retorno dos leitores do site era imediato.
Além disso, reencontrei via webmail muitos amigos com quem havia tempos não falava. Na coluna, semanal, eu não tratava de política, mas de assuntos do cotidiano, da vida fora dos palácios e longe do poder. Recebi da editora um adiantamento sobre direitos autorais do livro e completei o orçamento com consultorias e palestras, o que me permitiu, em poucos meses, sair do sufoco financeiro. Tudo corria muito bem, no país e em casa” (idem, pg. 303).


Cai cúpula petista

“Caiu o ministro José Dirceu, até então celebrado pela mídia como o homem forte do governo; caiu o presidente do partido, José Genoino; caiu o tesoureiro, Delúbio Soares; caiu o secretário-geral, Silvio Pereira, o Silvinho; desabou a cúpula do Partido dos Trabalhadores. Apareceu um Land Rover dado de presente a Silvinho por uma empresa de engenharia; apareceram dólares na cueca de um assessor de um irmão de Genoino; Duda Mendonça confessou na CPI dos Correios que recebera pagamentos do PT no exterior. Acho que nem o ficcionista mais delirante seria capaz de criar a história que o Brasil, cada vez mais perplexo, acompanha” (idem, pg. 306).

Obs.: Apesar de todas as maracutais petistas, Lula foi reeleito com mais de 60 milhões de votos, Genoino foi eleito deputado federal, junto com outros implicados com a Justiça, como Palocci e João Paulo Cunha. Viva a República Socialista dos Bandidos! (F.M.)


(*) KOTSCHO, Ricardo. “Do golpe ao Planalto – Uma vida de repórter”, Companhia das Letras, São Paulo, 2006.









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