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Erotico-->7. COMPLICA-SE O TRABALHO ASSISTENCIAL -- 12/01/2003 - 06:57 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Na segunda-feira, Gaspar não se apresentou à hora marcada. Antunes não se decepcionou. Na verdade, não punha muita fé na criança. Mediu a possibilidade de conversar com a professora mas desistiu. Somente falar a respeito não iria convencê-la. Era preciso saber o que acontecera. Mas não tinha tempo: o dever profissional o chamava.

“Volto hoje à noite e esclareço o mistério.”

Durante todo o dia, não pôde tirar da cabeça o descaso da família. E se perguntava por que a gente pobre tinha essa teimosia, tinha essa intuição de que as coisas boas não são para ela. Parecia que o progresso era coisa impossível. Conhecia muita gente que trabalhava muito mas não movia uma palha para entender as coisas. Pensava nas Igrejas Evangélicas, que se enchiam, porque era muito mais gostoso ficar cantando e ouvindo as belas palavras dos pastores. Até os padres católicos estavam perdendo a freguesia, porque exigiam que as pessoas fizessem isso ou aquilo e não, simplesmente, pagassem o dízimo. Era muito mais fácil respeitar os preceitos dos pastores. Em todo caso, a família de Cléber era pior ainda. Pelo que sabia, não freqüentavam igreja nenhuma. Não tinham tempo. Nem roupa adequada. Como se Deus exigisse dos homens que estivessem apresentáveis socialmente. Lembrou-se de que, ao falar em Espiritismo, a mulher desconversara e o homem se fizera de desentendido. E não porque não soubessem os dias do Bazar da Pechincha, quando se aproveitavam dos preços ínfimos. Na hora de irem ouvir as palestras, nada.



À noite, tendo logrado a companhia do filho mais velho, Antunes foi em busca das explicações. Encontrou Gaspar acamado, ardendo em febre.

— Que aconteceu ao pequeno?

— Acho que é gripe — respondeu-lhe a mãe.

— Levaram ao posto de saúde?

— E com quem iria deixar as menores?

As desculpas eram simplesmente deslavadas. Antunes fervia por dentro, mas, no empenho do auxílio caritativo, sob as luzes evangélicas e sob o dossel da espiritualidade que fluía da Doutrina absorvida no Centro Espírita, punha de lado o palavrório ofensivo que utilizava junto aos criminosos apanhados pela rede policial e se mantinha aparentemente cordato, compreensivo, racional.

— A senhora não tem nenhuma vizinha...

— Aqui ninguém quer saber de ajudar os outros.

— E os mutirões pra erguer as casas?

— Isso aí é conversa pra que o Governo dê o material. A minha casa foi meu marido quem fez, sozinho. Sozinho, não, que eu puxei muito reboco e fiz muita massa.

— Mas as pessoas se unem em associações de bairros...

— Só pra se candidatarem ou apresentarem candidatos, em que devemos votar. E vem gente de todos os partidos. “Uma vergonha”, como diz o homem da televisão.

— Bóris Casoy.

— Esse mesmo.

— Quer dizer que o menino não foi medicado? Não lhe deram nenhum remédio?

— Tomou uma aspirina. Mas a febre não deu sossego. Chegou até a delirar.

Antunes viu que estava perdendo tempo. Buscou um orelhão intato e fez duas ligações, uma para o hospital outra para a delegacia. Naquele, não encontrou ambulância disponível. Sendo assim, rogou a ajuda dos colegas para destacarem uma viatura o mais urgente possível. Tinha medo de que a infecção do garoto fosse perigosa.

Realmente, quando o plantonista sentiu a pulsação do infeliz e mediu-lhe a febre, percebeu de imediato que os socorros se faziam tardios. Em todo o caso, pôs as enfermeiras em polvorosa, dizendo que poderiam ser os sintomas de moléstia transmissível.

Dois dias depois, a diarréia havia cedido, restando uma fraqueza generalizada. Os testes indicavam para a dengue hemorrágica.

— Foi uma sorte ter ele sobrevivido. Os anjos deviam estar de plantão, porque os remédios não costumam fazer efeito em estado tão adiantado da doença.

Antunes ouvia com atenção para retransmitir as informações aos pais. De qualquer modo, o pequeno iria ficar internado por mais algum tempo, já que o policial havia insistido em que em casa não fariam outra coisa além de agravar o estado do menino.



No Centro Espírita, consultou o pessoal sobre a possibilidade de uma “corrente” a favor de Gaspar. Pediram para que deixasse o nome dele com o endereço do hospital, para que os amigos da espiritualidade pudessem providenciar a ajuda necessária. Como cada pessoa havia trazido vários nomes, cada qual se concentrou nos seus conhecidos. Assim, o plano espiritual iria ter de providenciar, sem muita ajuda das vibrações dos encarnados. Mas tais preocupações só passavam pela mente dos protetores do soldado e do guri, que lamentavam, em conversa franca, a predominância do egoísmo no coração dos seres humanos, que não conseguem vencer com galhardia as provas a que se submetem, muitas vezes por desejo próprio anterior à encarnação.

Todavia, Antunes dava o máximo de sua capacidade sentimental, naquelas circunstâncias adversas de tanto desregramento ao seu derredor, impelido, diuturnamente, a conviver com pessoas da mais vil catadura. E chegava a compreender que a pequenina luz que acendera, sob a tutela dos dirigentes da casa de assistência espiritual, era suficiente para fazê-lo meditar a respeito da miséria moral da humanidade.

Indagava, sem encontrar resposta:

“Será que, nos tempos de Kardec, as pessoas pobres estavam sujeitas a tanta miséria e à ganância dos ricos e poderosos? A se acreditar nas obras do Codificador, as pessoas eram cultas o suficiente para compreenderem os temas difíceis e filosóficos, o que leva a crer em que tinham boa escolaridade e recursos para poderem usufruir de alguma paz para a aprendizagem da nova teoria. Porque eu não creio que o Espiritismo haja nascido só para os civilizados. Em comparação com Cléber e com Gaspar, aposto que os espíritos encarnados naquela época eram mais adiantados. Bem que ouvi dizer que os piores estavam recebendo agora a última oportunidade neste planeta. Se não se regenerarem, e eu acho que isso vai ser praticamente impossível, vão ser encaminhados para lugares mais tristes e penosos”.

A partir dessas reflexões, perdia-se no envolvimento emocional das tenebrosas visões dos lugares perversos, não sabendo se iria também cair nesse báratro infernal ou se iria merecer subir, ao menos, a um local umbrático assistido pelas falanges dos espíritos de luz. E buscava assegurar-se de que os seus pensamentos e seus atos iriam, fragilmente embora, corresponder aos anseios de Jesus, pela prática do bem, da caridade.

“Que isso é complicado, é mesmo. E que dá um trabalho danado pensar e agir assim...”

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