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Contos-->A frase e a vida feita -- 06/12/2002 - 20:20 (Ingrid Valiengo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nem sempre fui essa louca que você, leitor, acaba de se deparar. Não! Já fui uma professora respeitada, com Mestrado e tudo. Dava aula em uma Universidade e tinha uma vida, aparentemente feliz. Como tudo mudou? Vou contar, pode deixar.
O nome dele era Julio. Um moreno de 1.80 e muita pretensão no bolso do paletó. Dava aula de Ciências Políticas no mesmo lugar que eu. Cruzamos olhares por mais de uma vez na sala dos professores. Ele sempre desviava o olhar quando eu estava com o meu em seu corpo escultural. Isso me deixava louca de desejo.
Na época, namorava o ignorante Marcelo. Um jumento, que não gostava nada de respostas prontas. Coitado. Eu vivia delas. O que mais gostava era um livro de frases, grande como um dicionário, o qual decorava instantaneamente citações de vários escritores. E como gostava de enfrenta-lo com frases feitas. Tinha para todo o gosto. Um dia, Marcelo chegou lá em casa enfurecido, dizendo não entender como um empregado de sua oficina não sabia trocar o pneu de um carro. Eu, logo querendo briga, soltei o verbo. “Não se preocupe em entender! Viver ultrapassa todo entendimento.” O sujeito ficou furioso e jogou na minha cara que eu vivia de palavras dos outros. Um completo idiota, mas que fazia sexo como ninguém. Por isso o aturava. Era só pensar nas noites quentes de orgias demoníacas e logo esquecia suas manias de analfabeto. Um belo dia, Marcelo resolveu fugir com uma “caminhoneira” que foi trocar o pneu em sua oficina. Não o vi mais.
Mas Julio, eu estava vendo todos os dias. Já fazia mais de um ano. Entre olhares, e cumprimentos, algumas vezes trocávamos risadas sobre outros professores. Sempre com os olhos atravessados, com o medo “daquele olhar” que nos levaria para outros “títulos literários”.
Chovia forte e minha carona já tinha ido embora. Resolvi esperar o táxi, quando Julio se ofereceu para me deixar em casa. Entre conversas sobre alguns autores que tínhamos em comum, a vontade de não ir para casa começou a perturbar, mas fiquei quieta, achando ser um abuso chamá-lo para tomar um drinque. Para minha surpresa, ele parou o carro em um bar e perguntou se eu queria beber alguma coisa. Para encurtar o texto, bebemos, beijamos, fomos para casa dele e o resto ninguém precisa saber.
Estava namorando Julio. Tinha uma vida perfeita. Podia , enfim, despejar minhas frases de efeito, pois ele as adorava e não era nenhum jumento. Aliás, era um homem muito culto, extremamente sábio e inteligente e foi nessa que me ferrei. Comecei com uma obsessão ridícula de querer saber mais do que ele. Depois das noites de sexo, após me certificar que Julio havia adormecido, eu corria para o banheiro com algum livro de filosofia, ou algum trabalho de faculdade dele. No café da manhã, quando ia comentar alguma aula, eu já sabia tudo. Ficava orgulhosa e excitada ao ver que ele me exibia para os amigos como a mulher mais inteligente, engraçada e de bom senso que chegou a conhecer. Minha obsessão começou a piorar quando ele foi a um Congresso em Londres sobre A Filosofia de Grandes Autores. Passei noites em claro vasculhando a Internet atrás de toda e qualquer filosofia que eu poderia aprender, para que, na volta, pudesse debater o que ele tinha aprendido na Inglaterra. Me tranquei por quatro dias em casa, até inventei uma doença rara para os reitores da faculdade, e fiquei lá deitada e acabada de livros.
O dia da volta de Julio estava chegando e liguei para saber a hora que o pegaria no aeroporto. Ele estava um pouco estranho, dizendo que iria de táxi para casa. Achei esquisito, mas resolvi não dar importância. Até porque ainda faltavam alguns autores para estudar, antes de encontrar com ele. As 9 da noite fui direto para seu apartamento. Abri a porta, pois tinha a chave e me deparei com uma cena chocante. Julio pelado, andando de um lado para o outro, ditando tabuada. Perguntei o que estava acontecendo e ele correu para a cozinha. Quando cheguei lá, vi uma mulher de mais ou menos 25 anos, também nua, cozinhando uma salada. Julio me pegou pelo braço e disse que, na Inglaterra, encontrou a mulher de sua vida. A tal garota que estava cozinhando para ele, tinha ido para lá trabalhar como cozinheira e ele a conheceu em uma estação de metrô. E a tabuada? A mulher só tinha feito até a terceira série. A minha angústia e revolta era por não saber como um homem como Julio, PHD em tudo, pôde se apaixonar por alguém como aquela mulher. E eu, que me fritei na panela por tantos meses querendo saber de tudo para agrada-lo? Ouvi, então, a mais detestável das frases: _ Querida, você sabe muito, sabe tudo e eu não posso te oferecer mais nada.
Fui para casa jurando não ler mais nenhum livro na vida! Deixei a faculdade, comprei uma casa no interior e me juntei aos que não sabem nada. Dia desses soube que Julio se casou com a tal mulher e que tem um bando de filhos com ela. Eu? Estou muito bem com meu jumentinho. Marcelo passou por aqui para comprar pneus novos e reatamos o namoro. Ele vem nos finais de semana. Só tem um probleminha: voltou a estudar e resolveu ser um adepto de frases feitas, principalmente as de caminhão.

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