Usina de Letras
Usina de Letras
20 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62285 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10388)

Erótico (13574)

Frases (50677)

Humor (20040)

Infantil (5458)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3310)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6209)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Erotico-->5. LIÇÕES DE AMOR -- 10/01/2003 - 08:45 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Antunes levava três exemplares, na esperança de que o jovem ficasse com um, a mãe, com outro e ele, com o terceiro, de forma que a leitura pudesse ser acompanhada, para se retirar o máximo proveito possível. Gaspar é que ficava com o livro da mãe, embora não se tivesse alfabetizado.

— Esse cara aí não sabe nada! Vai ficar olhando pras páginas como um bobo...

Antunes não sabia das dificuldades do menino:

— Quer dizer que não aprendeu a ler?...

— Nem vai aprender porque foi expulso da escola.

— Como assim? Que fez ele de tão terrível?...

— Simplesmente, não é capaz de fazer uma letrinha, um “a” ou um “o”...

— Mas ele é tão bonzinho e atende a tudo que você pede...

— Pra aprender, é mais xucro que um burro velho.

Gaspar não ligava que falasse desse jeito. Sabia que Cléber não falava por mal, porque gostava dele, não tendo apanhado, desde que o outro voltara para casa. Não sabia que o pai ameaçara com pancadaria das grossas. Se tivesse o dom de ler na alma do irmão, iria ver que a benquerença não era recíproca. Não deixava, porém, de fazer o melhor que podia para atender às solicitações do entrevado.

Antunes não hesitava em abrir o livro e mostrar a Gaspar o início da leitura que iria realizar. Mas não dava atenção ao menor, já que se interessava pelo ensino ao mais velho.

Essas tardes de leitura aos sábados e domingos coincidiam com as folgas do pai, que não ficava em casa durante o tempo em que o soldado lá se aboletava. Mas não ia ao bar tomar umas e outras, porque não queria ser admoestado nem correr o risco de ultrapassar os limites na repreensão das crianças ou nos ultrajes à mulher.



Um dia, aberto o livro no tópico do honrar ao pai e à mãe, Cléber resolveu discordar:

— Eu não acho que os pais e mães mereçam consideração, principalmente quando batem nos filhos.

Antunes entendeu a extensão do comentário. Meditou: “Se pensa assim dos pais, como reagirá quando eu tentar demonstrar que Deus é pai de misericórdia e, por isso mesmo, coloca os filhos à prova, neste mundo de dor?!...” Tentou argumentar:

— Quando é que você apanhou pela primeira vez?

Cléber não se lembrava:

— Apanhei a vida toda.

A mãe ouvia a conversa e interferiu:

— Ele levou muita pancada desde pequeno porque era muito mau. Até deu uma bolada no irmão, machucando tanto que precisou de uns pontos. Essa cicatriz no rosto foi quando era bem pequeno. É claro que apanhou do pai por causa disso, mas já tinha levado outras sovas antes. Deve ter sido por isso que quase foi morto na rua. Deve ter provocado o bandido...

Cléber não podia responder. Tinha medo de levar “outra sova”, uma vez que não podia sair correndo. Era só o soldado ir embora...

— Pelo que está dizendo tua mãe, você precisava levar pancadas pra endireitar. Mas eu não acho que isso esteja certo. Nos meus filhos, eu nunca bati. Se fazem algo errado, converso muito com eles, até provar que não deviam ter feito o que fizeram. Desse modo, eu acho que eles me respeitam.

— Mas com minha mãe nem com meu pai, não tem conversa. Às vezes, eles me batem porque as vizinhas vieram reclamar. E eu nem estou sabendo do que se trata.

— Pois nós haveremos de mudar isso aí.

— Não muda, não, Seu Antunes. Eles gostam de me pegar de pau, de cinto, de chinelo.

— Mas isso não vai acontecer mais. Quando você era pequeno...

— Eu fugi de casa quando meu pai quis me pegar. Se o senhor puder ficar mais um pouco, depois que eu estiver andando, vai ver que as cobras vão dar o bote de novo.

Antunes ficava muito admirado com a maneira de se expressar do menino. Não compreendia por que fora reprovado:

— O que você fez na escola, pras professoras ficarem com tanta raiva?

— Eu fazia muita gozação com os burros que não aprendiam nada. E respondia tudo errado de propósito, pra não me chamarem de “CDF”. Também não fazia nenhuma lição nem ajudava ninguém. Eu queria era me ver livre da chateação.

— Que você acha de ouvir estas leituras?

— Posso falar a verdade?

— Claro!

— Preferia que me trouxesse umas revistas em quadrinhos. Estes assuntos são muito bobos. É coisa antiga. Hoje a gente está noutra. Esta de ficar pensando que os pais devem ser “honrados” é como se fosse a história da “Branca de Neve”, do “João e Maria” e outras que as professoras liam nos primeiros anos. Eu prefiro ver o “Aqui e Agora”, na televisão. Um dia mataram um cara aqui perto e a reportagem apareceu. Eu estava lá e me perguntaram se eu tinha visto o assassino. Eu bem que sei quem foi, mas não estou louco de dizer. Fiquei calado, que em boca fechada não entra mosca. Naquele dia apareci na televisão.

Cléber ia continuar, mas foi só aí que se lembrou que Antunes era policial. Este, porém, o tranqüilizou:

— Eu sei que as pessoas não falam, porque têm muito medo. E estão certas, porque a polícia só vem de vez em quando e os bandidos estão sempre aí. Mas você pode ligar pra delegacia e avisar quem foi.

— Eu não vou fazer isso. Um dia ouvi um bandido dizer que, se fosse dedurado, iria matar cinco, por conta de não saber quem foi.

Antunes estava percebendo que o menino era muito esperto, pois desviava o assunto do livro. Resolveu perguntar a Gaspar:

— Você acha que a gente deve honrar, respeitar e obedecer o pai e a mãe?

O menino, pego de surpresa, gaguejou um tímido “sim”.

— Por que sim?

A resposta foi dada a muito custo:

— Porque a gente deve gostar deles, porque são os nossos pais.

— Quer dizer, porque nos deram a vida, nos puseram no mundo?

Cléber não perdeu a vaza:

— E quem foi que pediu pra ser posto no mundo?

— Quando a gente é espírito e quer se encarnar, a gente pede pra vir ao mundo.

— Eu não me lembro de ter pedido nada.

— Ninguém se lembra, porque, quando a gente nasce, a gente se esquece do que aconteceu antes. É da lei...

Cléber não se conteve:

— Esse esquecimento é muito conveniente.

Antunes podia dizer que estava escrito nos livros ou que os espíritos protetores ensinavam nos Centros Espíritas, mas resolveu calar-se, acrescentando apenas:

— Quando você for pai, irá querer que teus filhos respeitem você.

— E quem disse que eu vou querer filhos?

— O futuro a Deus pertence. O mundo dá tantas voltas que um dia vai chegar a tua vez.

— Se isso é tão certo assim, de que adianta ficar tentando enfiar essas coisas na minha cabeça agora?

— Quer dizer que devo parar?

— Não deve, não. Que enquanto o senhor está aqui, meu pai vai embora e eu não sinto o bafo de pinga na minha nuca.

Antunes não via por onde amarrar os temas morais naquela cabecinha revoltada. Pensou em que alguns aprendem pelo amor e outros pela dor.

Gaspar foi quem encontrou a solução para o impasse:

— Vamos rezar, tio, que a gente vai honrar o Pai que está no Céu.

Cléber não dava o braço a torcer:

— É bom rezar, porque, assim, a gente não precisa ficar lendo essas coisas chatas. O “tio” vai logo embora e a gente pode ligar a televisão.

Sem se ofender, tomado pela idéia de que não iria ficar na dependência dos julgamentos da juventude, o soldado adotou a sugestão:

— Cada um reza pra si mesmo um pai-nosso. Quem não quiser, não precisa. Basta ficar em silêncio.

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui