07.junho.2012 11:24:05 A execução dos guerrilheiros no Araguaia na voz de Curió
Chega na segunda-feira, 11, às livrarias a obra Mata! O Major Curió e as Guerrilhas do Araguaia, do jornalista Leonencio Nossa, repórter do Estado, na sucursal de Brasília. Escrito a partir dos arquivos do major Sebastião Curió, contém um detalhado relato sobre a execução dos integrantes da Guerrilha do Araguaia, levada a cabo pelo PC do B entre 1972 e 1975, na região do Rio Araguaia.
O major foi um dos articuladores da Operação Marajoara, a terceira expedição enviada pelo Exército à região para eliminar o incipiente foco de guerrilha. As duas anteriores haviam fracassado. Ao final de sua ação, 67 pessoas haviam morrido. Entre elas 42 guerrilheiros, executados sumariamente, depois de terem sido presos, quando já estavam fora de combate.
Curió abriu seus arquivos após um longo trabalho de aproximação do repórter. Foram quase dois anos. Segundo o militar, seu objetivo foi educativo. ”Não me julgo dono da verdade. Sei muita coisa porque vivi”, disse. “É preciso contar a história com imparcialidade para que os mais jovens possam avaliar a atuação das Forças Armadas no Araguaia.”
Uma parte das revelações já foram publicadas em 2009 pelo Estado, numa série de reportagens. A maior parte do texto do livro, porém, é formada por material inédito, segundo o repórter. Além da guerrilha, ele trata do envolvimento de Curió com os garimpeiros da região de Serra Pelada, a partir dos anos 80.
O livro, editado pela Companhia das Letras, já pode ser adquirido em edição digital pelo site da Livraria Cultura. O lançamento oficial em São Paulo, com a presença do autor, será no dia 13 de julho, durante um congresso de jornalistas.
O maior drama das famílias de pessoas executadas no Araguaia continua sendo o da localização dos corpos. No domingo, 10, começa na região do Araguaia uma outra expedição de busca.
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Tags: Exército, Guerrilha do Araguaia, Leonencio Nossa, Major Curió, Operação Marajoara, Rio Araguaia
Fonte:
http://blogs.estadao.com.br/roldao-arruda/a-execucao-dos-guerrilheiros-no-araguaia-na-voz-de-curio/
O Estado de S. Paulo
10/6/2012
UM MERGULHO NO ÚLTIMO SUSPIRO DA GUERRILHA
Com dez anos de pesquisa e acesso aos arquivos de Sebastião Curió, repórter
do "Estado" conta em livro a agonia dos combatentes do araguaia
GABRIEL MANZANO
Para o soldado Cid, foi um ato banal. "Pisei em seu braço, impedindo que levantasse
a arma, e perguntei: "Qual o seu nome?" Com ar de deboche e ódio, respondeu aos
gritos: "Guerrilheira não tem nome". Eu e João Pedro a metralhamos."
Assim morreu, em 24 de outubro de 1974, numa obscura grota na selva, ao norte de
Goiás, a militante do PC do B Lúcia Maria de Souza, ou Sônia, capturada pelo grupo
do major Sebastião Curió - o homem que o regime militar havia encarregado de
liquidar sumariamente a Guerrilha do Araguaia.
Sônia, Raul, Osvaldão, Arildo, Grabois, Áurea, Queixada, as duas Dinas... Os
momentos finais de todos eles foram semelhantes. O registro de tudo, pelo próprio
major, ficou por mais de 30 anos no fundo de uma mala vermelha guardada em um
porão. Pelas mãos do jornalista Leonencio Nossa, repórter especial da Agência
Estado em Brasília, esse precioso pacote de memórias está virando livro. Editado
pela Companhia das Letras, Mata! - O Major Curió e as Guerrilhas no Araguaia
chega terça-feira às livrarias e deixa mais rica a bibliografia da recente história do
Brasil. Em 512 páginas, que incluem um caderno central com fotos cuidadosamente
guardadas por Curió, vêm à luz as caminhadas finais, pela selva, da Operação
Marajoara - a ação militar que entre 1972 e 1975 acabou com a brevíssima aventura
da luta armada do PC do B no fundão de Goiás.
A tarefa exigiu paciência, determinação, talento. Leonencio rodeou o assunto e o
major durante longos anos. Vasculhou 32 pastas, um pacote de mapas, seis álbuns
de fotos e muitos papéis soltos que o xerifão das selvas, hoje tenente-coronel
reformado, guardava para escrever, ele próprio, o seu livro - cujo título seria A Selva
do araguaia.
"Meu desejo é que a narrativa agrade. É importante que isso seja conhecido,
esclarecido", afirma o autor, que antecipou no Estado boa parte desse material em
uma série de reportagens em junho de 2009.
Cor local. Fato marcante dos anos 70, a aventura armada no araguaia tem sido
objeto de muitos outros autores, mas o que surpreende em Mata! é o testemunho
direto dos episódios - o que só as memórias de Curió tornariam possível. Breves
capítulos vão despejando, aos poucos, a cansativa caminhada, as conversas, o dia, a
hora, o lugar, o ataque, o grito, a fuga, o tiro. O cerco e a liquidação dos inimigos, já
exaustos e sem recursos. O resultado, para a história, é uma correção atrás da outra
de muitos relatórios - falsos - que o regime divulgou sobre quem morreu, onde e
como. Não há grandes surpresas sobre o destino dos corpos.
Mas sabe-se, por exemplo, que foram 41 e não 25 os fugitivos que, já detidos, foram
executados quando não ofereciam mais risco. Que Paulo Roberto Marques, o Amauri,
não morreu no cerco à cúpula da guerrilha no Natal de 1973, mas fugiu e dias depois
se entregou. "Entrou num helicóptero com as mãos amarradas. Foi fuzilado perto do
Rio Saranzal", anunciam os papéis de Curió. Que Dinalva Oliveira Teixeira, a Dina,
não caiu em combate, mas morreu na cadeia de Marabá em 26 de junho de 1974.
Serra Pelada. Na segunda metade do livro vem à tona outra grande aventura de
Curió: os seus turbulentos anos no comando de Serra Pelada. Uma saga de
garimpeiros esfarrapados e prostitutas valentonas, gente que ele defendia e
manipulava numa área maior que Inglaterra, Irlanda e Gales juntos.
Passados 38 anos da aventura, o tenente-coronel aposentado confessa ao repórter
sua nostalgia. "Em Serra Pelada eram dois objetivos: extrair o ouro para encher o
cofre do Banco Central e continuar o trabalho político. Não via o tempo passar. Hoje
qual é meu rumo? Para onde eu vou? araguaia foi uma guerra, nunca esqueça." E
bate na sua tecla preferida: "Se não houvesse determinação e pulso forte na
erradicação da guerrilha, teríamos até hoje um movimento semelhante às Farc."
ESTADO REVELOU OS ARQUIVOS DE CURIÓ EM 2009
"Curió abre arquivo e revela que Exército executou 41 no Araguaia". Foi esse o título
da reportagem - primeira de uma série de 18 - publicada pelo Estado na edição de
domingo, 21 de junho de 2009, pelo jornalista Leonencio Nossa. "Estavam abertos o
baú de madeira e a mala vermelha (do major Curió)", recorda o repórter. Desde
então, ele reuniu íntegras das memórias do major e depoimentos de cerca de 150
pessoas, aprofundando o trabalho no livro agora lançado. A série foi finalista do
Prêmio Esso de 2009.
& 39;FRACASSO NA SELVA SEPULTOU RADICALISMO& 39;
Para historiador, fim da luta armada mostrou que o diálogo era a única saída: "A
ele o regime militar não sobreviveu"
Na longa lista de revoltas contra o poder, no Brasil, a aventura do PC do B no
araguaia não teve grande expressão, mas seu saldo político foi importante, avalia o
historiador Pedro Paulo Rufino, titular do Departamento de História da Unicamp.
"Enquanto a luta armada fracassava no campo, entre 1972 e 1975, o MDB
conquistava o eleitorado, intelectuais faziam pesquisas no Cebrap, o jornal Movimento
desafiava a censura", recorda ele. "A derrota da luta armada sinalizou que o diálogo
político era a única saída. A ele o regime militar não conseguiu sobreviver."
Qual o balanço, hoje, dos episódios no araguaia? Como explicar o surgimento
da guerrilha?
Esse fenômeno toma corpo num cenário específico, o da guerra fria pós-1945. O
mundo polarizado entre dois lados, guerrilhas chegando ao poder na Coreia, no
Vietnã, na Argélia, em Cuba, Nas vizinhanças, grupos fortes como Montoneros,
Tupamaros, Sendero Luminoso. Os radicais do PC do B imaginavam que a guerrilha
poderia também vencer por aqui.
Para alguns, acabou justificando mais radicalização do regime.
Num cenário de confronto, classes altas e médias sentiam-se ameaçadas e a direita
fortaleceu o discurso. Mas havia vozes discordantes. O velho Partidão aliou-se à
oposição moderada.
A guerrilha perdeu, mas a ditadura também entrou em declínio.
Temos de ver o conjunto. O período de 1972 a 1974 é crucial. Em 1972 a repressão
ainda corria solta, mas em 1973 a crise do petróleo abalou os pilares e as certezas do
regime militar. Em 1974, o MDB crescia nas urnas, a Igreja reforçava campanhas por
abertura democrática. Até radicais do PC do B aceitaram a via eleitoral. O fracasso na
selva sepultou o radicalismo.
Passadas mais de três décadas, o que ficou da aventura?
O episódio foi pequeno, mas seu subproduto, o saldo político, foi muito importante.
Enquanto a luta armada fracassava no campo, entre 1972 e 1975, o MDB conquistava
o eleitorado, intelectuais como Fernando Henrique Cardoso faziam pesquisas no
Cebrap. O jornal Movimento desafiava a censura, arrumavam-se as bases para a
ascensão dos sindicatos. O fracasso da luta armada mostrou que o caminho era o
diálogo político. A este o regime não conseguiu sobreviver.
Como o sr. vê a orientação dos militares para matar mesmo presos indefesos?
À parte os julgamentos morais, é preciso entender que para o Exército era uma
guerra e a lógica da guerra é eliminar o inimigo para evitar riscos. A França matou
cerca de 1 milhão de pessoas na Argélia. Há alguns dias, mataram o segundo homem
da cúpula da Al-Qaeda. Ninguém cobrou que ele fosse levado vivo para julgamento. /
G. M. |