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Erotico-->3. EXPERIÊNCIAS AMARGAS -- 08/01/2003 - 07:05 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Cléber era taludo para os treze anos, mas, perto do pessoal mais velho, deveria considerar-se pequeno, o que, na verdade, não levava em conta. Tinha posto a correr gente mais encorpada, com a ameaça da mão armada de paus e pedras. Quando saiu de casa pela primeira vez, imaginou que deveria portar certo canivete que surrupiou do velho.

Deu-se ares de vencedor e pôs as pernas para vagarem pelos corredores centrais da cidade. Durante o dia, tudo bem, que dava a impressão de que estava de passagem, mas, quando quis ajeitar-se para dormir, foi descoberto por um dos antigos, que desejou saber que apito tocava o novato.

— Ô seu, qual é? Aqui tem dono. ‘Tá pensando que é só chegar e se aboletar no pedaço? Vê se te manca e dá de pinote. Ou deixa algum, que é pra mostrar boa vontade...

Cléber não queria dar de covarde. Mas também não iria enfrentar gente desconhecida, que não sabia a quantas andava nem com quem.

— ‘Tô chegando agora, cara. Me livra dessa, que não quero ofender ninguém.

— O que é que tu tem aí?

— Só roupa e comida.

— ‘Tá servindo, não sabe. Passa pra cá.

Cléber julgou que o pedido era desproporcional. Só estava ali por acaso. Não precisavam tirar tudo o que tinha. Mas não ofereceu resistência, pensando que o que não “servisse”, seria restituído.

O sujeito pegou a mochila, abriu e foi examinando tudo. Pôs de lado as roupas e comeu o sanduíche. As calças e camisas não entraram em seu corpo, mas, mesmo assim, arrumou tudo de volta na mochila, que acomodou nas costas.

— Esta noite, tudo bem. Pode ficar aí. Amanhã, vai procurar outro lugar, a menos que queira conhecer quem manda...

— Me devolve a roupa...

A resposta foi intimidativa. Levou um safanão que o jogou longe. Puxou o canivete mas nem teve tempo de abrir. Despertou no dia seguinte, Sol alto, com tremenda dor de cabeça, lábios inchados, vergões por todo o corpo, a camisa rasgada, sem nenhum dinheiro no bolso. Nem sinal do canivete, mas o braço estava perfurado em dois lugares, com o sangue coagulado a impedir a hemorragia.

Tentou levantar-se e percebeu que as pernas doíam muito. Olhou em volta mas não viu ninguém. Escondera-se debaixo de uma ponte mas fora levado para desvão atrás de coluna em V. Quem fizera aquilo, com certeza, estava pensando que o despachara de vez. E avisou os que costumavam freqüentar o lugar.

O barulho de carros mostrou que a pista em cima era concorrida. Arrastou-se para fora e pôde divisar o rio. Fez enorme esforço e desceu pelo matagal até a beira da água. Ali desmaiou.

Acordou sobre uma maca, rodeado de bombeiros. Estava com o pescoço e as pernas imobilizados. Foi removido para um hospital, onde lhe fizeram muitas perguntas. Queriam saber onde morava e onde trabalhava o pai. Deu o nome dele, o nome da repartição e o endereço. Hora e meia depois, a mãe aparecia para as lágrimas e as reprimendas.

— Que vai ser da minha vida, se você começar a me dar trabalho até fora de casa?! Pensa que não sei que você levou a tua melhor roupa, que pegou a comida na geladeira e o canivete de teu pai? Pra onde pretendia ir?

Cléber assistira na televisão às lágrimas de alegria das mães que recuperavam os filhos, após longos períodos de ausência. Eram recebidos com carinhos e afagos, com amor, com boa vontade. Como é que a mãe o estava recriminando daquele jeito? Era porque não o queria tanto, que preferia que não voltasse mais.

— Quem é que vai cuidar de você com as duas pernas quebradas? Antes tivesse Deus te levado, assim você iria deixar todo o mundo em paz.

O mocinho não se emocionou a ponto de se lamentar. Pensava que outra não poderia ter sido a reação da mãe, porque quem tinha saído de casa era ele. Desprezara a família. Era direito de todos não no receberem mais. Continuou impassível.

Veio o soldado para registrar a ocorrência. Queria saber quem o atacara. Cléber não sabia. Contou mais ou menos a conversa com o desconhecido, recebendo do homem fardado a recomendação de não fugir mais de casa. Tinha tido muita sorte, já que o pessoal costumava acabar com os intrusos valentões. Com relação à mãe, a autoridade policial mostrou-se inflexível, dizendo que a culpa da atitude do menino era dela:

— A senhora vai ter agora o trabalho de cuidar dele. Se tivesse tomado conta, ele só daria satisfação. Como é que vai na escola?

— É um demônio. As professoras reprovaram ele no ano passado e vai ter de fazer a quinta série de novo. Só dá gastos e dores de cabeça.

— Pois é isso aí. Apanha em casa, desforra nos colegas.

— Apanha, nada!...

Cléber arriscou:

— Apanho, sim. De cinta, de chinelo, de pau...

— É isso aí. Eu sei o que estou dizendo. Ou a senhora e seu marido tratam dele bem ou ele vai dar muito mais trabalho mais tarde. A senhora quer ter um ladrão, um maconhado, um viciado, um aidético, um assassino, em casa? Pois continua a dar-lhe pancada. Aproveita agora que ele está imobilizado. Não se esqueça que eu sei muito bem onde vocês moram. Vou passar lá uma vez por semana. Se o Cléber puser a boca no mundo contra os maus tratos, levo a senhora e o pai pro Distrito.

O garoto se sentiu protegido. Dava-lhe afeto e atenção quem não tinha nada com isso. Verificaria, mais tarde, que o policial era homem de palavra.

O que fez a mãe, realmente, chorar de desespero foi o médico, com a receita.

— Doutor, não tem jeito de me arrumar os remédios?

— Passa na farmácia do Hospital. Não garanto que a senhora vá encontrar tudo, mas a Assistente Social vai tomar nota do endereço e irá visitar o pequeno. Se a família não tiver condições de tratar dele, ela fornecerá o que for preciso.

A mãe agradeceu muito. Levou os documentos, preencheu as fichas e recebeu comprimidos contra a inflamação e a dor. Antibióticos, nem pensar. Verificaria, mais tarde, que o médico mentira, pois a moça nunca se apresentou em sua casa. E esse foi motivo mais do que suficiente para o marido acusá-la de negligência, uma vez que o dinheiro estava curto e os remédios eram muito caros. Se não fosse o policial providenciar, Cléber ficaria sem a medicação, o que o teria levado a correr sério risco de vida.

Enfim, a primeira sortida do revoltado o manteve por dois meses entrevado, sofrendo as injúrias da mãe e os xingos do pai, que só não completou o trabalho do bandido, porque se achava vigiado pela polícia. Quem agradava o irmão era Gaspar, sempre solícito, a providenciar, como podia, o que fosse preciso. As irmãs nem se aproximavam.

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