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Ensaios-->F.M.MOURA - FORTUNA CRÍTICA -- 13/09/2005 - 19:57 (Francisco Miguel de Moura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos







FRANCISCO MIGUEL DE MOURA:

FORTUNA CRÍTICA






















Cirandinha, Teresina, 2005




ÍNDICE

Francisco Miguel de Moura - José Maria A. Ramos
Roda de Poesia & Tambores -XI edição – Élio Ferreira
Livro – Vir@gens - Fernando Py
D. Xicote, um Enigma – Francisco Venceslau dos Santos
Vir@gens - Uma Nova Poética – Chagas Val
D. Xicote – Oralidade e Imagem Cronotópica – Moura Lima
Livros Recebidos – Liliane Pedrosa
das Almas – Belas Narrativas Curtas – Oton Lustosa
Sonetos Escolhidos – Paulo Nunes Batista
F. Miguel Estuda a Obra de Moura Lima – Emiliano Carvalho
Chico Miguel em Laços de Poder – Osvaldo Monteiro
Três Poetas do Piauí – Dalila Teles Veras
Rebelião das Almas – Moura Lima
Vir@gens - Poemas - Roberto Carvalho
Intimidades do Poeta – Luiz Romero Lima
De Poesia e de Poetas – Rejande Machado
Prefácio – Altevir Alencar
Um Observador do Cotidiano – Afonso Ligório Pires de Carvalho
Amizade do Poeta – José Gerardo Marques
Estante de Livros – Prateleira Piauiense – Magalhães da Costa
Poesia in Completa – F.M.Moura - Roberto Carvalho
Francisco Miguel e a Crítica Literária – M. Paulo Nunes
A Cadência das Palavras I – Anna Kelma Gallas
A Cadência das Palavras II – Anna Kelma Gallas
Os Estigmas – José Afrânio Moreira Duarte
Infância e Sofrimento em Ternura – Cunha e Silva Filho
Literatura Piauiense XXVIII - José Expedito Rego
Literatura de Teresina – Marta Gonçalves
... E a Vida se Fez Crônica – Wiliam Palha Dias
Francisco Miguel de Moura (1933- ) - Assis Brasil
Literatura Piauiense – Cunha e Silva Filho
Sobre o Poeta Miguel de Moura – Luiz Fernandes da Silva
Ternura: Uma Viagem Inesquecível – Herculano Moraes
Poemas Ou/tonais – Livro - Chagas Val
Laços de Poder – José Ribamar Garcia
As Diversas Tonalidades do Eu – Murilo Moreira Veras
Poesia Maior – Cunha e Silva Filho
Resenha Literária – Laços de Poder - José Afrânio M. Duarte
Lançamento – Antônio Mariano de Lima
Poemas Ou/tonais – José Eduardo Pereira
Laços de Poder – João Felício dos Santos
Tribuna Literária – Eu e meu Amigo... – José Ribamar Garcia
Chico Miguel e Charles Brown – João Felício dos Santos
Eu e meu Amigo Charles Brown – Roberto Carvalho
Piauí – Terra de Boa Literatura – Homero Silveira
Opinião: Dois Poetas Piauienses – José Afrânio Moreira Duarte
Um Lírico Realista – Benedicto Luz e Silva
Resenha Literária: Os Estigmas – José Afrânio Moreira Duarte
Os Estigmas - Romance – Benedicto Luz e Silva
Bar Carnaúba – Estante de Livros – Magalhães da Costa
Bar Carnaúba – Hardi Filho
Chico Miguel, o Poeta do Piauí – Eduardo Maffei
Palavras sobre Universo das Águas – Francisco Pacelli
Resenha sobre Universo das Águas – Manoel Cardoso
Universo das Águas – Mário Newton Filho
Um Poeta das Bandas de Lá - Rosa Maria dos Santos
Universo das Águas – Campomizzi Filho
Sequidão – Francisco Rodrigues
Pedra e Poesia – Modesto de Abreu
Pedra em Sobressalto – Campomizzi Filho
Pedra em Sobressalto – José Afrânio Moreira Duarte
Um Poeta Sofrido – O. G. Rego de Carvalho
Linguagem e Comunicação – Félix Aires
Literatura: Nota Dez – Abdias Lima
Areias: Poesia e Comunicação – Pedro Marques
Areias – Inocêncio Candelária
Comentando – Samuel Filho
Com Areias no Olhos – Manuella
Liras Sinfônicas – Herculano Moraes
Renovação Intelectual – Pafúncio d’Almaviva
Areias – Fontes Ibiapina












FRANCISCO MIGUEL DE MOURA




José Maria de Aguiar Ramos
(Do livro inédito “Os Corifeus do Banco do Brasil”)






“Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade, mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura”.
Chaplin.










Nasceu em 16.06.1933, na bucólica fazenda “Curral Novo”, data Jenipapeiro, cujo nome é derivado da árvore que grassa em abundância naquela região, fundada em 1818 por seis baianos da família Rodrigues e dos quais descendem quase todos os atuais habitantes do lugar. Quando Francisco Miguel nasceu o lugar Curral Novo, data Jenipapeiro, pertencia ao município de Picos-PI.
Jenipapeiro foi elevada a povoado em 1935.
Emancipada em 09.09.1960, por força da lei número 1.963 e só instalada em, 24.12.1960, e cujo topônimo atual é “Francisco Santos” - Piauí e o gentílico é franciscossantense.
Tem uma área territorial de 224 km2, numa altitude de 250 metros acima do nível do mar. Está na região fisiográfica do sertão, microrregião homogênea de baixões agrícolas do Piauí, tendo o burgo a posição geográfica à esquerda, à jusante do rio Riachão.
A latitude sul é de 6º 59’ 02” e longitude W Gr. é de 41º 10’ 45”. O clima é tropical megatérmico, predominantemente quente, úmido na estação chuvosa e árido e seco no restante do ano, variando para mais ou para menos quente, conforme as estações climáticas.
Sob o signo de gêmeos e da proteção da padroeira do município, “Coração Imaculado de Maria”, cuja capela foi edificada em 1918, nasceu Francisco Miguel de Moura, primogênito varão.
Conta-se que em conseqüência da seca de 1932, a família do mestre Guarani enfrentou miséria e fome, e o primogênito foi gerado, com sangue de massa de macambira e mucunã e da sustança do mingau de farinha de mandioca e macaxeira.
Foi levado à pia batismal, em 1933, sob o dogma da fé católica, na Igreja Matriz de Jaicós, a cuja paróquia Jenipapeiro pertencia na época. Foram padrinhos os avós paternos: Feliciano Borges de Moura, alcunha de Sinhô do Diogo, que faleceu em 14.03.1951, e Rosa Maria da Conceição, em 20.06.1971.
Os avós paternos geraram dez filhos (quatro homens e seis mulheres), que, sem forçá-los, o Sinhô do Diogo botava na roça, igualmente, todos os filhos, causando escândalo, porque as mulheres naquela época eram apenas de casa, não saíam para trabalhar fora, mesmo que fosse no roçado.
Os avós maternos eram Francisco de Sousa Rodrigues (Chico Ana) e Maria Rodrigues (Mariinha), descendentes daqueles Rodrigues que fundaram Jenipapeiro, inclusive e principalmente “Mãe Ana”, bisavó materna do comendador Chico Miguel.
Em 1934, nasceu a primeira irmã de “Chico Miguel”, Teresinha de Jesus Moura; faleceu em 1969, na cidade de Picos, vítima de uma cirurgia vesicular (colecistectomia). Casada, deixa enorme descendência, hoje toda morando em São Paulo.
Em 1936, nasceu a segunda irmã, Maria, que morreu criança, e consta também o nascimento da terceira irmã, em 1937, também com o nome de Maria Josefa de Sousa, cognome de Mariinha, hoje, professora em Francisco Santos (PI).
A quarta irmã de nome Helena Josefa de Sousa, nasceu em 1942; casada, é hoje, professora em Santo Antonio de Lisboa - PI, mas registra-se também o nascimento de outro irmão homem, de nome José, que faleceu criança.
Foram um total de oito filhos - dois homens e seis mulheres, todos gerados de Miguel Borges de Moura (Guarani), que nasceu a 18.05.1910, e Josefa Maria de Sousa (Zefinha ou Zefa), nascido a 14.02.1909, ambos já falecidos. O garoto Chico, mesmo com todas as regalias de primeiro filho, criou-se magrinho e doentio. Que se dirá dos outros? A metade morreu ainda pequenos, de “dentição” ou “doença de menino”.
O pai torna-se, ainda cedo, mestre dos irmãos e depois mestre-escola por profissão e era um andarilho. Peregrinou por várias vilas da região de Picos, tais sejam: Sussuapara, Bocaina, Aroeiras do Itaim, Angico Branco dos Macedos, Carnaíbas, etc., começando pelos idos de 1939, e a tiracolo ia toda a família.
Improvisava sob a sombra do juazeiro, ao derredor de uma tosca mesa no vaquejador da morada, a turma de aprendizes do ABC e tabuada depois, às margens do rio Guariba, abaixo da hoje cidade de Bocaina, o mestre Miguel Guarani cultivava o plantio de alho e cebola, apesar do porte físico franzino e frágil.
Em 1941/42, aos nove anos de idade, viajou o menino Chico com o pai mestre Miguel, do Angico Branco a Jenipapeiro, ficaram na casa do avô Sinhô do Diogo, por algumas semanas. E o neto Chico, bisbilhotando nos alfarrábios do avô, lê “Cem Cartas de Amor” e livros de contos e poesias de Casemiro de Abreu, Antonio Frederico de Castro Alves, Antônio Gonçalves Dias, Manuel Antonio Álvares de Azevedo e a Bíblia. Foi aí o despertar para as letras, lendo e decorando esses poetas e algumas passagens bíblicas. Só muito depois, no ginásio, dá-se seu encontro com os poetas parnasianos e simbolistas Raimundo da Mota de Azevedo Correia e Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac. E mais recentemente com os modernistas Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho e Carlos Drummond de Andrade.
Voltando a 1.942: O mestre Miguel foi nomeado funcionário público municipal na função de mestre-escola. Foi autodidata por excelência. Poeta, violeiro e repentista muito conhecido e proclamado na região de Picos e circunvizinhanças. Por perseguições políticos, na administração do então governador, dr. Rocha Furtado, foi exonerado do cargo de professor do povoado Santo Antonio de Lisboa, quando o mesmo faltava apenas seis meses para adquirir estabilidade no emprego. Não foi readmitido e o cargo ficou impreenchido, vago por muitos anos, por absoluta falta de quem o substituísse.
Advém, assim, de colonos, famílias de lavradores e criadores, tanto pelo lado paterno quanto pelo materno. Teve uma infância de sonhos e ilusões, uma infância salutar. Aprendeu o bê-á-bá e a tabuada com o pai; com ele também, aprendeu a manejar os implementos agrícolas no cultivo da terra; e com a mãe, que não sabia ler e escrever, as tarefas domésticas.
Com as constantes perguntas curiosas de criança e as lições que recebera da mãe, sobre Deus, o diabo, o pecado e o perdão, tornou-se um catequista em matéria religiosa da Igreja Católica, no Jenipapeiro e lugares por onde o pai perambulava como professor e violeiro. Sua convicção era outra. Não aceitaria, em seguida, a sugestão e vontade da família para estudar no seminário teológico e ser padre.
O contato com o sofrimento, o campo e a natureza de um modo geral, não resta nenhuma dúvida, amalgamou severamente o ser e a linguagem de Francisco Miguel de Moura. Avezou-se muito cedo com os livros. Herdou do avô paterno, Feliciano Borges de Moura, Sinhô do Diogo, o hábito da leitura e da escrita. Absorvia com sofreguidão tudo que chegava às mãos: livros, jornais, revistas, cartas, calendários, cartilhas, tabuadas, propagandas, prospectos, inclusive o livrinho do Jeca Tatu, do remédio Biotônico Fontoura, etc.
Os primeiros trabalhos, após a labuta na lavoura, geralmente de alho e cebola - o que se plantava muito na ribeira do Riachão - foram de mestre-escola como o saudoso mestre Miguel.
Foi comerciário em Santo Antônio de Lisboa, antigo Rodeador, na loja de Isaac Batista de Carvalho, de 1950/1952.
Em 1952, no povoado Jenipapeiro emprega-se na loja de Areolino Joaquim da Silva, na função de balconista.
Aos 21 anos, em 1954, fixa residência em Picos (PI), faz o concurso de exame de admissão ao ginásio no Colégio Estadual Picoense, obtendo o primeiro lugar e estudando gratuitamente por esse motivo. O referido colégio, apesar do nome, ainda não era estadualizado, ou seja, era particular.
Em 1955, torna-se escrivão da Delegacia de Polícia de Picos, percebendo o salário pela Prefeitura. Aproveitava, a folga do sábado, para ser balconista nas Lojas Pernambucanas, assim aumentava um pouco a renda para seu sustento.
Conclui o curso ginasial em 1958 e seus mestres foram: Dr. Severo Maria Eulálio, Pe. David Ângelo Leal, D. Maria Olita, D. Bilu (esposa do dr. Severo), Dr. Fonseca, Professor João de Deus Neto, Professor Manoel de Moura Fé, Prof. Barros Araújo, Dr. Acilino Leite, além de outros.
Quando secundanista do curso ginasial, submete-se a concurso público do Banco do Brasil S.A., sendo aprovado e nomeado para exercer a função de Auxiliar de Escriturário, na mesma cidade de Picos, ingressando em 02.03.1957, no mais cobiçado contingente de serventuários dessa nobre casa de crédito. Em seguida, um ano depois, realiza em Fortaleza, o concurso maior, de Escriturário, para carreira administrativa, e vai aprovado, reassumindo uma vaga em Picos (PI).
E em 02.03.1983, após 26 anos de bons serviços prestados, deixa uma lacuna no quadro funcional da Agência Centro, em Teresina-Pi, por justa e merecida aposentadoria por tempo de serviço, contado o tempo de empregos anteriores. Mas afasta-se somente dos serviços burocráticos, continua no mesmo convívio. Como ele mesmo se autodefine: “os bancários são meus irmãos mais próximos.”
É convidado, em 1983, por Hildalius Catanhede, Presidente da Associação dos Antigos Funcionários do Banco do Brasil S.A. - AAFBB - com sede no Rio de Janeiro (RJ), a representar a Associação no Piauí, cujo cargo ocupou até junho de 1999.
Como funcionário do Banco, serviu nas cidades de Picos - (PI), Itambé (BA), Teresina - (PI) e Metropolitana Cinelândia - Rio de Janeiro (RJ), adido para tratamento de saúde de um filho. Exerceu vários cargos, entre outros, os de Auxiliar de Supervisão, Chefe da Carteira de Crédito Agrícola de Industrial (CREAI) e Subgerente de Agência.
Em 08.12.1959, na paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, então diocese de Oeiras, contraiu matrimônio com a picoense Maria Mécia Moraes Araújo Moura, que nasceu em 10.04.1941. A celebração foi realizada na casa dos genitores da noiva, Laudemiro Morais Feitosa e Esther Morais Araújo, pelo padre João Morais Sobrinho, (irmão da noiva, hoje, ex-padre), sendo paraninfos, Francisco de Assis Coimbra, Vilany Morais Coimbra (prima da noiva), Abrahão Conrado Costa (primo do mestre Guarani) e Maria do Socorro Portela Costa.
O consórcio gerou os seguintes filhos: Francisco de Assis Franklin Morais Moura, n. 28.02.1961; Leônidas Fulton Morais Moura, n. 28.01.1962, (faleceu prematuro aos seis meses, em Itambé - BA); Laudemiro Miguel Morais Moura, n. 06.03.1963; Francisco Miguel de Moura Júnior, n. 18.02.1964; Fritz Miguel Morais Moura, n. 01.01.1968 e Mécia Morais Moura, n. 14.04.1994, caçula varoa e na festividade das bodas de coral, ou seja, no 35º aniversário de casamento.
Atualmente tem uma progênie de nove netos: Joyce e Filipi - filhos de Francisco de Assis Franklin Morais Moura e Wilma Neri Moura; Tainá e Tairine, filhas do quadrigênito, Francisco Miguel de Moura Júnior e Ana Vaz Moura; Lucas, Davi e Mariana, filhos de Laudemiro Miguel Morais Moura e Mônica Queiroz Moura; Sarah e Sahvyc, filhas de Fritz Miguel Morais Moura e Leina Sabino Moura.
A odisséia intelectual de Chico Miguel, o qual emergido do campo da lavoura, da cultura do alho e cebola, e ser arremetido pelos próprios méritos a freqüentar o campo da sociedade elitizada da cultura e nobreza das letras piauienses, só poderia advir, portanto, de um coração sábio, puro, modesto e batalhador. É um exemplo digno de humildade e respeito.
Os estudos do escritor Francisco Miguel não foram muito regulares. Tal como o pai, é um autodidata. O jardim da infância e o curso primário foram disciplinados no próprio lar; assentou em bancos escolares quando realizou o exame de admissão ao curso ginasial.
É Técnico em Contabilidade pela Escola Técnica de Comércio “Landri Sales”, na cidade de Picos - Pi, de 1959/1961. Os estudantes dessa unidade, àquela época, eram apelidados de “lombriga azeda”.
Em Teresina - Pi, gradua-se no Curso Superior de Letras, da Faculdade Católica de Filosofia do Piauí, em 1972, tendo como professores: Padre Raimundo José Ayremorais Soares, Diogo Ayremorais Soares, Maria dos Reis Figueiredo, Cecília Mendes, Dorinha Santos, Padre Homero, Padre Moisés Fumagalli e Celso Barros Coelho e outros.
Pós-graduado, em 1985, na Escola de Belas Artes/Universidade Federal da Bahia - Salvador -, na especialidade “Crítica de Arte”.
Realizou outros cursos de formação suplementar: “Folclore Brasileiro”, (1975), ministrado pela professora Maria de Lourdes Borges Ribeiro, do MEC-Brasilia-DF; “Teoria do Romance” (1970), pelo professor João Décio, da Universidade de Marília – SP; “Aperfeiçoamento em Literatura Brasileira e Portuguesa”, (1971, na Universidade Federal do Piauí - UFPI.
Bancário (do Banco do Brasil); professor; crítico literário e de artes; ensaísta; Conselheiro Cultural do Conselho Estadual de Cultura e da Fundação Cultural Monsenhor Chaves; poeta; romancista; membro da Academia Piauiense de Letras, cadeira nº 8; contista; cronista; congressista; encontrista; campeão de concursos literários e expositor literário e cultural nas mais diversas ocasiões e lugares; editor da revista Cirandinha (1977/1984); coordenador de literatura e editoração da Fundação Cultural Monsenhor Chaves; sócio-fundador e presidente da União Brasileira de Escritores do Piauí - (UBE/PI), 1986/1988, entidade reconhecida através da Assembléia Legislativa como de utilidade pública; instituidor e tesoureiro do Círculo Literário Piauiense - CLIP, (1967); monitor do Movimento de Educação de Base (MEB), em Itambé (Ba), na época do golpe militar de 1.964, sendo presidente da república, dr. João Goulart; organizador e apresentador do programa “Panorama Cultural” na Rádio Clube de Teresina, pela Secretaria de Cultura do Piauí, de 1975/1977; colaborador/fundador da Academia de Letras de Região de Picos (ALERP); sócio-correspondente da Academia Catarinense de Letras e da Academia Mineira de Letras; 2º secretário da Academia Piauiense de Letras (1995/1996), Secretário Geral (2000/2001) e membro da Comissão Editorial da “Revista da Academia”.
Professor de português e literatura brasileira e portuguesa no Colégio Estadual “Anísio de Abreu”, desta Capital, durante dois anos.
Participa, entre muitos outros, dos seguintes eventos: I Encontro Nordestino de Política Cultural, no Recife - Pe, em 1987, como delegado do Piauí; I Congresso de Escritores do Nordeste - 30 anos da União Brasileira de Escritores de Pernambuco, no Recife (PE), em 1988, expondo o tema, “Política Editorial - Estratégia e Ação”; Encontro de representantes da Associação dos Antigos Funcionários do Banco do Brasil - AAFBB - no Rio de Janeiro (RJ), em 1987, onde discursou em nome de todos as representações da AAFBB no Brasil, publicado na Revista AAFBB nº 36 de jan/1987; X Congresso Brasileiro de Teoria e Crítica Literária, em Campina Grande, de 16 a 21.09.90, expondo sobre a “Descaracterização da Cultura Nordestina”; I e II Exposição de Livros de Funcionários do Banco, na AAFBB - Rio (RJ), respectivamente em 1986 e 1991;
Premiado em vários concursos literários tais como: primeiro lugar no concurso de ensaios, pelo trabalho “A Poesia Social de Castro Alves”, promovido pelo Diretório Acadêmico “Dom Avelar Brandão Vilela”, da Faculdade Católica de Filosofia do Piauí, em 1971; primeiro prêmio de bibliografia pela obra crítica “Linguagem e Comunicação em O. G. Rêgo de Carvalho”, conferido pela Academia de Letras de Uruguaiana - Rio Grande do Sul, em 1972; por ocasião do Sesquicentenário da Independência do Brasil, recebe o troféu por classificar-se em 2º lugar no concurso de trovas em Mogi das Cruzes - SP., patrocinado pelo Centro Melo Freire de Cultura; primeiro lugar no concurso de romances “Fontes Ibiapina” com o livro “Laços do Poder”, em 1986, patrocínio da Secretaria de Cultura do Piauí/Fundação Cultural do Piauí; segundo lugar no concurso de poemas “Odílio Costa Filho”, promovido pela Academia Piauiense de Letras, com o livro “Santo de Casa”, em 1981, posteriormente publicado com o título “Bar Carnaúba”, em 1983; três classificações no VI Concurso de Crônicas “Sérgio Porto”, bancado pela FENAB, em 1983, Brasília - DF; classificado para publicação, nas diversas edições do concursos de contos “João Pinheiro”, da Secretaria de Cultura do Piauí, sendo que em 1984 obteve o terceiro lugar e em 1986, o segundo; e também o segundo lugar no concurso de crônicas “Clarice Lispector”, promovido pelo Satélite Clube de São Paulo, em 1993; primeiro lugar no concurso poesias da revista “Poesia Para Todos”, do Rio de Janeiro, em 2000.
Condecorado com as homenagens: “Intelectual do Ano” recebendo o troféu “Fontes Ibiapina”, em 1988, concedida pela União Brasileira de Escritores do Piauí - UBE/PI-; diploma de Mérito Cultural “Lucídio Freitas”, em 1988, por serviços prestados à cultura, patrocínio da Academia Piauiense de Letras, à qual pertence, mas a cuja Academia ainda não pertencia na época da concessão da referida comenda; diploma de Personalidade Cultural UBE-Rio, em 1992, pela intensa atividade cultural desenvolvida; Medalha do Mérito “Conselheiro José Antonio Saraiva”, no grau de “Cavaleiro”, conferida pela Prefeitura Municipal de Teresina, em 1994, por seus méritos como escritor, e Diploma de Oficial da Ordem do Mérito Renascença do Piauí, de 19 de Outubro de 11997, conferido pelo então Governador do Estado.
Os livros publicados são:
Poesias: - “Areias”, foi o primeiro livro de poemas (1966), com prefácio de Fontes Ibiapina; “Pedras em Sobressalto” foi o segundo livro em versos (1974), “Universo das Águas” (1979) foi o terceiro livro, posteriormente elogiado por Carlos Drummond de Andrade; “Bar Carnaúba”(1983), foi o quarto livro, inclusive premiado; (“Quinteto em Mi(m), 1986, “Sonetos da Paixão” (1988), “Poemas Ou/tonais (1991); “Poemas Traduzidos” (1993); “Poesia in Completa” (1997), “Viragens” (2001) e “Sonetos Escolhidos”(2003).
Ensaios: - “Linguagem em Comunicação em O.G.Rêgo de Carvalho” (1972), “A Poesia Social de Castro Alves” (1979); Piauí – Terra, História e Literatura” (ensaio e antologia 1980); “Um Depoimento Pós-Moderno” (1989); e “Moura Lima - do Romance ao Conto” (2002).
Contos: - “Eu e meu amigo Charles Brown” (1986), “ Por que Petrônio não ganhou o céu” (1999) e “Rebelião das Almas” (2001).
Romances: “Os Estigmas” (1984), “Laços do Poder”(1991) e “Ternura” (1993).
Crônicas: “E a Vida se Fez Crônica” (1996);
História: “Literatura do Piauí” (2001).
Os livros inéditos são:
Poesia: “Tempo contra Tempo” (em parceria com Hardi Filho), “Itinerário para Passar a Tarde” e “O Coração do Instante”.
Romance: “D. Xicote” e “O Crime Perfeito”.
Biografia: “Miguel Guarani, Mestre e Violeiro”.
Prefaciador/posfaciador: Da antologia de contos de autores piauienses “Piauí: Terra, história e literatura” (1980), co-edição da Editora do Autor-São Paulo/Edições Cirandinha-Teresina; de “Literatura Piauiense - Escorço Histórico” de João Pinheiro (obra em 1ª edição de 1937), na 2ª edição, 1984, patrocinada pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves.
Participante de coletâneas - “Poetas do Brasil” Rio (1975); “Ciranda”, Teresina (1976); “O de Casa”, Teresina (1977); “Momento Poético”, São Paulo(1978); “Vozes da Poesia”, São Paulo (1979); “O Conto na Literatura Piauiense”, Teresina (1981); “Renascença”, Salvador-Ba. (1984); “Novos Contos Piauienses”, Teresina (1984); “Outros Contos Piauienses”, Teresina (1986); “Antologia Acadêmica”, Porto Alegre-RS (1990); “Postais da Cidade Verde”, Teresina (1989); “Antologia Poética Piauí/Ceará”, Teresina/Fortaleza, 1993; “Alma Gentil - Novos Sonetos de Amor”, Brasília, 1994; “Mostra Nacional de Poesia Visual”, UFRN, Natal-RN (1995); “Piauí: Formação, Desenvolvimento, Perspectivas”, FUNDAPI, Teresina (1995); “Crônicas de Sempre”, Teresina-PI (1995), e “A Poesia Piauiense do Século XX”, Teresina/Rio, antologia, estudo e organização de Assis Brasil, 1995.
Participação Internacional – Entre outras, participou como crítico e poeta nos Estados Unidos da América do Norte - dos seguintes livros: “A Dictionary of Contemporary Brazilian Authors”, Arizona - EUA, onde comparece com 10 verbetes (1981); “Internacional Poetry Yearbook”, Colorado -EUA(1984); “Directory of International Writers and Artists” - Biografia, Colorado, USA (1987); “Internacional Poetry Yearbook, Colorado - EUA (1988); “Directory of Internacional Writers, Colorado, EUA (1987); “International Poetry 37”, Colorado, EUA (1985) “Contemporary Brazilian Literature”, antologia de poesia e prosa, Colorado, EUA (1986), na França, como poeta, participa da publicação: “Jalons”, números 49 e 50, respectivamente de 1994 e 1995, na cidade de Nantes, “Brésil 500 Ans”, antologia de poemas da Editora Jalons, Nantes, França, 2000; e em Portugal, participou das publicações “Anto” nº 3 (1998) e nº 6 (1999) e na “Revista de Poesia”, nº 2 (junho de 2002), dedicada ao tema “Saudade”.
Colaborador/Participante: Em Picos, no começo dos anos 50, antes mesmo de ser estudante, participa do jornal “A Flâmula” do Grêmio Estudantil “Da Costa e Silva” - dos estudantes do ginásio, onde publica os primeiros poemas. Depois de ingressar no Ginásio, continua a publicar seus poemas e artigos em “A Flâmula” e noutro jornal que surgiu, “A Gazeta”, também de Picos, editado por Odonel Castro Gonçalves. Em Teresina, desde que chegou, oriundo de Itambé - Ba, em outubro/1964, colabora intensamente nos jornais, revistas e congêneres:
Jornais: “O Estado”, “A Hora”, “Correio do Piauí”, “Estado do Piauí”, “Jornal da Manhã”, “Diário do Povo”, “Jornal do Piauí”, “Voz do Piauí”, “Opinião”, “Diário do Povo”, “Meio Norte” e “Suplemento do Diário Oficial”, etc.;
Revistas: “Almanaque da Parnaíba”, “Presença”, “Cadernos de Teresina”, “Cirandinha” , “Impacto” e “Revista da Academia Piauiense de Letras”, onde publicou os seguintes ensaios: “Depoimentos Sobre O. G. Rego de Carvalho”, nº 50, Ano LXXV, dezembro de 1992; “Os Universais da Literatura - Acertos e Equívocos”, nº 51, Ano LXXVI, dezembro de 1993; e “Jorge de Lima, Poeta Participante” e “A Chama da Geração de 45”, ambos no nº 51, Ano LXXVI, dezembro de 1993 - II fascículo, entre outros órgãos;
Colaborações interestaduais, “Littera”, nº 11 - (1974), Rio - com ensaio “Simbologia e Sentido do Efêmero na Poesia de Raimundo Corrêa”; “Em Revista” nº 12”, (1981), São Paulo, com “Tentativa de Explicação do Inexplicável”; “Ficção, nº 09” setembro/1976, Rio, com resenha sobre “Rio Subterrâneo”; Ficção nº 18, junho/1977, Rio, com resenha sobre “Inquietação de Um Feto”; “Vozes”, nº 3, Ano 79, abril de 1985, Petrópolis - RJ, com o “O Aprendizado da Morte”; “Suplemento do Minas Gerais”, de Belo Horizonte, edição de 19.08.1978, com “Três Tempos do Poeta H. Dobal”; “A Tarde” - Salvador (BA), edição de 23.06.73, com - “O Conto e a Força do Crítico”; “O Lince”, de Juiz de Fora (MG), edição de maio/74, com “Um Contista no Palco da Infância”; “Correio do Estado”- Campo Grande (MS), edição de 29.03.1973, com “Deste Lado do Horizonte”; “Correio da Bahia”- Salvador, edição de 13.12.1985, com o artigo “Centenário do Poeta Da Costa e Silva”; “Suplemento do Diário Oficial” - Salvador (Ba), edição de 10.06.1985 com o ensaio “Modernidade da Língua Portuguesa”; “D.O.Leitura”, nº 4 (47), de abril de 1986 - São Paulo - SP. - com o ensaio “Elementos de Crítica Literária”; “D.O.Leitura”, nº 09 (102), de novembro de 1990, São Paulo (SP), com o ensaio “Descaracterização da Cultura Nordestina”; “Vozes”, nº 06, Ano 83, nov/dez/1989, Petrópolis - RJ, com “Cláudio Manoel da Costa e a Crítica Caolha”; “Literatura”, nº 02, junho de 1992, Brasília - DF, com o artigo “Do Ceará, um Borges”; “Literatura, nº 6, de junho/1994, Brasília - DF, com o depoimento “Como e porque sou escritor”; “Cadernos do Tâmega”, nº 8, dez/1992, Amarante/Portugal, com o ensaio “O Livro mais Triste, o Poeta mais Só” e o soneto “A Antonio Nobre”, ambos comemorando o centenário do livro “Só”, “Notícias Culturais” de Fortaleza (CE) nº 56, ano 5 de setembro/1995 com os seguintes poemas: “Sonetilho” (ao poeta Lourenço Campos), “Hai-kais”, “Nome da Rua” e “Abandonos”.
Alguns poemas são cantados e gravados em discos pelo compositor e cantor, também bancário do Banco do Brasil, Odorico Carvalho, tais como: 1. “Das Coisas Simples”, extraído do livro “Quinteto em Mi(m)”; 2. “Homem, Boi, Berro” de “Bar Carnaúba”; 3. “Experiências Vivas” de “Quinteto em Mi(m)”. Mais alguns outros apenas cantados, esperando serem gravados em disquete.
Na Academia Piauiense de Letras: Ingressa na imortalidade após três campanhas; não foi só merecimento, foi luta e ele lutou, teve opositores “e estes são necessários, senão, não haveria vitória”, diz. É o 5º ocupante da cadeira nº 8. Foi eleito em 29.09.1990 e tomou posse em 30.10.1990. O patrono é José Coriolano de Sousa Lima. Os ocupantes anteriores foram : Antônio Chaves, Breno Pinheiro, Celso Pinheiro Filho e Francisco da Cunha e Silva, aqui citados em ordem cronológica.
A personalidade e o talento, foram delineados pelo poeta e crítico da ilha de São Luís do Maranhão, Francisco das Chagas Val, (nascido a 23.07.43), em artigo de 15 de setembro de 1994, assim:

A POESIA DE CHICO MIGUEL

“Francisco Miguel de Moura é um escritor que exerce o seu ofício com bastante competência e, em qualquer página por ele escrita, lá estão as qualidades intrínsecas que são as marcas a destacá-lo como uma legítima vocação literária inconfundível, em meio aos outros escritores de sua geração.”
“Do poeta, em particular, alguns pontos podemos destacar: a dicção, o ritmo, a imagética e a ductilidade dos versos que, na poesia de Francisco Miguel de Moura, é pura música, limpa harmonia de notas que soam em perfeito equilíbrio - que esse poeta piauiense escreve como quem canta e o seu verso, escandido ou não, é sempre harmonioso e nele existe uma natural contenção, talvez imposta pela disciplina de quem desconfia dos fazedores de discursos.”
“Com poemas “Ou/tonais”, o autor nos dá a medida exata de seu talento poético porque, construído em linguagem seca, o livro apresenta um lirismo comovido e os versos acabam por se estruturarem de modo contínuo, com suas modulações e freqüências tonais até o ponto em que a harmonia poética tangencia a musicalidade das palavras em pleno espaço metafórico-sinestésico. O certo é que ele alcançou, ao longo de seu trabalho literário, o equilíbrio e a maturidade necessários para assegurar a perenidade de sua obra, e a poesia que nos deu, mostrada recentemente em seu primoroso livro “Poemas Ou/tonais”, é de altíssima qualidade, e estamos convencidos de que o autor de “Pedra em Sobressalto” mantém incólume o seu vigoroso estro, e outros excelentes livros estão prestes a vir a lume para gáudio de todos que o admiramos.”

É citado como verbete no “Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí” - (1994), de Cláudio Bastos; no “Dicionário Biográfico Escritores Piauienses de Todos os Tempos” - (1995), de Adrião Neto; no “Dicionário Histórico-Biográfico Piauiense” - (1992), de Wilson Carvalho Gonçalves; no “Dicionário de Poetas Contemporâneos”, 2ª edição (1991), de Francisco Igreja; no “Dicionário Literário Brasileiro” (1978), de Raimundo de Menezes; no “Dicionário de Artistas e Escritores Funcionários do Banco do Brasil” (1992), de autoria de Murilo Moreira Veras, Romildo Teixeira de Azevedo e Eliezer Bezerra: e na “Enciclopédia de Literatura Brasileira” (1990), de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa.
Incluído nos livros “Visão Histórica da Literatura Piauiense” (1997), de Herculano Moraes; “A Academia Piauiense de Letras e a Cadeira 27” (1994), de José Lopes dos Santos; “O Livro de Ouro da Literatura Brasileira” (1980), “Teoria e Prática da Crítica Literária” (1995) e “A Poesia Piauiense do Século XX” - (1995), de Assis Brasil; “Crônicas de Sempre” - (1995), organizado por Adrião Neto; “A Literatura no Brasil”, direção de Afrânio Coutinho, citado entre os melhores poetas da nova geração; “A Crítica Literária no Brasil” , de Wilson Martins (1995), entre outros aqui não mencionados, e em todos há referências elogiosas ao seu trabalho literário.
Neste poema, que é bem representativo do seu lavor literário e de sua luta pela expressão poética radical, com muita originalidade ele traduz a emoção vivida na infância:


Quinteto em mi (m)

Três



Não lhe contarei minha história,
a da vaquinha morta,
e não me deu o leite da vida:
urubus pastaram seus olhos.
E pastarão sobre mim.


Nem a história de mamãe-titia,
de meu pai-pequeno-e-feio,
de meu nascer-Chico
por simples fuxico.
Não houve melhor jeito.



Depois, morremos de comer, de beber:
- o sono-inanição era todo nosso.
E o medo do outro ( e de nós?)
e os desejos menos preciosos
que morriam?

O mundo antes de mim,
do alto do descaso,
jogou-me na grande roleta.
E bicho permaneço.

Não me deram nem carne nem osso,
nem cabeça - mundo deus, mundo diabo.
Deram-me tripa
muita tripa
e coração.

Assim subvivi para este mundo
entre as aves de rapina
e frutos escassos,
cactos, espinhos, trapos,
despetalando a vida que não quis.




_____________________________________

Bibliografia:

ADRIÃO NETO, José. In: Dicionário Biográfico Escritores Piauienses de Todos os Tempos, 2ª ed. Halley S.A., Teresina (PI) - 1995;
BASTOS, Cláudio de Albuquerque. In: Dicionário Histórico e Geográfico do Estado do Piauí, 1ª ed. Fundação Cultural Monsenhor Chaves - PMT -, Teresina (PI) - 1994;
BRASIL, Assis. In: A Poesia Piauiense no Século XX. 1º ed. Imago Editora Ltda. Rio de Janeiro (RJ) - Fundação Cultural Monsenhor Chaves-PMT- Teresina - (PI), 1995;
CADERNOS de Teresina, da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, nº 18, dez/1994;
COUTINHO, Afrânio. In: A Literatura no Brasil, 3ª ed.V vol. Editora José Olímpio/Universidade Federal Fluminense - Rio (RJ) - 1986;
GONÇALVES, Wilson Carvalho. In: Dicionário Histórico-Geográfico Piauiense, 1ª ed. Gráfica e Editora Júnior Ltda., Teresina (PI) - 1992;
IGREJA, Francisco. In: Dicionário de Poetas Contemporâneos”, Rio - RJ., 1991.
JORNAL “D. O. Leitura”, São Paulo - SP., nº 4 (40), de setembro de 1985, de Eduardo Maffei, com o título de “Conversa de Bar Sobre Poesias”.
MARTINS, Wilson. In:: A Crítica Literária no Brasil, Ed. Francisco Alves, Rio, 1983;
MATOS, J. Miguel de . In: Antologia Poética Piauiense, 1ª edição., Artenova, Rio - RJ, 1974;
MENEZES, Raimundo. In: Dicionário Literário Brasileiro, 2ª edição, Livros Técnicos e Científicos, Rio - RJ., 1978;
MORAES, Herculano. In: Visão Histórica da Literatura Piauiense, 2ª edição, sem indicação de Editora, Teresina - PI., 1982;
MOURA, Francisco Miguel de. e HARDI FILHO, Francisco. In: Chico Miguel na Academia, 1ª ed. Gráfica e Editora do Povo Ltda., Teresina - PI., 1993;
REVISTA da Academia Piauiense de Letras. Ano, l990, nº 48 - presidente: Paulo de Tarso Melo e Freitas;
SILVA NETO, Mariano da. In: O Município de Francisco Santos, 1ª ed., Companhia Editora do Piauí (COMEPI), Teresina - PI., 1995;
VERAS, Murilo Moreira, e outros. In: Dicionário de Artistas e Escritores Funcionários do Banco do Brasil, 1ª ed., Ed. Livra-Livro - Processamento Editorial Ltda., Brasília - DF., 1992.





























RODA DE POESIA & TAMBORES – XXI EDIÇÃO

Élio Ferreira*


FRANCISCO MIGUEL DE MOURA, menestrel que nasceu em Francisco Santos, antigo povoado Jenipapeiro, município de Picos, Piauí, no próximo dia 16 estará completando 71 anos. Um dos nomes mais representativos e atuantes da literatura piauiense de hoje, autor de uma vasta produção literária, Chico Miguel, como é chamado pelos íntimos, publicou 21 livros dos quais 10 de poesia, 03 de contos, 01 de crônicas, 05 de ensaios literários e 03 romances, além de possuir dois livros de poesia e um romance inéditos, no ponto de serem publicados. Em 1985, Francisco Miguel de Moura ingressou na Academia Piauiense de Letras. É funcionário aposentado do Banco do Brasil. Graduou-se em Letras e fez a pós-graduação em Crítica Literária e Artística, na Bahia. Ganhou vários prêmios literários, entre os quais considera os quatro mais importantes: 1º lugar de poesia – Concurso “Alphonsus de Guimaraens Filho, 2001”, um dos mais importantes do Brasil, com o livro “Viragens”; 1º lugar – Prêmio de Poesia da APL, 1982, com “Bar Carnaúba”; 1º lugar no Prêmio “Fontes Ibiapina” / FUNDAC, 1986, com o romance “Laços de Poder”; 2º lugar no concurso “Fontes Ibiapina”/FUNDAC, 2004, com o romance “D. Xicote”; 1º lugar – Prêmio de Crônicas/FENABB/Brasília, 1983.
O nosso trovador estreou em 1966, com o livro de poemas “Areais”. Passou pelas mesmas dificuldades para publicá-lo, como acontece com a maioria dos estreantes brasileiros, dadas as dificuldades financeiras. “O livro foi editado em Timon, com as facilidades de preço e pagamento da gráfica do Padre Delfino.”
Para Chico Miguel, “ a poesia é importante porque, além de consolo, é protesto, uma recondução de mim a mim mesmo, isto é, de nós a nós mesmos. Às vezes alivia, às vezes dói.”
Assim, cada poeta é a sua própria poesia e outras infinidades de vozes que pulsam, redemoinham dentro dele. O poeta é a voz do seu tempo e lugar, paixão, morte e vida em forma de linguagem, da busca humana que se quer Verbo, Poesia. Os versos da lira “moureana” seguem o curso da poesia de temática amorosa e erótica, com um certo viés conceitual. Essa epifania poética está relacionada ao afeto, à vida de alguém ou ao fruto de uma reinvenção da memória, das experiências amorosas vividas pelo autor. Como o próprio Francisco Miguel de Moura diz sobre seu processo de criação: “Minha poesia diz respeito à vida, ao acontecimento, à maneira particular, original de cada poeta fazer sua poesia, de cada escritor relacionar-se com o mundo e os mundos em que ele se vê envolvido, presente. Não gosto da escrita que não tenha vínculo com a realidade”.
O último livro de poesias de Francisco Miguel de Moura, intitulado “Sonetos Escolhidos”, 2003, Rio de Janeiro, Ed. Galo Branco, 183, páginas, é um livro belíssimo, composto unicamente de sonetos. No entanto, o que mais me impressionou, na rápida leitura que fiz de cinco livros de poesias de sua autoria foram os versos do livro “Poemas Ou/tonais”, 1991, pela sua versatilidade, pelo vigor da linguagem: um turbilhão de imagens sonoras, visuais, tácteis, cinematográficas, pela sua rebeldia eufórica inspirada pelo sonho da contracultura dos anos 60/70, ou pelo negativismo e desesperança inspirados pelo caos político da ditadura que se prolongou até os 80, ou ainda pela decepção com a corrupção dos governos eleitos pelo povo no início dos anos 90 do século XX. Os “Poemas Ou/tonais” primam também pelo poder da narrativa confidencial contundente, de linguagem densa e condensada, tradutores de um discurso lírico-erótico sedutor, de uma poética dada ao encantamento da sensualidade do verso, à lascívia, ao inebriante:
“nas outras eu vejo seios
espinhas, nariz e boca
busto, barriga e arreios

em todas eu vejo calças
do lado de lá das ancas

em todas eu vejo carnes
em todas vejo lambanças

em você só vejo luz
e só ouço fala mansa
palavra de tanto gosto
nem meu coração alcança

em você eu vejo a alma:
a melodia que passa
não sei – a mulher que dança.”

(Poemas Ou/tonais)

Teresina, PI, Clube dos Diários, 11 de junho de 2004.

(Publicado no suplemento cultural “Das Artes das Letras”, Porto, Portugal, em 28.06.2004)
____________________
*ÉLIO FERREIRA, professor, poeta da nova geração, crítico literário, leu o texto acima na XXI edição de RODA DE POESIA & TAMBORES, realização da FUNDAÇÃO CULTURAL DO PIAUÍ – FUNDAC, e recitou na ocasião o poema de Chico Miguel, entre outros.
































LIVRO: - VIR@GENS

Fernando Py*


VIR@GENS, poemas de Francisco Miguel de Moura (Rio de Janeiro: Galo Branco, 2001).
O autor é, talvez, o melhor poeta piauiense vivo.
Moura é dono de uma obra notável pela versatilidade de gêneros, que inclui, além da poesia, o conto, a crônica, o romance e a crítica.
Neste VIR@GENS, o poeta se distingue sobretudo pela habilidade no trato vocabular, pelo ritmo multiforme dos poemas, o jeito como desenvolve e encerra os poemas, com a autoridade de quem não só já conhece o valor da palavra (veja-se o poema de abertura, “Prima lavra”, p.13, verdadeira poética para os textos do volume), mas também se resolve na capacidade de extrair poesia de qualquer assunto e de enfatizar determinado vocábulo salientando as frações de que se compõe (“pur/o infinito, p.26), ou possibilidades outras que não a ortografia normativa, como o sinal @ do título.
Em suma, um poeta que, além de trabalhar bem o poema em si, com todas as suas virtualidades, ainda faz excelentes sonetos, como “Alma tatuada” (p.42) e “Tenho medo” (p.55).
Vale a pena uma leitura cuidadosa.


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*Fernando Py é poeta e crítico literário, mora em Niterói. A resenha acima foi publicada na “Tribuna de Petrópolis” – RJ, em 9 de maio de 2004.





D. XICOTE, UM ENIGMA

Francisco Venceslau dos Santos*


Viajante, mestre-escola provisório, caixeiro, escritor, carregador de tijolos, tocador de bois em engenhos, mangalheiro, trabalhador nas vazantes da cultura do alho e da cebola – eis algumas das profissões do introspectivo e enigmático personagem principal do novo romance de Francisco Miguel de Moura. Depois de Os estigmas (1984) e Laços de poder (1991), agora o poeta e ficcionista dá mais uma contribuição à literatura com D. Xicote, inspirado no Dom Quixote, de Cervantes.
Entretanto, não se trata de simples inspiração, e sim de criação, pois o autor ao desconstruir o título do romancista espanhol, interfere na estrutura do romance de cavalaria, atualizando a temática do combate do espírito contra a baixeza prosaica da vida quotidiana, luta que irradia sobre os adversários do herói o clarão da vida espiritual. Aqui, a firmeza interior do protagonista constitui a base de todas as ações, impulsionando o movimento da vida para a pureza da alma. Nas andanças de D. Xicote, que vão da Terra dos Condenados até além do rio Parnaíba, não existem castelos e dulcinéias, porém casas de alpendre, barracas abandonadas em beiras dos rios, repúblicas de estudantes, empregadas domésticas, misses e filhas de fazendeiros valentões. Estamos diante de um romance que mistura criativamente elementos do diário íntimo, do romance autobiográfico e do romance de formação, aproveitando a cultura local: o léxico, provérbios, ditos populares, frases bíblicas, como diria Walter Benjamin, a experiência como fundamento da arte.
O autor utiliza a técnica moderna da colagem das consciências de um narrador de terceira pessoa e do herói D. Xicote, de modo que o mundo ficcional é passado para o leitor como se fosse da responsabilidade do personagem principal. Isto de um modo sutil que não deixa marcas visíveis na construção romanesca, além de aproximá-la do romance autobiográfico, e mesmo do diário íntimo, devido às constantes retomadas à vida interior do herói. Outro excelente aspecto deste romance é a sua linha metaficional, com a reflexão em torno da escrita (D. Xicote realiza-se como escritor) e o encaixe de narrativas dentro da narrativa básica (contos, capítulos de romance), textos de ficção de personagens, na dosagem necessária à intervenção do imaginário nas cenas reais.
A singularidade de D. Xicote surge da sua existência como personagem de ficção, da substância interior que emana da luta contra as condições adversas numa região árida, tanto na sua topografia física quanto espiritual, do seu ponto de vista crítico sobre a realidade preponderante da vida quotidiana, na Terra dos Condenados e Curralinho, onde fazendeiros, comerciantes, mestres-escolas, trabalhadores em geral (os Sanchos Panzas do mundo do senso comum) levam a vida sem questioná-la. A narrativa da viagem aparece no romance em forma de memória, contada a outro personagem, Amanda, entremeada de recontos, onde mesclam o real e o imaginário.
Além de autobiográfico, D. Xicote é, principalmente, um romance de formação, um Bildungsroman, onde as transformações emocionais e psicológicas resultam do embate do indivíduo com o mundo externo, quando o homem de espírito fica mais sábio no caminho percorrido, e, principalmente, com o seu trabalho de escrita. É na vida e na viagem que D. Xicote se torna homem, e sua formação se conclui no amor e na literatura.

Rio de Janeiro, janeiro de 2004.

(Publicado no “Diário do Povo”, Teresina, 27 de fevereiro de 2004)

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*FRANCISCO VENCESLAU DOS SANTOS é professor (UERJ), doutor em Literatura e membro da Academia Brasileira de Filologia.





















VIRAGENS - UMA NOVA POÉTICA?

Chagas Val*

Acabei de ler “Vir@gens”, Ed. Galo Branco, Rio, 2001, de Francisco Miguel de Moura, e é sob o impacto dos seus versos que escrevo estas linhas. O livro traz a inconfundível marca de seu estro, com poemas sucintos – e o que é curioso – admiráveis sonetos. Aliás, quanto aos sonetos, penso que eles ficariam mais bem situados se ocupassem um corpus único do livro porque FMM é um sonetista de peso. Faceta que eu ignorava do seu multifário talento, e sem falar das invenções concretistas e dos jogos combinatórios, como no poema “Brincando de letras” p. 95.
Mas o que demonstra a inarredável vocação poética do Autor é o fato de os poemas de “Vir@gens” serem tensos e lapidados como diamantes de boa cepa. O lirismo é contido, como se o poeta tivesse receio de derramar-se em metáforas, e a contenção torna o livro mais interessante até porque a palavra tem maior significação, é um signo que sozinho empresta sentido ao verso transformando a poesia (ou o poema) em objeto.
Cabe aqui uma curiosa indagação: Por que tão diferente “Vir@gens” dos outros livros de Francisco Miguel de Moura? A mim me parece que ele caminha no sentido do poema-palavra procurando dizer o máximo com o mínimo de vocábulos até, se possível, chegar ao poema visual. Por outro lado, ocorre lembrar-me que ele pertence à família cabralina e nela até pedra vira poesia. Daí, então, pode-se concluir que “Vir@gens” não marca o final de uma sinfonia, não obstante as cores e as tonalidades “aparentemente diferentes”.
Versos curtos e sincopados são esses que dão forma e sentido ao livro “Vir@gens”, mas intenso é o ritmo do primeiro ao último poema, com exceção de “Acaso”, p. 40, que eu dispensaria. Isso, entretanto, não compromete o livro de Francisco Miguel de Moura. Ao contrário, comprova que o poeta sabe trabalhar com as palavras até a exaustão, e variadíssimos são os seus recursos artísticos.
“Viragens” é desses livros que exigem aprimorada leitura porque dele o leitor vai se aproximando com cuidado para evitar a tentação da pressa e a precipitação de um julgamento errado. Há meandros e caminhos que precisam de atenção e cuidados, embora os poemas sejam curtos e exatos a exigir pouco esforço de compreensão, que a beleza deles reside em serem simples e sem qualquer hermetismo. E isso é mais uma prova do talento de seu Autor, que, ao final do último poema, nos dá essa lição de sabedoria sendo um grande poeta sem deixar de ser simples. E isso, meu Deus, é extraordinário num homem de tamanha sensibilidade!
Nesses ásperos tempos de campanhas políticas, é reconfortante ler-se poesia, que só assim a vida pode fluir com leveza, e “Vir@gens” tem o poder de embalar-nos os sonhos e a fantasia com seus poemas quase música a quebrar o monótono silêncio dos espelhos refletindo brancas e glaciais paisagens. Estou olhando a beleza de seu livro como quem se aproxima de um belo edifício com sua arquitetura bem delineada, e os poemas vão-se-me apresentando iluminados e as palavras são admiráveis visões de um mundo redefinido pelo poeta.

(Publicado na revista “Literatura”, nº 27, de julho/dezembro de 2004, Fortaleza-CE). (Publicado também no “Diário do Povo”, Teresina, em 22 de outubro de 2004).

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*Chagas Val nasceu no Piauí, mas pelo viver e o fazer é maranhense. Mora em São Luís. “O Código do Vento”, 2004, é sua mais recente obra poética.


















D. XICOTE – ORALIDADE E IMAGEM CRONOTÓPICA


Moura Lima*



“Um escritor se firma e permanece na lembrança de seus contemporâneos especialmente em função de sua inventiva, de sua técnica, de sua linguagem e/ou do seu poder renovador”.

Almeida Fischer


Francisco Miguel de Moura é romancista, poeta, contista e crítico literário dos mais atuantes hoje, entre os laureados de maior destaque no cenário das letras do país, graças ao seu talento e à seriedade na elaboração de sua vasta obra. O seu sucesso como escritor é marcado por vários prêmios, inclusive no âmbito nacional, figurando também em antologias editadas no Brasil e no exterior.
Como crítico literário de acentuada militância na imprensa, notadamente em seu Estado, já publicou, com sucesso editorial, dois livros de ensaios: “Moura Lima, do Romance ao Conto – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins” e “Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho”. A sua crítica é refletida, impressionista, simples, sem o vazio inibidor que camufla a linguagem erudita de muitas publicações.
Porém, o novíssimo romance “D. Xicote”, de Francisco Miguel de Moura, é o registro da síntese literária de toda a sua obra, é como se o víssemos percorrendo uma extensa planície e, no final, o divisássemos bem no topo de uma montanha, estático, de gesto sereno, de quem não tem pressa; com o rosto voltado para o poente, mas pleno de satisfação, e contemplando, de forma definitiva, o resultado de sua vitoriosa carreira de escritor bem-sucedido, na ficção brasileira.
O novo romance do festejado escritor piauiense já nasceu predestinado ao sucesso, foi ungido no nascedouro com o prêmio “Fontes Ibiapina” de Literatura, da Fundação Cultural do Estado do Piauí.
Mas é bom que se diga: o que garante o sucesso de uma obra literária é o conteúdo artístico – nada se altera ou se acrescenta, se o autor é rico, pobre, político, feio, bonito, nobre, plebeu. Graças ao soberano dos mundos, é um jogo de inteligência e competência onde não entra o domínio corrompido do poder material-temporal da sociedade.
De fato, o que garante, em literatura, a imortalidade da obra de arte são os requisitos da técnica de construção, o estilo, o enfoque profundo, a competência de movimentar personagens como seres vivos, de carne e osso.
Se no romance Laços de Poder, o romancista maior do Piauí atingiu a plenitude de sua obra ficcional, com uma narrativa fragmentada, dialógica, em que as vozes dos personagens vão-se interligando, numa atmosfera de denúncia e conflitos existenciais, e, agora com o novo romance, qual foi o caminho palmilhado pelo notável escritor? Responderão, naturalmente, os senhores da escrita:
- Foi o caminho da maturidade e da experiência com o texto acabado!
Da nossa parte, creio eu que o escritor Francisco Miguel de Moura, simplesmente, deu uma pausa na sua já consagrada obra literária, para atender o apelo secular de Tolstói:
- Volta para a tua aldeia, e serás universal!
E, assim, o fez o brilhante escritor, para cantar e decantar em D. Xicote a região de Curral Novo, fazenda Jenipapeiro, reduto de seu nascimento, no sertão agreste do Piauí.
O romance é bem estruturado, com diálogos bem elaborados, frases melodiosas, que, no dizer de Gilberto Freyre, é o que dá vida ao estilo do escritor. E tem personalidade própria, pois uma obra sem personalidade é uma obra morta. O romance, sem embargo, resiste de forma convicta a qualquer desmontagem ou análise de texto que se lhe faça. Os elementos de literariedade, que lhe assinalam toda a arquitetura, respondem com vitalidade os questionamentos que lhe sejam feitos. A visão da sociedade sertaneja que comunica é a da vivência do autor. O personagem central, D. Xicote com X, que não é Dom Quixote, de Cervantes, mas que foi alcunhado pela namorada Amanda, no fundo, não passa do alter-ego do autor, que, num processo de assunção psíquica, volta a sua infância sofrida, naquele chão bruto, onde campeava a fome e a negra pobreza. E a única alegria do menino Xicote (CHICO), de aspecto magricelo, verdadeiro cipó de dar em alma, era quando a mãe dirigia-se para a casa da rica tia, a tia Rosa, que na verdade não passava de uma unha-de-fome, uma muquirana, pois na hora de o pobre Xicote matar a fome, de pronto advertia:
- Zefa, este menino seu come demais. Eu não suporto.
Portanto, em D. Xicote encontram-se duas vertentes da ficção de Francisco Miguel de Moura. A primeira é a do romancista voltado para o drama psicológico das personagens. A segunda é a do escritor preocupado com os problemas sociais do seu tempo. Essas projeções introspectivas devem ter assinalado ao autor, como orientação de suas premonições artísticas. Afinal, seus personagens – tipo predominante ao longo do romance, e também de sua produção literária – podem ser rotulados como “pacatos”, “predadores”, “oprimidos”, e estão cheios de timidez e da compunção moral, como fator de uma mentalidade atormentada pelo agravante do meio, aliás, extremamente corrupto, degenerado e cruel.
A arquitetura social do romance se reveste de superioridade, em razão da unidade alcançada, bem como do cronotopo delineado, e enquadra-se com uma série de esquetes, memória pessoal, documental, e constituindo, assim, uma forma mista. Com efeito, o autor misturou o erudito, o burlesco e o popular. Com isto, dentro de sua intuição artística, criou uma acentuada sátira menipéia dos sertões brasileiros.
No romance está presente o discurso polifônico, que o torna uma manifestação multívoca, em que as mais diversas vozes sociais encontram espaço de emissão. O autor, no seu processo criativo, usou o enobrecimento da linguagem através de recursos estilísticos consagrados pela língua culta, isto é, a literaturidade.
Não pense, porém, que este é um romance picaresco. Pelo contrário, D. Xicote é, sobretudo, um romance de ritmo, de clima, de ambiente, e de uma atmosfera carregada, onde a morte é uma presença constante, como também a morte espiritual, simbolizada pelo estiolamento psicológico dos personagens numa solidão asfixiante.
Assim sendo, nada melhor do que ilustrarmos o presente ensaio com subsídios do próprio texto do autor. Vejamos, porém, a seguir uma passagem do autor de grande poder imagético, que nos faz lembrar Dostoievski, no seu romance “Recordação da Casa dos Mortos”: - a cena soberba da expulsão da águia ferida, que estava impossibilitada de voar por causa de uma asa quebrada. A ave recusa-se a ser amansada, negando-se até mesmo a comer. Os forçados (prisioneiros) logo se cansaram da novidade, em razão do espírito indomável da águia que os levou a libertá-la:
- “Que morra, mas não na prisão!”
E um forçado a soltou para a liberdade, naquele dia frio, de final de outono, na tenebrosa paisagem da Sibéria, que no fundo simbolizava o sonho de liberdade de todos os prisioneiros. Os forçados observavam, curiosos, sua cabeça esvoaçando por cima da grama:
- Ela está voando!
- Ah, é certamente a liberdade! É a liberdade que ela está farejando.
Vejamos agora um recorte do texto de Francisco Miguel de Moura:
- “Só tenho raiva de Zé Bila porque roubou meu canário. Estava resolvido a soltá-lo, queria, sim, vê-lo tirando um vôo grande de liberdade!”
E esse “vôo grande de liberdade” é a voz subjetiva do narrador, que tenta, de forma sutil, a libertação dos grilhões sufocantes que o prendem ainda, inconscientemente, na masmorra da pobre infância, e do círculo dos excluídos sociais.
Vejamos outro fragmento revelador dessa atmosfera densa e opressiva:
- “Os ricos... Eles não trabalham. Só comem, são o esmeril da humanidade”.
E, assim, o autor vai marcando o tempo psicológico com unidades de recordações e criando personagens marcantes como a do falso médico Crucifon, que enganava aquela sociedade sertaneja, no dizer do narrador – a Terra dos Condenados: “Era um lugar carente de tudo, de dentista, de padre, de médico...”
E, concluindo, devemos ressaltar que a oralidade está presente na transposição lingüística e na irradiação semântica, que marca a ação combinatória ou sintagmática do torneio frasal, e cria efeitos de grande poder expressivo, talvez reflexo do que lhe ficou de autores que o marcaram como William Faulkner e Thomas Hardy. Não há dúvida de que o romance é marcado pela dor, a angústia, o ceticismo, mas aponta para a posteridade como obra profunda e de exuberante riqueza estilística, que certamente conduzirá o autor para o panteão da moderna literatura brasileira.

(Publicado no “site” www.usinadeletras.com.br da Internet, em 11 de dezembro de 2003). (Idem na “FOLHA DA CIDADE”, Gurupi-TO, em 19-12-2003 e na revista “LITERATURA”, Nº 28, de jan/abril de 2005, Fortaleza - CE).



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*Moura Lima é advogado, pós-graduado em língua portuguesa, romancista, ensaísta e membro das Academias Tocantinense de Letras e Piauiense de Letras. Reside em Gurupi, no Estado do Tocantins.




LIVROS RECEBIDOS

Liliane Pedrosa*
(in “Meio Norte”, 6-11-2003).



LIVRO REÚNE SONETOS DE FRANCISCO MIGUEL DE MOURA.
O Conselho Estadual de Cultura com o Museu do Piauí – Casa Odilon Nunes – realizaram, no dia 6 de novembro, uma homenagem ao escritor Francisco Miguel de Moura. Foi o lançamento do seu livro intitulado “Sonetos Escolhidos”, que aconteceu no próprio Museu, às 10 horas. Na oportunidade também houve uma exposição de seus poemas e artigos sobre o escritor. O evento fez parte das comemorações pelo Dia da Cultura, celebrado no dia 5 de Novembro.
Francisco Miguel de Moura é um dos membros do Conselho e considerado um dos escritores piauienses que mais livros tem lançado. Conhecido como um polígrafo, ele escreve de tudo um pouco. Ensaios, crônicas, contos, romances e poesia. “Ele escreve tudo, mas considero-o um excelente ensaísta. O Conselho resolveu homenageá-lo por ser um dos escritores mais atuantes no Piauí, o que mais publica livros”, revela o escritor e presidente do Conselho Estadual de Cultura, Manoel Paulo Nunes.
Ele, que lançou recentemente a obra “A Lição de Graciliano Ramos”, em homenagem ao escritor, sentiu na pele a dificuldade para se publicar no Piauí. A falta de incentivo à cultura é muito grande e acaba por prejudicar a produção de muitos autores. Paulo Nunes teve que arcar com as despesas do seu livro.
“Sonetos Escolhidos” reúne os melhores sonetos de Francisco Miguel de Moura em 40 anos de produção literária. Ele fez questão de selecionar o que gostaria de publicar nessa edição. Os temas trabalhados são os mais variados. Reúne 168 sonetos divididos em três subtítulos: “A vida, não sei...”, “Sonetos da paixão” e “Tempo contra tempo”. Parte de sua obra é conhecida no Brasil e também no exterior, em países como Portugal, Espanha e França. A publicação sai pelas Edições Galo Branco, Rio de Janeiro.
Francisco Miguel de Moura é membro da União Brasileira de Escritores, no Piauí, da qual foi fundador e presidente; membro efetivo da Academia Piauiense de Letras e membro correspondente da Academia Mineira de Letras e da Academia Catarinense de Letras. Por mais de três mandatos, ele participa do Conselho Estadual de Cultura, sendo seu membro mais antigo.
A revista “Presença”, produzida pelo Conselho, seria lançada também no Dia da Cultura, mas por falta de recursos ela não ficou pronta a tempo. No ano passado a revista saiu através de uma parceria entre a Secretaria de Educação e FUNDAC (Fundação Cultural do Piauí). Para este ano não houve nenhuma verba, parando o projeto na diagramação.

(Republicado pelo “Diário dos Açores”, Portugal, em 30 de novembro de 2003).

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* Liliane Pedrosa é jornalista, editora do “Caderno Cultural” do jornal “Meio Norte”, Teresina –Piauí.


























REBELIÃO – BELAS NARRATIVAS CURTAS


Oton Lustosa*




Alfredo Bosi, professor da USP, que neste março último foi eleito para a cadeira 12 da Academia Brasileira de Letras, um dos mais respeitados historiadores de nossa Literatura, diz que “O conto cumpre a seu modo o destino da ficção contemporânea. Posto entre as exigências da narração realista, os apelos da fantasia e as seduções do jogo verbal, ele tem assumido formas de surpreendente variedade. Ora é o quase-documento folclórico, ora a quase-crônica da vida urbana, ora o quase-drama do cotidiano burguês, ora o quase-poema do imaginário às soltas, ora, enfim, grafia brilhante e preciosa voltada às festas da linguagem”.(1)
O conto vem de longe... Segundo Massaud Moisés, remonta aos tempos bíblicos, sendo o relato do conflito entre Caim e Abel um bom exemplo. Em língua portuguesa, o conto aparece em 1575, com narrativas de Gonçalo Fernandes Trancoso, as popularíssimas Histórias de Trancoso, que publicadas têm o título de Contos e Histórias de Proveito e Exemplo.(2) No século XIX, esta fôrma literária alcança o seu esplendor, com obras de Balzac, Maupassant, Sthendhal, Edgar Alan Poe, Eça de Queirós, Machado de Assis, Anton Tchekov, Katherine Mansfield e outros. De lá para cá, o conto nunca perdeu o seu valor. Nos dias que correm, nesta era da informação, da abundância de editoras e da Internet, o conto permanece no auge. As publicações se multiplicam a cada dia; os “sites” congregam um número incontável de contistas. O conto e o contista atravessam os tempos. Voltemos ao professor Bosi, que diz: “Em face da História, rio sem fim que vai arrastando tudo e todos no seu curso, o contista é um pescador de momentos singulares cheios de significação”.
Diz o respeitado crítico literário Wilson Martins, do alto de seus 80 anos, que “o conto não é um exercício de escalas a fim de que o ficcionista se prepare para escrever romances, assim como o soneto não é a forma embrionária da epopéia. A prova está em que os grandes romancistas são, em geral, contistas medíocres, e insignificantes os romances de contistas”.(3) Esta sentença dura do mestre da Crítica Literária é lida no “Jornal de Poesia”. Mas, ali, em entrevista à jornalista Rosane Pavam, ainda bem que o crítico se lembra do nosso inesquecível Joaquim Maria Machado de Assis – contista e romancista a um só tempo! Igualmente bom, excelente mesmo, em ambas as espécies do gênero ficção. Uma pena que ele não tivesse se lembrado, também, do Velho Graça e do seu livro de contos Insônia. Teria sido o grande romancista de São Bernardo, de Vidas Secas e de Angústia, também um grande contista? Claro que sim.
Pois bem. Nesta manhã, falamos de FRANCISCO MIGUEL DE MOURA – poeta e ficcionista. Para ser mais claro: poeta, romancista e contista! Escreveu Os Estigmas, romance de estréia, publicado em 1984; Laços de Poder, em 1991; e Ternura, em 1993. Seus romances têm merecido elogios e reconhecimento aqui e alhures. Contista, escreveu “Eu e meu Amigo Charles Brown”, publicado em 1986. Em 1999, publicou “Por que Petrônio não Ganhou o Céu”. CHICO MIGUEL – assim é carinhosamente tratado – é um literato que leva muito a sério a Literatura. Formou-se em Letras e fez pós-graduação em Crítica de Arte e ainda um Curso de Extensão Universitária em “Teoria do Romance”. Milita nas lides literárias desde o início dos anos 70. Por longos anos, debaixo da ditadura militar, foi editor da revista “Cirandinha”. Ajudou a fundar aqui no Piauí a União Brasileira de Escritores e exerceu a presidência dessa entidade. Também foi um dos fundadores do CLIP – Círculo Literário Piauiense. É membro da Academia Piauiense de Letras, onde ocupa a cadeira nº 8, que pertenceu a Antônio Chaves, Breno Pinheiro, Celso Pinheiro Filho e Francisco da Cunha e Silva.
Agora calha bem uma pergunta: afinal, está aqui na Casa de Lucídio Freitas o CHICO MIGUEL poeta? romancista? contista? crítico literário? Cronista? A indagação é oportuna, porque ele é autor de bons livros de poesia, de ficção (romances, contos, crônicas), ensaios literários e ainda de traduções. Talvez seja esta uma boa resposta: o nosso CHICO MIGUEL é um polígrafo.
Ele, que sabe muito de Teoria Literária, que fez estudo aprofundado, por isso mesmo aplaudidíssimo, da obra de O. G. Rego de Carvalho (4), vem de escolher-me para apresentar o seu novo livro de contos “Rebelião das Almas”, nesta manhã de hoje, em sessão solene de lançamento da obra. Estou certo de que a razão primeira de sua escolha reside em nosso companheirismo aqui na Casa de Lucídio Freitas. Uma outra razão seria o fato de também eu escrever ficção.
Honrado e preocupado, leio e releio “Rebelião das Almas...” Tanto foi o prazer da leitura, que a preocupação se foi. Afinal, o meu testemunho de leitor não será tido como estudo crítico da obra. Mas, direi o que vi e senti a propósito da leitura.
Já no primeiro conto da coletânea, deparo-me com uma história muito interessante, que narra a paranóia da guerra na América Latina: um casal de paraguaios, de origem nipônica, viaja à Guatemala, região de permanente conflito, com o propósito de visitar uma feira de livros. O fantástico e o surreal tomam conta da narrativa, proporcionando-nos gostosa leitura, remetendo-nos à lembrança de Ignácio de Loyola Brandão e suas “Cadeiras Proibidas”.(5)
O conto seguinte – “Ela... Capivara” – encerra uma bela história curta que envolve três personagens: um bancário idoso, que pela vez primeira visita o parque arqueológico da Serra da Capivara, na companhia de um amigo, Lulu... Viagem de ônibus... O impacto do cenário encantador... O encontro com a recepcionista linda e jovem... O visitante, que é o protagonista da história, extasia-se com a visão da Serra e encanta-se com a presença da recepcionista. Rola ali um clima – como diz a galera nos programas de tevê. Narrativa agradabilíssima, com denso conteúdo artístico. O narrador, que é o autor, como que transforma o seu velho bancário provinciano num quase Dr. Nogueira, aquele jovem de 17 anos às voltas com a presença de D. Conceição, uma balzaquiana, esposa do escrivão Meneses. Tudo quase acontecendo!... E não acontecendo nada, como era do gosto do “Bruxo do Cosme Velho”, numa noite em que justo tinha de acontecer a “Missa do Galo”. Ou, talvez, o autor dessa bela historieta da Serra da Capivara, tenha caminhado mais na direção mesma do Vampiro de Curitiba, com aquele Nelsinho, que dá gritinho histérico quando vê carne fresca: “Aí me dá vontade até de morrer. Veja, a boquinha dela está pedindo beijo – beijo de virgem é mordida de bicho cabeludo. (...) Por que Deus fez da mulher o suspiro do moço e o sumidouro do velho?” (6) O visitante da Serra da Capivara, personagem “miguelina”, velhusco, um tanto estropiado da burocracia bancária, finalmente, regressa à Capital e lhe perguntam os amigos: – “O que viu na Serra?” E ele responde: – Não vi nada e vi tudo.”“.
Esse conto, no meu modo de ver e sentir, atinge em cheio o belo literário.
E as boas histórias se sucedem, todas elas vazadas em narrativa recheada de recursos estilísticos. O autor de “Rebelião das Almas”, em verdade, não conta casos, não presta depoimento pessoal, não faz relatório circunstanciado de fatos – procedimentos que não condizem com o modus faciendi da boa composição literária. Pelo contrário, o nosso CHICO MIGUEL costura células dramáticas onde nada sobra no tempo, no espaço e na ação das personagens; sem falar no zeloso culto à língua vernácula, que ao longo das histórias vai nacionalizando expressões estrangeiras já meio que incorporadas ao falar cotidiano do povo brasileiro.
Constato, ainda, na boa prosa de CHICO MIGUEL, um certo ar de protesto, que remonta à matança de índios desde os primeiros contatos do europeu com o povo autóctone, fazendo-o o autor numa bela metaficção sarcástica à nossa primeira obra literária, a Carta de Pero Vaz de Caminha; seguem-se, nas demais histórias urbanas, contemporâneas, as denúncias de corrupção, violência policial, abandono de menores, fome, sede, miséria urbana e caos social. E nisto anda muito bem o nosso grande contista. A arte é sempre útil. Que fique a denúncia para a posteridade! Fernando Pessoa, que não era apenas e tão-somente poeta, era, também, além de “grande fingidor”, um grande pensador, a propósito bradava: “Só a Arte é útil. Crenças, exércitos, impérios, atitudes – tudo isso passa. Só a arte fica, por isso só a arte vê-se, porque dura”.(7) E recomenda: “Deixemos a nossa arte escrita para guia da experiência dos vindouros, e encaminhamento plausível das suas emoções. É a arte, e não a história, que é mestra da vida”.(8)
Mas o livro “Rebelião das Almas” encerra, também, grande amor telúrico por esta gleba de Saraiva. Afinal, o contista, que é um vate, e que vive cantando esta cidade em postais poéticos, agora, neste livro de contos – ora rindo, ora chorando, amuado, de calundu, dodói do cotovelo –, na pele de personagens convincentes, deita e rola nas ruas e praças desta Cidade Verde. Nas asas da ficção realista, neo-realista ou surrealista, fantástica ou fabularia, depois de longos vôos ao fundão arqueológico da Serra da Capivara e aos grotões do Jenipapeiro, vem, de asinha, prazenteiro, aterrissar nos bares, inferninhos, delegacias de polícia, consultórios médicos...Mergulha nos rios... Vem subir e descer nos elevadores dos arranha-céus em companhia de uma linda Tiana; vem perambular na companhia de um moleque guardador de carros chamado Zezinho, de quem o Paulinho Perna-Torta (9), do grande contista João Antônio, fica é longe em sabedoria malandra.
E assim, tranqüilo e feliz, acabo de falar de um livro de contos que li e reli com grande prazer estético; e que me servirá de inspiração para, quem sabe, no futuro, ousar cantar em narrativas curtas a cidade a quem prometi um romance.


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1) Alfredo Bosi. O conto brasileiro contemporâneo. Editora Cultrix, São Paulo, 1974, p.7.
2) Massaud Moisés. A criação literária – prosa. Cultrix, 13ª edição, p. 15
3) Jornal de Poesia. www.secrel.com.br/poesia/wilso11.html
4) Linguagem e comunicação em O.G. Rego de Carvalho, ed. Artenova, Rio, 1972.
5) Ignácio de Loyola Brandão. Cadeiras Proibidas, Global Ed. Rio, 9ª ed.2002.
6) Dalton Trevisan. O vampiro de Curitiba, Record, 20ª ed. Rio, 2002.
7) Fernando Pessoa. Antologia de Estética – Teoria e crítica literária – Coordenação e introdução de Walmir Ayala. Ediouro, Rio, 1988, p.25.
8) Idem, ibidem.
9) Paulinho Perna-Torta – personagem de João Antônio. In Leão de chácara – um conto da boca do lixo. Cosac & Naifi, São Paulo, 2002.



(Publicado no jornal “Meio Norte”, Teresina, 19 de setembro de 2003).
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* Oton Lustosa é contista e romancista, magistrado, membro da Academia Piauiense de Letras e mora em Teresina.






























SONETOS ESCOLHIDOS

Paulo Nunes Batista *



Com tantos nomes ilustres no cenário das letras nacionais, veio a lembrar-se de mim o poeta e escritor piauiense Francisco Miguel de Moura para prefaciar este volume dos seus melhores sonetos. Tenho medo de não estar à altura do encargo.
Chico Miguel de Moura é consagrado no Brasil e no exterior como poeta, contista, romancista, cronista, crítico literário, jornalista, tendo alcançado vários prêmios, com mais de duas dezenas de livros editados. De Teresina, onde pontifica, tem irradiado talento e cultura. Suas revistas Cirandinha e Cadernos de Teresina só o popularizaram ainda mais. Integra há anos a Academia Piauiense de Letras e o Conselho Estadual de Cultura do Piauí, sendo membro de entidades literárias como a UBE, da qual é fundador em seu Estado.
Sabe-se que o soneto e a trova não são fáceis de fazer. Pois ele é um trovador premiado. Não me lembro se foi o mestre Gilberto Mendonça Teles ou o mestre Anderson Braga Horta (dois grandes sonetistas) que disse que a sonetomania é vício quase impossível de curar... O hábito de sonetear é terrível. Francisco Miguel de Moura reúne neste seu livro nada menos de 168 sonetos, divididos em três subtítulos: A vida, não sei... (128), Sonetos da paixão (14) e Tempo contra tempo (26).
Um dos fortes da poesia de Miguel de Moura é a criação de imagens poéticas de grande sugestividade. Alguns exemplos tirados do conjunto A vida, não sei...: “que o sol se me apagou antes de ser” (Alma Tatuada); “mármore da dor e do seu pranto” (Amar/ante); “e dentro em mim um firmamento todo / e todo um abismo para conter mágoa” (Amor à Minuta); “de que o mundo morreu sem ter nascido” (Fim de Milênio); “A cor de uma tristeza?” (O que é a Saudade); “de que vale morrer pra ficar vivo” (O que Fazer); “renascendo da graça e da poesia” (Para Mecinha); “uma paixão mais enorme: / De voar pelo não-ser” (Pássaro); “o faro da distância” e “vexado de horizonte” (Pedra).
Ainda do mesmo conjunto: “Perdi o trem das minhas esperanças” e “E carreguei distâncias” (Perdida Esperança); “Diante da solidão que se demora” (Poesia e Bar); “quem tem orgulho de não ter orgulho” (Orgulho); “como nadar no seco, contra todos” (Símbolos); “Um é terrível santo e tão sem foz” (Sombra); “... a palavra que abre uma esperança” (Soneto da Purificação); “basta-me a leve aragem da bondade” (A mim mesmo); “que o pecado plantou na flor da carne” (Tema de Revolta).
De Tempo contra Tempo: “... mais de revestrés / do que olho vivo em moça mal-sentada” (Que é de?); “e aquele vestir pouco não tem preço / faz a curva da idade abençoada” (De novo, a Moça); “o tempo vai, o tempo vem sem nome” (Definição?); “-Infindo é o homem no seu seco nado,” / ...a salvação do impossível” (Paralelo 2).
Nestes sonetos Francisco Miguel de Moura se mostra de corpo e alma inteiros: um lírico que perdeu “o trem das suas esperanças”. Nada espera depois da morte. É um descrente, como João Cabral de Melo Neto e Bernardo Élis, que de vez em quando fala em Deus. No soneto “Milagre da Divisão”, de acento social-espiritual, um dos melhores deste volume, aparecem laivos de revolta contra o sistema vigente, esse capitalismo podre que ainda impera. Já em “Delírio” o sentido metafísico está patente, embora o poeta acentue que não tem “a fé no coração gravada”. É outra das melhores peças aqui reunidas, com este fecho magnífico: “tenho a angústia infinita de ser homem, / tenho o imortal desejo de ser Deus.”
No seu “Et pour Cause...” lembra alguns sonetos de Emílio de Menezes e Artur Azevedo. Em “A Casa do Poeta” recorda um jeito de B. Lopes, o mesmo se dando em “Cromo”, na maneira de sonetear. “Sensual Alice” é um soneto antológico, em que o lirismo de Francisco Miguel de Moura se patenteia. Ser sonetista na terra em que Da Costa e Silva nasceu não é sopa.
Nove séculos depois de surgido na Itália, o soneto está de pé. Sua forma de composição sintética e apropriada à memorização é um dos motivos da sua perenidade. Sei de cor e salteado sonetos que aprendi na infância – de autoria de Augusto dos Anjos, Auta de Souza, Bilac, Raimundo Correia, Padre Antônio Tomaz, Luiz Delfino, Jorge de Lima e outros da mesma estirpe – mas não consegui reter na memória nenhum dos muitos poemas modernistas que li. Sou um fã incondicional do bom soneto. E Chico Miguel de Moura passa a figurar na minha coleção de excelentes sonetistas.

Anápolis, 28 de setembro de 2002


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* Paulo Nunes Batista é poeta e escritor paraibano, radicado em Goiás (Anápolis), onde integra a Academia Goiana de Letras.


F. MIGUEL ESTUDA A OBRA DE MOURA LIMA


Emiliano Carvalho*



Com o livro de ensaio “MOURA LIMA: DO ROMANCE AO CONTO” – Travessia Fecunda pelos Sertões de Goiás e Tocantins, recentemente publicado na Internet – usinadeletras.com. br – e agora, em livro, o escritor e crítico literário brasileiro Francisco Miguel de Moura apresenta um estudo acurado sobre estrutura verbal romanesca, a partir do romance “Serra dos Pilões – Jagunços e Tropeiros”, passando por “Veredão – Contos Regionais”, “Mucunã – Contos e Lendas do Sertão”, “Negro d’Água – Mitos e Lendas do Tocantins”, até o romance “Chão das Carabinas – Coronéis, Peões e Boiadas” – obras estas do festejado escritor Moura Lima. Apoiado, orientado e direcionado por objetivos definidos, o notável crítico literário, após criterioso desmonte da arquitetura verbal da obra literária do romancista tocantinense, recupera a unidade do texto, iluminando-o por intenso foco de luz, isto, por dentro, para a compreensão subjacente das leis de funcionamento que regem os mecanismos da criação literária do brilhante escritor, e seu regionalismo universal.
Não obstante o alinhavado acima, é bom que se diga que o ensaio de Francisco Miguel de Moura caracteriza-se pela análise intuitiva. O experiente crítico não se restringe a direções estabelecidas na alvitrante crítica superficial. Pelo contrário, ilimita-se ao colher suas emoções diante do texto mouriano, e introduzindo variantes e coordenadas que permitam uma visualização à luz da chama criadora do consagrado escritor em estudo. Não se trata de crítica sustentada em técnicas estereotipadas das velhas teorias que, muitas das vezes, transforma a sua exegese em prática filológica ou em corriqueiras análises das chamadas estruturas lingüísticas. Em Francisco Miguel de Moura, a crítica é viva. Desta forma, o ilustre crítico permite ao leitor o livre acesso aos mananciais do poder criador da prosa mouriana, em razão da depuração da análise.
Com obra profunda e bem elaborada, o ensaio revela os elos de sua unidade e prepara o leitor para os encantos da prosa vigorosa do escritor Moura Lima, numa salutar viagem pelos campos e chapadões do Tocantins.
Portanto, o autor do monumental ensaio, ao reunir a condição de romancista e de crítico literário, pôde assim, ao articular sua visão analítica, transpor as próprias barreiras da investigação da linguagem e elaborar, à luz do texto mouriano, uma rica e profunda análise da síntese narrativa. E, através do renomado crítico, Moura Lima recebe o seu primeiro estudo acadêmico, emergindo desse estudo apurado como senhor de um substancioso e amplo universo romanístico e contístico, com força de identificá-lo como um dos grandes ficcionistas da moderna literatura do século XXI. E essa assertiva vem corroborar com a opinião abalizada do grande crítico literário brasileiro Assis Brasil, que coloca Moura Lima entre Adonias Filho e Guimarães Rosa.
Ademais, a obra do crítico e professor Francisco Miguel de Moura, além de oferecer uma visão rigorosa do discurso e dos processos criativos e narrativos do escritor Moura Lima, autor do imortal “Serra dos Pilões”, revela ensinamentos preciosos acerca da obra geral do escritor tocantinense, cumprindo, desta forma, uma função didática de alto nível acadêmico, e passa a ser também um compêndio indispensável aos estudiosos das letras, professores e estudantes.
Francisco Miguel de Moura, nome conhecido e respeitado no cenário intelectual brasileiro, é formado em Letras, com pós-graduação em Teoria da Arte e do Romance, ex-professor de literatura e de português, colabora nos jornais de sua terra, na imprensa de outros Estados e também em Portugal. Tem participação em antologias do Ceará ao Rio Grande do Sul. No exterior, foi convidado a participar de livros em Portugal, Espanha, França e Estados Unidos. Até então é mais conhecido como poeta e crítico literário, tendo sido incluído no livro “A Crítica Literária no Brasil”, de Wilson Martins; em “A Literatura no Brasil”, organizada por Afrânio Coutinho, e em vários dicionários e enciclopédias de literatura. É membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Conselho Estadual de Cultura, da UBE-PI e UBE-SP. Dirigiu a revista “Cadernos de Teresina” por vários anos e editou a revista “Cirandinha” – ambas de feição cultural e literária.
Já publicou cerca de 20 livros, entre os quais destaca, por serem os primeiros, “Areias” (1966), “Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho” (1972) e “Estigmas” (1984). Outros: “Laços de Poder” (1991), (prefaciado por João Felício dos Santos), “Poesia in Completa” (1997) (por Nelly Novaes Coelho), “E a Vida se Fez Crônica” (1996), sucesso de venda (prefaciado por William Palha Dias) e “Literatura do Piauí” (2001), pela grande contribuição que trouxe à interpretação histórica do fato literário, em sua terra.
Pelos dados delineados acima, o leitor poderá avaliar a grandeza do ensaio de Francisco Miguel de Moura, que passa a ser o primeiro e legítimo estudo acadêmico de uma obra literária do Tocantins. E assim o livro entra para a história literária do país e do patrimônio cultural do Estado do Tocantins. E quem ganha com esse trabalho de fôlego é a literatura do Tocantins (e do Brasil) que pode ufanar-se de ter um vulto ilustre, chamado Moura Lima, que soube como ninguém mostrar ao Brasil o cheiro moreno da terra e da cultura popular das veredas do Tocantins.

(Publicado no jornal “A FOLHA DA CIDADE”, Gurupi-TO, 27 de junho de 2002).



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*Emiliano Carvalho é professor, ensaísta e dicionarista tocantinense, mora em Gurupi – TO.



























CHICO MIGUEL EM 'LAÇOS DE PODER'

Osvaldo Monteiro*


Charles Baudelaire quando apresentou ao público europeu o americano Edgar Allan Poe disse do prazer bem grande e bem útil de comparar os traços fisionômicos de um grande homem com suas obras. As biografias, as notas sobre os costumes, os hábitos, o físico dos artistas e dos escritores, sempre suscitaram uma curiosidade bem legítima.
Assim faço eu ao abordar criatura e criador; a obra e o artista. 'Laços de Poder' é o mais alentado romance, a obra maior em prosa do poeta e escritor Francisco Miguel de Moura. Nas caricaturas de jornais e revistas é grande a semelhança física, inclusive os óculos pesados, de Chico Miguel com o poeta Manoel Bandeira. Mas fica por aí, a alma do autor de “Laços de Poder” é essencialmente drummoniana, respeitando-se as peculiaridades individuais. No mineiro há nostalgia por não ter nascido em Paris, é introvertido e arredio. Chico Miguel parece nostálgico, pessimista e infeliz. Parece apenas. Na intimidade é um ser agradável, dócil, equilibrado e extrovertido. E mais, adora a sua piauiensidade. Ficam as semelhanças; daí pra frente Chico Miguel agiganta-se; tem mais profundidade d alma em comparação aos mineiros citados e só não os igualou na fama e no reconhecimento por ter se desenvolvido cá por estas bandas, sem o adubo da mídia e do clima generoso com chuvas regulares. Apareceu como os jenipapeiros, os pequizeiros e os cajueiros nossos. São os nativos da terra, filhos legítimos que nascem, 'nunca se sabe o começo', crescem, desenvolvem-se e muito produzem mesmo com a carência dos mimos naturais e, digamos, políticos também. Formado em Letras, Teoria e Prática, haja prática! Escritor compulsivo e leitor voraz. Modesto à franciscana, 'simples como as pombas e perspicaz como as serpentes'. Quando se empolga, fica meio gago sem contudo a emoção prejudicar-lhe a lucidez. Figura notável, um tanto polêmica. Sua presença, embora de pequena estatura, polariza atenções; é nome de peso da literatura piauiense, quiçá universal. Com cerca de quinze livros publicados, afora ensaios, crônicas e muita poesia em publicações esparsas, daria, penso eu, outros tantos volumes.
Em “Laços de Poder” vejo um realismo nu e cru, mesclado com diálogos e monólogos de profundidade psicológica. O autor não está nem aí para indicar o leitor quem está falando ou monologando. Vire-se! Parece-me o mais inovador de sua escritura de altíssima envergadura. E por falar em nu, pelado, como diz a moçada atualmente, escreveu Chico Miguel este livro. Maravilha de experiência e experimentação, segredou-me D. Mécia, sua esposa.
Já pensaram, o cara se despir física e psicologicamente para narrar uma história sem barreiras? Criação desinibida, verdadeiros laços desatados do poder castrador.
Não sei em que lugar das prateleiras do gênero colocar os escritos de Chico Miguel. O homem não é capturável, tem seu ritmo um tanto pessimista mas a vida é assim mesmo, só sei que ele 'queria começar antes do começo...' O polimento do texto é irreprochável, nada encontrei que o maculasse. Fato raro numa primeira edição. Texto limpo, asseado,'clean'. Mesmo quando envereda pelo escatológico; a cena da galinha bicando, engolindo a “áscare” preste a sair do menino, parece inusitada. Não pra nós nordestinos. Autêntico retrato de meninos purgados fazendo suas necessidades nos terreiros das antigas fazendas. Reporta-me ao tempo do 'Tiro Seguro', vai a digressão, 'não sei se ando ou desando'! Um vermífugo do mais terrível sabor que D. Madalena, minha dileta mãe, realizava anualmente na filharada.Uma colher de sopa enfiada goela abaixo da vítima e a ordem enérgica do pai: 'engole, cabra'! Já vi muita galinha caipira realizando faxina tão nobre. O tempo velozmente transmutou-se, transmutações individuais e coletivas com que nos alertam Raimundo Santana. A sociedade está mudando; é preciso pensar como ela muda, adverte Eduardo Neiva. As fazendas foram invadidas e transformaram-se em favelas, o terreiro virou play-ground de apartamentos, o galináceo enchiqueirado com energia diuturna, água de antibiótico e ração balanceada que não satisfazem o apetite. Ao cabo de um mês e pouco o pintinho virou mangangá apto ao holocausto. Os pais afrouxaram a disciplina, perderam o moral, e a gororoba de pílulas coloridas miniaturizadas e xaropes aromatizados têm sabor de morango. Uma delícia de purgativo.Só os meninos continuam meninos carregados do genoma do mau caráter. 'As más recordações morrem devagar, as boas lembranças são somente boas e se apagam' filosofa Chico Miguel.
Falei em 'clean' para denotar o asseio da obra. Dou-me conta que talvez esteja inconscientemente me opondo ao purismo de Chico Miguel. Nele não há estrangeirismos, até a palavra 'show,' tão arraigada entre nós, por duas ocasiões o autor aportuguesa 'chou', que me pareceu esquisito. Seu romance tem o modelo atômico, o seu núcleo é Chico Miguel, os personagens são os eléctrons (os eus) do autor.Teve um insight à Nostradamus: há lampejos de clarividência e precognição em “Laços de Poder”. A cena da Igreja, do Banco e do palácio do governo afundando e desmoronando na trágica tempestade é profética. Ninguém, aquela época (l985), pensava em dèbâcle dessas respeitáveis instituições.
De banco o autor é um expert. Olhou de dentro, agora olha de fora, com muito realismo, cópia do natural, o metièr. Mister penoso, labor repetitivo, monótono, sem sentido, estressante e perverso.'Emburrecer é preciso', 'aqui não existe sequer o amor próprio', 'a vontade do chefe tinha que ser mantida a qualquer custo', 'chefe imediato, este de outro chefe mais alto até chegar ao seu Aristóbulo”. Mas Chico Miguel sempre contou com o lenitivo da taça libertadora. Seu ideal artístico, sua transpiração de vate, sua ansiosa solicitude pelas letras, foram o seu 'Lexotan'. Cumpriu cabalmente a missão, sua via-crucis foi até a aposentadoria. Só pra concluir, lembrando expressão de Tito Filho: Chico Miguel é poeta até debaixo d’água! A parapsicologia revela sua aura composta da mais elaborada escritura que já vi por este 'chão de meu deus'. A sua obra “Laços de Poder” e “Um Manicaca”, de Abdias Neves, são gemas preciosas, opalas genuinamente piauienses do mais alto quilate.

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(Publicado no “Diário do Povo”, Teresina, em 3 de setembro de 200)..

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* Osvaldo Monteiro é cirurgião-dentista e membro da União Brasileira de Escritores do Piauí, contista e cronista, o último livro denominado “Um filósofo amigo meu”, Teresina, 1990.
















TRÊS POETAS DO PIAUÍ


Dalila Teles Veras*


O Piauí aparece na grande mídia do Sul maravilha por ocasião das grandes tragédias e da atuação (quase sempre desastrada) de seus políticos. O Brasil, que mal conhece o maior poeta daquele Estado, o simbolista Da Costa e Silva, e pouco ficou sabendo da elegância de Mário Faustino e da irreverência e ousadia de Torquato Neto, sequer desconfia daquilo que hoje ali se produz e ali mesmo é consumido – terríveis e distantes fronteiras as nossas.
Eis algumas breves notícias:
Viragens é o mais recente livro de Francisco Miguel de Moura, verdadeiro homem de letras, cuja luta vem da chamada literatura marginal (foi editor da revista Cirandinha, que circulou por vários anos em todo o Brasil, via Correio) e outras estripulias, inclusive como editor da revista Cadernos de Teresina, mais recentemente. Crítico respeitado, contista e cronista, mas primordialmente poeta, gênero no qual exercita sua melhor criatividade. Em 1997 publicou uma reunião de sua obra poética, apropriadamente denominada de Poesia in Completa, visto que o seu fazer poético é um trabalho em constante progresso. Este seu Viragens é prova disto e mostra um poeta dono de uma voz que passeia segura sobre os temas universais
do amor:
(cair amor/talhado
a teus pés que de/leite!
eis o orgasmo estreito
do poema troncho,
do amor per/feito)”;

da morte: “ou morrerei cedo,
sem palavras de amor,
com a baba na garganta”

e a metafísica do próprio existir:
somos só lembranças
ou
fragmento p/ousado
no anti-ontem.”
O poeta Chico Miguel, como é conhecido em sua terra, sabe que “O poema é preciso / no grito / ou no tapa / o poema impreciso / ím/par perfeito / ou em la(r)vas. / O poema é vulcão.”
Nem tente achar o volume em qualquer prateleira de nossas livrarias. É fora do eixo e das estantes. Recorra direto à fonte: Av. Juiz João Almeida, 1750, CEP 64049-650 – Teresina – PI.
(...)
Tantos e outros bons escritores piauienses, como H. Dobal, Rubervam Du Nascimento, Paulo Machado, Cinéas Santos, O. G. Rego que hoje cintilam na órbita do seu Estado, também mereceriam aqui menção (e moção) não fosse este espaço tão curto.

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(...) Nota: Os outros dois poetas focalizados na presente resenha foram Hardi Filho (“Veneno das Horas”) e Elmar Carvalho (“Rosa dos Ventos Gerais”)

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*Dalila Teles Veras é poetisa, cronista e mora em Santo André –SP. A presente resenha foi publicada no jornal alternativo “Abecês”, Santo André –SP, 2º trimestre de 2002.




















REBELIÃO DAS ALMAS

Moura Lima *



O contista Francisco Miguel de Moura é um exemplo de dedicação ao mundo das letras, que se notabilizou pelo país afora, como um grande escritor e crítico literário da terra de Mafrense, ao escrever o ensaio “Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho” e, posteriormente, com o romance “Laços de Poder”, obra prefaciada pelo festejado romancista João Felício dos Santos, autor dos imortais romances “João Abade” e “Ganga-Zumba”.
Na sua bem elaborada arquitetura verbal, prima pela unidade, coerência e ênfase. Com efeito, dirão os amantes da boa crítica (uma espécie terminal) que o zelo sacrossanto do brilhante estilista é análogo a uma legítima faca de aço Pajeú”, de gume sutil e cortante, em ação nas regiões abissais do pensamento, de onde traz à tona uma aura a Flaubert, Proust, Dostoievski e Thomas Hardy. E assim, a meu ver, o escritor Francisco Miguel projeta-se para o futuro como um clássico moderno da Literatura do século XXI.
A bem da verdade, a sua prosa é transparente e escorreita, de eficácia impressionante, sem maquinações nem tergiversações cavilosas dos hipócritas não confessados. Acima de tudo é um hino de libertação e, ao mesmo tempo, de denúncia contra os abusos e as injustiças sociais.
Francisco Miguel de Moura é um profundo e arguto observador da problemática do homem, do seu destino, onde viu e sentiu vis-à-vis o sofrimento dos despossuídos e explorados da sociedade.
E o seu extrato social? São palavras verdadeiras?
Sim, são-nas.
Radiografou tudo; inclusive mostrando as nuanças da alma humana, como um imenso calabouço de angústia, neuroses e de conflitos existenciais. Aí está o segredo e a grandeza de sua arte, quer como um verdadeiro escritor filósofo, quer como sociólogo ensaísta.
Assim impõe-se o dedicado romancista pela autenticidade do talento, talento moderno e vigoroso, como convém, expresso em quadros sociais brutais, mas sempre de um escritor engajado e nunca de um fariseu das letras. Bem como radicaliza o esforço criador realista, sem cair no vazio dos visionários.
E numa cosmovisão analítica de sua vasta produção, sentimos intrinsecamente que aponta na direção dos questionamentos introspectivos de Jorge Luis Borges, quando, do alto do seu vislumbre luminoso da eternidade afirmou convicto:
- “Nenhuma doutrina filosófica (ou religiosa) detém a palavra final do ser.”
Por conseguinte, todo o inventário de sua escrita é um misto de ensaio de romancista-contista-cronista e poeta, de quem viu e sentiu a dor das almas peregrinas na alongada travessia do sonho para a realidade brutal.
O seu novo livro de contos, “Rebelião das Almas”, atesta a sua maturidade de escritor bem-sucedido e senhor do seu ofício. O universo contístico da obra é voltado, como toda a sua produção literária, para os conflitos existenciais do homem e a ânsia de libertação do mundo opressivo. Este horizonte sombrio é corroborado no conto “Tetim está só, sim senhor”. Já no conto “Ele Campeava as Estrelas” mostra as sutilezas do realismo fantástico. Para aliviar a tensão do leitor, inseriu o conto “O pescador e sua mãe”, que narra as façanhas e origens do monstro fluvial piauiense Cabeça-de-Cuia. Mas, também ressuscitou para a literatura brasileira, o gênero da fábula, tão bem cultivado por Humberto de Campos e esquecida entre nós, com o conto “A Fábula do Preguiçoso”.
A obra vem enriquecida de outros contos, que revelarão aos leitores brasileiros diferentes ângulos do notável escritor piauiense, um mestre da metáfora e da sátira social contundente, que vem pontilhada de angústia dos males humanos, no murmúrio da rebelião das almas.

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(Publicado em “Folha da Cidade”, de Gurupi – TO, em 7 de fevereiro de 2002).

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*Moura Lima é membro da Academia Tocantinense de Letras e autor dos romances “Serra dos Pilões” e “Chão das Carabinas” e dos livros de contos “Mucunã” e “Veredão”.










VIR@GENS – POEMAS

Roberto Carvalho*


Recebi, li e guardo a matéria sobre o lançamento do livro de Francisco Miguel de Moura, “Viragens”, na Bienal do Livro, no Rio – RJ, matéria publicada no Jornal da AAFBB, de junho de 2001. O texto faz uma mini-retrospectiva da trajetória do Autor na literatura, meio biográfica, o que é interessante para dar melhor conhecimento ao público do país, principalmente do eixo Rio-São Paulo.
Quanto ao lançamento em si não deu detalhes, mas posso imaginar que foi bom, que valeu a pena. Pois sua poesia ombreia-se com a moderna poesia brasileira, em sua essência neoconcreta, em que o intimismo lírico no mais profundo da alma humana produz tensão, harmonia inquietante. Mas assim como Drummond, em sua fúria léxica, “plurimedonha”, “chuvinhenta”, e mais alguns modernistas quais Pignatari, José Paulo Paes e irmãos Campos, seu canto poético é uma autêntica sinfonia com ritmo e melodia bem definidos pela imagem em sentimentos universais. Por isto sua poesia figura e permanecerá eterna como cristal em força e expressão, porque o bom verso permanece sempre.
Independentemente de geração, denominação ou estereótipo, Chico Miguel pinta com imagens dikinsonianas os “eus” substantivos para uma festa que se justifica “Não sou ninguém. Quem é você? Você não é ninguém também? Então há um par de “nós” entre nós.– (pg. 255, de “Poesia in Completa”.) Esse “eu” em “nós”, substantivo-pronome, nos mostra “Quão melancólico ser alguém” – (pg.255, da obra acima citada). É ser metafísico? Não. Um show de imagens, “um palco iluminado” em que, quanto mais se lê, mais se identifica e se descobre em cada verso o quanto é bela a existência, o amor que brota, de cada frase, no coração.
Não é uma poesia para qualquer um, é um canto estético universal, purificado na carne, no conflito existencial entre o protesto e a busca do inalcansável – nossos desencontros e vontades. Sublime dor de quem ama profundamente e que, nas palavras, consola a incessante procura.
Francisco Miguel de Moura, ou apenas Chico Miguel, tem na poesia sua sólida caliça visceral, e na prosa, uma viga em construção. É preciso que reconheçam nesse Autor, os leitores e pesquisadores, uma escritura própria. Sua literatura é força do seu ideal – um quadro que tem cores e qualidades artísticas que devem ser valorizadas. E mais, sua ficção é tão sociológica quanto a de Joyce ou qualquer outro que se diz ícone da Literatura Ocidental.
O que falta é a gente aprender a ler mais, descobrir nas entrelinhas os mistérios que nos envolvem e estão cristalinos nas páginas de “Areias”, “Poesia in Completa” (poesias), e “Laços de Poder” e “Por que Petrônio não Ganhou o Céu” (ambos de ficção), entre outros.
A literatura brasileira, manietada por uma teia de interesses escusos, esconde em seu bojo “ilhas literárias”, muitas delas com valores que se vão ao ostracismo da história perversa de preconceitos e embustes, de falsos valores construídos aos tubos de dinheiro.
Então, que o lançamento de “Viragens” tenha sido um sucesso, porque a poesia merece, a literatura precisa navegar e chegar aos leitores, que é o seu destino final.

(Publicado no jornal “Diário do Povo”, Teresina, 24 de agosto de 2001).


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* Roberto Carvalho é poeta, cronista e crítico literário. Mora em Brasília-DF.





















INTIMIDADES DO POETA*

Luiz Romero Lima**


Apresento, nesta data, ao público leitor de qualquer lugar, o livro Vir@gens de Francisco Miguel de Moura, poeta pela graça da palavra, natural de Francisco Santos – PI, cidade que sempre terá boas notícias do seu filho ilustre.
Francisco Miguel de Moura é, antes de tudo, um exigente leitor de bons e grandes poetas do passado e do presente. Sua poesia reflete o sopro da vida sem os clichês habituais. É um poeta cuidadoso, eficiente, perfeccionista em permanente busca de soluções aperfeiçoadoras e minuciosos gestos poéticos.
Servimo-nos da bela lição de Drummond: “Penetra surdamente no reino das palavras. / Lá estão os poemas que esperam ser escritos.” Francisco Miguel de Moura aprendeu bem esta lição e cuidadosamente produziu seu melhor livro de poesias e o destes últimos anos entre nós.
A sua linguagem exige do leitor posições sutis de acompanhamento do texto, porque difere no timbre e na tessitura, atrai pela evidente preocupação com o discurso poético. A linguagem de Vir@gens é um delicado instrumento do desejo e força produtiva de sentidos outros. O significante gerando outras e novas sugestões lingüísticas porque “a palavra é grave” (“Silêncio”, pág. 35). Assim adverte o poeta. A gravidade da poesia de Vir@gens é como “uma pérola / um seixo rolado morro abaixo / areia acima... simples feito um esboço de poema-edifício...” (“Simplesmente”, pág. 70). Nestes e em outros versos é clara a posição do poeta por uma linguagem que supera o desgaste, a saturação, dissensibilidade verbal, comuns aos menos avisados.
O poeta purifica-se pela linguagem na construção do poema-edifício, atingindo o que a poesia oferece de melhor e não contente “deu a palavra que abre uma esperança” (Soneto da purificação, pág. 71).
O poeta chama o leitor para o encontro com a poesia simples, livre dos enleios grosseiros, mergulhando o leitor na melhor tradição lírica da premiada língua de Camões, Saramago, Pessoa, Da Costa e Silva, Mário Faustino, H. Dobal, João Cabral de Mello Neto. O.G. Rego de Carvalho, Herberto Hélder, Mia Couto e tantos outros que a fazem bela e culta. Meu bom poeta, não devemos comparar poetas e dizer que um é maior ou menor, melhor ou pior que outro, pois os parâmetros estéticos são relativos e estão subvertidos pelo tempo.
Desfaz-se o poeta de Vir@gens no “Itinerário do Poema” (pág. 104) em firme pacto com o elemento estético, numa aliança com o texto que surgirá do labiríntico reino das palavras onde os poemas estão escritos por inquietos escritores da sua qualidade e competência poética.
Caríssimo poeta, muito honra a este tão pequeno professor de Literatura deste Piauí apresentar a todos os bons e merecedores leitores, aos estudantes e ao público, mais um bom livro de poesia.
Ilustre acadêmico e premiado poeta, a sua geração encontra no seu verso lapidado um bom exemplo de poesia, magia e encantamento do olhar sobre o signo e prazer estético do texto, no dizer de Roland Barthes. Como bem o dizes no poema “Avesso” dedicado ao João Cabral de Mello Neto, de quem seguramente recebeste as mais eficientes lições do Poema-edifício.
Meu caro Chico, é muito fácil perceber um bom poeta: um bom poeta é sempre um obcecado leitor. E lembrando Julia Kristeva, um bom texto é feito com outros bons textos. O poema é como um jogo, uma corrida de bastão, por exemplo, sem limites para o entretenimento com as letras e palavras, como bem você diz em “Acaso” (pág. 40) e em “Brincando de letras” (pág. 95).
O poeta é diagonal e não ama em linha reta. Olha de “revestrés” e de “viés”, como atesta o poema “Que é de?” (pág. 75) dedicado ao seu companheiro de geração Hardi Filho. O poeta, Chico, é “folha verde em galho seco” (“Avesso”, pág. 18). Seguramente, esta é a mais surpreendente lição da sua oficina estética na construção deste livro-edifício.
Meu caro, o poeta é feito pelo meio mais consagrador – a linguagem. Isto posto, vale ratificar postulados e princípios estéticos poéticos de que o conteúdo até pode ser insignificante ou até indiferente. O que faz o poeta é sua percepção no “catar feijão”, da escolha do signo, pois o melhor e mais ajustável é a beleza do significante, isto é, do meio, do código, na afirmação consciente e madura de Mário Faustino: “é como um raio a fecundar” a poesia. Vejo em Vir@gens a poesia fecundada e o poeta consagrado.
Chico, com a ternura de um belo verso que não escrevi, mas que se encontra em cada bom poeta, te desejo omnias felicitas. Sinto-me ternamente grato por este bom momento.

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*(Apresentação do livro “Viragens”, de Francisco Miguel de Moura, no seu lançamento, dia 10.11.2000, em solenidade comandada pela UBE-PI, dentro das comemorações da “Semana da Cultura”, promoção da FUNDEC/SEC/APL/UBE).
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**Luiz Romero Lima é professor, crítico e historiador literário.








































DE POESIA E DE POETAS


Rejane Machado*

Francisco Miguel de Moura vem de um longo caminhar literário. Com certeza, de mais de doze livros publicados, – uma façanha, tendo-se em vista o seu contexto de cidade interiorana, fora do eixo Rio-São Paulo, – trabalha desde a crônica ao romance, passando pelo conto e pelo ensaio, pela crítica livresca, y compris muita poesia, sua maior vocação. Bem sucedido em todas essas atividades, um dos intelectuais mais promissores do nosso momento cultural, ouso dizer que ele é essencialmente poeta. E dos bons. Hábil com as palavras e as imagens, comunica-nos de imediato o seu mundo íntimo e verdadeiro.
Escritor de grandes possibilidades, premiado em centros maiores, publicado no exterior, tendo posse da palavra justa para analisar o fenômeno literário, no espaço poético ele parece estar mais à vontade. Este território ajusta-se ao seu modo de sentir o mundo muito naturalmente, trafegando com bastante sucesso entre formas fixas ou descompromissadas, dentro de um espírito de modernidade que soube aproveitar todo o contributo da tradição brasileira do gênero, sem desprezar a grande tradição universal.
Percebe-se claramente um evoluir no sentido de qualidade e realização, desde o seu primeiro livro, em busca de uma expressividade nova, num sentido de contenção formal, de jogo com as idéias. Dotado de grande sensibilidade, aberto ao instante que passa e à realidade em volta, ele sabe se sobrepor às sugestões imediatas, em direção ao pensamento sublimado, atingindo um território plenamente lírico, onde a palavra transcende o seu significado, e se abre para novas sugestões. Exatamente como deve ser, num campo tão vasto e explorado desde tempos imemoriais.
Noto um aperfeiçoamento do dizer no desenvolver das idéias sensíveis, no exercício do pensamento filosófico. A vida é vista através de certas 'razões':
'Quem tem uma razão para viver / já tem sua razão para morrer / porque tudo acabará. / Eu não tenho nada. / Sou um pobre louco / pobre.' (p.31, Vir@gens).
O poeta procura a abrangência: 'Quem saberá que um dia fomos? (...) quando as luzes se apagam / quem diz para onde e a que vamos? / para o vazio e para a morte' (...)
O olhar rápido como uma faca despe toda a expressão comum deixando a descoberto a palavra-chave, a imagem maior que transcende o todo: 'A coisa se esparrama / cresce aqui por dentro (...) / a coisa me estraçalha.' (Poesia in Completa)
Faz tabula rasa do ambiente, clima, circunstância, seleciona uma expressão que pode ser isto ou aquilo e lhe confere uma nova roupagem a partir do sentimento com que a elege. Procurando a imanência das coisas reflete no conteúdo frágil da imagem fácil. Nunca, porém, com hermetismo, pois não está procurando a originalidade a toda prova, mas a metáfora precisa na exata dimensão da necessidade expressiva, a contenção vocabular fazendo predominar a palavra significante. Veja-se:
'Mito / e / derrota / cem versos / pelo reverso / do espelho. / A vida e a morte / escuta, engano ledo. / Quebra teu corpo, / engole os cacos : / - Espelho contra espelho' (p. 304, Poesia in Completa).
Certos poemas contrariam a noção geral de que o poeta (desde as experiências estéticas do modernismo), para ser digno do epíteto, tem que ser hermético: 'Diante do meu enternecimento / tantos olhos se fecharam (...) Nada se (e)leva / sem o pão da palavra / sem a lavra do poema.' (p. 61, Vir@gens).
A vida em traços rápidos. Na memória a motivação maior para o espaço lírico: 'Amanhecer é bom proveito (e posse) / da vida se aproxima (...) / Corre o vento com cheiro de café / novinho, mas antigo porque amado, / das casas que ainda não se abrem, / de mistura com flores que se abrem / às narinas de qualquer passante / que acorde as madrugadas no assovio. / Alegria - clarim que vem da praça / que também é só lembrança antiga.' (p. 89, Vir@gens).
Os elementos com que trabalha são os subprodutos do tempo: a continuidade, a memória, o vir-a-ser, o fluir do instante e o resgatável da sensação que se perdeu. E por isso recomenda:
'colhe a flor que está à mão'
numa tentativa de apreensão do tempo que se vai. O ato poético pressupõe a oportunidade, o momento. E por isto a Deslembrança: 'Li um poema tão pequenino, / há tanto tempo, inda era menino. (...) O verso fino como uma corda / de sino de igreja, detrás da porta. / (...) Esqueça o poema. Não o peça. Pense-o. / Se hoje me acorda, é com seu silêncio. (...) / Jogado ao vento, sumiu, nem soou... / Poema tão fino, mofino, murchou.' (p. 15-16, Vir@gens).
Francisco Miguel executa belíssimos sonetos, o que é um difícil teste para qualquer poeta. Recomendo a leitura refletida de algumas jóias de fino lavor que sobejam em sua Poesia in Completa e neste instigante Vir@gens). Do primeiro, Tema de revolta, A Antônio Nobre, A inteira voz, Angustiado, Miragem, Sombra, Símbolos, e tantos outros, onde ele atesta a sua capacidade de concisão dentro de uma forma presa, dizendo mais do que o espaço comporta, dizendo belamente das suas reflexões amargas, numa filosofia de desespero manso. Do livro mais recente, ao acaso, escolhemos três pérolas: A bela e a fera, O que fazer e Alma tatuada, – como exemplos da habilidade deste poeta, para quem o poetar não tem segredos.
É ler, amar e constatar.


Rio, setembro de 2000

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*Rejane Machado é doutora em Letras, romancista, contista e crítica literária premiada várias vezes nos dois últimos gêneros. Mora no Rio.

























PREFÁCIO

Altevir Alencar*



Todos temos, na dinâmica da aprendizagem e da produção, duas propriedades distintas e simultâneas que se completam e se tornam fases existenciais. A primeira se adquire através do estudo, de acúmulo de conhecimentos: é a fase cognitiva, a que chamamos de cultura. Já a outra é imanente, com aspectos congênitos ou indutivos, a que damos o nome de vocação.
Neste livro de poemas – TEMPO CONTRA TEMPO – os poetas Hardi Filho e Francisco Miguel de Moura exercitam, com segurança, tanto a cultura quanto a vocação indutiva, trabalhando dentro dos estreitíssimos limites do soneto, numa demonstração de inteiro domínio da verve e da inteligência, neste que se nos afigura o mais espinhoso dos ramos da árvore frondosa da Poesia. Consideremos o fato de que todos os idiomas cultos repousam sobre dois pilares: a Poesia e a Prosa. Aqui se trata de tarefa própria dos verdadeiros versicultores. Convenhamos que exprimir seus sentimentos, cristalizando mensagens filosóficas e emocionais, atreito a catorze versos, observando, rigorosamente, o metro, a rima e o ritmo cadencial, obedecendo igualmente às imposições vernaculares, é privilégio e tarefa de cerebralidades escolhidas pelo Destino.
Embora elaborado a quatro mãos, posso afirmar que os dois poetas não se comprometeram deliberadamente a escrever um livro desta natureza. Este conjunto harmonioso de 52 pequenos poemas – todos iguais na forma simétrica e diversos no conteúdo, onde um tem como estrutura a alma do que o precede – trabalhados de modo contínuo, lógico e continuado, é fruto de um jogo floral interessante. Explico-me: ambos pertencem à Academia Piauiense de Letras. Aquele sodalício tem suas sessões ordinárias aos sábados pela manhã.
Freqüentador mais ou menos assíduo daquelas reuniões, percebi, a certa altura, que, antes do início daqueles trabalhos acadêmicos, Francisco Miguel entregava a Hardi Filho uma folha de papel onde estava escrita alguma coisa. No sábado seguinte, Hardi passava às mãos de Francisco Miguel outra folha de papel. E assim foi indo. Um dia pedi para ver a lauda: era um soneto decassilábico, com o título de O TEMPO EXISTE? Já no sábado que se seguiu 'interceptei' outro soneto: O TEMPO EXISTE!
Para editar todo o trabalho colecionado, aí sim, os dois autores tomaram a deliberação.
Velho estudante da Poesia Clássica, confesso, longe de qualquer caudatarismo e da sombra enganadora do elogio, que encontro nestes sonetos a mais humana ressonância sentimental e identifico, no seu âmago geral, a presença inconfundível de dois poetas exponenciais, assim reconhecidos pela literatura piauiense.
De uma simples brincadeira entre intelectuais nasce um livro admirável em todos os seus aspectos.
O sonetista não chega a ser, nos dias atuais, uma espécie em extinção. Mas é uma avis rara, um poeta no mais completo sentido deste termo. Em três palavras: um poeta autêntico. É um fenômeno imprevisível como chuva de verão: ninguém sabe quando ele chega nem quando se vai embora.
TEMPO CONTRA TEMPO é trabalho de poetas de fibra. Uma prova de que nem tudo está perdido.
Temos nas mãos um livro para ser lido como quem reza: com a alma de joelhos.
Teresina, setembro de 2000


(Prefácio ao livro “Tempo contra tempo”, escrito de parceria com Hardi Filho, ainda inédito)

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*Altevir Alencar é advogado, poeta, sonetista, cronista, mora em Teresina. Andou meio mundo, inclusive foi Prefeito de uma cidade no Centro-Oeste. Membro da Academia de Letras de Mato Grosso do Sul e da Academia Piauiense de Letras.










UM OBSERVADOR DO COTIDIANO



Afonso Ligório Pires de Carvalho*




Francisco Miguel de Moura é um observador do cotidiano que tem o homem como principal foco de sua ficção.
Ele vê nas pessoas não só as palavras, gestos, movimentos, mas a conseqüência das ações de cada um, seus atos, por vezes líricos, carregados de beleza e sonho. Vai além: desce ao conteúdo, remexe a alma, o sentimento.
O sério e o banal estão intencionalmente próximos na maneira de lidar com objetos e pessoas, mas delimitados com rigor matemático. Não se misturam. Recria situações com madura visão conceitual. Sua palavra não desenha paisagem, embora descreva momentos no ambiente como quem fotografa ou documenta instantes não perceptíveis. Significa que busca o exato no virtual como se exercitasse aquele tipo de criação literária de que nos fala Ítalo Calvino.
Os contos de Miguel de Moura são plenos de conteúdo humano, de intenções que nos levam a conviver com os personagens como se fossem velhos conhecidos.
Sente-se de imediato que o livro ‘Por que Petrônio não ganhou o céu” não é trabalho de iniciante, porém de experiente cultor das letras. A impressão que passam seus contos é análoga à do personagem Chiquinho diante de Mirna: vida e amor, mesmo em meio a desenganos, desventuras. Para o autor, desilusões, fraquezas são percalços passageiros como a própria vida, ou inerentes à extraordinária aventura de viver.
Observo, ainda, que os contos de Miguel de Moura não se confundem com crônicas, o que é comum. São contos mesmo, entremeados do necessário diálogo que caracteriza o gênero.
Às vezes se alonga em alguns, como em “A festa dos homens”, mas sem exagero. Opostamente, em outros, limita-se à idéia central, tudo, porém, dentro da técnica do conto.
De qualquer modo que se expresse, Francisco Miguel de Moura é um escritor consciente do ofício, do áspero ofício de escrever. Lê-lo é sentir o Piauí, não devido a descrições da geografia do Estado, mas pela prosa mesclada do agradável falar regional cheio de termos ricos, próprios da terra, da nossa terra.
Brasília, junho de 1999.

Livros já publicados por Francisco Miguel de Moura:


Poesia: - Areias, 1966; Pedra em Sobressalto, 1974: Universo das Águas, 1979; Bar Carnaúba, 1983; Quinteto em mi(m), 1986; Sonetos da Paixão, 1988; Poemas Ou/tonais, 1991; Poemas Traduzidos, 1993; Poesia in Completa, 1997.
Prosa: Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho, 1972; A Poesia Social de Castro Alves, 1979 - crítica; Os Estigmas, 1984; Laços de Poder, 1991; Ternura, 1993 – romances; Eu e meu amigo Charles Brown, 1986; E a vida se fez crônica, 1996 – de contos e crônicas, respectivamente.

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*Afonso Ligório Pires de Carvalho é jornalista, contista e professor universitário, no Distrito Federal.





















AMIZADE DE POETA

José Gerardo Marques*

“Não se vê nada, não se escuta e, no entanto, o silêncio alguma coisa irradia”.
Saint Exeupéry



Críticos, na sua maioria, opinam sempre que à imagem da poesia sobrepõe-se a beleza do verso, e aquela é filha da emoção, e o vate primoroso deve ser admirado ab aeterno, com o que concordo plenamente; a estrada gigantesca do tempo surge, sempre que recordo as boas amizades; uma destaca-se residente à casa do meu coração, cujo afeto e admiração saem de mim montados no corcel da espontaneidade; não contei até hoje o tempo mesmo em que à estima impôs-se uma serena afeição, entregue à mutualidade sincera entre mim e ele; tenho-o encontrado ocasionalmente à rua, ou mesmo eventualmente às reuniões da UBE, entidade à qual pertencemos há muito tempo. Poeta sereno e completo, nota-se em todos os seus livros de versos, a presença de um autor musculoso, em referência ao físico hercúleo da sua farta composição que a tantos encanta, incluindo-me a mim próprio, como seu fã, no sentido abrangente e vasto da significação; percebo que, de livro para livro, sobra-lhe unidade e harmonia, uma conseqüência da exuberante inteligência outorgada por Deus à sua pessoa.
Quantas e inúmeras vezes encontro-me, no recesso de minha casa, mais precisamente debruçado à mesa de trabalho, saboreando, através do espírito, a melhor produção poética deste amigo que tem, à semelhança de mim mesmo, como integrante, à sua volta, a unanimidade dos aplausos que ele, com seu valor pessoal e com os seus méritos à dedicação dos amigos e o entusiasmo dos admiradores! Recebi de sua parte o convite à posse na Academia Piauiense de Letras e não faltei: festa singela e inebriante, onde os Acadêmicos fizeram-lhe à recepção calorosa valer o amplexo afetuoso; dentre aqueles que o rodeavam estava eu, envolto num vislumbre de encantamento e enlevação ao contemplar-lhe a alegre fisionomia, toda ela presa de uma contagiante alegria, filha direta da ventura do reconhecimento de seus pares à sua farta produção de versos e sonetos magistrais, oriundos de uma mente privilegiada e capaz; as pessoas, em grande número, de um modo geral exultantes, deixavam que um sorriso largo e amplo se instalasse à vastidão, à extensão de suas faces atentas e voltadas à sua figura, àquele instante alvo de todas as atenções; repentinamente o Presidente da Academia, o inesquecível erudito Arimathea Tito Filho começa a falar, primeiro dizendo das virtudes e da cultura do novel Acadêmico e, num tom bem humorado, relata os arrodeios que o recém-chegado fazia àquele sodalício, na ânsia incontida de ali, um dia, se instalar.
Claro que tal comunicação à platéia revestia-se de um gesto hílare, uma vez que o novo partícipe daquele contubérnio é um homem culto e valoroso, entregue desde os tempos menores de sua existência gloriosa, às rimas mais significativas e aos versos mais soantes que, quando manuseados, levam sempre as pessoas mais sensíveis à sensação de plenitude e ufanismo; antigo funcionário do Banco do Brasil, quando em função manejava números, relatórios e outros quejandos; fora dali, ou ali mesmo, cultivava as musas e dava vazão ao estro vigoroso que desde tenra idade aninhou-se à sua alma e ao seu espírito, legando páginas magistrais e imperecedouras à avaliação mais apurada; não decorre tempo em demasia quando lhe fiz uma ligação para pedir um favor e obtive dele a comunicação de que se encontrava doente, envolto pelo tentáculo incômodo e perigoso de uma gripe impertinente; mantivemos um pequeno diálogo, em que permutamos opiniões as mais acertadas, segundo nosso juízo, e despedi-me de Francisco Miguel de Moura, o Chico Miguel da minha alegria, da minha estima, da minha admiração. Deus te proteja e abençoe, querido amigo, bom companheiro, inolvidável poeta!...

(Publicado no jornal “O DIA”, Teresina, 4 de dezembro de 1997).



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*José Gerardo Marques é cronista e crítico literário, membro da UBE-PI.











POESIA IN COMPLETA, F. M. DE MOURA

Roberto Carvalho*


O acadêmico da Academia Piauiense de Letras, Francisco Miguel de Moura, poeta, crítico literário e romancista, tem vários livros publicados nestes gêneros literários. Seus livros são conhecidos e aclamados não só no Piauí, mas em todo o Brasil, onde a crítica nacional tem reconhecido as qualidades artísticas do seu trabalho de importância cultural. De sua autoria, entre outras obras, pode-se destacar “Os Estigmas” (1984), “Eu e meu Amigo Charles Brown” (1986), “Laços de Poder” (1991), “Ternura” (1993), “E a Vida se Fez Crônica” (1996), todos de ficção. “Poemas Ou/tonais” (1991) e esta coletânea de “Poesia in Completa” quando o Autor reúne boa parte de seus poemas num livro especial, dirigido ao público ledor em geral.
Na obra literária de Francisco Miguel de Moura a poesia é o gênero artístico que imprime mais profundamente a psicologia humana. Sua lírica –neoconcreta, de vanguarda, dentro dos conceitos modernistas que continuam com os trajes pós-modernos – é revestida de multiplicidades expressivas. Sem inseri-lo em nenhuma geração, isso seria reduzi-lo aos escombros de devaneios particularizados, o poeta de “Poesia in Completa” tem consciência criadora ao moldar seu estilo sensível à existência, ao sentimento humano. Seu universo expressivo traduz angústia, perplexidades num mundo paradoxal em que a degradação humana é sintoma presente, sentido no cotidiano.
Em tom irônico e linguagem por vezes metapoética, drummondiana – Francisco Miguel de Moura move-se por uma sintaxe sugestiva, reveladora de um grande poeta, em que os signos lingüísticos usados dão essência a horizontes modernos dentro da língua normativa. No presente do indicativo, o “eu” do discurso musical interpreta a vida com imperatividade e faz brotar, em cada verso, uma imagem-sensação:
“poeira do diálogo
de repente me assoma
com um quê de fustigo

e não encontro palavra
para minha tontura
para minhas tolices


sem termo nem lua
sem luta ou purgatório
o acerto não se lavra
em minha carne dura

enquanto não cravo
a frase madura”

( “Bate lá/Bate cá”, pg. 102.

Se fosse fazer uma análise interpretativa, só este poema de Miguel de Moura daria muitas páginas, mostrando toda uma estética da poesia universal moderna.
Assim como Drummond em “O Lutador”, poema em que o poeta itabirano se digladia com as palavras numa luta corporal – muitas passagens da poesia do escritor piauiense contêm embates do Autor com o seu ofício. Como diz no verso “o acerto não se lavra”, quer dizer não se faz tão facilmente “em minha carne dura”, “enquanto não cravo a frase madura”, a frase certa, a que completa a imagem, completando o sentido e a alma do poeta, que por sua vez transmite ao leitor toda uma carga de emotividade. Principalmente quando a retratação de um circunstancial agônico se faz imagem, e a crítica social, força na poesia de FMM, de “Areias”, 1966, a “Quinteto em mi(m), 1986 – e a partir daí evolui substancialmente em sua forma subjetiva, universalista, adquirindo uma feição toda estética, própria da literatura brasileira atual, como se pode constatar em “Poemas Ou/tonais” e seqüências.
“Poesia in Completa” – sinopse de nove livros de poesias: “Areias” a “Poemas Traduzidos” (1966–1993 ) – não ganhou tratamento gráfico à altura do seu conteúdo literário, mas o leitor, encantado com os poemas, vibrará e se identificará página a página com uma poesia densa de significados. Como na saga prosística borgeana, Francisco Miguel de Moura constrói sua poesia com ternura e sentida humanidade: “Ai! Quero amar e / fazer cinema na rua” / “dar um jeito na cara-metade” que todos nós temos e só descobrimos nos versos de “Poesia in Completa”.

(Publicado no jornal “O DIA”, Teresina, 17 de setembro de 1997).

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*Roberto Carvalho é funcionário público, jornalista e cronista, mora em Brasília – DF.
FRANCISCO MIGUEL E A CRÍTICA LITERÁRIA

M. Paulo Nunes*



Gostaria de não mais polemizar sobre este assunto – crítica literária e crítica universitária ou acadêmica. O mínimo que poderia conseguir seria ampliar uma certa indisposição local contra este modesto e apagado escriba. Talvez, no particular, também fosse útil a lição do velho bruxo do Cosme Velho: a do tédio à controvérsia. Espero, entretanto, sair um pouco pela tangente, lastreando-me na citação de autores célebres. Como dizem que costumo citar muito e só faz citações quem muito lê, o que não é pecado, pelo contrário, talvez possa diluir um pouco com esses autores as colocações pouco ortodoxas que aqui serão feitas.
Começaria com Benedetto Croce (1866 – 1952), o pai da crítica moderna, da crítica estética ou estruturalista, se assim a quiserem chamar. Croce considera a crítica literária o único método capaz de distinguir, na obra de arte, a expressão individual, independentemente de seu período histórico e dos movimentos ou influências de orientação estética ou literária em que se originou. Levou esse princípio às últimas conseqüências, quando abordou a obra de Dante em La Poesia di Dante, obra publicada em 1921, pondo de lado, como não-poesia (e é aí que começa a confusão que chegou aos nossos dias), tudo o que se apresenta naquela obra como político, filosófico ou teológico, para preservar-lhe, tão somente a expressão lírica, com o que não concordaram seus adversários de diversas tendências, entre os quais os tradicionalistas e aqueles que se baseavam em sua própria doutrina, aurida em sua reinterpretação de Hegel, da unidade e totalidade da obra de arte.
Por sua vez, Francisco De Sanctis (1817-1883, o mais próximo inspirador de Croce e cuja obra foi por ele divulgada, fazia sua crítica baseado em valores puramente estéticos, não admitindo distinção entre forma e conteúdo, sem perder de vista, entretanto, as relações da arte com a vida. Exclui as figuras secundárias da literatura italiana, que era o seu campo de estudos, concentrando-os em Dante, Petrarca, Boccacio, Poliziano, Ariosto, Aretino, Maquiavel e Tasso, em sua História da Literatura Italiana, publicada em 1870.
Tendo sua obra incidido na crítica positivista de Carducci, foi reabilitado por Croce, que lhe publicou os escritos inéditos e desde então a influência de seu pensamento não cessou de crescer.
Foram esses os autores que iniciaram o movimento de renovação da crítica literária, opondo-se ao biografismo e ao psicologismo de Taine, Sainte-Beuve e Brunetière, em que se radica a crítica literária nacional, até que ela, influenciada pelo estruturalismo de Jakobsen, Todorov, os formalistas russos e sobretudo Roland Barthes, tomou de assalto os arraiais da crítica universitária, de onde passou a destilar o seu novo evangelho.
Há poucos dias o crítico e tradutor italiano Marco Lucchesi, autor de um livro instigante – O Sorriso do Caos, em entrevista ao caderno “Idéias”, do Jornal do Brasil, numa apreciação sobre este fenômeno – o da presença do estruturalismo ou estruturalês em nossas Faculdades de Letras, ao responder à pergunta sobre qual deva ser o papel do crítico, assim se manifesta:
“O texto é um organismo vivo. Tem sangue passado pelas artérias. Muitas vezes os críticos se transformam em aves de rapina, que apostam na morte do texto. Antes de mais nada, o crítico deve ser um leitor que se comunica com outros leitores. Não quero dizer com isto que a literatura deva ser lida sem qualquer outro aparato teórico. Mas acho que a crítica produzida nas universidades, ao invés de ser hermética, como se acredita, é na verdade um subproduto de importação apressada de conceitos, na qual o leitor é a primeira vítima. Acho, porém, que estamos vivendo um momento em que a crítica olha para si mesma e compreende suas razões e isso é ótimo. A crítica brasileira deveria resgatar a atuação do jornalismo literário, onde ela se desenvolveu historicamente, sem perder de vista o prazer da leitura. (Cf. op. cit. p. 6, nº de 19.04.97).
Não tenho feito outra coisa na vida senão advertir para isto e lembrar a grande contribuição que o jornalismo literário de autores como Mário de Andrade, Tristão de Athayde, Álvaro Lins, Otto Maria Carpeaux, Sérgio Miliet, Antônio Cândido e Wilson Martins trouxe à crítica literária brasileira.
No relançamento de “Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho”, 25 anos após a publicação da 1ª edição, do ilustre acadêmico Francisco Miguel de Moura, figura eminente de nosso meio intelectual, jornalista, crítico literário, historiador da literatura, romancista e poeta, achei oportuno trazer essas idéias à meditação do distinto auditório para que se possa repensar a função da crítica, de seus valores e dos estudos literários em nosso país.
Considero este livro, em boa hora incluído no Plano Editorial desta Universidade, de fundamental importância para o estudo da obra notável de O.G. Rego de Carvalho, a respeito da qual há pouco manifestei-me em seminário sobre ela realizado, em que a relacionei com o romance de Machado de Assis, de que a considero uma vertente.
Ao mesmo tempo, quero salientar, no estudo de Francisco Miguel de Moura, feito com a maior competência e a mais absoluta isenção, qualidades que eu desejaria encontrar nos estudos literários de nosso país e não apenas de nossa terra, o que seria uma referência menor.
Estribado nos melhores teóricos da crítica literária, da estilística e da comunicação como Antônio Gomes Penna, Álvaro Lins, E. M. Forster, Fausto Cunha, Hélio Pólvora, Massaud Moisés, Luís Costa Lima, Rodrigues Lapa, Wilson Martins, entre outros, este estudo não se esgota, entretanto, no teorismo vago e abstruso dos que escolhem um modelo e querem dentro dele encaixar (perdoem o termo extraliterário) a obra analisada. Longe disso.
Francisco Miguel de Moura, este nosso grande crítico, não esclerosa o seu texto em análises especiosas, mas, ao contrário, o vivifica, através de uma interpretação plena de empatia, de lucidez e de estesia para com o autor de Rio Subterrâneo. Nunca vi um crítico que tanto se identificasse com o autor estudado e o interpretasse com tão grande simpatia.
Em nota anterior a respeito do autor deste grande livro, eu dizia que os grandes escritores, para adquirirem maior notoriedade, sempre contaram com um crítico de renome para explicitarem as qualidades maiores da obra realizada. Eça de Queiroz, acrescentava, talvez não fosse o grande Eça, se não contasse com críticos do porte de Teófilo Braga e Ramalho Ortigão, que despertassem o público ledor para a alta relevância de um dos maiores escritores da língua portuguesa. O mesmo teria ocorrido com Graciliano Ramos, se não tivesse contado, no início de sua carreira literária, com a contribuição crítica e o estímulo de um Álvaro Lins, de um Otto Maria Carpeaux ou de um Antônio Cândido, que revelaram, em artigos densos de compreensão literária, as potencialidades daquele romancista, um dos maiores da nossa literatura.
Quero crer que O.G. Rego de Carvalho tenha tido o seu intérprete definitivo em Francisco Miguel de Moura, intelectual competente e sério nesta província deserta, da imagem do poeta H. Dobal, figura de realce na nossa vida intelectual.
Foi através desse brilhante ensaísta, homem de leituras inumeráveis, íntegro e reto, de uma permanente disponibilidade para colaborar na difusão da cultura, em nossa terra, com um dom permanente de servir, uma aguda sensibilidade para o fenômeno literário, que tivemos a meu ver o estudo definitivo a respeito da obra magistral que é hoje patrimônio da nossa cultura, do romancista O.G. Rego de Carvalho.
Bem haja pois este grande crítico e historiador de nossa literatura, neste instante de grande significação em sua vida de escritor.
Desejo expressar assim, e o faço com a mais profunda emoção, o meu apreço e a minha admiração por este autêntico representante da cultura piauiense, a quem saúdo, de maneira calorosa, neste instante solar de sua vida literária, para glória nossa e felicidade do povo piauiense.


(Publicado na revista “LITERATURA”, nº 12, junho/1997, de Brasília (DF)).



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*M. Paulo Nunes é crítico literário, professor universitário aposentado, Presidente do Conselho Estadual de Cultura do Piauí e membro da Academia Piauiense de Letras.


























A CADÊNCIA DAS PALAVRAS (I)
(Linguagem e Comunicação...)


Anna Kelma Gallas*


O poeta, contista e crítico literário Chico Miguel de Moura lançou ontem, no Auditório “Noé Mendes”, na UFPI, a segunda edição de “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”, lançado originalmente em 1972, através da Editora Artenova, Rio. O autor é um versado na análise literária. Pós-graduado em Crítica de Arte, Francisco Miguel de Moura foi editor da extinta revista “Cirandinha” entre 1977 e 1984 e ex-coordenador de Literatura e Editoração da “Fundação Cultural Mons. Chaves”. Como autor, notabilizou-se com obras como “Areias”, “Bar Carnaúba”, “Pedra em Sobressalto”, “Universo das Águas, “Quinteto em mi(m)”, “Os Estigmas”, “Eu e meu Amigo Charles Brown”, “A Poesia Social de Castro Alves”, “Piauí: Terra, História e Literatura”, “Laços de Poder”, “Sonetos da Paixão” e “Poemas Ou/tonais”, seu último livro (até agora).
“Linguagem e Comunicação...” é a tentativa sólida de analisar os aspectos estilísticos e lingüísticos de nosso maior romancista. O empenho é saudado até mesmo pelo autor, que considera, de todas as análises já produzidas sobre sua obra de ficção, esta a mais consistente. “De todas as análises que se fizeram no Piauí sobre minha ficção, nenhuma me parece mais atual e correta que este conjunto de ensaios de Francisco Miguel de Moura. Aqui não encontrei mistificações nem truques”, avalia.
O livro tem uma avaliação não menos entusiasta, escrita pelo crítico M. Paulo Nunes, atual Presidente do Conselho Estadual de Cultura. “Dentre as obras com que tomei contato no período dessa diáspora, uma das mais significativas, no domínio da crítica literária, foi o livro de Francisco Miguel de Moura, acadêmico, poeta, contista, ensaísta e historiador da Literatura”, afirma.
Francisco Miguel de Moura tenta demonstrar a genialidade de O. G. Rego de Carvalho e suas semelhanças estilísticas a Machado de Assis. “Dono de um estilo que é uma das melhores realizações literárias na literatura de língua portuguesa”, como bem explica M. Paulo Nunes, O.G. Rego de Carvalho já mereceu vários estudos sérios, monografias e teses acadêmicas, embora quase nunca tais trabalhos tenham ganhado sua simpatia e a unanimidade entre os acadêmicos e estudiosos da literatura.
Francisco Miguel de Moura começa sua obra lamentando justamente a exigüidade de material crítico sobre a obra de O. G. Rego de Carvalho, para ele, um ótimo autor esquecido. Em “Linguagem e Comunicação...” Francisco Miguel de Moura desenvolve dois objetivos principais. O primeiro, essencialmente didático, onde a intenção é despertar o interesse de professores, alunos do segundo grau e universitários. O caminho aqui é construído pela revelação do universo e personagens de cada livro de Rego de Carvalho. No segundo, cujo objetivo e transmitir informações essenciais sobre o autor e sua obra, a análise é construída através do estudo da linguagem literária em O.G. Rego de Carvalho, bem como da criação e tratamento dos símbolos, de suas técnicas de construção de ação e enredo. “Não descendo a sutilezas e miuçalhas – pela primeira vez tentamos a crítica de conjunto da obra de um escritor – que não cabem nos limites das nossas possibilidades, por sinal modestas, adotamos um vocabulário acessível e não o da crítica mais especializada”, explica Francisco Miguel.
Todos os personagens e enredos das obras de O. G. Rego de Carvalho são passados a limpo: “Ulisses entre o Amor e a Morte”, “Rio Subterrâneo”, “Somos Todos Inocentes”. O autor, entretanto, não só devassa a intimidade dos livros, como procura similaridades e antagonismos entre eles. Esse trabalho de desmontagem muito esclarece sobre o estilo de O. G. Rego e sua preferência por Oeiras na contextualização de seus enredos. Daí o porquê de sua importância como subsídio teórico para estudantes de todas as gerações e níveis.
Um trabalho profundo e essencial.

(Publicado no jornal “O DIA”, Teresina, 30 de abril de 1997).

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*Anna Kelma Gallas é jornalista, repórter e comentarista literária.









A CADÊNCIA DAS PALAVRAS (II)
(Poesia in Completa)

Anna Kelma Gallas*

“Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho” antecipou o lançamento do livro “Poesia in Completa”, que comemora 30 anos de convivência de Francisco Miguel de Moura com a poesia.
O Autor, que se lançou na carreira em 1966, com “Areias”, apresenta na sua coletânea-mor, críticas e comentários de jornalistas, escritores e críticos sobre sua obra, da poetisa Stella Leonardos (JL, década de 60) a Carlos Drummond de Andrade, que classifica a lírica de Chico Miguel como “variada e sugestiva”.
Já o crítico Fábio Lucas comenta “a inquietação formal do poeta”, acrescentando: “Miguel de Moura se aproxima bem do núcleo indagador e metafísico da condição humana, mas não abandona a consciência crítica da vida social e o lado absurdo do cotidiano, daí certa ironia, certa descrença dos valores consagrados”, afirma.
“Poesia in Completa” foi aprovado, com unanimidade, pelo Conselho Editorial da “Fundação Cultural Mons. Chaves”. O resultado mereceu o comentário da Profa. Maria Figueiredo dos Reis (UFPI):
“Conhecemos toda a literatura F. M. Moura, desde sua obra poética a seus livros de ficção. Embora ainda não tenhamos realizado nenhum estudo sobre o poeta, o ficcionista e o crítico, temos opinião formada sobre o valor inegável do seu poder criador. Limitamo-nos, neste parecer, a dizer da simplicidade, da singeleza e, ao mesmo tempo, da profundidade filosófica de sua lírica”.
O. G. Rego de Carvalho, objeto de estudo de Miguel de Moura na obra “Linguagem e Comunicação...”, em 1972, esclarece que “Francisco Miguel de Moura é poeta de corpo inteiro, senhor e não servo das palavras (...) e hoje posso citar como um dos três maiores poetas do Piauí, ao lado de Da Costa e Silva e H. Dobal”.
“Chico Miguel de Moura”, como lembra bem Assis Brasil, em sua antologia Poesia Piauiense do Século XX, “está pronto para a posteridade”.
Sua obra (Poesia in Completa) terá cerca de quinhentas páginas, reunindo poemas de todas as suas fases e estilos e um belo posfácio da escritora Profa. Nelly Novaes Coelho (USP), uma das maiores críticas do país.
Aqui vai uma pequena mostra de sua poesia (já selecionada por Herculano Moraes, em sua “Visão Histórica da Literatura Piauiense”):

MILITÂNCIA

Semente que tentou florir
na rocha impossível, aqui.
Por trás da farda
de brim cáqui “floriano”,
um anjo bom,
preso na hierarquia.
Por trás do capacete duro,
uma cabeça ágil,
fervente,
quer fluir, fluir.
Por trás da violência de escravo
(no dever?)
há um homem ferido e acorrentado
(seja paz, seja guerra).
Por trás dos olhos ligeiros
de lince, de lança,
há o homem-fome,
o homem-faz-medo-a-criança.
Por trás – os olhos feridos
de distância
e o comum dia-a-dia.

Tu vês (por profissão)
o campo de batalha
no inimigo-irmão.
Sabes ser leal ao dono
e diferes do cão.
Embora tudo isto,
pesa sobre ti (e sobre nós)
a cachaça e a sífilis
(e a gota de sangue do coração).

(Publicado no jornal “O DIA”, Teresina, 30 de abril de 1997).
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*Anna Kelma Gallas é jornalista, repórter e comentarista literária.


OS ESTIGMAS



José Afrânio Moreira Duarte*

Poeta, contista, romancista, crítico literário e ensaísta, o literato piauiense Francisco Miguel de Moura merece ser classificado como um escritor versátil e é conveniente notar que ele sempre se sai bem em todos os gêneros a que se dedica.
Em «OS ESTIGMAS» Francisco Miguel de Moura palmilha os caminhos do romance, talvez novela, tirando a matéria-prima com que molda o seu trabalho inicialmente da vidinha simples de pequenas cidades, Conceição e alhures, prosseguindo depois também com a predominância de gente simples da metrópole, no caso Teresina. Ciro é a figura central que atua o tempo todo como se estivesse conduzindo o fio da meada, mas a seu redor a mesmice do quotidiano atua e estua, sendo que Francisco Miguel de Moura se vale dela para ir tecendo sua teia ficcional com fortes características de verossimilhança, desde a sucessão estática do dia-a-dia até chegar ao final totalmente inesperado e impressionante. É preciso ser um escritor de muito talento e muita garra, coisas que não faltam a Francisco Miguel de Moura, antes muito pelo contrário, para construir um texto atrativo mas aparentemente sem importância que se desenrola no diário viver.
Se a temática ronda quase sempre os limites do tédio, e nisto se aproxima das novas formas do romance, a força do ficcionista autêntico que é Francisco Miguel de Moura entrelaça o fluir dos acontecimentos rotineiros, quer no interior, quer na Capital, com tamanha classe e vigor que os fatos descritos e analisados surgem aos olhos atentos do leitor com a pujança de coisas palpitantes e trepidantes. Isto, por si só, já denota a força do ficcionista de talento inconteste, capaz de prender o leitor da primeira à última página.
Sob um outro aspecto, o da técnica e do labor literário, «OS ESTIGMAS« também merece louvores, pois numa boa narrativa não importa apenas o que se conta mas também como se conta. Afinal, contar um caso está ao alcance de qualquer um, mas pegar a história e burilá-la, como se faz com as pedras preciosas, isto já é tarefa de escritor talentoso e talento é o que Francisco Miguel de Moura tem bastante. Ele é um verdadeiro mestre na difícil arte de tecer palavras. Conhece muito bem a língua portuguesa e escreve imbuído pela trama, mas sem se deixar dominar por ela. Domina-a. Sendo assim, em que pese a melancolia imanente, a leitura envolve e fascina.
Aqui e ali, a presença do poeta que Francisco Miguel de Moura nunca deixa de ser. Há trechos obviamente em prosa, já que se trata de romance, mas com forte carga poética no fundo. Tudo é escrito num estilo muito límpido, como se as palavras fossem gotas de orvalho esparsas pela vegetação:

«Tinha o viço das folhas novas do começo do inverno e a beleza das flores silvestres quando desabrocham».

Em resposta a uma pergunta de entrevista, o também piauiense O. G. Rego de Carvalho assim se expressa:

«A literatura de minha terra, conquanto pobre em gêneros, é rica de valores».

A leitura agradável de “OS ESTIGMAS” vem provar, mais uma vez, que Francisco Miguel de Moura, sem a menor sombra de dúvida, é um desses reais valores.

(Publicado na revista “Literatura” nº 11, de dezembro de 1996 – Brasília-DF).

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* José Afrânio Moreira Duarte é contista e crítico literário, membro da Academia Mineira de Letras.
INFÂNCIA E SOFRIMENTO EM “TERNURA”

Cunha e Silva Filho*


Ao contrário do que diz Humberto Guimarães nas orelhas do livro TERNURA, de Chico Miguel, não estamos diante de um desvio de construção literária. TERNURA se afirma como uma narrativa de escritor cujo apego mais acentuado de seu texto é com o inusitado, o variável, a exceção. Basta ver os dois últimos capítulos de seu breve romance, nos quais ilustra a sua tendência experimentalista ao lidar com a criação literária. São dois capítulos que, reforçando a natureza poética do seu discurso, aí radicalizam a dimensão significante da diegese romanesca. Passamos, assim, da referencialidade à conotatividade, união entre o real e o simbólico. Por isso, seu epílogo não é um epílogo, mas uma narrativa em aberto, que, por sinal, está em harmonia com a natureza deste romance, ou seja, um romance que se aproxima do bildungsroman, como chamam os alemães ao romance de formação.
Podemos, em sentido lato, rotulá-lo de literatura infanto-juvenil. Essa classificação não me parece de todo correta se levarmos em conta a extrapolação da trama que, como se deu em Gulliver’s travels de Swift, só aparentemente pareceria destinado ao público infanto-juvenil. Por baixo das camadas superficiais das peripécias infantis, ocultam-se variados aspectos do interesse do adulto. Neste sentido, a obra seria mais uma estória de criança para o público tanto infantil como também adulto.
A literatura infanto-juvenil, para se manter nesse nível de recepção de leitor, não exigiria um aprofundamento do texto tanto na direção estética quanto na tensão dialética. Seria um texto menos denso, mais leve, e mais direto. No livro de Chico Miguel isso não ocorre, talvez porque o autor ainda não tenha encontrado a receita ideal ou a fórmula, se quiserem, do texto didaticamente endereçado ao público-mirim. Não é que eu esteja subestimando o nível de maturidade do leitor-pequeno, ou desacreditando na capacidade criativa do romancista que pode ser bom para a literatura dita de adulto sem estar ainda suficientemente preparado para as exigências (até comerciais) da literatura infanto-juvenil.
Pelas virtualidades depreendidas do texto de Chico Miguel, pela complexidade dos problemas por ele levantados, o romance cada vez mais me convence de que o interesse do seu leitor prende muito mais o adulto do que a criança.
Vejamos como ele se organiza no plano de sua visão do mundo. A obra se realiza através de múltiplas antinomias: cidade-campo, pobreza-riqueza, saber-analfabetismo, vida-morte, felicidade-tristeza. Além disso, o romance desnuda alguns problemas básicos, como preconceito racial, relação de parentesco, relações econômicas ainda de base feudais, coronelismo, desmoronamento da vida conjugal, incomunicabilidade humana. Tudo isso sob a ótica de um narrador em terceira pessoa, centrado predominantemente na figura Pedrinho branco, filho de pai rico, sobrinho de coronel de fazenda, às voltas com os conflitos da puberdade, como o despertar do amor, os primeiros impulsos do onanismo, os desafios da vida adulta que se aproximava, assim como a sofrida experiência entre pais que falharam no casamento, e os padecimentos de um adolescente diante de uma mãe doente e segregada da família.
Sem nomear lugares reais, este breve romance põe diante do leitor um painel da vida passada no interior do Nordeste – o Piauí provavelmente, pois muitos são os índices que marcam o espaço romanesco, através das referências da linguagem, do vocabulário, dos usos e costumes da vida interiorana.
Através do percurso de Pedrinho vemos e reconhecemos com alegria recortes e passagens de nossa própria experiência de infância e adolescência, como a rivalidade ingênua entre Pedrinho e Pedrinho da Lata, os ciúmes da irmã manifestados diante de um pretendente que repudiava, seja pela cor, seja pela condição social.
Um menino que, a princípio, nos parece antipático, pouco a pouco se vai impondo à nossa admiração, devido àquela nobre atitude de querer por força alfabetizar crianças e adultos da fazenda do tio Cardoso, mesmo arrostando a oposição de um tio tacanho e repressor.
Livro bem urdido temática e literariamente, se bem que o recurso nele do largo uso do discurso indireto livre, da mudança de cenas e de planos narrativos provavelmente não seja bem digerido pelo leitor pequeno. O que o romancista poderia fazer seria dosar mais esses recursos de técnica de enredo ou de focalização. O escritor, porém, se desse importância a essa estratégia, talvez conseguisse atrair para si maior público infanto-juvenil. Ao contrário, o que fez foi aprofundar os recursos de narrador, misturar referencialidade com poeticidade (nele fértil por ser ele próprio poeta), dar largas à imaginação e adentrar até mesmo na ruptura sintática, como no capítulo 23: “Pedrinho no-dia-das-mangueiras. Ahistórianomeiodavida” (p.106)
No último parágrafo daquele capítulo há uma clara intenção de atingir o metadiscurso, ou seja, a desmistificação do texto como se fosse mistério, e não forma intencional de, trabalhando com a palavra poética (também no sentido do discurso ficcional), conseguir a “verdade” da ficção, procedimento que indiretamente já havia demonstrado no capítulo 10, p.54-55, na cena em que Pedrinho da Lata, cansado de narrar uma estória de cunho fantástico, foi repreendido pelos companheiros que não desejavam a sua interrupção.
Nota do articulista: Ternura foi publicado pela Editora Gráfica da UFPI, Teresina, 1993, 108 p., capa de Fritz Miguel e orelhas de Humberto Guimarães.

(Publicado no jornal “Diário do Povo”, de 13 de outubro de 1996)

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* Cunha e Silva Filho é professor universitário, com grau de doutorado, no Rio de Janeiro, além de tradutor e crítico literário.



























LITERATURA PIAUIENSE – XXVIII

José Expedito Rego*


Quando meu amigo CHICO MIGUEL, cujo nome completo é Francisco Miguel de Moura, lançou seu segundo livro de poemas, “Pedra em Sobressalto”, em 1974, mandou-me um exemplar, pedindo que escrevesse alguma coisa a respeito. Tinha lido “Areias”, de 1966, e sabia ser o Chico Miguel poeta dos melhores.
Naturalmente, enviei-lhe crítica favorável, dizendo tudo que achei de bom ou excelente em PEDRA EM SOBRESSALTO. E fiz uma reserva. Esses versos do metro moderno não estão ao alcance da compreensão da maioria dos leitores. Só uma elite intelectual pode captar os sentimentos do poeta. Vejamos este poema INSATISFAÇÃO:
No infinito, o finito:
- Grão de areia,

nada.
Distante de tudo:
- o ser se interroga.

Impossível!
Por que o desejo morno
de partir o sofrimento?

Há mil perguntas,
nenhuma resposta
no sentir e no ser.
Lendo esses versos, que pensará um aluno de ginásio, ou mesmo um adulto comum e sensível? Que na vida há muitas perguntas e nenhum resposta? Entenderá que o homem é pó e nada, que se interroga, perdido na distância do nada e deseja partir o sofrimento? Nada! Há poemas herméticos que só o autor entende, às vezes nem ele mesmo.
No meu fraco entender, o escritor, para bem se comunicar, deve usar uma linguagem ao alcance de todos. Escritor bom, para mim, é o Érico Veríssimo, o Graciliano Ramos, o Zé Lins do Rego. Guimarães Rosa prestou um grande serviço à língua, desenterrando e criando expressões da fala sertaneja que ninguém conhecia. Mas seus livros são decifrados com dificuldade. E que dizer de Proust? Não passa de um chato. Estuda com maravilhosa perspicácia a psicologia juvenil, faz uma crítica original e personalíssima da sociedade de seu tempo, num estilo monstruoso, que dá um trabalho danado para que se consiga o fio da meada. Conheci um velho deputado, que não era escritor, mas, ao conversar, muito se parecia com o autor de “À Procura do Tempo Perdido”, resguardadas as qualidades de linguagem. Grande tagarela, começava a contar uma história e, aqui, acolá, derivava numa explicação muito longa, voltava à narrativa inicial, para logo mais adiante fazer outra divagação e era um nunca terminar.
Mas voltemos ao CHICO MIGUEL, que nada tem de prolixo. É um grande poeta, sem sombra de dúvida. Se seus poemas, às vezes, são difíceis de entender, corre por conta das exigências modernistas.
Nasceu em Francisco Santos, antigo povoado Jenipapeiro, do município de Picos. Fez o ginásio em Picos. Entrou para o Banco do Brasil em 1957. Demorou algum tempo em Itambé, na Bahia. Fez o Curso de Letras na Faculdade Católica de Filosofia do Piauí. Fundou a revista “Cirandinha”. Em Salvador, pós-graduou-se em Crítica de Artes.
Aposentado, vive unicamente para as belas letras. Se encontrarmos o Chico Miguel numa roda de amigos, podemos apostar que o assunto é literatura. Tem atuado nos mais diversos gêneros. Em poesia, além dos livros já citados, escreveu ainda “Universos das Águas”, “Bar Carnaúba”, “Quinteto em mi(m)” onde nos deliciamos com os sonetinhos a Rosinha, “Sonetos da Paixão”, “Poemas Ou/tonais” e “Poemas Traduzidos”. No romance, produziu “Os Estigmas”, “Laços de Poder” e por último “Ternura”, realmente uma ternura. E tem mais: “Eu e meu Amigo Charles Brown”, interessante livro de contos.
No terreno da crítica fez o melhor ensaio conhecido sobre O. G. Rego de Carvalho e também “Piauí: Terra, História e Literatura”.


(Publicado em “VOZ DE FLORIANO”, Floriano-PI, 18/24 de agosto 1996).
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*José Expedito Rego é médico, membro da Academia Piauiense de Letras, romancista, poeta e crítico literário.






LITERATURA DE TERESINA

Marta Gonçalves*


Lá está a verde Teresina, onde a poeta Ymah Théres andou recebendo o carinho dos nossos amigos escritores. Feliz Ymah Théres, que viu os olhos do poeta Hardi Filho, de Francisco Miguel de Moura e de Nerina Castelo Branco e outros intelectuais. Recebi carta de Rubervam, que não viu Ymah Théres. Lamenta. Porém o dia não marcava raízes no coração de Rubervam. Fiquei aqui, esperando Ymah Théres, que, na bagagem, arraigava energia, o vento, o amor dos amigos poetas. Fiz um poema “Canto a Teresina”. Poema realizado pelo calor da voz de Ymah Théres falando de Teresina. Terra de gente que sabe amanhar os amigos.
Recebo de Francisco Miguel de Moura (Chico Miguel), seu belo livro
“E A VIDA SE FEZ CRÔNICA”. Agraciada com um poema meu “Lições de Vida”, na abertura do livro. Fiquei clamando, rindo. Alma de passarinho. Sentindo uma leveza cósmica. Alguma coisa há de ficar além do corpo. O impacto da capa da artista plástica Josefina Gonçalves leva, de imediato, o leitor ao texto.
Chego a pensar que a crônica é o retrato do real calcado em abstrações. Abstrações estas que requerem uma estrutura inovadora e dinâmica do autor. Chico Miguel é narrador (personagem) destas vivências. Andei em Teresina e chegou a Minas o cheiro da terra do Piauí. O ritual dos personagens ficou na retina. A linguagem veste a roupa de fina ironia. Ironia que transcende a paisagem, o movimento, a textura da fala de Chico Miguel. Muitas crônicas me parecem contos, e outras, pequenos ensaios de poesia.
O lirismo conduz a matéria ou luz que domina o texto. Chico Miguel chega ao extremo de captar os minutos do seu tempo sem tempo. O menino sofrido, carente, pobre, não caminha em direção ao vazio. Traçou uma liberdade de vida. Esta liberdade se faz presente na palavra de Chico Miguel, no transcorrer do livro.
Senti um recolhimento, solidão com a linguagem. Solidão gratificante que encontramos na designação, na feitura de um bom texto. A abertura do livro, feita por Chico Miguel, mostra o homem dentro do seu tempo. Notamos o individualismo do autor funcionando no seu discurso. Na curva de muitas crônicas encontramos plasmada a filosofia do próprio autor reduzindo frases em verdadeiros achados.
Muito nos encantou a leitura de “E A VIDA SE FEZ CRÔNICA”. A modernidade da temática presente. O som, a cor. A criação de Chico Miguel trazendo o Piauí ao nosso “eu”. O desafio do autor, crescendo sempre, mantém o livro em uma só unidade. Algumas crônicas nos instigaram a alma. Chico Miguel resvala sua vida e tudo vira texto. Nesta multiplicidade, encontramos o artista, o escritor consciente.
Não nos esquecemos de lembrar do lirismo de Hardi Filho. Os sonetos elaborados na espontaneidade. A poesia moderna de Nerina Castelo Branco. O Rubervam com a “Profissão dos Peixes”, neste Brasil afora. Devemos acatar esta literatura no campo dos olhos. De Teresina, Piauí, chegam imagens, a figura humana de nossos irmãos poetas.
Francisco Miguel de Moura, poeta, romancista, contista, cronista, ensaísta. Autor de dezesseis livros. Merece que o seu trabalho forme um círculo no Brasil adentro. Sabemos quanto é difícil esta trajetória.


(Publicado no jornal “TRIBUNA DE MINAS”, Juiz de Fora – MG, 4-7-1996).


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* Marta Gonçalves é poeta, cronista e ficcionista da área infanto-juvenil. Mora em Minas.


















... E A VIDA SE FEZ CRÔNICA

William Palha Dias*


Com o trabalho acima epigrafado, Francisco Miguel de Moura brinda, não apenas os intelectuais citadinos mas, sobretudo, o mundo ledor de nosso Estado, pois que a leitura de qualquer texto literário nunca pode nem deve ficar constrita a apenas determinada classe. Se assim se procedesse, por certo os autores de livros nunca que disporiam de ambiência receptiva para a vazão de seus anseios.
Com esta observação inicial, desejo comunicar a todos que Chico Miguel, como é mais conhecido o nosso intelectual, está aqui, agora, trazendo ao conhecimento dos presentes este belo e atraente livro. A linguagem clara e precisa de cada narração, em forma de crônica favorece ao leitor condição para acompanhar toda a trama que envolve seus diversificados personagens, ao tempo em que oferece nítidas e reais condições para que o leitor sinta a participação do autor na abordagem dos temas explorados. O livro está chantado em terreno onde, dia a dia, faz o mesmo autor a garimpagem de suas inúmeras e diversificadas produções literárias.
Chico Miguel é criador de mais de uma dezena de obras em variegadas nuanças.
Quanto ao presente livro, já foi por mim dito anteriormente o seguinte:
“Francisco Miguel de Moura pediu-me para ler os originais que enfeixam seu livro “...E A VIDA SE FEZ CRÔNICA”. A pretensão do amigo foi além. Desejou que lhe preparasse a orelha do livro, a fim de que o mesmo não saísse nambi. Por certo, seria eu o menos indicado para tão difícil tarefa. Primeiro, por não dispor de aptidão para tanto; segundo, por se tratar de trabalho elaborado por quem é, sobretudo, nosso maior crítico literário. Nesse caso, que poderia um simples ledor de textos dizer sobre trabalho de tão conceituado escritor?
Convenho, todavia, em que todo aquele que se empenha em escrever alguma coisa tem, por força disto, que esbarrar em determinada situação superior à sua capacidade intelectiva. É, desta feita, o meu caso. Assim, Chico Miguel, que vive praticamente das letras, por isto mesmo não escreve para guardar e sim para contar aos outros seus cometimentos literários, quis, antes de qualquer palpite sobre o seu trabalho, sentir minha pálida opinião. Nesse caso, não tive outro recurso a não ser alinhavar esta despretensiosa opinião. E como Chico Miguel não é somente o sertanejo forte de que nos conta o magistral Euclides da Cunha, e sim perspicaz memorialista, lança de si, com profunda emoção, conscientemente ou mesmo sem o saber, de maneira instintiva, gotas de sua diuturna labuta com as letras, que retratam não só a alma do sertão, mas, sobretudo, a trama existencial de seus diversificados personagens. Assim é que, depois de profundo mergulho no passado, sem qualquer interferência onírica, imbuído da pura realidade que lhe oferece a vida de indormidas noites na perseguição do crescente ideal de produzir, oferece-nos esta bela coletânea de crônicas de sua lavra. Trabalho elaborado na oficina de sua inteligência, enfeixa fragmentos de sua vida. Suas crônicas se assemelham ao esforço de um mestre em ourivesaria que recolheu, para seu trabalho, acendalhas auríferas e as transformou em filigranas para montagem das peças, objeto de sua criação.
Evidencia-se, por outro lado, que Chico Miguel não planejou o livro. Montou-o de pedaços como se estivesse arrancando partículas armazenadas no íntimo de sua alma, quando diz, sem se aperceber – “É isto que quero mostrar...”, quando fala de “Um Menino Perdido”. Sabe, em verdade, que não foi um menino perdido como tantos outros de seu tempo. Suas criações, quase todas, estão voltadas para dentro de si mesmo. São, pois, fragmentos de sua vida. Da vida sofrida de um menino do interior, porém provido de muita inteligência, determinação e capacidade para apreender tudo o que a vida sofrida lhe impusera. Desta maneira, tudo armazenou no seu íntimo para, em crônicas amadurecidas, devolver aos seus pares, aos seus leitores, em forma de lições de vida que tanto dá alegria quanto comove a quem tenha o prazer de lê-las.
O grande cronista, em verdade, não precisou criar a história de João Grilo e nem a de Canção de Fogo, nem mesmo de outro trancoso qualquer. A odisséia de menino do interior, vivida e observada pelo autor de “... E A VIDA SE FEZ CRÔNICA”, sem o querer, fê-lo personagem viva. Na produção literária, o difícil não é ser autor, difícil é ser autor e personagem ao mesmo tempo. Isto Chico Miguel conseguiu e bem.
Disse ao amigo, quando me pediu para apresentar seu livro, que seria eu o menos capacitado para o desempenho de tão árdua tarefa. Todavia, a confiança de que o mesmo não iria fazer qualquer mossa à minha inexperiência no assunto, levou-me a engendrar esta pálida apreciação. Como assim, resta-me afirmar que seu trabalho merecia ser apresentado não por mim, mas por abalizado crítico que conheça os meandros do ofício.”
Depois do que ficou exteriorizado em torno do belo livro, mostremos quem realmente é seu autor:
Francisco Miguel de Moura nasceu no lugar Jenipapeiro, hoje Francisco Santos – PI, na época pertencente ao município de Picos, aos 16 de junho de 1933. Aposentado pelo Banco do Brasil, por tempo de serviço. Formado em Letras pela Universidade Federal do Piauí, com curso de pós-graduação em “Crítica de Arte”, na Universidade Federal da Bahia.
É membro da União Brasileira de Escritores de São Paulo e da respectiva Associação no Piauí (UBE-PI); do Conselho Estadual de Cultura (tendo sido eleito pela Assembléia Legislativa para o cargo de Conselheiro); é membro do Conselho Administrativo e do Conselho Cultural - ambos órgãos da Fundação Cultural Monsenhor Chaves; é da Academia Piauiense de Letras; sócio-correspondente da Academia Catarinense de Letras e da Academia Mineira de Letras. Recebeu Medalha do Mérito “Conselheiro José Antônio Saraiva”, da Prefeitura Municipal de Teresina, no grau de “Cavaleiro”. Publicou: “Areias”, 1966; “Pedra em Sobressalto”, 1974; “Universo das Águas”, 1979; “Bar Carnaúba”, 1983; “Quinteto em mi(m)”, 1986; “Sonetos da Paixão”, 1988; “Poemas Ou/tonais”, 1991; “Poemas Traduzidos”, 1993, na área da poesia. Na prosa, publicou: os romances “Os Estigmas”, 1984; “Laços de Poder”, 1991; “Ternura”, 1994 e o livro de contos “Eu e meu Amigo Charles Brown”, 1986. Como crítico literário, tem publicado na imprensa local e de outros Estados muitos artigos e estudos, ao longo desses 30 anos, desde que chegou a Teresina, em 1964. Em livros de crítica, tem as seguintes publicações: “A Poesia Social de Castro Alves”, 1979; “Linguagem e Comunicação em O.G. Rego de Carvalho”, 1972; e “Piauí: Terra, História e Literatura”, 1980. Recebeu prêmios de contos, crônicas, romance, poesia, crítica e até de trovas.
Nesse caso, para situar o autor de ... E A VIDA SE FEZ CRÔNICA, devo acrescentar, por razões de justiça, ser o mesmo intelectual dos mais aplaudidos em nosso meio, além de ser homem de ilibada conduta, carregando, nos ombros, sobrecarga de reconhecida honradez e a dignidade de exemplar pai de família.
São estas as qualidades que ornam e exornam o nosso Chico Miguel, que, em verdade, é um vitorioso em todas as suas atividades.


(Discurso proferido por William Palha Dias, no lançamento de “E a Vida se Fez Crônica”, em Teresina, 13 de junho de 1996).

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*William Palha Dias é magistrado, romancista, historiador, cronista, e membro da Academia Piauiense de Letras.


FRANCISCO MIGUEL DE MOURA (1933 –)
Assis Brasil *

“Li seu livro e não foi surpresa encontrar a boa poesia que eu esperava. A surpresa foi realmente uma questão de grau: os poemas são ainda melhores do que previa a minha expectativa.”
H. Dobal



Uma das vozes mais atuantes da literatura piauiense, romancista, ensaísta, poeta, Francisco Miguel de Moura nasceu em Francisco Santos, antigo povoado Jenipapeiro, município de Picos, no dia 16 de junho de 1933. Os estudos primários foram feitos com o pai, matriculando-se mais tarde no ginasial, na cidade de Picos. Estudava de graça, pela sua condição de ser o primeiro da turma.
Aprovado em concurso do Banco do Brasil (1957), por onde se aposentaria, Chico Miguel, como é mais conhecido, passará algum tempo na Bahia, cidade de Itambé, zona do cacau, e depois volta para Teresina, onde toma contato com a intelectualidade local e publica o primeiro livro, “Areias” (1966).
Ainda em Teresina, Chico Miguel, sempre de olho na poesia, reinicia seus estudos, fazendo o Curso de Letras da Faculdade Católica de Filosofia do Piauí. Formado, leciona durante dois anos e funda a revista cultural “Cirandinha” (1977). Já publicara o segundo livro de versos, “Pedra em Sobressalto”, em 1974.
Ao aposentar-se, em 1983, Chico Miguel volta com a família para Salvador, onde faz um curso de pós-graduação em Crítica de Arte, na Universidade Federal da Bahia. Em toda a década de 80 publicará outros livros de poesia.
Dois anos mais tarde, mais uma vez está em Teresina, onde é aclamado Presidente da União Brasileira de Escritores, seção do Piauí. Eleito para a Academia Piauiense de Letras e pertencendo ao Conselho Estadual de Cultura, Chico Miguel publica outros livros e participa de várias antologias poéticas de outros Estados.
O poeta está pleno e pronto para a posteridade.
Herculano Moraes coloca Francisco Miguel de Moura entre os “vanguardistas de 65” no Piauí, ao lado de outros importantes poetas, como H. Dobal, Torquato Neto, Álvaro Pacheco, Hardi Filho e acrescentaríamos Mário Faustino. Do Piauí, em dimensão nacional, estes poetas fazem parte de um elenco novo e atuante. Chico Miguel dá a sua contribuição, exercendo o domínio de dicção poética segura, exemplar, onde os valores cotidianos e existenciais valorizam a sua inventiva linguagem.

(Extraído do livro “A POESIA PIAUIENSE NO SEC. XX”, antologia, Fundação Cultural Mons. Chaves/Imago, Tersina/Rio, 1995).

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*Assis Brasil é romancista e crítico literário dos mais competentes e conhecidos no Brasil, com mais de 100 obras editadas e dois prêmios WALMAP de romance. Formado em jornalismo, é membro da Academia Piauiense de Letras e mora no Rio.























LITERATURA PIAUIENSE

Cunha e Silva Filho*


Publicada pela primeira vez em 1937, a importante obra de João Pinheiro – Literatura Piauiense – Escorço Histórico – tem, agora, uma nova edição (1994) através da Fundação Cultural Mons. Chaves, com texto revisto e grafia atualizada por Magnólia Belarmino. A novidade dessa edição é o texto Posfácio, que lhe foi acrescido, escrito por Francisco Miguel de Moura, texto que veio ampliar o original, atualizando-o a partir da conclusão da obra de João Pinheiro.
Francisco Miguel de Moura teve a boa intuição de dar feição expositiva semelhante à de João Pinheiro, prestando, assim, uma espécie de homenagem à iniciativa pioneira de João Pinheiro de sistematizar a história literária piauiense, não meramente como uma monografia ou esboço simplificador, mas como obra de pesquisa e seriedade, pronta a representar, na bibliografia do gênero, a contribuição do Piauí à historiografia literária brasileira. O crítico Afrânio Coutinho a relacionou na II parte (História da cultura e da literatura brasileira), seção Bibliografia, entre as obras “Regionais” de importância para a nossa historiografia (ver COUTINHO, Afrânio, Introdução à literatura brasileira, Rio de Janeiro, Editora Dist. de Livros Escolares Ltda., 5ª edição, 1968, p. 334). Ela, pois, é a base para qualquer tentativa de conhecer autores e obras que contribuíram no passado para a formação do patrimônio cultural do Piauí.
Com todas as limitações que possamos nela apontar do ponto de vista de historiografia literária, como periodização, agrupamentos literários, abordagem histórica, ainda assim ela nos será sempre fonte de pesquisa obrigatória. João Pinheiro se coloca, portanto, como nosso primeiro historiador literário de expressão que preparou o terreno para outros que lhe sucedessem, como foi o caso de Herculano Moraes com A nova literatura piauiense (1975) e a sua Visão histórica da literatura piauiense (1976), e, agora, Francisco Miguel de Moura, com seu Posfácio.
João Pinheiro divide a sua obra em três partes: primeira fase, fase romântica e correntes modernistas. Cada fase é antecipada pela relação de poetas e prosadores que a constituem, recebendo cada um deles um breve comentário crítico. O historiador transcreve ainda trechos antológicos dos autores de maior projeção. Complementa a última parte uma pequena listagem de poetas que, embora precocemente falecidos, legaram uma obra promissora. O historiador encerra seu volume com uma listagem de meia página de autores piauienses vivos que despontavam então no campo da literatura. Podemos, agora, já com suficiente distanciamento crítico, palidamente conferir dessa listagem de vivos quantos alcançaram uma maior projeção. Deles apenas dois se destacariam nacionalmente, Berilo Neves, como ficcionista, e Da Costa e Silva (ainda ali assinalado pelo nome completo), como poeta.
O grande valor, a meu ver, alcançado pela obra de João Pinheiro é pedagógico-instrutivo, porquanto ficamos fascinados com o que representaram cultural, social e literariamente para a geração deles, figuras extremamente fascinantes como David Caldas, Clodoaldo Freitas, Hygino Cunha, Abdias Neves, entre outras, nomes que, infelizmente, pelas circunstâncias geográficas, não chegaram ao conhecimento dos grandes centros do país. Percorrer as páginas dessa obra é acreditar nos valores de um Estado reconhecidamente “pobre e atrasado” como me disse uma vez em carta A.Tito Filho.
Quanto ao Posfácio de Francisco Miguel de Moura, o que há de sublinhar de positivo foi haver ele atualizado aquela mencionada listagem de autores vivos com que João Pinheiro finalizou sua obra. De positivo também foi haver o posfaciador incluído o próprio João Pinheiro como figura de escol das letras piauienses, trazendo-lhe os respectivos dados biobibliográficos e revelando-nos uma nova faceta dele, a de ficcionista, como podemos ver no trecho de um conto de sua autoria transcrito pelo posfaciador.
Ademais, Francisco Miguel de Moura, servindo-se de conceitos em voga de periodização literária, retomou com muito critério a distribuição de autores e obras que vão do pré-modernismo aos contemporâneos mais velhos, ou seja, aqueles que, segundo o posfaciador, medeiam os sessenta anos e – para a nossa felicidade – ainda se encontravam vivos. Os outros, os mais novos ou novíssimos, parece concluir o posfaciador, ficarão para outros empreendimentos de atualização, nesse pertinaz labor intelectual que faz dos historiadores e críticos o móvel indispensável ao constante esforço de dar continuidade ao trabalho ingente de nossos predecessores.
Para concluir esta resenha, gostaria de fazer alguns reparos de natureza bio-bibliográfica com respeito a Cunha e Silva. Ele não nasceu em 1904, e sim em 1905, conforme ele mesmo em vida me declarou a propósito de um engano meu semelhante quando da preparação das orelhas que lhe fiz para o livro República dos mendigos (Rio, 1984). Cunha e Silva foi também diretor do Liceu Piauiense. Foi contista bissexto e poeta a partir dos sessenta anos, em geral, sonetista, dado que felizmente consta na apreciação crítica da obra de Herculano Moraes, Visão histórica da literatura piauiense, já citada. Além disso, foi orador de amplos recursos e polemista respeitado, dotado de enorme talento para o sarcasmo; pronto a demolir o adversário no terreno das idéias, sabia encontrar os pontos mais vulneráveis e o retrato mais caricatural do opositor na troca de farpas e catilinárias pulverizadoras de valores consagrados ou não. Haja vista a polêmica que sustentou com A. Tito Filho anos atrás. Na história do jornalismo político e doutrinário piauiense, a obra de meu pai ainda está a merecer estudos sérios ( o que não o fez, não sabemos por que motivos, Celso Pinheiro Filho, na sua História da imprensa piauiense (1972), onde o nome de meu pai é apenas citado de passagem), visto que, em revistas e sobretudo nos jornais do Piauí, poucos como ele souberam manter uma assombrosa produção – ininterrupta! – durante mais de meio século de jornalismo combativo. Intransigente com a correção lingüística, possuía, entretanto, um estilo claro; em linguagem de hoje, diria tinha uma escritura legível, fruto de uma longa prática de redação, aliás, aprendida em muitos anos de leitor voraz da grande literatura universal. Tinha ainda bossa para a apreciação literária, a se ver por alguns comentários que escreveu sobre livros que recebia de escritores. Foi professor de francês durante muitos anos no saudoso Ginásio “Des. Antônio Costa”. Quando muito jovem, pertenceu ao Cenáculo Piauiense de Letras, para cujo ingresso concorreu, segundo me afirmou, com um longo estudo sobre a poesia de Da Costa e Silva, trabalho que infelizmente deve ter-se perdido.
Um último reparo, finalmente, que faria ao Posfácio de Francisco Miguel de Moura diz respeito à inclusão que faz de nomes que rigorosamente não pertencem à história literária piauiense. O melhor seria ele ter-se apegado tão-somente a critérios estéticos. O posfaciador, todavia, pode argumentar que mais uma vez apenas quis acompanhar a orientação que presidiu o seu antecessor.
Rio de Janeiro, 1994.

(Publicado na Internet, site “usinadeletras.com.br”, em 10 de agosto de 2003).

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*Cunha e Silva Filho é professor de língua e literatura no Rio, tradutor e crítico literário, tendo publicado “Da Costa e Silva, uma leitura da saudade”, 1996.


SOBRE O POETA MIGUEL DE MOURA

Luiz Fernandes da Silva*


“Eu respeito, em primeiro lugar, o que dura mais do que o homem”.
Saint-Exupéry



Entre centenas de poetas brasileiros espalhados por esse imenso Brasil, existe um nome que se vem destacando com um brilho abalizado. Seu nome é o poeta, e também cronista dos bons, FRANCISCO MIGUEL DE MOURA – um nome que dispensa adjetivos – que reside no Estado do Piauí, precisamente em Teresina.
O poeta em pauta surpreende a crítica com o seu expressivo estilo e sua criatividade fantástica. Haverá de ser exaltado cada vez mais pela sua maneira de narrar os fatos e descrever as coisas com tanta naturalidade.
É de admirar a qualidade do seu trabalho, a maneira dele dizer aquilo que está dentro do seu ego, a magnífica sensibilidade que extravasa a cada página dos seus excelentes livros (“Viragens”, Edições Galo Branco, Rio, 2001 – o mais recente). Eles brotam e florescem dando vida e beleza a vários temas.
Noto em seus escritos uma expressão “sui generis”.
Fixador de fatos poéticos, FRANCISCO MIGUEL DE MOURA tem a sabedoria à flor da pele. Uma prova é o seu livro VIRAGENS, lançado no ano passado, que por sinal recebeu o beneplácito da crítica e do público com tanto sucesso que ainda hoje repercute em nossos meios.
Através das páginas de seu livro, ele nos encante e prende com sua linguagem – radiografia de um autêntico poeta.
O vate em questão se revela um dominador das palavras por sua iluminação poética, um ordenador sentimental, um senhor da poesia.
O Estado do Piauí está de parabéns por ter dado ao Brasil um homem simples mas possuidor de reais qualidades poéticas, entre outros do passado como Da Costa e Silva e Félix Pacheco, que nunca devemos esquecer.
Quem tiver a oportunidade de ler, mesmo de relance, os textos poéticos de FRANCISCO MIGUEL DE MOURA, sentir-se-á desperto por um interesse maior, pela inigualável beleza e grandiosidade do seu extraordinário talento.
A Paraíba parabeniza-o pelo grande valor poético que o belo Estado do Piauí possui.

(Publicado no “Diário do Povo”, de Teresina, 20/12/2002).
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*Luiz Fernandes da Silva é poeta, crítico literário e editor do jornal alternativo “Correio de Poesia”, de João Pessoa - PB.

































TERNURA: UMA VIAGEM INESQUECÍVEL

Herculano Moraes*



Depois de Castro Aguiar (“Adolescentes de Rua” / “Caminhos da Perdição”), pouquíssimas foram as incursões de nossos escritores no plano da literatura infanto-juvenil. Além de Assis Brasil e Esdras do Nascimento, o primeiro com as inquietações juvenis de “A Volta do Herói”, e o outro, com as traduções de clássicos do gênero, poucas referências podem ser obtidas na área. A professora Cecília Mendes, revelando essa preocupação, montou uma casa em que dá destaque à produção literária infantil, mas é no teatro que o projeto se fundamenta, notadamente na força comunicativa dos divertidos fantoches. Outros nomes podem ainda ser lembrados: Socorro e Zízima Magalhães, Johnson, Cineas Santos, Ary Lessa.
Francisco Miguel de Moura é um poeta nacionalmente conhecido por sua poesia futurista e pelo racional predomínio da memória em suas criações. Mas a partir da análise de “Rio Subterrâneo” (O. G. Rego de Carvalho), em que a linguagem e o fio psicológico da narrativa revelaram esta faceta singular do escritor, o nome de Chico Miguel tem sido obrigatoriamente vinculado à crítica, enriquecendo um gênero tão necessitado de bons produtores. Mas não é do crítico, nem do poeta, esta análise. É do escritor ecumênico, que agora inclina sua varinha de condão para o universo lúdico da literatura infantil, contido em “Ternura” (Editora Gráfica da FUFPI, 1993).
Esta é, sem dúvida, a mais emocionante viagem realizada por um escritor piauiense no universo do comportamento adolescente. Chico Miguel dá um mergulho na profundidade da trajetória do pensamento infantil, nas fantasias e sonhos, na estrutura dinâmica do indivíduo em construção. Quem conhece a poesia crua, realista, determinada de “Areias”, “Pedra em Sobressalto”, “Universo das Águas”, e a frieza pétrea de “Os Estigmas”, há de estranhar a “linguagem do aconchego” traduzida, não apenas na narrativa, mas nos diálogos dos personagens. Aqui o ensaísta do comportamento e o filósofo se revelam, um, a buscar caminhos que libertem o adolescente Pedro, o branco, de suas inquietantes aflições; e o outro (o filósofo), a projetar a consciência adulta de quem nunca deixou de ser criança. O raciocínio, portanto, funda-se na dualidade de quem, tentando narrar uma história, dela participa, como testemunha e parte de uma viagem inesquecível.
Vale destacar também a lucidez das impressões de orelha assinadas por Humberto Guimarães, que consegue captar, com raro senso crítico, a fundamental essência da narrativa, notadamente quando demonstra a singularidade da obra descaracterizada das fibras herméticas, dos artifícios e dos mistérios que constituem a ossatura tradicional do romance brasileiro. Os dois Pedros – o branco e o da Lata – traduzem universos infantis distintos, mas que se fundem na mesma busca, que é, como afirma Guimarães, a “fibra da vida adulta definida como destino de ser no mundo”.

(Publicado no jornal “O ESTADO”, Teresina, 19 de dezembro de 1993).

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*Herculano Moraes é poeta, cronista e romancista, crítico literário de peso, autor de “Visão Histórica da Literatura do Piauí”. Membro da Academia Piauiense de Letras.

























POEMAS OU/TONAIS – LIVRO



Chagas Val*



A poesia felizmente não envelhece. Dura um tempo infinitamente longo.
Leio “Poemas Ou/tonais”, de Francisco Miguel de Moura, e sinto-o nos seus melhores momentos de tenso lirismo: o fremir da vida, a inquietação de quem canta e sonha buscando sempre aperfeiçoar a linguagem onde todos os instrumentos, bem afinados, produzem a sinfonia maior, e a palavra, no caso em apreço, parece colocar-se na exata pauta da nota certa, porque se ouve então a ressonância de sons ecoando em um espaço limpo e claro.
O livro de Francisco Miguel de Moura, bem construído, apresenta ângulos e formas estruturados com muito equilíbrio, os versos têm ritmo e musicalidade – e a metáfora acende-se no próprio cerne do discurso.
Li-o em um só movimento como quem reaprende o sonho mil vezes e apreende o silêncio branco entre versos mais tensos. Aqui a vida afirma-se mais forte e plasma-se em linguagem – e o poético toca-nos fundo, e somos cúmplices de uma situação que tangencia o irremediável e o infinito.
Em “Poemas Ou/tonais”, as palavras dão o tom aos versos que se rearrumam no espaço do poema, os momentos iluminados, a poesia-síntese, o corte das palavras, ritmo sincopado, a rima interna, a assonância, inteiras linhas de vocábulos em permanente tensão – o livro se abre para um campo de plurissignificação, e o amor talvez seja o tônus, certa atmosfera de magia e ludismo, além de um denso movimento de palavras e imagens que se coordenam em crispado ritmo de um lirismo quase incontrolável.
É que estamos por aí com as idéias e as palavras, e a poesia é nossa alegria e tormento, e, à medida que envelhecemos, vamos, sem dúvida, ficando mais responsáveis no que diz respeito à linguagem com que construímos os versos, exatamente esses que amamos e temos certeza de que ficarão para serem repetidos por quem sabe ler no enorme e vazio território de um país sem memória.
Nós, poetas, sabemos que pouca coisa literária chega à universidade e à escola brasileira, mas nem por isto iremos desistir de um ofício que nos enriquece a vida e nos traz a emoção mais forte e permanente. Daí esse estado às vezes meio louco (em meu caso) em que a poesia e somente ela pode me salvar do mundo, e cantar se faz urgente para não morrer de tristeza e solidão diante das palavras.
Excelente poesia, a de Francisco Miguel de Moura. Por isto, meus parabéns.

(Publicado no jornal “O DIA”, Teresina, 26 de maio de 1993).

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*Francisco das Chagas Val é um dos melhores poetas da nova geração, nascido no Piauí e residente em São Luís – MA. Participou da antologia “A POESIA MARANHENSE DO SÉC. XX”, organizada por Assis Brasil.




























LAÇOS DE PODER

José Ribamar Garcia*




“Laços de Poder” é o caçula dos dez, escritos por esse consagrado poeta-ensaísta-romancista, FRANCISCO MIGUEL DE MOURA, editado pelo Projeto Petrônio Portela, do Governo do Estado do Piauí.
Romance forte, social, que expõe realisticamente as desigualdades sociais, criadas, fomentadas e mantidas por essa oligarquia perversa, mãe do capitalismo selvagem, que não permite, nem perdoa quem, porventura, a ela se opuser. E pelo dinheiro, pela violência, sufoca e esmaga o opositor.
Aristóbulo, o banqueiro inescrupuloso, mesquinho, utiliza na sua casa bancária a intriga, a delação, com o objeto de manter, sob sua tutela, submissos os empregados. É o método antigo de dividir para comandar sem obstáculo. Homem forte, cujo prestígio se estende até depois da morte.
Cirilo, tímido, angustiado, corajoso sem bravata, solitário – “e ainda há socialista que diz que a solidão não existe” – larga sua cidade, Teresina, com destino ao Rio de Janeiro, onde encontra a enfermeira de nome Miriam (a segunda Miriam de sua existência, pois a anterior era orgulhosa, aristocrática, “sua paixão”, que o desprezou) e com ela se afina, se identifica parcialmente. No Rio de Janeiro, descobriu o jornalismo. Ao retornar, a passeio, à cidade natal, realizou a reportagem que lhe deu fama, prêmio, notoriedade, mas também infortúnio. Foi sobre um fato real. Aqui, o autor mistura realidade com ficção.
Bartô, “Bar-tolo-meu”, colega de escola, de trabalho, de vida. Alegre, descontraído, impulsivo, foi o primeiro a sofrer a ira de Aristóbulo, tendo por isso que trocar Teresina por São Paulo. Mas, depois retornando, foi aniquilado.
Dona Celeste, tia de Miriam. Mulher pobre, asmática, acabou finalizada pela doença, não obstante os esforços da mística Tereza, tentando curá-la nos centros espíritas do Rio de Janeiro.
MIGUEL DE MOURA deixa os personagens soltos, livres, independentes, que, em diálogos indiretos, contam naturalmente suas histórias, repletas de dramas e mazelas. E com talento mantém o leitor atento, sempre na expectativa dos desfechos das tramas – são várias – que vão surgindo paulatinamente, quase à prestação, como a final em que a oligarquia, através de seus tentáculos, lança Cirilo e Miriam numa cela da velha Penitenciária de Teresina. Ali vão apodrecer, tal como aconteceu com Bartolomeu.
Livro sério, vibrante, comovente.


(Publicado no jornal “A VOZ DA ASDNER”, Ano I, nº 9, JULHO/1992, Rio-RJ).

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*José Ribamar Garcia é advogado, contista e cronista. Mora no Rio de Janeiro.





























AS DIVERSAS TONALIDADES DO EU

Murilo Moreira Veras*


Será a poesia apenas a concretização do mundo num verdadeiro culto à plenitude das coisas e dos objetos, de tal ordem sob tão forte tensão emocional que coloca o eu/sujeito em função permanente com o objeto, vulgarizando o ser como centro do universo? Bem, essa parece ter sido a filosofia que vincou os chamados “concretistas”, quando se fizeram súditos do reinado do real, em poesia. Ora, ela já serviu à virulência do realismo, ascendeu ao parnaso e transfigurou-se para além do real, freqüentando o mundo do supra-humano em idealidade ultra-sensível, grotesca e macabra em “O Corvo”, com seu criador Edgard Allan Poe.
Hoje, exatamente no novo tempo onde o que mais sucede ainda é o inesperado, a perplexidade das mudanças, numa época do reinado absoluto das comunicações, muitas vezes sobrepostas à razão, e, por isso mesmo, de ideologização do absurdo, a poesia perde, de certo modo, suas características realísticas e surrealísticas, e já superou o mundo do concreto, para alinhar-se também ao lado da mídia, não como o único fim escatológico supremo de preservação do ser/objeto, mas como meio válido de que se vale o eu-poético para manifestar as reflexões e irreflexões sobre o mundo/objeto e se afirmar como uma crítica poemática do próprio ser no e para o mundo.
Creio que é sobre esse principal eixo que gira e vem-se polarizando a poesia, ou a “nova poesia nova” do piauiense FRANCISCO MIGUEL DE MOURA. Se não em toda a sua obra – já considerável em seus seis livros publicados a partir de 1966, com “Areias” – pelo menos é o que se vislumbra neste “POEMAS OU/TONAIS”, edição de 1991, da Gráfica e Editora Júnior Ltda., Teresina – PI.
Composto de três partes, “POEMAS OU/TONAIS”, do autor de “LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO” e de “PEDRA EM SOBRESSALTO”, se propõe estabelecer o diálogo poemático do eu-manifesto com a (ir)realidade do mundo cotidiano. No primeiro momento desse tempo tríptico em que se divide o “corpus” lírico, prevalece a temática do amor/paixão, espécie de introdução, em que o poeta verbaliza seu canto numa fragmentação eminentemente subjetiva. No segundo, espécie de contraponto ou cântico do eu-rarefeito, erige-se uma estrutura, não de diálogo, mas de monólogo de eiva silogística onde as “premissas” e a própria conclusão se confundem dialeticamente em função do estilo proposicional e metafórico, de seu (con) texto disjuntivo – Ou. Em terceiro estágio sincrônico, os “TONAIS” dão os tons, expõem as tonalidades, e a tessitura poemática converte-se num...

“caminho para dentro até o fundo
como quem caminha ao sol-posto”,

labirinto de idéias, vazões e sentimentos que fazem do eu poético um espelho por onde reflete seu mundo de sofrência interior e os resultados de sua vivência, sob a égide do refulgir lírico e o crivo literário da escritura alegórica. Reside aí o cerne do cântico trifásico da construção original de FMM, com seu depoimento crítico, como o resultado de sua (ir)reflexão.
Acresça-se a tudo isso, o tratamento propedêutico estritamente literário que FMM dá ao corpo verbal dos poemas, onde sobressaem a imagem, o tropo, a virtuosidade do signo e o depuramento lingüístico.
No resto, é a policromia de que se traveste a poética do autor de “Universo das Águas” e “Quinteto em mi (m)”, neste seu último exemplário lírico. E diz o poeta logo no início:

“trovão
trama de luz
caminho aberto
à chuva breve
de lembrança (a)mar...”
Pois o poeta vai urdir, doravante, a trama do amor/paixão e pede:
“mister amor,
um momento, please!
em meu favor
vazio...
plenitude é um pouquinho de nada
o dia fugindo dentro da noite
e as paredes brancas de cio.”
E o segredo de sua paixão eólica se revela em:
“amar sem dizer-te
ouvir sem falar-te
andar sem encontrar-te
sumir...”
Já em silogística disjuntiva, o poeta filosofa:
“eu sou o diferente
tu és a indiferença
não nos encontraremos a fio...”
Sim, porque
“um infinito flui”
descartável
entre a água e o navio.”
Por final, na consumação do tempo poético (e mágico?) que estruturou nos seus “TONAIS”, FMM reverbera:
de repente
se arma um parêntese
entre o que quero e mereço

e o dia me despede
de todos os desejos
de repente
sou
o afogado que morre de sede.”
E a conclusão maior a que se chega desse diálogo/oblação/reflexão, é o poemeto que enfeixa a “trama de luz que nos urdiu o autor de “SONETOS DA PAIXÃO”:
“minha busca em palavra
lavra meu ser
- agrava.
meu fazer em poema
escreve meu ser
- problema.
minha vida em poesia
vence meu ser
- adia.
mordo a metáfora de cada dia.”

(Ensaio publicado na revista “LAVRA”, nº 7, em 1992 – Brasília-DF)

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*Murilo Moreira Veras é poeta e crítico de literatura, mora em Brasília.







POESIA MAIOR

Cunha e Silva Filho*

A criação literária, a produção ficcional e poética são fenômenos culturais nascidos na solidão, para os quais não há fronteiras. As restrições são apenas de natureza biológica, pois os autores envelhecem e morrem. A criação é, pois, um ato absolutamente solitário. A solidão artística nutre-se do intemporal, sua liberdade é maior, sua dimensão transcendental, infinita.
Foi pensando assim que me decidi a comentar esse livro de Francisco Miguel de Moura sob o título Poemas Ou/tonais (Gráfica e Editora Júnior Ltda., Teresina, 1991), uma coletânea de poemas selecionados pelo autor, com a colaboração de seus amigos, também poetas, Hardi Filho, Elmar Carvalho e Rubervam du Nascimento. A obra reuniu poemas do autor escolhidos a partir de 400 poemas escritos nos anos 80. Todos os poemas vêm sem título, excetuados os 9 traduzidos, respectivamente, para o espanhol (1 poema), o francês (4 poemas), o italiano (2 poemas) e o inglês (2 poemas).
Esta análise que aqui empreendo não tem a pretensão de aprofundar a compreensão global da obra poética de Miguel de Moura, mas não poderia deixar de me reportar a um erro de perspectiva crítica que vê a poesia desse poeta como a de um poeta de fácil comunicação. É provável que em livros anteriores sua poesia possa ter sido marcada pela simplicidade, o que redundaria numa fase datada de sua evolução poética. É inegável, porém, que a poesia de Miguel de Moura se inclina para o leitor culto naquele relacionamento tácito entre a mensagem codificada e a recepção atualizadora. Sua poesia tem a cumplicidade intelectual do leitor; este com o poeta é que irão empreender a viagem lírica ou antilírica de sua poesia. Sua leitura poética não se realiza de modo completo sem a participação do leitor, que permanece sempre em tensão dialética com o poema, num saudável e construtivo exercício intelectual.
Há um dado geral e indiscutível que permeia os Poemas Ou/tonais: uma poesia que não reflete apenas a vocação para a atividade poética, mas sobretudo o resultado de um poeta que se constrói com o suor de seu ofício, numa obsessão de virtuosismo da linguagem-objeto.
Miguel de Moura escreve uma poesia que exorciza quaisquer veleidades beletristas ou ranços anacrônicos diferenciadores do poeta menor. Sua poesia revela essa geração de cultores do verso superior que se formou à sombra dos estudos superiores, sem mais aquela espécie de amadorismo intelectual de que nos falava Tristão de Athayde quando comparava a geração dele com a dos novos críticos saídos de importantes centros culturais da Europa e da América. Sua poesia, pois, não se faz de desabafos e de dores de cotovelo, tão justamente malsinados por Drummond. Antes, sua poesia é conseqüência da refinada elaboração consciente de sua arte, conhecedora dos segredos do nosso idioma e de suas virtualidades.
Toda a sua expressão poética se estrutura graças a meticuloso cuidado com a linguagem, elevada sempre à categoria de arte. Poesia que se confunde com a constante exploração em todos os níveis da língua, fonológico, morfológico, semântico e sintático e resultante, portanto, de um incansável trabalho artesanal. Miguel de Moura, a meu ver, é um perfeccionista, está mais na linha do formalismo, sua poesia, quer queira, quer não, é aristocrática, chega mesmo a ser cerebral em alguns poemas. É poeta egresso da universidade, com formação teórica fundamental a quem queira produzir, sendo ele próprio um ensaísta. Não pertence à geração dos improvisadores, tão comuns em nosso país. Não é, por conseguinte, um poeta amadorístico, tem voz própria e nada trai de provincial.
A re-leitura de seus Poemas Ou/tonais me remete a um traço pessoal de sua dicção: a poesia em estado de mistério. Esse aspecto de sua poesia a torna assim uma pessoa fechada às decifrações fáceis, dado seu alto grau de imprevisibilidade de expressão, caracterizador da poesia superior. Sua leitura exige por parte do leitor ou analista um esforço redobrado. Seu universo poético se constrói de ousadas imagens e está pejado de subjetividades.
Miguel de Moura é dono de uma poesia contida, sua lira é a antilira naquele sentido da poesia drummondiana, que parece tê-lo influenciado em parte. Há certos desfechos em seus poemas de tom visivelmente drummondiano:
alguém me falou em pecado
e eu respondi com meus incestos
(pg. 106)
o tempo se renova
por que nós também não?
(pg. 59)
ou foi meu anjo que baixou?
(pg. 141)
não é impossível voltar o relógio
impossível sou eu.
(pg. 155)
Esse mesmo tom drummondiano se vislumbra igualmente em todo aquele poema da página 131:
chega o tempo de dizer-se
o que não se ouviu.

mas as palavras são mistérios
nem mais soam
como os sinos
nos nossos ouvidos
sonolentos

chega um tempo de dizer-se o impossível
e o impossível já foi dito

chega um tempo de calar
e a gente inventa uma maneira triste
de dizer numa língua estranha
um silêncio amordaçado.
Mas, esse lado de influência não diminui, se é que há influência ou coincidência, o poeta piauiense. Ao contrário, as intertextualidades, visíveis em todos os poetas, são fenômenos comuns à criação poética, assim como as intratextualidades acompanham qualquer criador. Miguel de Moura, como Drummond, faz uma poesia em que os sentimentos e emoções são diluídos. Sua receita é a contenção, sua definição é a indefinição, sua certeza é a incerteza. É uma poesia que não se confessa, por isso é oblíqua, por isso se formaliza, cria imagens por detrás das quais se ocultam o choro e a alegria, a dor e a paixão, o céu e o inferno:
mas as palavras são mistérios
(pg. 131)
Uma outra vertente de seus poemas é a constante preocupação com o fazer poético. Daí tantos poemas com predominância metalingüística. Aqui também ele se aproxima de Drummond:
As palavras não fogem
levemente como os loucos
em seus passos com ritmo
ficam nos interstícios
do corpo
onde sabem a suor
e se guardam
para novos sacrifícios.
(pg. 73)

Miguel de Moura jamais será aquela voz poética derramada e sentimentalista. Sua poesia é o inverso de tudo isso. Sua cosmovisão universalista está mais para a dúvida, o pessimismo e a desesperança, ainda aqui a visão drummondiana, diante da vida, naquela percepção agnóstica, no eterno resvalar entre a certeza e a dúvida, entre a esperança e o desespero. É nesta perspectiva que a poesia de Miguel de Moura se insere na modernidade benjaminiana. Seu universo poético trai o descaminho e as frustrações do homem moderno, impossibilitando-o à felicidade definitiva e completa. Poesia construída da negação, da incerteza e do mistério da vida. Daí sua feição às vezes satírica ou parodística, tendo como resposta o riso, o humor, o trocadilho, o nonsense, a ilogicidade, um levar a vida, um sentir a vida, um comportar-se nela com uma consciência distanciada, com uma espécie de hiper-sensibilidade e lucidez, o que torna sua poesia enganosamente antilírica, às vezes pelo excesso de intelectualismo.
Esta postura poética caracteriza bem aqueles espíritos que fazem da timidez uma resposta poética feita de deliberada contenção e economia de emoções e palavras. Talvez seja essa a forma de Miguel de Moura pôr-se em sintonia com a modernidade onde o calor das emoções e as efusões de amizade não encontram mais aquela antiga e saudosa forma de meditar sobre o cosmo e de cantar os sentimentos do homem, as coisas e os enigmas do Universo.


(Publicado no jornal «O Dia», Teresina, 12.10.1991 e na revista “Lavra-Idéias e Letras”, nº 8, Brasília, 1993.)

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*Cunha e Silva Filho é crítico literário, tradutor e professor de Língua e Literatura, no Rio, publicou Da Costa e Silva – Uma Leitura da Saudade, Teresina, 1996.










RESENHA LITERÁRIA: LAÇOS DE PODER



José Afrânio Moreira Duarte*




Poeta, contista, romancista e ensaísta, Francisco Miguel de Moura tem projetado seu nome, de Teresina, onde reside, através do Brasil. Agora volta ele às livrarias com o romance intitulado “Laços de Poder”, detentor do prêmio “Fontes Ibiapina”, da Fundação Cultural do Piauí.
Possuidor de notáveis dons de ficcionista, quer no conto, quer no romance, Francisco Miguel de Moura se sente à vontade, muito seguro e firme sobre o chão em que pisa. O romance “Laços de Poder” está dividido em três partes, a primeira intitulada “Eu, Cirilo”, a segunda, “Ela, Miriam” e a terceira “Nós”. Sendo livro de um autor piauiense, a maior parte da história se desenrola em Teresina e há uma boa parte no Rio de Janeiro, mas tendo sempre Teresina como pano de fundo. Contudo, poderia passar em qualquer outra Capital brasileira, pois se a ambientação exterior é regional, a trama foi urdida em cima dos meandros do poder, da sede de mando, da luta desigual entre poderosos e oprimidos, contando coisas que, embora, no caso, imaginárias, podem acontecer e acontecem em qualquer parte. Cirilo, Miriam e Bartolomeu são as três personagens principais mas as outras aparecem sempre bem delineadas, ainda que ocupem um papel secundário.
Demonstrando um bom domínio da técnica de narração, Francisco Miguel de Moura envolve e prende o tempo todo o leitor, dizendo coisas inventadas mas verossímeis, tudo isto numa linguagem apurada e com elementos convincentes, marcas características do bom narrador. A parte inicial é contada na primeira pessoa e de tal forma que se afigura como uma autobiografia, embora se trate na realidade de produto da fértil imaginação do autor.
Francisco Miguel de Moura é um autêntico romancista que tem realmente o que dizer e possui notáveis recursos para fazê-lo da melhor forma, com precisão e clareza.
O Piauí já prestou um grande serviço à ficção brasileira com os livros de Assis Brasil e O.G. Rego de Carvalho, ambos escritores de alto nível e justa expressão nacional. A eles se incorpora Francisco Miguel de Moura que, com o ótimo romance “Laços de Poder”, vem confirmar, de maneira inequívoca, o talento que suas obras anteriores, em prosa e verso, já haviam sobejamente demonstrado.


(Publicado no jornal “Minas Gerais”, de Belo Horizonte em 14 de setembro de 1991).


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*José Afrânio Moreira Duarte é poeta, crítico literário, mas sobretudo contista dos melhores de Minas Gerais.




























LANÇAMENTO
(O Resgate da Suavidade do Outono)

Antônio Mariano de Lima*

Saiu recentemente pela Gráfica e Editora Júnior Ltda., de Teresina, o livro “Poemas Ou/tonais”, mais uma incursão de Francisco Miguel de Moura na poesia, poeta piauiense relativamente conhecido do público leitor brasileiro. Ele é o criador e editor do principal órgão de divulgação da cultura local, a revista “Cirandinha”, publicando textos produzidos não somente no Estado natal mas em todo o Brasil, e que correu o mundo.
Estreando em 1966, com o livro de poemas “Areias”, Miguel de Moura tem seis livros de poesia, dois de ensaios e cinco de ficção (romances, contos),
perfazendo um total de treze obras produzidas, sendo uma coletânea de contos e um romance, inéditos. O poeta, 58 anos de idade, logrou o que poucos conseguem obter: foi premiado em todas as categorias que exercitou. Sobre a sua escritura se pronunciaram Carlos Drummond de Andrade, Renato Castelo Branco, Leila Mícollis, Assis Brasil, o português Montezuma de Carvalho, entre outros. Seus poemas já conseguiram ser vertidos para o espanhol, francês, italiano e inglês. Conquistas nada espantosas para quem conseguir fazer bodas de prata no ofício da literatura.
Pelas 159 páginas de “Poemas Ou/tonais” não é difícil identificar as qualidades que os conhecedores da poesia de Miguel de Moura soem apreciar. Momentos de beleza fluem mansos como um olho d’água. Por exemplo, a docilidade desta confissão erótica da página 27:
“nem essa flor de cabelo
te resume
nem esse riso rio branco
prenuncia-me
nasce um dedo de alma
da nuvem anunciada
do teu rocio
no meu rosto

no meu cio

no meu trauma.”

Ou ainda este de mesmo tema na página 28:

“branca blusa, seios menos
como frutas abafadas
ao céu pedindo carícias
mão
e
dente

por que corrias na praça?
de malícia ou de contente?

- ora, só Deus me sabia
da tempestade presente.”

As duas transcrições pertencem à primeira parte do livro, intitulada “poemas”, cuja temática gira em torno do amor. A segunda parte denomina-se sugestivamente “ou”, e os versos, geralmente curtos, exprimem conceitos sobre as coisas existentes, sem deixar de ser atingido pela dúvida em torno de sua “aparente” incontestável definição. Mesmo nestas circunstâncias, as palavras não escapam à alegria da sensualidade:

“a virgem dos afogados
alteou-se na bruma
e o mar agitado
cobriu-a de espasmos
e de beijos de espumas.” (p.77)

Por fim, a terceira parte: “tonais”, onde a temática permite uma variabilidade de tons, assuntos diversos, algum ceticismo em torno do metafísico, o político, a metalinguagem, para citar as principais correntes de sua reflexão poética. Ilustra-o bem, este poema sobre a condição existencial e o valor do poeta na sociedade:

“eu sei, o poeta é inútil
na bolsa
nos oligopólios

os bancos não descontam
nossos papéis
(falamos de sonhos e premonições
do homem perdido e seu amor)

os bancos descontam a terra
e seus dotes

eu sei da minha inutilidade
mas é preciso que o inútil sobre
v i v a

assim termos o inútil
e a dura beleza das horas.” (pág. 124).

Há, aqui, aquela sóbria alusão à arte como totalidade: inútil enquanto valor prático, objetual, concreto, tátil, mas de necessidade primordial à humanização do homem, à educação e dignificação de seus sentimentos, bastantes por si sós para transformar a sociedade e otimizar, assim, a condição humana na terra.
Lendo “Poemas Ou/tonais”, várias evidências saltam à opinião: uma poesia de amenidades, suave como o próprio outono. Música ambiente girando na vitrolinha de pilha. As palavras lucidamente selecionadas casam e vão partindo uma sonoridade de sinfonia branda. O lúdico onipresente é pré-texto para um fim maior: o amor, o social, a experimentação de novas formas de dizer o que já foi dito: eis a arte, eis a poesia, eis Francisco Miguel de Moura.

(Publicado no jornal “O MOMENTO”. Caderno 2, pg.3, de João Pessoa-PB, 4 de setembro de 1991.)


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* Antônio Mariano de Lima é um dos melhores poetas da nova geração, autor de “O Gozo Insólito”, João Scortecci Editora, São Paulo, 1991.








POEMAS OU/TONAIS

José Eduardo Pereira*


Ainda bem que Francisco Miguel de Moura deu ao seu novo livro o título de “Poemas Ou/tonais” (Gráfica Júnior, 1991). Pode-se escolher a opção “poemas outonais” como a outra opção “poemas ou tonais”.
Escolho a segunda. Como disse ao poeta, recentemente, ainda remanesce em seu estro, já se aproximando dos sessenta anos, o vigor de uma poesia jovial, mais para primavera que para outono. Apesar dos poemas dedicados a Joyce, Filipe e Tainá, seus primeiros netos, que comumente dão a idéia de “meio para o fim”.
Francisco Miguel de Moura é um poeta maduro, sazonado com os estimuladores de uma alma muito sensível e de uma criatura muito vivida nas lutas da sobrevivência, que são marcantes e não raro cruentas.
Como lírico, é de uma sonoridade comovente. Veja-se o galante que emerge de suas construções passionais:

“não haja entre nós
roupa revelando
camisa de força
lua
vênus
enigma...
somente o corpo
e seus deslizamentos
(as almas sobrevoam
distantes
para manter o silêncio
sem perturbação)

juntos e unidos
não para sempre
para agora.” (p. 17)

Mas ele tem, também, muita revolta interior de um mundo que me parece não ser o que ele desejou, um dia, que fosse.
Eis alguns desabafos:
“solidão... tudo me falta
até a tristeza

e o que resiste me maltrata.” (p. 76)

xxx

“a emoção corta minha alma
lado a lado, a toda pressa
e o que dura é o duro ponto
onde tudo acaba (ou começa).” (p. 78)

xxx

“quem colhe sabe dos seus
gostos e desgostos
mas nada sabe dos rostos
perdidos na multidão
gravados na dor sem poema
sangrados no travo do não.” (p. 74)


Este novo livro de Francisco Miguel de Moura é enriquecido com ilustrações que são reproduções de desenhos abstracionistas do pintor José Lopes d’Almeida, português falecido em julho de 1989, em Lisboa, e com o qual ele manteve estreita amizade ao tempo em que residia, trabalhava e estudava em Salvador, Bahia.
Ele traz, também, diversos poemas seus traduzidos para outros idiomas (inglês, francês, espanhol, italiano) e que estão presentes em publicações de além-mar.
Mais interessado na linha de romances em que estreou em 1984, com “Os Estigmas”, e ressurgiu, em princípio deste ano, com “Laços de Poder”, falou-me o poeta que talvez seja este o seu último livro de poesias. Fascina-lhe a idéia de se tornar, de fato, um romancista.
Mesmo assim, este seu livro está longe de exprimir um fim de carreira poética. Poetas não abdicam da poesia. Ela faz parte de sua própria individualidade. Mormente em sendo, como ele é, poeta nato, fértil, robusto.
Saboreio, como quem colhe rosas, com solenidade, os frutos que amadureceram das sementes que os seus poemas espargiram no ar. E repito com ele:

“o poema é como o fruto que se apanha no mato sem olhar a árvore, mastiga-se-lhe a polpa e joga fora o caroço.
eu queria o meu poema quase só semente, caindo longe das aves mas, quando chegassem as chuvas, ele abrisse para novos desejos e nova floração.
o que vale no poema é o poder de matar a sede ao viandante, não importa que o sabor lhe seja desagradável ou não.
e, ao poeta, o importante é ser caroço.”

E isto ele é.


(Publicado no jornal “DIÁRIO DO POVO”, Teresina, 28/29 de julho de 1991.)


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*José Eduardo Pereira é advogado, jornalista e membro da Academia Piauiense de Letras.






















LAÇOS DE PODER

João Felício dos Santos*


Há, na ficção diferente de Francisco Miguel de Moura – Laços de Poder, romance premiado pela Fundação Cultural do Piauí – uma forma plástica quase que pictórica, concedida pelo autor a seus personagens, sem dúvida a parte mais cuidada e importante do livro, fato inteiramente dentro do conceito do moderno Erich Auerbach em seu crivo de uma crítica filigranada e multissignificante, aplicado indiferentemente, tanto à vida real como de ficção.
De início, justo pelo trato de sua gente-personagem, coisa que Francisco Miguel de Moura faz como poucos autores consagrados pelo público, podemos classificar autor e obra, no caso este estranho Laços de Poder, como quase um ensaio de funda psicologia. Ambos evidentemente aristotélicos – de vez que o filósofo e crítico grego, para expressar a “impressão” de uma figura usava a palavra “typos” como o cerne de qualquer enredo – dizia: “o movimento impresso em uma coisa percebida e, sobretudo, a personagem (typos) fictícia ou real, não importa origens”.
Singular este romance que, na complexidade do estilo do autor, certamente um escritor profissional, emaranha propositadamente personagens que pouco falam em seus diálogos, ainda mais raros no decorrer da ação, não obstante ser esta ação riquíssima em cenas as mais variáveis, provindas da vivência do seu criador.
De notar como os personagens transitam dentro da trama, ou das tramas, sempre focalizados com maestria. Tais manobras, todas muito bem cuidadas, focalizam, em nuances de comportamento puro, complexos e medos aprofundados com muito propósito justamente por aquela vivência. O tímido Cirilo; o sofrido Bartô, com suas terríveis castrações e a multi-Miriam, para só nos ocuparmos do triângulo principal, ainda que totalmente independentes em seus dolorosos movimentos – “impressão” de Aristóteles – bem poderiam ser facetas de uma mesma pessoa real – como o autor – tal a sincronização dos “typos”, em impressões complementares.
Claro que Francisco Miguel de Moura, passando um pouco (necessário) por cima de sua história, ainda que sem se descuidar do entrosamento, coisa que, via de regra, apavora o seu tanto os amadores das letras e principiantes, só cuida em analisar sentimentos mais singulares, como o amor e a revolta, dando-nos um belo estudo íntimo das figuras humanas. Com isso, o autor consegue, sem prejuízo da trama em si, fazer um importante livro, repleto da melhor psicologia.
Outra coisa a notar, dentro do estilo naturalista da obra, é a intriga social, quando o autor se estende, sobretudo nas entrelinhas, na asfixia das profissões rotineiras e seus opostos, num gemido fundo contra as injustiças e desigualdades cuja culpa direta não cabe a ninguém, senão geradas em forma direta por uma sociedade egoísta, onde os laços de poder (dinheiro, prestígio, força) se entrechocam, quer num banco, num hospital, numa pequena cidade, quer na alfa e ômega que é o perdido Timon.
Roubando o papel principal da obra, falando em linguagem teatral, temos uma Miriam espalhada por mil prismas, cuja criação levaria o autor a uma obra-prima, caso pretendesse ele imprimir outro rumo a seu romance.
Sem esconder o simbolismo paradoxalmente encerrado em seu estilo materialista-naturo-realista, destaque-se, por fim, a epanadiplose “nunca se sabe o princípio de nada” com que Francisco Miguel de Moura abre e encerra sua bela história. Ao terminar a leitura de Laços de Poder, vontade é acrescentar em homenagem ao livro: “Nunca se sabe mesmo, Francisco, ninguém saberá nunca onde começam as coisas; nem o meio, nem onde terminam. Suas personagens teriam sabido?”

Rio, 3 de dezembro de 88

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* Escritor fluminense nascido a 14 de março de 1911 e falecido no dia 13 de junho de 1989, autor de importante obra romanesca, a maioria transposta para o cinema: Ganga Zumba, Cristo de Lama, Xica da Silva, João Abade e tantos outros.













TRIBUNA LITERÁRIA: “EU E MEU AMIGO...”

José Ribamar Garcia*



Acabo de ler “Eu e meu Amigo Charles Brown”, de Francisco Miguel de Moura, editado pelo Projeto Petrônio Portela, com ilustrações de Franklin Moura.
Livro de contos (21 ao todo), escrito numa clareza e objetividade incomum. O autor – poeta consagrado – mostra também ser um grande ficcionista, possuidor perfeito da técnica de narrar. As estórias, algumas alegres, outras comoventes, convergem para o desfecho, às vezes, inesperado, porém como tema o problema social brasileiro. Os personagens andam livres e contam suas aventuras, desventuras e mazelas desembaraçadamente, conscientes da miséria em que vivem, entretanto resignados. Resignação essa impingida pela religiosidade, ou pelo fantasma do medo.
No conto que deu título ao livro – “Eu e meu Amigo Charles Brown” – Miguel de Moura, numa ironia e irreverência além-machadiana, denuncia o colonialismo cultural importado. Essa mania quase obsessiva que a elite dominante – e até pensante – tem de copiar e imitar o que é de fora, principalmente dos americanos do norte. Imitação que chega à submissão, à subserviência, a ponto de certo político cretinamente haver afirmado que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil. Essa denúncia é feita pela voz do personagem Mr.Silva:

“Sabe, Mr. Brown, é por respeito ao seu pensamento. Sabe, nós não somos racistas, muito ao contrário. Mas respeitamos os sentimentos dos nossos irmãos americanos. Não custa nada. E é também uma questão de hospitalidade, não é? Deixo-lhe todas as mulatas...”

Narrar um fato, contar uma estória é simples. Porém transformar esse fato, essa estória, em arte é outra coisa. Exige sensibilidade, criatividade, talento. E isso tudo não falta em Miguel de Moura. É o que nos revelam os contos: “Um caso nada singular”, “Joana Grilo”, “Não existe volta”, “Anotações de um passeio pelo cais do Parnaíba”, “Dona Eulália ou o comedor de tapurus”. Nesse último, então, o autor traça o perfil da professora “bonita mas um pouco burrinha” e o do mendigo inteligente, sensível, “homem do lixo”, comedor de tapurus, que, como outros personagens seus, mesmo na miséria, não perdeu a dignidade humana.

(Publicado no jornal “TRIBUNA LIVRE”, São João de Meriti, RJ, 19/ 25 de outubro de 1987.).

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*José Ribamar Garcia é advogado, cronista e contista. Mora no Rio.






























CHICO MIGUEL E CHARLES BROWN


João Felício dos Santos*


Desde que, faz mais de vinte anos, tive a honra de hospedar em minha casa carioca, ainda que por poucos dias, o escritor Fontes Ibiapina, um dos homens de letras mais extraordinários que conheci, cujas diretrizes não se plantavam em qualquer escola nacional ou estrangeira mas, pelo contrário, tinha suas origens e raízes exclusivamente no seu talento e no seu nativo “chão de meu Deus”, livro que prefaciei com entusiasmo; desde o nosso inolvidável Nonon, comecei a conhecer e admirar a literatura de seu grande Estado, o Piauí, através de seus bons escritores. Mas, muito importante também é se registrar que existe na deliciosa terra do buriti uma “senhora” Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo cujos esforços, junto com a Fundação Cultural do Piauí, entre muitas outras iniciativas inteligentes, trazem o já veterano Projeto Petrônio Portella trabalhando em prol da literatura estadual. Nós que escrevemos profissionalmente embandeiramos em arco nossa fome cultural, ao constatarmos que o Estado do Piauí toma uma bela dianteira nas letras do País e dá um forte exemplo à maioria das demais unidades da Federação. Como prova real de minha afirmativa, acaba de me chegar às mãos um extraordinário livro de contos editado pelo referido Projeto: “Eu e meu amigo Charles Brown”, de Francisco Miguel de Moura. Trata-se de uma coletânea de pequenas narrativas de feitura altamente profissional tanto em seu estilo fácil e breve como em seus temas de seriedade ou de humor e da demonstração do fundo conhecimento humano do autor. São contos sobretudo saborosos em seu constante tom coloquial, como que “contos conversados” em lugar de “contos apenas escritos”. Cada qual com seu conteúdo abrangedor, não há como se destacar esta ou aquela página. Eis que a homogeneidade, como preço de avaliação na obra de um escritor, ainda que seja ele um bom poeta ou um contista que ora desponta com força total como é o caso de Chico Miguel, é um dos pontos mais positivos como identidade do seu criador. Assim, Chico Miguel tanto nos emociona com seus versos, “mas nem tudo se perdeu / morreu meu boi – não morreu / o valor da gente mansa”, como nos encanta com sua prosa, quando um recrutinha desamparado desertou, olhando e chorando para um morto anônimo, que acabava de sofrer uma violência póstuma da Polícia: “Não havia perplexidade nem espanto, havia uma espécie de olhar doído, apaixonado, uma dor que se expressava soturna, triste, na noite que se perdia.” E assim é todo esse novo livro do autor de “Areias” e de “Pedra em Sobressalto”. De Chico Miguel, diz Magalhães da Costa, outro excelente escritor piauiense: “dando-nos mostra de possuir grande capacidade criativa, poder de trama, talento e domínio completo do idioma, além de demonstrar enorme conhecimento social, psicológico, moral, fabulista e lendário, funcional e político, sentido do horror e de fantasia, do poético, vivência pessoal, popular e da elite de que se serve para, não só armar e construir suas narrativas, mas criar pequenos e verdadeiros mundos...” E Magalhães da Costa vai por aí, animoso, mas sem nenhum exagero. Francisco Miguel de Moura é um nome e é um escritor digno de seu Governo extremamente cultural.

Rio de Janeiro, em 4 de setembro de 1987.


(Publicado no jornal “O Estado”, Teresina, em 15 de novembro de 1990)
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* João Felício dos Santos é escritor brasileiro, autor de 13 romances entre os quais o “Xica da Silva” e o “Ganga Zumba”, sucessos em filme.





















EU E MEU AMIGO CHARLES BROWN

Roberto Carvalho*



A Literatura, no contexto universal, abraça estruturas flutuantes que às vezes fogem à vã imaginação, num despojo estilístico transparente, votado ao objeto no seu essencial. O leitor, pelo autor, entremeado ao conteúdo fabulístico ou poético, vive o fantástico, recriando sua própria fantasia. As formas fixas que a nossa crítica defende descaracterizam o objeto, por seu envelhecimento natural. Renomados autores temem essa parcela de míopes que se diz especializada, ficando presos às formas exíguas, não condizentes com o ciclo evolutivo do pensamento intelectual.
A relatividade não estanca nas “formas que envelhecem” com o estilo temporal. Ao contrário, flutua na imaginação do leitor, que no seu espectro imagina um mundo todo particular. São imagens relativas à concepção de cada um. Imagens em movimento entre as necessidades concretas e o mundo que as cercam. Aí teria o autor encontrado “a forma” na qual se acharia realizado? Talvez. Alguns chegam a acreditar nessa hipótese pouco provável. Contudo, é preferível que se procure, livremente, viver e descrever substantivamente as experiências intensas e vivenciais, nunca absolutas. Nesse ponto começa a surgir a arte literária, que pode estratificar-se, ou enveredar no futuro.
“Eu e meu amigo Charles Brown”, livro de Francisco Miguel de Moura, tem esse sabor bem universal. Mergulhado no âmago da poesia, a coletânea de contos arremessa-nos ao essencial indispensável, desprezando o psicológico personal, num universo ousado e envolvente. São experiências vividas onde o autor, em períodos curtos, narra melodiosamente os crivos vivenciais dum tempo que não faz limites ao pensamento, nem à expectativa de se prosseguir à busca imaginária.
“O Eu” que pode ser você, não insulta com paradoxo entre o autor e o leitor. Estimula este último a penetrar no seu “eu” que pode ser próprio de outros “eus”... tempo afora. E vai mais longe, o autor de “Eu e meu amigo Charles Brown”, ao enfocar os valores sociais, o jugo por que passa o país diante das potências ocidentais. Ironizando no conto título, o amigo de Charles Brown mostra que, apesar do infortúnio, existem coisas boas: cachaça, carnaval, mulheres e um povo hospitaleiro e feliz.
Solto, ao modo provençal, Chico Miguel de Moura nos dá um produto original, molhado à realidade/ficção, sem, contudo, subordinar-se ao círculo restrito das personagens. Essa espontaneidade transcende o leitor, na idéia – analítica – que em parte logo se explica: “...sentir não é ter a coisa nem ser a coisa: é estar livre dela. E perto. Será.” Aí nascem novos horizontes, sem ambigüidades ou subjetivismo.
Mostrando enredo poético, “Juntando os cacos do espelho” reforça o repúdio do escritor às formas estáticas e repugnantes. “...José, José Ferreira, J. Silva, J. F. Sousa ou José Ferreira de Sousa. E nossa história ficará sem personagem e sem autor, porque do outro lado do mundo não há personagem, não há história, não há José.”
O livro compõe-se de vinte e um contos, alcançando leitores de todos os níveis, no enriquecimento da cultura brasileira e piauiense.
O toque cronístico que caracteriza alguns contos fomenta o estilo livre, descompromissado e alçado ao futuro de um povo que começa a despregar-se do retórico tradicional, em busca de novos valores no dia-a-dia.

Teresina, 18 de abril de 1987.

(Publicado no Suplemento Literário do “Diário Oficial do Piauí”, em 30-9-1987, pág. 7).


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* Roberto Carvalho é poeta, cronista e crítico literário, membro da UBE-PI

















PIAUÍ, TERRA DE BOA LITERATURA

Homero Silveira*


Se existe no Brasil uma terra literariamente feliz ela se chama PIAUÍ.
A prova?
Piauí tem um filho, hoje famoso em todo o país pelos seus dotes de escritor: – O. G. Rego de Carvalho – romancista excelente cujas edições se esgotam e merecem o apreço da crítica. Outro escritor muito interessante é Magalhães da Costa, incorrigível humorista, narrador singelo e sagaz. Juiz de Direito, ninguém o saberia através de seus contos finamente sarcásticos.
Não pára nesses nomes a fama literária do Piauí porque se completa em Francisco Miguel de Moura, ensaísta, romancista e poeta.
De Francisco Miguel de Moura estamos recebendo seu último livro em data: QUINTETO EM MI(m) de poesia. O título denuncia desde logo o Autor. Poder-se-ia pensar em Quinteto em Mi Maior (ou Menor, não importa), visto que há musicalidade nos seus poemas e um breve sentido rítmico que leva o leitor a imaginar em FRANCISCO MIGUEL DE MOURA um musicista escondido na alma do poeta lírico e singular, um intimista de bom quilate, um hiper-sensível.
De resto, os piauienses são todos assim. O. G. Rego de Carvalho é a sensibilidade à flor da pele. Magalhães da Costa, a ironia refinada. Francisco Miguel de Moura, a sensitiva por excelência.
Alguém já escreveu que o Piauí não facilita em nada a literatura. É um estado localizado muito longe dos grandes centros onde se reúnem os pretensos donos das letras nacionais.
Puro engano.
Pensamos justamente o inverso. Quanto mais longe de inefáveis “panelinhas” literárias, tanto melhor! Aqui no Sul há muita gente cuja fama é puramente... fabricada. E isso não é Literatura de verdade.

São Paulo, janeiro de 1987.

(Publicado no jornal “O DIA”, de 23 de março de 1987)
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*Homero Silveira é escritor e jornalista, membro do Conselho Estadual de Cultura de São Paulo e colabora na Agência Planalto.


OPINIÃO: DOIS POETAS PIAUIENSES

José Afrânio Moreira Duarte *


O Piauí tem fornecido nomes ilustres à literatura brasileira, destacando-se entre eles o poeta Da Costa e Silva, bem assim os dois notáveis prosadores Assis Brasil e O. G. Rego de Carvalho. Além deles são muitos os escritores daquele Estado, merecendo menção especial Francisco Miguel de Moura e Hardi Filho. São justamente bons livros de poesia desses dois que acabo de ler agora.
Francisco Miguel de Moura projeta-se sob todos os aspectos nos meios literários de sua terra e ainda recentemente foi eleito presidente da União Brasileira de Escritores, Seção do Piauí. Estreando em 1966, com a coletânea de poemas intitulada “Areias”, ele deu prosseguimento à sua jornada literária e hoje é autor de nada menos do que nove livros, em prosa e verso, sendo o último o que se chama “QUINTETO EM MI(m)”, lançamento da Editora do Escritor, de São Paulo. Além disso, Francisco Miguel de Moura participou de antologias diversas.
Em “QUINTETO EM MI(m)”, livro que é lido com interesse e prazer, da primeira à última página, ressalta a diversidade temática, pois o autor vai desde as evocações da infância, passando por vários temas líricos e chegando a assuntos da atualidade, como, entre outros, o disco voador. O elemento telúrico fala forte, mas há enfoques citadinos também. Às vezes o autor se mostra pessimista ou pelo menos melancólico, mas há muita ternura, o que predomina e redime.
Francisco Miguel de Moura é um poeta maduro e seguro, tanto assim que mantém o mesmo nível, quer nos poemas líricos, quer nos ousadamente modernos. Aliás, uma das coisas que impressionam em “QUINTETO EM MI(m)”, além da já aludida diversidade temática é a extraordinária variedade estilística, indo o autor caminhando firme desde quando escreve em linhas já consideradas hodiernamente conservadoras, como em “Plenitude”, no poema rimado e metrificado e até quando incursiona pelas áreas da poesia concreta, em “Paz e Guerra”, “Joguinho Inocente” e “Espelho”, chegando mesmo ao poema processo, como em “Sonho”. Agindo assim, talvez Francisco Miguel de Moura quisesse fazer um teste, provando a si próprio e aos leitores ser capaz de sair-se bem em múltiplas tendências. Os citados poemas valem como um exercício, mas é nos trabalhos escritos em linhas mais moderadas que ele demonstra a força de seu verdadeiro talento, como nos seguintes excertos:
“Uma flor fechada
que se põe em guarda
para a madrugada
entre dois-de-espadas.”
....................................
Quando aprendi a ler, esqueci
de falar para ser entendido.”
......................................
“E eu grávido de medo.”
........................................
“Quando uso o presente, meu amigo,
é porque ainda vivo no passado.
Essa maneira de sofrer o antigo
Faz-me obtuso, misterioso e alado.”

Como é natural em livros de poesia e de contos, as preferências dos leitores variam, mas, a meu ver, os pontos mais altos de “QUINTETO EM
MI (m)” são “Epigrama 3” e “Plenitude”, que só não transcrevo por problemas de espaço no jornal. Sintetizando, “QUINTETO EM MI(m)” confirma novamente o inegável talento de Francisco Miguel de Moura que, em prosa e verso, honra a literatura do Piauí.
Nada inferior a ele como poeta é Hardi Filho, que lançou, também em 1986, “Teoria do Simples”, livro já recomendado por ter recebido o prêmio “Odilo Costa, filho”, da Academia Piauiense de Letras. Trata-se de mais uma promoção do “Projeto Petrônio Portella” do governo do Piauí, que louvavelmente faz hoje o mesmo que o governo do Estado de Minas Gerais fazia no primeiro qüinqüênio dos anos 70, selecionando e editando obras dos autores mais expressivos do Estado. Aqui a iniciativa ficava a cargo da Imprensa Oficial de Minas Gerais, que tinha uma comissão fixa de alto nível para escolher os livros concorrentes.
Da mesma forma que Francisco Miguel de Moura, Hardi Filho tem igual domínio técnico quando escreve versos livres ou poesia rimada e metrificada.

(Publicado no “Diário da Tarde”, Belo Horizonte (MG), 30 de jan.1987).
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*José Afrânio Moreira Duarte é contista, poeta e crítico literário, mora em Belo Horizonte – MG.


UM LÍRICO REALISTA

Benedicto Luz e Silva*

Ao longo de sua obra, Francisco Miguel de Moura nos habituou a vê-lo como um poeta do nosso tempo. Áspero na forma, contundente na expressão. Em síntese, um lírico realista, porque voltado para a vida em cuja concretude o homem se perde. Neste “Quinteto em Mi(m)” a mesma coerência de sua poética outra vez se desenvolve.
Digamos, desde logo, para evitar mal entendido, Francisco Miguel de Moura não é um poeta abstrato, nele não encontramos um místico. Sua poesia é sempre um reflexo imediato e bem vivo da própria existência: (“Nus dentro da verdade / é que todos perdurarão / e é como se não existissem – em pedaços.”). Mas essa verdade só vai adquirindo consistência quando se transforma em palavra: (“Eu me edifico / eu amo-me / eu me complico.”).
É nessa perspectiva que a criação poética passa a adquirir um caráter visceral: (“Eis que presente a solidão deságua”.).
O dia-a-dia é algo concreto e mutável que se vai construindo e se desfazendo simultaneamente: (“Os deuses gozam de nós / tão inocentes somos”.). A vida é sonho que o poeta precisa construir. (“Eu sei sonhar/ – e muito mais: / eu sei fazer o sonho – ”). Aí a luz se faz, no poema, plena das várias camadas da existência, porque o objetivo do poeta é a formação do ser. (“Faço a beleza com os olhos, / as mãos, a cabeça, os pés. / Os pés no chão da graça.”).
Porém, deixemos claro, o ser de Francisco Miguel de Moura se constrói neste mundo. (“não sofro mais além do que sofri”). Estes poemas buscam circunscrever o que se é, sempre com os pés na realidade. O poeta “grávido de si mesmo”, num breve tempo onde as experiências apenas se insinuam, sem trazer nenhuma consciência de nada eterno, em tudo se vê perecível, frágil, sujeito às intempéries da incerteza. (“Passo e não me olham / olho e não me vêem / falo e não me escutam.” ). Feitos de flagrantes sucessivos estes poemas, em sua justaposição vida/arte, mostram o espanto do poeta perante a vida “quando foi que minha alma se partiu?”).
O sentimento de que tudo sempre se está fazendo e desfazendo fica nítido em várias passagens do livro. Como conseqüência, o poeta está sempre tentando ordenar o mundo, o que podemos notar na insistência com que apela para a numeração ao longo da obra. Por outro lado, há sempre uma iminência de divisão:
“Um eu dividido”.
um eu triturado
átomo vencido
fogo apagado.”
“Parti-me em oito e muito mais.” O mundo é visto como um antagonista O poeta está no mundo e sente que é inútil tentar se sobrepujar a ele. A realidade nos solicita apenas, sem questionamentos. São nossos sonhos que nos limitam, que nos vencem. (“Tudo posto para nós: / O mundo. / A vida. E a solidão a dois, / graças a cada um de nós.”).
O mundo não é nosso, nós apenas fazemos parte dele. Do excesso de ambições do indivíduo é que surgem as derrotas, daí outra obsessão do poeta que é a do destino falhado. De um lado, o sonho, de outro, a realidade, assim nasce o descompasso ser/mundo, com o inevitável sentimento de frustração. Neste ponto é que a criação poética passa a adquirir um aspecto essencial. Ao construir seus poemas é que o poeta começa a adquirir um vislumbre de seu caráter, uma espécie de “síntese/compromisso”. (... quero escrever um poema / que não diga nada a ninguém / e que me diga de um tudo”).
Em suma, a consciência nasce do ato de criar. Ao captar os mecanismos da existência, o poeta começa a entender o sentido da vida: desafio que o homem põe a si mesmo. Somente através do ato é que se pode tentar vencer a dureza do mundo. Como fazer ou não fazer leva sempre à frustração, deve-se optar então pela ação. Vencido por vencido, a única saída é uma recusa à inércia. O importante é que não se aceite a derrota antes da experiência. Na ação é que o homem se mostra. O poeta na construção do poema. Nisso ele principia a ser.
No entanto, fica claro que nem vida nem arte surge como coisa acabada. Uma e outra são sempre desafios cotidianos que temos de aceitar que possam terminar incompletas. Porém apenas na aceitação desse desafio é que o homem pode vencer a própria limitação. Nesta perspectiva, aliás, o poema final do livro (“Sonho”) é bem exemplificativo. Estamos sempre começando. (“E chega a hora de bater: / quem bate e bate tem valor, / quem sonha e voa, agora, é voador.”). Saliente-se, para terminar, o importante é que nos percamos como reis, ou seja, sonhando alto. Neste ponto “Quinteto em Mi (m) coloca nova perspectiva de análise da poética de Francisco Miguel de Moura, o que talvez um dia dê motivo para um outro prefácio.

(Prefácio do livro “QUINTETO EM MI(M)”, Editora do Escritor, São Paulo – SP, 1986).

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*Luz e Silva é poeta, romancista, crítico e editor. Mora em São Paulo.
RESENHA LITERÁRIA: OS ESTIGMAS

José Afrânio Moreira Duarte*


Sendo mais conhecido como poeta e tendo também publicado um excelente ensaio sobre O. G. Rego de Carvalho, Francisco Miguel de Moura é um nome que se projeta entre os valores maiores da literatura piauiense.
Agora Francisco Miguel de Moura ingressa num terreno novo, publicando o romance “Os Estigmas”, lançamento da Editora do Escritor, de São Paulo.
Há quem diga que os verdadeiros poetas têm o privilégio de sempre se saírem bem quando escrevem prosa, o que já não é uma constante quando se trata de prosadores incursionando na poesia. Será mesmo assim?
Em “Os Estigmas”, Francisco Miguel de Moura dá demonstração de possuir um inequívoco talento também para a ficção. Trata-se de uma história bem estruturada que vai sendo conduzida de maneira cativante, num estilo preciso e claro. Há beleza de linguagem e a narrativa se desenrola com originalidade, de tal forma que, mesmo depois de terminar o romance, o leitor parece ir deduzindo coisas novas, coisas sutilmente sugeridas no texto, mas que ficam mais patentes quando se conhece toda a trama.
Ciro é o personagem principal em torno do qual giram diversos outros, todos bem enfocados. A técnica ficcional de Francisco Miguel de Moura é moderna e convincente.
O entrecho desenrola-se em ambientes nordestinos, a partir de Teresina, mas tem um cunho de universalidade e poderia passar-se em qualquer parte.
Francisco Miguel de Moura cria tipos com forte carga de humanidade e por isto mesmo eles parecem reais. Através das páginas de “Os Estigmas” há vida, sentimento e sensibilidade.
“Os Estigmas” demonstram que o ensaísta e poeta Francisco Miguel de Moura tem talento suficiente para vencer também como bom romancista. Basta ler para conferir.

(Publicado no jornal “DIÁRIO DE MINAS”, Belo Horizonte – MG, 10 de janeiro de 1985).

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*José Afrânio Moreira Duarte é advogado, escritor (contista, poeta, ensaísta).

OS ESTIGMAS - ROMANCE

Benedicto Luz e Silva*

Já consagrado como poeta e ensaísta, surge-nos, agora, mais uma face do talento de Francisco Miguel de Moura com este “Os Estigmas”, um romance em que a maturidade do autor se revela em todos os aspectos. A linguagem, a estrutura narrativa, a visão do mundo, tudo na obra se concatena para alcançar um mesmo objetivo, que é a emoção estética. Não sendo um romance autobiográfico, dá “Os Estigmas” a impressão de ser uma projeção existencial do próprio autor, quando sonho e realidade se mesclam para jogar o ser humano para além do tempo, como a gritar a sua necessidade de libertação e dignidade.
No personagem principal, Ciro, vamos encontrar alguém que se biparte entre o que é e o que desejaria ser. Aliás, no romance de Francisco Miguel de Moura tudo se desenvolve do objetivo para o subjetivo, com passagens sutis indicando que os incidentes cotidianos só adquirem sentido se fertilizados pela imaginação. Ciro se acredita puro e não o é, se pensa inteligente e não o é tanto, se julga feio e sequer chega a ser notado como destoante do panorama humano (como, no fundo, gostaria que fosse). O personagem é, grosso modo, um masoquista. Daí é que surge a insistência de se conceber sempre como pobre e humilhado. Como orgulhoso e tímido que é, desenvolve ao extremo sua faculdade crítica, ao mesmo tempo em que sua imaginação cria uma compensação paralela, fonte de resistência às provocações do mundo. “Os Estigmas” mostra-nos que os processos da sociedade estão errados, fazendo de seres como este Ciro criaturas doentes, moral, física e intelectualmente. Capaz de reconhecer as injustiças, não é, porém, contraditoriamente, capaz de levantar uma palha para desvencilhar-se do peso do mundo ou de agir de modo válido para transformá-lo. No fundo, esta apatia vem de sua concepção fatalista da existência. O destino é um encarceramento do homem em teias invisíveis, inquebráveis. A luta individual contra o mundo existente é ilusória, porque descomunal, verdadeira batalha de anão contra gigante, da inércia contra o movimento. De tal forma esta colocação é coerente que no livro a figura de Gracinha quase que é mais um produto da imaginação de Ciro do que uma pessoa independente. É o modelo da criatura destinada ao fracasso existencial. Note-se que durante todo o romance Ciro faz de tudo para vê-la realmente fracassar. Isto porque no fracasso da mulher ele encontra uma maneira de auto-afirmar-se. Deslocados, em solidão íntima, estes personagens, no entanto, não são maus, não passando de seres que vivem sem saber como mudar o rumo de suas vidas. Por outro lado, fica sempre a dúvida: modificando-se a si próprios modificariam o mundo conseqüentemente? Parecem duvidar. Gostariam, sem dúvida, de mudar para não sentir angústia, solidão, tristeza, porém falta-lhes força vital. Sentem que para conseguir viver com os outros necessitam dessas taras da personalidade. Ao fim vemos que, com a morte dos personagens principais, inclusive D. Biela, o pessimismo do autor triunfa.
A técnica utilizada por Francisco Miguel de Moura é bastante eficiente. Não se atendo a uma narrativa do tipo confessional (diário ou relato), consegue criar um ambiente amorfo de indecisão, com a tristeza dos personagens impregnando a tudo. “Os Estigmas” é um romance de cenário nublado, de atmosfera francamente negativa. Se Francisco Miguel de Moura conta uma história, ele o faz como que desconversando, ao modo de quem tem medo de contar tudo, como quem tem medo de desvelar-se por inteiro. Nas entrelinhas é que fica o substrato da narrativa, o tempo da história, o espaço do romance (este em três níveis nítidos: o povoado, a cidade, a capital). Eliminando quase que totalmente as descrições e as dissertações, Francisco Miguel de Moura consegue manter durante todo o livro um clima de ação (claro que mais interior do que exterior). Não sendo um romance psicológico, o ponto de vista não é monopolizado pelo autor onisciente nem por um só personagem absorvente. Os personagens aparecem, marcam sua presença durante algum tempo, e cedem lugar a outro. O narrador é impessoal. Recebe a história da boca de Gracinha e a passa para o papel (gravador, que o seja). E Gracinha conta principalmente a história de Ciro. Isto significa que o leitor recebe uma história em terceira mão, uma verdade de terceiro grau. Essa a trama estrutural de “Os Estigmas”, que me parece um achado.
Francisco Miguel de Moura desenvolve o romance numa linguagem ao nível dos personagens. Tudo muito limpo, claro. Isto tanto gramatical como estilisticamente. O livro é enxuto, sem palavras ou colóquios inúteis. “Os Estigmas” é um romance de atmosfera, onde o tempo pesa, profundamente comprometido que está com os compartimentos mais distantes da alma humana. Se no seu transcorrer a luz é muito difícil de se conservar acesa, a verdade é que o talento de Francisco Miguel de Moura lhe dá um brilho que, sem dúvida, permanecerá.

(Publicado na orelha da segunda edição, Editora do Escritor, São Paulo-SP, 1984).

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* Benedicto Luz e Silva é poeta, romancista e crítico literário. Mora em São Paulo-SP.
BAR CARNAÚBA – ESTANTE DE LIVROS



Magalhães da Costa*




O livro está dividido em quatro partes, assim:
“A Terra”, composto de poemas telúricos de grande força, mas onde a água, o grande rio move turbinas de beleza e saudade, afora o grande amor do poeta ao pedaço de chão onde pisa como dono de uma linguagem de grande expressividade e muita conotação;
“A Família”, reunindo poemas sobre sua gente, revelada aqui com elevado sentimento de puro amor, de grande respeito e gratidão, mostra das raízes e troncos fortes;
“Os Amigos”, relicário de amizade, registro de quem realmente tem grande sensibilidade para captar os gestos e as ações daqueles que vivem em torno, como irmãos verdadeiros;
“Poemas Diversos” ou “Outros Poemas”, como batizou o vate, englobando exercícios variados de poesia, mas no mesmo tom de força e grandeza dos que estão nas outras partes do livro.
Chico Miguel revela-se neste último lançamento como um poeta adulto de poesia maior. Alegra-nos saber que aqui pisa mais solto, em melhor cadência, com mais simplicidade e, o mais importante, com força da terra, do amor e da criação, de forma a aparecer como um grande poeta no estágio atual da poesia brasileira.
Convocado para a seleção dos melhores!

(Publicado no “JORNAL DA MANHÓ, Teresina, 29 de julho de 1984).

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*José Magalhães da Costa é magistrado, contista e crítico literário.





BAR CARNAÚBA

Hardi Filho*

Trata-se, a nosso ver, de um livro importante pelo curioso da volta do Autor às suas raízes de sentimentalidade e simpleza expressional. Como sabemos, de “Areias”, livro de estréia, onde a emoção do verso alçava delicados vôos, partiu Chico Miguel, editorialmente falando, para o exercício poético de “Pedra em Sobressalto”, que projetou seu nome para além dos limites desta ainda província cultural do Piauí.
O ensaio “Linguagem e Comunicação”, sem sombra de dúvida, elevou Chico Miguel ao nível dos mais acatados autores da atualidade, a despeito de sua atuação em um Estado de condições e ambiência lamentavelmente desfavoráveis ao ofício de escritor.
Tivemos depois “Universo das Águas”, confirmando o talento e a qualidade do Poeta, que prima por um modernismo sóbrio, lavrado em estilo aparentemente seco, um tanto hermético, mas rigorosamente consentâneo com a pura flexibilidade do idioma pátrio.
Com este “Bar Carnaúba”, composto em muito, sabemos nós, de poemas que o Autor deliberadamente ia desconsiderando no tempo, por razões de foro íntimo, Francisco Miguel de Moura traz a público flores da mente e do coração, expõe mesmo o lado sentimental do homem, numa seqüência de poemas que além de possuírem agradável identidade telúrica, se apresentam em textos algo diferentes, menos codificados, epidermicamente mais sensíveis, propiciando a todo tipo de leitor a captação imediata e literal da idéia (mensagem) sugerida. Francisco Miguel de Moura, que, por via de sua arte de padrão tecnicamente elevado, tornou-se conhecido e considerado pelas elites culturais, neste “Bar Carnaúba” revela a sua verdadeira personalidade de homem simples, estreitamente ligado à sua terra e ao seu povo. Vale dizer que o Autor, sem descair da posição que ocupa no cenário da nossa poesia, com recato e autenticidade mostra as jóias do seu lavor mais íntimo, e, por isso mesmo, mais humanas.
Assim cresce um poeta na admiração de sua gente.

(Publicado no jornal “O DIA”, Teresina, 25 de setembro de 1983).

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*Francisco Hardi Filho é jornalista, poeta consagrado, cronista, membro da Academia Piauiense de Letras e mora em Teresina.
CHICO, O POETA DO PIAUÍ

Eduardo Maffei*



Nos meus tempos de andejo por esses brasis afora, estive, por diversas vezes, nos anos 40, em algumas cidades do Piauí. Todas me impressionaram negativamente tanto pela pobreza material como cultural. Nesse conjunto ficaram-me entretanto algumas impressões fortes, excepcionais: as “Sete Cidades”, um estranho médico, misto de sábio e de santo, que residia em Simplício Mendes, o Dr. Isaías a quem cometi a deslealdade de esquecer o resto do nome e uma certa publicação literária de Parnaíba. Sobre as “Sete Cidades”, fiz, na ocasião, uma grande reportagem para “O Cruzeiro”, então a revista semanal de maior circulação no país. Quanto ao meu colega de Simplício Mendes – eu também sou médico – sobre ele já ouvira referências em todo o sertão, da Bahia para o Norte, de variados tipos: como médico, como homem e como cultura. Quando o conheci aconteceu-me algo parecido ao que havia Bates deparado. Há mais de um século, em 1848, navegando o Tocantins em direção às cabeceiras, esse naturalista topou, próximo de Baião, com uma aldeia de meio milheiro de habitantes dos quais a maioria de mulatos, poucos negros, alguns índios e nenhum branco. Travou relações com um funcionário público ali sediado, Soares de nome, moço, mestiço de branco e curiboca que lhe convidou a ver sua biblioteca. A casa não era casa mas sim uma choça de pau-a-pique, coberta de sapé, na margem do rio. Examinando-a não teve o enfado do galo da fábula que encontrara, ao invés de um grão de milho, uma pérola. Bates não era animal; era naturalista e pela cultura especialmente diferenciamo-nos dos irracionais. Espantou-se. Havia, entre a aparência e a pobreza do mameluco e de sua habitação e a variedade qualitativa dos livros existentes, algo insólito. Escreveria para a história: “Fiquei surpreso ao ver numerosos clássicos latinos em muito boa encadernação, e entre eles, Tito Lívio, Virgílio, Terêncio e as Epístolas de Cícero. Foi para mim um espetáculo desusado.” Eu conhecia já, desde os anos 30, essa passagem, citada por Tristão de Athayde, e foi exatamente isso que senti mais tarde ao meu contato com Isaías, um médico que faria inveja a uma Academia de Medicina. Restara-me ainda outra grande impressão, por paradoxal em relação ao atraso do Piauí, que espantaria novamente a Bates. Foi quando me tornei amigo – e seu colaborador – de um bizarro tipo de comerciante, variação parnaibana de Mecenas, Ranulpho Torres Raposo, que executou a incrível façanha de se transformar no único e mais antigo editor de um anuário de cultural do país, circulando regulamente desde 1924, o “Almanaque da Parnaíba”, com 300 páginas cada um.
Leio agora “Universo das Águas”, de Francisco Miguel de Moura, e, como Bates, voltaria a me pasmar se não percebesse que por trás de uma editora do tipo “Grupo/Cirandinha” tem que haver certa massa cultural, porque o livro é mercadoria que necessita do mais refinado mercado, daqueles que praticam um dos mais sublimes atos de liberdade, a leitura. E esse se cria, como qualidade, só através de uma sedimentação da quantidade cultural. Percebe-se, assim, que o Piauí também deu seu salto qualitativo de saber.
Nos “Diálogos Platônicos”, atribui-se a Sócrates uma gama enorme de opiniões. Dizemos que a ele se imputa porque muitos afirmam que tais conceitos são do próprio autor, seu discípulo, Platão. O marido de Xantipa externara que a palavra escrita não refletiria jamais o verdadeiro pensamento do autor. A História da antiguidade grega, durante a civilização creto-micênica, quando a escrita achou-se confinada a uns poucos escribas e era monopólio palaciano, havia sido popular e tradicionalmente oral. Além disso, Sócrates afirmava que só através do diálogo, da dialética, é que se encontra a verdade. Aliás, só haver quem atribua como de Sócrates ao que Platão escreveu e vice-versa demonstra como havia razão na afirmativa. Dizia que a escrita é como um quadro que por fixar um momento e não o processo teria necessidade, para ser explicado, da presença do pintor. (Que não diria hoje esse mestre se tomasse conhecimento dos atuais surrealistas!?) A história da cultura demonstrou o acerto de Sócrates. A mesma obra apreciada por diferentes críticos é analisada sob pontos de vista diversos e, às vezes, opostos. O bom escritor seria, assim, aquele que com um jogo de palavras grafadas desse um sentido de oralidade às mesmas através de uma plástica verbal.
Isso acontece com muita freqüência na poesia. Digo “com muita freqüência” porque só se dá com os bons poetas que situam suas produções através do fascínio, no espaço, entre escrita a estática e a fala dialogante. É por vias de concepção aparentemente idealísticas que o poeta perpetua a realidade. Esta, quando descrita, aparenta-se com a fotografia, que representa um átimo do tempo e não o processo. Paulo Bonfim disse recentemente que toda prosa bonita é poética e eu diria que o é porque atingindo a sensibilidade humana torna-se algo participante e em movimento entre quem lê e quem escreve. Por isso Homero se eternizou. Sublimando os costumes e paixões humanas deu um perpétuo sentido de presente ao passado. O poeta é o motor que exalta a palavra.
Todas essas reflexões vieram à tona porque foi dessa forma que senti “Universos das Águas”. Nele me reencontrei com os fenícios das “Sete Cidades”, com Isaías, com Ranulpho, e também com Sócrates, o mundo do feitiço do verbo. Nele, “A Rua Triste” me levou de volta ao primeiro sentimento amargo que tive na infância ao tomar conhecimento do “beco das mulheres”, em Itu. Nessa poesia a gente encontra a mesma rua que existe e existiu em todas as cidades do mundo, em todos os tempos. “Dois Soluços para Tiago” é como se Thiago de Melo estivesse presente, falando com a gente, dialogando como queria Sócrates. “Burocratismo” é uma beleza viva sobre um tema de mediocridade, demonstrando que só os poetas dão vida ao que realmente existe. “Tratado dos Marginais” é um panfleto vivo. Lembra-nos Ibn el Faridh, um poeta árabe a quem De Felice atribui extraordinário encantamento, que exerce sobre os ouvintes pela magia do verbo. Sócrates não entreviu esse dom na escrita. Foi pena. A poesia dá alma às palavras e nas de Chico a gente a encontra.

São Paulo, março de 1980.

(Publicado no “JORNAL DA BAHIA”, Salvador – BA, em 30 de março de 1980).


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*Eduardo Maffei é médico, jornalista, historiador, romancista e crítico literário, autor de “A Greve” e “Maria da Greve “, além de outros.















PALAVRAS SOBRE UNIVERSO DAS ÁGUAS

Francisco Pacelli*


Conheci Francisco Miguel de Moura nos idos de 1966, quando, entre tímido e receoso, lançava ele ao público o seu livro de estréia: “AREIAS”.
Naquela ocasião tive a oportunidade de tecer algumas considerações críticas sobre a obra então recém-lançada, comentários dos quais não me arrependo de haver expendido e que vieram, com o correr dos anos, apenas confirmar o meu juízo sobre o novo Poeta.
Depois de “AREIAS”, Chico Miguel, como é tratado entre os que lhe são íntimos, ganhou dimensão intelectual com a publicação de “LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO EM O. G. REGO DE CARVALHO” (Editora Artenova, Rio, 1972), ensaio de crítica literária de muita percuciência pela brilhante análise da obra do celebrado escritor piauiense Orlando Geraldo Rego de Carvalho, trabalho este que lhe trouxe, a ele Chico Miguel, merecida projeção nacional.
Eis que, de mansinho, como-quem-não-quer-querendo, Francisco Miguel de Moura brinda-nos com mais duas jóias, frutos do seu talento: “PEDRA EM SOBRESSALTO” (1974) e “UNIVERSO DAS ÁGUAS”(1979).
Tenho reparado que Francisco Miguel de Moura não se repete. Cada livro seu traz algo novo, diferente. Dir-se-ia que o Poeta se renova a cada publicação, numa evolução constante.
Gostaríamos de falar sobre “PEDRA EM SOBRESSALTO”, porém fica para outra oportunidade. Assim, iremos de “UNIVERSO DAS ÁGUAS” por ser mais atual e susceptível de polêmica.
Usando de uma linguagem dialética, Francisco Miguel põe-nos diante de um mundo contraditório, onde o real e o irreal se amalgamam, oferecendo-nos uma visão surrealista desse mesmo mundo, além do nosso entendimento.
Chico Miguel tem o dom de brincar com os morfemas e fonemas, de onde retira poemas os mais absurdos até (absurdos aqui no seu “stritcto sensu”), nos quais a mensagem é subjetiva em seu cerne.
Quer-me parecer que o Poeta ainda não se encontrou, estando à deriva, em busca de uma definição. Modernista? Concretista? Futurista? Ninguém o sabe. Nem mesmo ele, que ainda não encontrou o seu ismo. Vislumbres apenas de Manuel Bandeira, Drummond e João Cabral, embora sem os tomar por paradigma.
Magnífico o seu “Notícia-Símbolo”, poema lindamente tecido com notícia jornalística (veja “Bandeira” – poema tirado de uma notícia de jornal).
Quem se espantará se amanhã Chico Miguel, rompendo todas as convenções e cânones vigentes, vier a introduzir mudanças na forma de poetar? Ninguém duvide, pois, dotado do gênio que tem é capaz de tudo. Chico Miguel, na verdade, é um laboratório. “UNIVERSO DAS ÁGUAS” pode ser ainda apenas um experimento.

(Publicado no jornal “FOLHA DO LITORAL”, Parnaíba-PI, 19 de janeiro de 1980).

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*Francisco Pacelli Vasconcelos é contista e jornalista cearense. Morou muitos anos em Parnaíba. Atualmente é funcionário do Banco do Nordeste.


























RESENHA SOBRE UNIVERSO DAS ÁGUAS

Manoel Cardoso*


O que marca profundamente a poesia de “UNIVERSO DAS ÁGUAS”, de Francisco Miguel de Moura, é aquilo que se liga ao homem integral e está tão bem exposto na primeira parte do livro, “Heranças”. Expressa-se aqui a dor, a busca do transcendente, o desejo de ultrapassar-se. FMM cria momentos altos com a “Dialética do Possível”, com o “Poema Escuro” e principalmente com o “Poema Ontológico”, o mais importante do livro. Aqui se centraliza o âmago de sua poética, neste livro: o ser querendo trajar-se de branco, na veste, no corpo, no riso, para começar a grande caminhada numa busca transcendente, a procura de si mesmo, a procura do mistério, a procura do mito. Aqui o tempo perde a noção tradicional de cronologia para adquirir o valor de tempo noológico, que emerge das camadas do inconsciente/subconsciente, tão bem explicado na fenomenologia.
É nesta parte que FMM atinge grandes momentos, inventariando-se, revelando-se ainda “casimiriano-de-abreu”, cruzando infinitos que revelam a dor da existência, mas afirmando-se ainda, nesse coexistir de menino e adulto.
Mesclam-se aqui os elementos mais densos de sua poesia: solidão, chuva, água, escuro, que tornam o mundo e a vida pesados, cabendo ao poeta tentar mudá-los através do poder da palavra, do jogo criador/transfigurador que é capaz de intuir novas realidades e revelá-las aos outros.
Ainda: revela-se simples, através de dois bens maiores: o nome e a casa, os mais importantes, que revelam a identidade, um universo criando-se no anonimato, e a posse dos bens simples que denotam a grandeza do nada: “liberdade é ainda uma rua, / uma casa pequena, agachada, nua, / e, na frente, um coqueiro sem cocos, / (...) a posse da casa, os bens da pessoa, /...”
É bela a montagem que faz com “perfeição-imperfeição”, reveladores de um eixo que se apóia através de ded (morte), que vai-se jogando e adquirindo novos matizes, comportando várias leituras. São bons os seus jogos, como o “fraco/forte”, “coisa com coisa”, etc. Mas “Experimento com as Palavras” não é a melhor parte de “UNIVERSO DAS AGUAS”. Vale mais pelo jogo criativo.
Os “Sinais dos Tempos” revelam uma poesia de identificação com o outro, de solidariedade. É uma poesia discursiva que, embora tenha a melhor das intenções, pois revela a empatia com o outro, perde um tanto da força mítico-criadora. Há, sem nenhuma dúvida, trabalhos de força, como “Dois Soluços por Thiago”, em que a alma-irmã sai em defesa do atingido.
Já “Os Continhos” são rápidos e identificam o outro, através de uma visão do “eu” criador.
Se me fosse permitido uma palavra de palpite, diria: fique com a temática cultivada em “Heranças” (a primeira parte do livro – as outras são: “Experimento com as Palavras”, “Sinais dos Tempos” e “Os Continhos”), que mostram um poeta autêntico, maduro, consciente, com uma palavra que tem densidade, força fenomenológica e que beira as margens de metafísica.

São Paulo, de 2 novembro de 1979.



(Publicado no “JORNAL DA MANHÓ, Teresina, 15 de junho de 1980).

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*Manoel Cardoso é professor e crítico literário, natural de Sergipe. Mora em São Paulo. Participou da revista “Cirandinha”.





















UNIVERSO DAS ÁGUAS

Mário Newton Filho*


Lá em Teresina, longe das badalações extraliterárias, um poeta sério e uma poesia que vai ficar.
Francisco Miguel de Moura é alternadamente lúcido e onírico.
Quando se volta para o mundo exterior mantém-se atento e sensível a tudo quanto o cerca. Vez por outra, porém, mergulha em seu mistério interior e dialoga com a sua sombra, os seus fantasmas (anima e animus) e o self.
FMM mostra possuir total intimidade com os quatro elementos primordiais:

“poeta é o homem sem futuro
porque seu tempo se desfaz no vento
ou no canto da folha de papel.
traça o profundo azul do céu
e o escuro espaço da mente,
o verde da terra, o lodo da pedra
e o lixo da rua.”
(p.65)

oOo

“o afogado é uma pedra
que os peixes devoram
numa festa inocente.

na água, quem chora?”
(p. 28)

Após tornar-se, em sobressalto, pedra (permanência), o universo das águas;
“entre o lago claro
e o verde da ilha
o grito do afogado
é o sol que brilha.”
(p. 27)
E, afinal, ser ar e fogo:

“ficarei pronto
para voar
o ar
ar
r...”
(p.15).


oOo

“noites de amores reduzidos,
no escuro dos olhos impossíveis,
desejos, chamas
acenderam incestos
de
avós
de
pais
de
filhos (nós)
gemidos engolidos triturados,
nenhum grito.”
(p. 35) .

(Publicado no jornal “LETRAS FLUMINENSES”, Niterói-RJ, setembro de 1979).

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* Mario Newton Filho é poeta e jornalista fluminense.









UM POETA DAS BANDAS DE LÁ

Rosa Maria dos Santos*

Falar em poesia brasileira e deixar de lado um poeta como FRANCISCO MIGUEL DE MOURA é esquecer os filhos de nossa casa. Ele nasceu “nas bandas de lá”, no interior do Piauí, e sua poesia cresceu com o sabor daquela gente pobre e sofrida. É preciso ir a fundo em seus poemas para captar-se imagens que só um poeta com a sua sensibilidade é capaz de revelar a nossos olhos.
F.M.M. estreou em nossa literatura em 1966, com o livro de poemas – AREIAS. A temática desse livro é o homem em sua forma mais simples de viver – porque não existe outra. Mais tarde, em UNIVERSO DAS ÁGUAS, ele retoma esse mesmo tema, de uma forma muito mais amadurecida, com um verdadeiro domínio de linguagem. O que vem confirmar a força de sua poesia, apresentada de variadas formas: áspera, machucadora e forte.
Em 1972, F. M. M. escreveu um ensaio “LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO EM O. G. REGO DE CARVALHO” – um estudo precioso e digno do escritor de “RIO SUBTERRÂNEO”, indispensável aos que desejam conhecer de perto a substância e o magnetismo da obra de O. G. Rego. Em 1974 lança “PEDRA EM SOBRESSALTO” – poemas. Neste livro podemos dizer que a dureza da pedra se iguala à vida daquelas pessoas, como nos mostra o poema “Pranto...”
“As mulheres pretas lavando roupa,
na pedra clara, nas águas claras.
Meninos magros, morenos-magros,
jumentos magros como esqueletos
a sustentarem (fraqueza ou força?)”
O livro divide-se em quatro partes assim nomeadas: Pré-poema, Lírica, Antilírica e Integrativos. No pré-poema nos mostra “Seco”, uma espécie de apresentação do “poeta-poema”. À Lírica ele dá início com o poema “Ponte”, simbolizando assim uma passagem para uma grande caminhada... E finaliza com o poema “Morte”. Em Antilírica dá um salto e nos mostra de forma ressentida em “Indagações” e “Consumo” a inutilidade do homem fraco perante um mundo em que reina a força daquele que tem mais, daquele que tem tudo... que está com o poder.
F.M.M. é um poeta que cresceu trabalhando a sua arte, convivendo com ela, se imbuindo do seu ofício. Em PEDRA EM SOBRESSALTO ele procura revelar o homem que não pede, aquele bicho-homem esquecido, ignorado pela sua fraqueza, num pedaço de chão que existe porque as pedras também existem e não reivindicam porque elas não sabem falar... Elas esperam ser roladas. E esse poeta chega a UNIVERSO DAS ÁGUAS. O livro tem como título um poema que se divide em: água, rio, chuva, verme, vida e todos. F.M.M. nos mostra que para ser poeta não é preciso sair de sua terra (mora em Teresina) – a simplicidade e o “esquecimento” de sua gente é o material mais apropriado a seus poemas. Sem exageros, sem sair de uma linha poética, sem querer causar rebuliço, ele escreve... tão tranqüilamente, tão sem pedir aparência, tão sem esperar uma fama, que tudo isso faz de sua poesia a riqueza maior. Sentimos que sua necessidade é manifestar, é apresentar, é dizer que “as coisas estão com medo” e, à medida que vamos lendo UNIVERSO DAS ÁGUAS, os sentimentos vão crescendo. Poderíamos dizer que sua poesia toma um fôlego vibrante com cada página que vai sendo virada. “Vou sair como quem nasce, não me perguntem nada.” Pois muitas vezes não é essa vontade danada que sentimos e que muitas vezes calamos? Mas esse poeta capta, esmiúça e nos presenteia com esse jogo de palavras, de sentir, de sofrer e querer... “as paixões envelhecem”. Sua poesia é triste, muitas vezes irônica, mas tão real!... É um real que toma conta da gente e cada frase pode ser lida várias vezes sem cansar; ele fala de coisas que existem, que nos rodeiam, numa identificação humanística. Há momentos que pára num canto de sua terra, em “Os mortos de São José”, um poema que merece louvor. F. M. M. se universaliza pela força de expressão dada ao homem que padece pela falta do essencial a sua sobrevivência... “Quem não manda nada mas é vida? Quem não come nada mas avisa?” E ele continua: “O homem feliz não sabe nada; é uma coisa no monturo.”
O lugar de F. M. M. dentro da literatura brasileira está guardado, porque dentro da arte o imediatismo não conta, apesar de sabermos que muitos são injustiçados, principalmente por não pertenceram a “grupos”, principalmente pelo esquecimento das fontes de comunicações, que enaltecem demais a alguns e esquecem de outros tão capacitados quanto os “glorificados”. Tudo isso acontece pela marginalidade atribuída ao escritor que mora distante dos chamados “centros culturais”. Contudo, essas amarras vão-se quebrando devagar, pela própria força da arte.
Temos aí o exemplo de um escritor que merece ser lido.

Rio de Janeiro, 18 de maio de 1979.
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*Rosa Maria dos Santos Kapila é professora, doutora em Letras, contista e romancista, vários livros publicados inclusive na área infantil. Mora no Rio de Janeiro.
UNIVERSO DAS ÁGUAS

Campomizzi Filho*


Desde algum tempo estamos à espera desse novo pronunciamento de FRANCISCO MIGUEL DE MOURA. O moço piauiense, de palavra amiga e de gestos mansos, assumiu um compromisso para conosco e não poderia faltar à dívida. É que, bom poeta, com um punhado de versos que vai compondo ao sabor dos ventos e à necessidade de comunicar-se, não lhe é lícito reter por mais tempo novo contato com o leitor. Vivendo na província, mantendo ali a chama do entusiasmo pelas coisas do espírito e vencendo toda a sorte de limitações, ressoa longe seu lirismo, eis que fortalecido pela oportunidade da canção e pela seriedade da estrofe. Usa o termo certo. Não teme os tropeços. Está engajado numa luta e vai ao fim através dos meios que tem às mãos. Desincumbe-se de sua tarefa e nos fala deste hoje, difícil e áspero, atritante e pressionado, que é decerto a antevisão de uma aurora. Nem tudo está perdido e o sonho é a nossa tábua de salvação, velhos instrumentos trazendo-nos aos ouvidos notícia da bem-amada de envolta com as dores do mundo. Não nos desvencilhamos do agora, a luta sem destroçar os nossos horizontes e as quedas sem impedir a nossa crença. Venceremos a jornada e atingiremos o objetivo válido, porque “o amor constrói-se dia e noite por inteiro”. Não será fragmentada a nossa confiança nos olhos sonhadores que, para o todo e sempre, impelem-nos para todos os destinos. Essa fidelidade, que se repete ao longo dos diferentes lustros, fortalece-nos, “em penitência e trabalho”, a arrancada como afirmação maior que “o poeta não perde a memória nem desconhece seu povo.” Quando lá fora há um certo desânimo, quando tudo conspira contra a permanência de uma escala de valores e quando, num sinal dos tempos, “o remédio não será liberar as estradas”, o poema nos conforta e nos estimula. No momento crucial há que se pedir perdão, porque velhos escritos estabelecem formas e indicam elos, o forte prevalecendo-se de prerrogativas e nós outros, em submissão, prontos a cumprir tarefas e a permanecer “sem alcance do horizonte”. O momento é de transição. As mudanças são palpáveis. Os dias correm céleres. Os que não acompanham a avalanche se marginalizam. A corrida não nos permite parar para pensar. Com isso, enriquecemo-nos de que há todo um instrumental convocando-nos para a esperança, alimentando a fé e exigindo que nossos joelhos se dobrem na perspectiva da salvação. “A morte só incomoda se está nua na avenida”, tédio e cansaço trazendo indiferença e raiva e empenho como prevalência maior da problemática de hoje. No mais, as águas nos redimirão, seus “escuros encantos” como um chamamento maior e irremediável. O rio da vida vai ter ao mar da morte, só está identificando os homens na própria angústia de viver. Abanando os braços, o poeta vai de aldeia em aldeia, palmilhando diversificados caminhos. Leva a cada população um pouco de ternura. Mas não consegue, de maneira alguma, esconder, “pelos becos e estradas, a alma aos pedaços”. É que, feito deste mesmo barro de todos nós pecadores degradados, sobe-lhe à cabeça a penúria que tem sido a bandeira do desespero. “A paixões envelhecem.” Tragado pela sanha de uma sociedade de consumo, sabe que suas definições são restritas e poucos serão os privilegiados que lhe entendem a oração. Há uma divindade criadora de todas as coisas e que preside as encruzilhadas dos continentes. A sua, entretanto, é uma presença fluida, no universo das águas, rios e lagos, fontes e oceanos, furos e igarapés, enchentes e devastações, tudo como maldição dos que, esquecidos, conspurcados, vividos, suados, comidos pelo poder grande, assim mesmo insistem em viver. “Seu tempo se desfaz no vento” e a aragem que vem do sul, mansa e fresca, não tem outra conotação que aquela mesma da visão acre do desvalor e da prepotência. “Qual lavrador sem enxada ou pregador sem verbo”, o poeta insiste nos seus desígnios. Não pode alegrar os grupos e se enfileirar entre os saltimbancos. Já não há lugar para os sorrisos e muito menos para os serões agradáveis ao pé do fogo. Todos estamos amedrontados. A ameaça está no próprio ar que respiramos. Como “só os que mandam morrem duas vezes” é melhor que nos resguardemos e que esperemos. A madrugada virá, mais cedo ou mais tarde, mas trazendo consigo alegrias e virtudes, restaurado o reino e recolocados na parede os quadros que vamos construindo em torno do definitivo que não se imola.
FRANCISCO MIGUEL DE MOURA é poeta de raro compromisso: ama seu povo e lhe persegue os riscos. Não se intimida. Não se compunge. Enfrenta. Borboleta no campo cheiroso de chuva e mato, sob um céu de recordação, prossegue nas suas andanças, e nos quedamos diante da seriedade de seu estro. Entrega-nos, em bela apresentação gráfica do Grupo Teresina, esse seu “UNIVERSO DAS ÁGUAS”. São cento e vinte e cinco páginas numa coletânea de alto nível. O tom que lhe domina o verso é esse mesmo do compromisso com o nosso mundo, conhecendo os meandros de uma conspiração que tenta impedir a validade da poesia. Insurge-se, portanto, nessa denúncia, tentando abrir perspectivas maiores para o hemisfério da canção que preparará o mundo novo que será a conquista maior de todos nós na reformulação dos conceitos de fraternidade. A ninguém é lícito agora o raciocínio em termos de pessoal e de egoísmo: Fala mais alto nossa obrigação para com o grupo. “Nenhum homem é uma ilha.” O “universo das águas” nos reúne, que elas aí estão, linfa amenizando nossas canseiras, indicação de rumos para novas descobertas e acima de tudo a recomposição desse ideal maior de unir os homens de boa vontade em torno do bem comum: a humanidade entrelaçada em paz e amor.
Um tanto amarga agora, a poesia de FRANCISCO MIGUEL DE MOURA nesse seu “UNIVERSO DAS ÁGUAS” nos atinge. Cumpre seu objetivo. O poeta estava a nos dever essa coletânea. Mas não pode parar. Continua com a dívida e dele esperamos muito mais ainda na escalada vitoriosa de sua carreira. Vivendo na província, tem sido capaz de ultrapassar seus lindes, de se fazer entendido aqui e alhures. É poeta e dos bons. Seu nome se situa entre as figuras mais altas da atual geração. Se seu verso é amargo, não lhe cabe culpa alguma, que apenas transpõe para sua estrofe as nossas que são as dores do mundo. E nisso está a virtude maior do poeta: um homem do nosso tempo e que não desprende da terra os próprios pés.

(Publicado na “FOLHA DO POVO”, de Ubá – MG, 12 de maio de 1979).

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*José C. F. Campomizzi Filho é cronista, crítico literário, historiador e jornalista mineiro.






















SEQUIDÃO


Francisco Rodrigues*



Há livros que, para adentrarmos na alma do seu autor, necessitamos estudá-los com o espírito arguto de um psicanalista. Tal não ocorre com “PEDRA EM SOBRESSALTO”, de Chico Miguel de Moura. Da leitura dos seus poemas, facilmente se depreende que o livro é como se fora a “segunda via” do seu autor.
Chico Miguel é um tipo reservado, introvertido, seco. Seu riso é raro e comedido. Seu interior e exterior parecem impassíveis como a pedra.
A impressão que suas retinas fotografaram – pobreza, sofrimento, a sequidão do meio físico e social em que ele viveu parte de sua vida fundiram-se com ele numa perfeita simbiose e telurismo.
Ao estudar “PEDRA EM SOBRESSALTO”, três facetas da personalidade do autor se me avultam: ausência de uma visão transcendental da vida, cuja origem já se deslumbra no seu livro de estréia “AREIAS”, no poema “Dúvida”. Introversão – bastante notória nos seguintes versos:

“E morre comigo
o tentado desfeito
na raiz esquálida”
(Seco, pág. 7)

“Vestida de expressão,
a voz é palavra
(e não será dita em vão)”
(Comunicarte, pág.13).

“Estou à sombra de mim,
nem um passo feliz”
........................................
Inútil procurar-me:
- A luta se fecha.”
(Ciclos, pág. 26)

“Coisas sérias,
rostos sérios,
natureza amarga.”
(Espectros, pág. 43).

Entretanto, a característica que mais se acentua no seu livro é a sequidão e a dureza. Mas o autor não é empedernido no sentido bíblico do termo. Considero-o reto, embora lhe falte uma visão transcendental da vida.
A palavra “seco” aparece treze vezes, sendo uma delas título de um poema, o primeiro.
Palavras que lembram dureza e sequidão, tais como “pedra”, “rocha”, “duro”, “lajedo” surgem trinta vezes. Não é em vão que o livro leva o título de “PEDRA EM SOBRESSALTO”.
Destaco no livro os poemas “Pranto”, “Relatório”, “Subvivência”, “Consolo”, “Existencial”. Os dois últimos são poesias concretistas bem trabalhadas, mormente o último – “Existencial” –, que engloba as três características do concretismo (verbi-voco-visual).
“PEDRA EM SOBRESSALTO” deixa um sentimento de secura na alma de quem o lê, mas antevejo na sua meditação o rebentar de um olho d’água:
“Quem já viu a pedra chorar?
Eu já vi a pedra chorando.
.............................................
Doce corrente a descer, escorrer
do seio natural,
para dessedentar mãos e lavar pés
e rostos e lágrimas e almas.”

Secamente, concluo dizendo que o livro vale.


(Publicado no jornal “O Estado”, de 25 de maio de 1975).

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* Francisco Rodrigues é professor.




PEDRA E POESIA

Modesto de Abreu*

A pedra aparece como fonte de inspiração poética na moderna poesia brasileira. Isso acontece, pelo menos, na obra de dois dos seus expoentes máximos: o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras, e o seu êmulo mineiro Carlos Drummond de Andrade, que bem poderia ter-se integrado na carreira diplomática, mas que não sente nenhuma vocação para o amável convívio acadêmico.
A Drummond dediquei, nas Cem Trovas sem Travo, uma quadrinha glosando tanto quanto talvez gozando o pequeno poema que lhe deu fama como praticante da poesia pétrea. Quadrinha que aqui reproduzo, em sua homenagem:

“Tinha uma pedra no meio
Do caminho, bem no centro:
Era itabirito – e veio
Dos veios de Mato Dentro.”

Leio agora os poemas de um terceiro vate inspirado na pedra. Francisco Miguel de Moura, que já nos brindou com um livro do mesmo gênero, “Areias”, e um substancioso ensaio em torno da obra do romancista O. G. Rego de Carvalho, oferece-nos agora nova coletânea poética a que pôs por título “Pedra em Sobressalto”, em edição Pongetti, de 1974.
Nascido na cidade piauiense de Picos, o poeta sente-se como que petrificado, imune a toda e qualquer forma de expressão exteriorizadora dos sentimentos que lhe vão n’alma, conforme se depreende destes versos:

ANTI-SAUDADE

“E me fizeram deste jeito:
- Duro (duro como pedra.)
Nenhum musgo me medra,
nenhuma ave decanta
outra desgraça
e consumo.

Lágrima?
- Só muito apressada.
Sem expressão do tempo,
feito nuvem,
feito nada.

Duro (duro como pedra)
repercuto
do princípio
ao
fim.”

Toda essa dureza pétrea, no entanto, é puramente formal, ou formalística. O poeta revela-se profundamente sensível aos sofrimentos humanos e, em particular, às milenares tragédias que afligem esta nossa conturbada e sofrida humanidade.
Eis aqui uma esplêndida amostra, com a qual o bardo da poética terra de Da Costa e Silva nos prova que por baixo dessa camada magmática monolítica há sangue, nervos, cérebro, consciência em estuante profusão:

VI-VENDO

“Mundo em que estamos vivendo:
coisas?
soluções?
palavras.

Este que estamos fazendo,
consentindo:
- Uns choram, outros riem,
uns levantando, outros caindo.
Racismo: África do Sul, América do Norte.
Fome: Terceiro mundo.
Guerras: Israel, Egito, Indochina.
Muros na Alemanha, muralhas na China.
Cortinas e mais cortinas.

Problemas do homem civilizado
(ou civil-isento).
E o Papa na encruzilhada do destino
combate diferente,
sem arma na mão:
- Tome séculos de cristianismo.

Mais: mulheres de mini (saia)
vão às partes,
têm filhos,
engolem pílula, pílula...

Assim: amor morrendo,
nós continuando menos:
- Cantamos só o que se renova:
minuto,
vida,
pensamento
e a impotência e o desespero.

Algum dia ficaremos mudos.”

Outro do mesmo teor: Opções, que por igual transcreveríamos, não fosse a angústia do espaço. E ainda: Mangalheiro, Subvivência, Confabulário, Esperança, Cânceres.
O livro é dividido em quatro partes: Pré-poema, Lírica, Antilírica e Integrativos. Pertencem à penúltima: Existencial e Consolo, em que podemos rastrear influências concretistas.
Francisco Miguel de Moura, que entra este ano na risonha casa dos 42, teve-os bem vividos, afirmando-se um desses verdadeiros heróis pelo poder da vontade: tendo começado como simples lavrador, galgou um a um os sucessivos graus de instrução, tendo sido mestre-escola, comerciário, escrivão de polícia e, finalmente, bancário, atividade que exerce no Banco do Brasil.
Dominando com perfeita mestria o verso e o idioma, o poeta de Pedra em Sobressalto confirma e amplia os méritos literários postos à prova com a publicação dos livros anteriores, recebidos com significativos encômios pela crítica mais autorizada.

(Publicado no ‘JORNAL DE POESIA”, Recife, março-abril de 1975).
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* Modesto de Abreu é poeta, contista, teatrólogo, biógrafo, crítico literário e jornalista fluminense.

PEDRA EM SOBRESSALTO

Campomizzi Filho*



Este é um tempo de poesia. Buscamos no verso um refúgio e uma compensação. São múltiplas as pressões e maiores as dores do mundo. Só uma estrofe é capaz de dar resposta às nossas indagações e de resolver os teoremas que se nos apresentam, difíceis e intransponíveis barreiras ao nosso entendimento e muros à nossa confraternização. Esmagam-nos as dificuldades e nos intranqüilizam as ameaças do amanhã, engenhos colocados para a destruição dos valores mais autênticos e máquinas instaladas para impedir o afago de mãos. Os sorrisos desaparecem. Os acenos são mais raros. Uma angústia toma conta dos horizontes e afasta luminosidades. Os sons têm outros acentos e a música perdeu a suavidade, agressiva aos ouvidos e intempestiva na mensagem que traduz. Só a palavra nos comunica uma receita diferente de eternidade, partitura e poema, sussurro e prece, canção e testemunho. O poema nos traz, com sua presença, a sensação de que nem tudo está perdido. Há uma salvação à nossa espera, abrindo-nos encantos e nos indicando rumos decisivos. Com alegria, compulsamos os volumes que nos chegam. Pode estar numa dessas páginas o milagre ansiosamente esperado. Deve o seu canto abrir-nos perspectivas válidas. Quando “mulheres, jumentos e meninos” se identificam “na pedra e na água”, a aurora está próxima, ultrapassadas as borrascas e anunciadas todas as ternuras. E é isso que encontramos em FRANCISCO MIGUEL DE MOURA que nos entrega agora, com o selo da Editora Pongetti, esse seu aplaudido e vitorioso “Pedra em Sobressalto”. O poeta é originário de uma das regiões mais sofridas do nordeste brasileiro. Vem do sertão piauiense batido pelas secas e esquecido de nossa comunidade. Nem por isto, entretanto, deixa subjugar-se. Conhece a realidade ambiente. Ama os seus irmãos. Verifica a grandeza daquela paisagem amiga. Falam-lhe muito ao coração a rocha e as águas, o animais e as árvores, o campo que se perde de vista e as montanhas que servem de contorno ao quadro inesquecível. Universaliza aquele complexo cobrindo uma admirável beleza de sentimentos. Humaniza-se a natureza. Ganha contornos místicos. Descobre-se ao mistério das primeiras chuvas. Doura-se nas manhãs brandas, o orvalho fazendo com que fiquem esquecidos os meses seguidos de sol inclemente. Existe a dureza da pedra. Os rostos se ressecam. Transfiguram-se as almas. Mas, no fundo, há uma expressão de meiguice e de amor dominando os componentes daquele conjunto que o poeta traduz, afirmando revérberos e sonhando mutações que conduzam tudo e todos à suprema bem-aventurança. Às vezes se desalenta na pluralidade dos encontros: “um não existiu; um segundo adoeceu; dois outros se perderam” e no último surgiram os versos de azul e de carmim, de fogos-fátuos e de perfumes, de flor e de mar. É possível que se “diminua o céu”.Mas “as aves nos ramos” contemplam a imensidão e abrem oportunidades. Cada uma daquelas retinas lhe estereotipou marcas que não se apagam e que são chamas vivas para o verso, transbordante de lembranças e candente de lirismo na força da viola que ele sabe manejar, madrugada adentro, em desejo e em força. A pedra é dura. Lasca-se à violência e faísca do sol sem nuvens. Mas a água batendo, linfa intocada ou lágrima sentida, é capaz de rompê-la, traçando ao longo do derramamento basáltico o incorruptível segredo à mulher amada. Não basta que sejam enterrados os mortos. Roupas, sapatos, redes e livros não se perdem na cova aberta em campo raso. Uma cruz colocada se perde logo, os ventos e a chuva vencendo depressa o monumento tosco e rude. O senhor comanda. O escravo tem receio. “Amor, ódio e suor se misturam” em sobressalto: a pedra é o ângulo maior do tripé que não se mantém porque incendiado em desequilíbrio. FRANCISCO MIGUEL DE MOURA vai lançando as suas linhas. Tece as suas esteiras. Toma o material que tem às mãos. Sacode-nos com o seu canto, como se nos prendesse, diferentes horas que os ponteiros não contam, diante de um copo e à frente de umas tintas.As rosas surgem no meio do musgo. Os espinhos somem porque ele retrata com fidelidade os contornos da gleba fecunda que espera pelo nosso pólen, trazido na grita do entusiasmo ou conduzido nas asas do pássaro. Vai brotar, força telúrica da nossa crença, um amanhã mais rico e mais amorável, sem pressões e sem reservas, sem silêncios e sem mutilações, numa “pedra em sobressalto”, porque alguém tangerá os sinos em oração, nunca em responso pelos que se foram.
Há um toque barroco na sua poesia. Esse tom intermediário, essa meia-luz filtrada nos vitrais, essas imagens douradas de anjos gorduchinhos, essa pluralidade de flores dependuradas e esse convite à meditação fazem de seus poemas uma espécie de livro de horas a que nos devemos voltar sempre para um entendimento e para uma reformulação. Há angústia no ar. Existem pressões por todos os cantos. Voltamos para casa cansados e abatidos. O poema nos reconforta. Consola-nos. Retempera-nos. Abre-nos uma nova oportunidade, como se operasse um interregno nas frustrações que comparecem e de uma hora para outra descobríssemos que a água despencando por sobre a pedra realiza a permanência de uma sinfonia. A terra é áspera. Os troncos são retorcidos. O homem rasga os sulcos em que colocará as sementes. Olha para o alto aguardando que a chuva caia em grossos bagos. Enquanto isso, ajoelha-se diante dos seus santos. Balbucia orações mal aprendidas. Confia nos seus duendes. Não joga inutilmente com o texto desalinhavado, que não tem ele o sabor superado do “jornal que se leu pela manhã”.
FRANCISCO MIGUEL DE MOURA é poeta. Seu “Pedra em Sobressalto” tem um roteiro seguro de aplausos que lhe consagra a crítica unânime. Enfileira-se na trilha de Drummond e de Cabral de Melo Neto, de Emílio Moura e de Alphonsus de Guimaraens Filho, de Stella Leonardos e de Ledo Ivo. Está, portanto, em boa companhia. Não nos decepciona. Pelo contrário, prende-nos a sua linguagem, viva e simpática, atraente e responsável. Os termos nas suas mãos tomam desígnios vários em conscientização de mensagem. Não canta em vão. Não reza sem objetivo. Debruça-se por sobre a sua terra e nos revela o cromo de um domingo, quando a mãe feita avó tece contas e sonha com a aurora que, na segunda, descobrirá de novo a quadratura da casa e o dimensionamento dos bois. O quotidiano não é sempre esmagador. O machado corta a árvore. O retorno à tarde é um consolo: ganham os filhos com o sorriso do dever cumprido. O leito de palha não esconde o frio da madrugada. A canção manda, no novo dia, os momentos que ficarão e que se responsabilizarão pelas mudanças e pelas transformações operadas. Às vezes o poeta faz uma pausa. Indaga. Contempla. Mas, acima de tudo, ama. É esse o texto de pedra de seu sorriso e essa a afirmação elegante de sua presença. Ajunta os seixos rolados. Prepara a argamassa. O resultado não é uma parede. A construção não é uma torre. A obra não se dá em muro. Como em passe de mágica, lá está, descartável no branco, a catedral que os séculos irão respeitar lamentando apenas que o artista não tenha ficado à sua porta.
É este um tempo de poesia: refúgio e fortaleza. As canseiras nos convidam a um instante de reflexão. É preciso rever as posições tomadas. O dia-a-dia nos compunge e nos esmaga. A oração nos dá consolo. Pois, FRANCISCO MIGUEL DE MOURA, com o seu “Pedra em Sobressalto”, põe em relevo as angústias desta época e nos aponta o caminho da redenção: crença e amor. A rocha é eternidade. Não se rasga o sílex para compor abandonos. Os seixos enfileirados são principalmente os alicerces de uma nova encruzilhada que ele nos mostra, filho de área áspera e sofrida, como o destino de quem contempla e espera, amando e bem querendo.

(Publicado na “FOLHA DO POVO” , Ubá - MG, em 19 de outubro de 1974).

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* Campomizzi Filho é jornalista e crítico literário.



PEDRA EM SOBRESSALTO

José Afrânio Moreira Duarte*

“...O Parnaíba – o velho monge /as barbas brancas alongando...”
Quem não conhece os famosos versos de Da Costa e Silva? Quem? São do poema “Saudade”, considerado uma das obras primas do soneto brasileiro. Depois desse autor, muita gente da terra piauiense andou escrevendo poesia com êxito e mérito, destacando-se Mário Faustino, Álvaro Pacheco e H. Dobal. E eis que um novo nome se incorpora ao grupo: Francisco Miguel de Moura. Lança agora “Pedra em Sobressalto”, coletânea de poemas. Não se trata de um livro de estréia. Antes, o moço já publicara “Areias”, poesia também, e “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho”, ensaio escrito de maneira objetiva, em linguagem clara, analisando com profundidade um dos valores realmente grandes da ficção brasileira hodierna.
Quando Francisco Miguel de Moura estreou, com “Areias”, Pessoa de Moraes disse-lhe: “Encontrei, através de seus poemas, uma sensibilidade, uma perscrutação de certos traços das coisas, com alguns laivos de transfiguração literária que me fizeram pensar, com seriedade, nisso: nas possibilidades que possui para a literatura”. Estava certo. As potencialidades aludidas vêm sendo exploradas com sucesso evidente e crescente. “Pedra em Sobressalto” aparece como a confirmação de um talento poético que “Areias”, de maneira inequívoca, já fazia ver e entrever. Quer na prosa, quer no verso, Francisco Miguel de Moura consegue um louvável equilíbrio entre talento inato e técnica. Se a isso já tendia desde o início, parece haver ficado mais apto ainda a cuidar dos aspectos estilísticos e formais após graduar-se em letras.
“Pedra em Sobressalto” divide-se em quatro partes que se completam num todo homogêneo, quer pelo nível literário, quer pela temática. Aridez, solidão, pessimismo, desânimo, lirismo e telurismo são encontrados através das páginas do livro. Francisco Miguel de Moura revela-se um profundo conhecedor das tendências mais modernas e inovadoras cultivadas no mundo da poesia, mas nem de leve se limita a ser um mero repetidor de normas pré-estabelecidas e padronizadas. Pelo contrário. Apresenta seus trabalhos com o despojamento necessário – desejado e conseguido – sempre de um modo acentuadamente pessoal, como comprova o poema “O Pássaro”, talvez o mais belo de todos:
“Entre ruídos e mais vozes
no labirinto dos prédios
marmóreos, mudos, iguais,
eis a vontade de ser.

Sem apoio mais que o céu
de nuvem esgarça, avança
de leve, à procura, pensa
e sofre a vida, seu fim.

No desespero do inútil
serviço. A sede de ter,
lá embaixo, uma corrente

Sobre-humana é o que lhe dita
uma paixão mais enorme:
- De voar e de não ser.”
Aí está um poema de poeta mesmo, ninguém pode negar. Mas há outros trabalhos, muitos outros, do mesmo valor.
Revelando-se simultaneamente modesto e tímido, em certo ponto, Francisco Miguel de Moura diz:
“Muito azul no dia,
tudo existe em mim,
sem expressão.”
Não contesto o azul. Nem o tudo existindo. Mas quanto à falta de expressão não se pode concordar, pois, na realidade, o autor é sempre expressivo:
“Cada palavra no lugar,
sem preconceito:
Usar a necessária
no seu receptáculo.”
É isto mesmo que Francisco Miguel de Moura consegue em “Pedra em Sobressalto”: a palavra certa no momento preciso, sabendo dizê-la com beleza e classe.
Nota: “Pedra em Sobressalto” – Francisco Miguel de Moura – Poemas – Editora Pongetti – Rio de Janeiro, 1974.

(Publicado no “ESTADO DE MINAS”, 20 de março de 1974).
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*José Afrânio Moreira Duarte é poeta, contista e crítico literário. Mora em Belo Horizonte – MG.

UM POETA SOFRIDO



O. G. Rego de Carvalho*


Rompo um silêncio deliberado – o de não escrever sobre livros alheios, por ser criador e não intelectual (termo ambíguo) – para dizer duas palavras de apreço a um Poeta de grande envergadura, sensível como poucos, o nosso muito caro Francisco Miguel de Moura, deste “PEDRA EM SOBRESSALTO”, lançamento da Pongetti, Editora, Rio, 1974.
Confesso que o primeiro livro de poemas de sua autoria – “AREIAS” – não me agradou. Senti-o incipiente, entre romântico e moderno. Isso, contudo, não desmerece a obra; é característica de estreantes. O que me desagradou foram os acrósticos e o recurso a paródias, cousas de poeta de segunda linha.
Já em “AREIAS” vi suas potencialidades para a literatura, potencialidades reconhecidas também por Pessoa de Morais e que se revelariam maduramente no livro de ensaios que dedicou à minha obra, o seu belo, penetrante, arguto e sofrido “LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO”.
Nunca tive oportunidade de escrever sobre esse livro de estudos “ogerregueanos” (o neologismo é dele). Nem mesmo uma carta de agradecimento. É que houve aqui quem maldasse, por inveja talvez, sei lá, meu Deus, o que se esconde na alma das pessoas? E eu preferi silenciar – o silêncio com dignidade de que falam os latinos.
Os tempos são outros. Aqui está a confirmação do talento de Francisco Miguel de Moura. Duvidam? Leiam o poema “Pranto” à página 30, tomado a esmo, como poderia citar outros muitos. Poeta de corpo inteiro, senhor e não servo das palavras, conhecedor profundo e sofrido de nosso interior, mais telúrico do que Fontes Ibiapina na sua prosa, piauiense no assunto e universal na transfiguração do tema, Francisco Miguel de Moura cresceu na minha admiração e hoje o posso citar como um dos três maiores poetas do Piauí, ao lado de Da Costa e Silva e H. Dobal.
Aliás, somente um poeta (e não apenas crítico), com sua sensibilidade aberta às mínimas vibrações da vida, está em condições de penetrar no mundo de sortilégios, espanto e símbolos de meus livros, notadamente o famoso “RIO SUBTERRÂNEO” – um livro assim rio e árvore; rio subterrâneo que as almas submerge; árvore que, frondosa, resiste ao aceno do machado, conforme escrevi em dedicatória a Assis Brasil.
Pois Francisco Miguel de Moura saiu-se bem. Poderia ter dito mais. “PEDRA EM SOBRESSALTO” mostra quão sensível é para tal empresa. Porém o que disse bastou para a compreensão de minha obra, pelo menos para o leitor médio e para os estudiosos de literatura a que se destina “LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO”.
Muitos me têm elogiado. Ele foi comedido nos elogios. Comedimento, franqueza, honestidade que sinto de novo nestas páginas de afirmação como artista da palavra, mais que simples escritor – Artista.

(Artigo publicado no jornal “O DIA”, Teresina, 10.3.74)

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Rego de Carvalho é o maior estilista da língua portuguesa, depois de Eça de Queiroz, e autor de “Rio Subterrâneo” e “Somos Todos Inocentes”.


























LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO

Félix Aires*


A maior surpresa que tivemos no Piauí do momento foi a revelação do poeta de feição modernista, Francisco Miguel de Moura, na área da crítica literária especializada, publicando, de imediato, a tese forte em que defende a personalidade artística de O. G. Rego de Carvalho.
Não traça conjecturas, desce fundo ao estudo relativo, mais deliberado que encomiástico, porque mais sério do que decorrente. Tomou o assunto para a oportunidade de mostrar a excelência do seu estilo e a justeza do valor mais expressivo da sua gleba de hoje.
Parece até que o poeta dos primeiros dias de “AREIAS” ficou obumbrado pelo ensaísta de “LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO EM O.G. REGO DE CARVALHO”, ficcionista que encabeça a lista dos melhores.
O verso ombreia-se à crítica e esta avantaja-se mais no juízo dos observadores e coloca o beletrista um furo acima do cinturão da inteligência e da cultura, ou um ponto mais alto na cordilheira documentária da história piauiense.
E como se trata de um jovem de 1933, técnico em contabilidade, ficará mais tempo com o fogo sagrado nas mãos para entregá-lo aos porvindouros, uma vez que já nos promete “PEDRA EM SOBRESSALTO” e “VELHOS POEMAS”.
O necessário é que se compenetre disto e ande bem firme, para justificar a confiança, e se esforce em nitidez legítima para justificar a responsabilidade que lhe cai sobre os ombros.
D’agora por diante, eleito, e não mais esperança. Marco irremovível, não apenas ligeiro sinal de progressão.
Os valores surgem assim da significância coletiva, vêm do povo, para erguer esse próprio povo. De emblema se fazem flama, de galhardete se transformam em bandeira.
Esmiuçador da cintilância alheia, encorajado e vibrante, começa por se fazer notado pelo aprumo com que encara os assuntos, com que se fixa em detalhes, fazendo elucidações inesperadas e firmando análises subidas.
A argumentação nova é válida, da base para o extremo, do simples para o complexo, do melhor para o superior. Adequado às sutilezas do seu empenho, comprime-se e estende-se, arvora-se e amarra-se em circunstâncias meritórias.
Caçador de virtudes, bem armado de inteligência e bem firmado de conhecimentos, ora aqui, ora ali, aviva as afirmativas, sublima os pormenores, de cabeça erguida, porque mais a serviço da arte do que do encômio.
Situa-se firme o novel ensaísta piauiense, pois quem vai ao mar se prepara em terra. E ele foi ao debate e se preparou de honesta mestria.
O livro surpresa veio depois do primogênito e antes dos dois prometidos, estoirou como uma bomba nos meios artísticos e de modo particular, em nosso entusiasmo.
Saudemos o primeiro crítico-literário especializado do Piauí, colocado mais à vista da consideração, porque atualiza sua terra na gloriosa arte de Agripino Griecco.
Francisco Miguel de Moura é o detalhe novo da história lítero-cultural. Damos destaque ao acontecimento pelo realce, quando o escritor se categoriza, porque opina, considera, discute com a principal qualidade de não ser anárquico, mas ágil, sensível, meticuloso, atualizado.

Rio (GB), 12 de abril de 1972.

(Publicado no “JORNAL DO PIAUÍ”, Teresina, em 30 de abril de 1972).

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*Félix Aires é poeta, crítico literário, historiador, jornalista e médico veterinário. Autor da “Antologia de Sonetos Piauienses” Reside no Rio de Janeiro.
















LITERATURA: NOTA DEZ

Abdias Lima*


Enquanto “O Coronel e o Lobisomem”, romance de José Cândido de Carvalho, levou seis anos para tornar-se conhecido em todo o Brasil, o “Somos Todos Inocentes”, do oeirense O. G. Rego de Carvalho, obteve logo a sua justa projeção, mal saiu do prelo. E como há um encadeamento das cousas, tanto no mundo físico quanto no mundo do espírito, surge agora, também no Piauí, um crítico que faz o levantamento de toda a obra ficcional ogerreguiana.
Francisco Miguel de Moura analisa a novela “Ulisses entre o Amor e a Morte” (1953) e os romances “Rio Subterrâneo” (1967) e “Somos Todos Inocentes” (1971) com a percepção de que fala Curtius: “o dom de penetrar a fundo na criação artística”.
Dignidade e deslumbramento diante das belas criações – eis a maior característica desse jovem crítico piauiense. E Antônio Cândido já disse que “a crítica da prosa de ficção é a pedra de toque para se reconhecer o verdadeiro crítico, que funde sensibilidade com o poder de analisar”.
Por outro lado, se os romances de O. G. Rego de Carvalho não tivessem atingido os cumes da beleza e da arte, Francisco Miguel de Moura não nos brindaria com um ensaio de interpretação tão lúcido. Porque seu livro “Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho” (Editora Artenova, Rio, 1972) transborda, abrange o romance em geral, isto é, a estruturação do romance.
Fico pensando o que não faria esse moço, se conhecesse outros estudos sobre esse gênero literário, além dos citados em seu livro.
“Para Euclides da Cunha, o verdadeiro romance teria que ser épico; para Graciliano, dramático. O. G. Rego de Carvalho não é exclusivamente épico ou dramático; o lirismo é o tom dominante, embora que bem dosado com fundos heróicos (em “Ulisses”), com notas de tragicidade (em “Rio Subterrâneo”), com dramas (em “Somos Todos Inocentes”)” (p.17).
“Como quer que seja, em técnica, em apuro de linguagem, musicalidade, aprofundamento psicológico, “Rio Subterrâneo” não é uma experiência, é uma obra incomum, talvez insuperável na literatura brasileira moderna” (p.58).
Mais ainda:
“Nesse conto, cremos e por isto afirmamos, encontra-se toda a gênese não só da problemática ogerreguiana: tristeza, solidão, amor, medo, loucuras, sombras e sonhos, como também dos símbolos: o rio, a montanha, a fazenda, o velho, a cidade decadente, a família, o jovem ensimesmado” (p.64).
H. Dobal, na orelha do volume, alude à assombrosa dedicação à literatura do festejado romancista O. G. Rego de Carvalho e acrescenta que as suas histórias poderiam localizar-se em qualquer parte, não só em Teresina envolvida em névoa, lembrando uma cidade inglesa, como em Oeiras, decadente como uma cidade medieval. Esse romancista de ressonâncias universais encontra o seu primeiro intérprete em proporções mais vastas. Não é só uma página de análise, mas todo um ensaio brilhante, criterioso, para encontrar os caminhos reais na extasiante floresta romanesca do escritor piauiense.

Fortaleza (CE), 11 de março de 1972.

(Transcrito de jornal de Fortaleza, no “JORNAL DO PIAUÍ”, 14-5-72).

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*Abdias Lima é romancista, crítico literário e jornalista cearense.



















AREIAS – POESIAS E COMUNICAÇÃO

Pedro Marques*



O livro de poesias “AREIAS”, de autoria de Francisco Miguel de Moura, contém notáveis particularidades e virtuais semelhanças. Ele, em alguns poemas, de pensamento em pensamento, desce e arranca de si mesmo o passado pessoal vivido, exteriorizando-o no presente. Essa constante procura de alguma coisa nas entrelinhas percorre todos os versos como um recurso rítmico exaltante; e, deste modo, oferecendo novo sentido às palavras no texto das conotações verbais, como se fosse um inusitado desejo do poeta de enxergar o invisível; essa tendência expressional toma conta de tudo, infiltrando-se no íntimo delicado das idéias.
Há poetas que falam das coisas com os olhos do espírito enfiados no oculto e no mistério; por tal razão subjetiva aquilo que parece uma coisa é outra muito diferente. As palavras expressam ou representam apenas aparências; na realidade do contexto, elas simbolizam pontos de referência cujo sentido traduz aquilo que não pode ser expresso, o indizível, mas aquilo que é apenas sentido.
Neste ponto, sentimos nos versos de Francisco Miguel de Moura uma louvável influência de Carlos Drummond de Andrade. Especialmente quando há motivação de comunicar a paisagem subjetiva que comove o coração, mas não se pode traduzir por palavras e nem se pode compreender.
Outra influência observada nos poemas de “AREIAS” é a meticulosidade fina cujo traço se adelgaça pela natureza expressional de uma sintaxe bem ajustada à realidade percepcionada onde sempre fica registrada a mensagem autêntica de um poeta vocacionado. Esse tipo concepcional é a razão última da técnica lírica de nosso genial Da Costa e Silva. Recurso que até certo ponto é uma característica clássica. Constitui uma forte razão do poema objetivo que atinge a verdade pelo natural e pelo simples.
O livro “AREIAS” coloca-se entre as melhores coisas que se divulgaram no Piauí, em poesia.
Com tais considerações, leva-nos a acreditar no poema que, usando diferentes fontes, conseguirá realizar-se obra digna da melhor referência crítica. Demais, convém salientar, nesta altura, que ele usou tais recursos com oportunidade inegável e talento, não se deleitando no prosaísmo prejudicial. O sentido poético das imagens cresce e desce na medida em que o poema atinge o auge de significação, onde as palavras se apresentam carregadas de mistério, cheias de vigor, numa infinita sensibilidade da vida.
No sentido material o poeta usou o meio ambiental para encontrar o elemento isolado. Essa estética mais de precisão visual da mecânica sintática conduziu-o a uma precisão lógica que ultrapassou o limite da poesia. Falou no “orgulho do tufão”, na vaidade dos caminhos” e “na tristeza do jazigo”, frases que correlacionadas no texto do poema têm sentido poético, mas fora dele oferecem em si uma frouxidão metafórica, liricamente dominada pela força de um homem espiritualmente maturado pela verdade da vida.
Possui uma especial força comunicativa, fazendo-nos vagar o pensamento por diversas direções, umas perceptíveis, outras apenas sentidas.


(Publicado no jornal “O ESTADO”, Teresina, 30 de agosto de 1971)

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*Pedro Marques é contista dos melhores de sua geração e escreve também notas de crítica literária.






















AREIAS

Inocêncio Candelária*


Do poeta Francisco Miguel de Moura, da cidade de Teresina, Estado do Piauí, recebemos o livro de versos de sua lavra denominado “Areias”.
Com muito prazer entramos em contato, através desse livro, com a alma sensível de Francisco Miguel de Moura, o poeta que, com ritmos agradáveis, transmite as suas emoções pelas palavras inspiradas da poesia.
E pela música e pela sentimentalidade dos seus versos, ele nos fala da infância, da sua vida, dos pobres campônios, do sertão seco, dos enganos, dos desenganos, das guerras, das medalhas, do sofrimento, dos infortúnios da seca, das tragédias da fome, do sofrimento dos retirantes, enfim, ele nos fala da vida com os seus contrastes chocantes para a sua personalidade emotiva.
O livro “Areias” reafirma que o Brasil tem, de fato, poetas em todos os seus rincões e que é seu autor - coração que vibra diante das alegrias e tristezas do mundo, e se expande em versos de delicada emoção.
Entre vários poemas do livro, de significativa poesia, escolhemos, para mostrar aos leitores, o soneto “Espera – Esfera”, que nos diz das virtudes do amor e da bondade do poeta Francisco Miguel de Moura:

Espera – Esfera


Esperar... A virtude não se altera.
Esperando se perde mas se alcança.
Se a vida toda é círculo de espera,
não fiquemos aquém de uma esperança.

Eis a forma cabal: tanto se avança
quanto mais se esperar.Ah, quem me dera!
E nessa rítmica e terrível dança
compomos, decompomos nossa esfera.

Não contemos perdidas esperanças,
esses desgastes ficam nas andanças
das estrelas – excêntricas e feras.

Alma sedenta, em que te desalteras?
Mourejando no amor de tantas eras,
cultiva o bem e espera as esperanças.

Obrigado, caro poeta, pela gentil oferta do seu livro “Areias”, outra valiosa obra para a minha estante de livros de amigos.


(Publicado em “A TRIBUNA”, de Taubaté-SP, 25 de setembro de 1970).


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* Inocêncio Candelária é jornalista e poeta, fazendo publicar seu artigo acima também no “Diário de Mogi”- SP, 15 de junho de 1971.


























COMENTANDO

Samuel Filho*



Alguns dias atrás, li o 2º volume de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, de autoria de J. Miguel de Matos, recentemente lançado em nossa Capital. A leitura que fiz da referida antologia poética teve como único objetivo – apesar de o autor desta coluna não ser crítico literário – chegar a uma conclusão de qual um dos poetas mais talentosos ali existente. Portanto, a minha preocupação capital foi, única e exclusivamente, ler com atenção e, às vezes, reler as poesias dos vates que compõem o 2º tomo de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, impossibilitado, por conseguinte, de fazer um juízo da obra de J. Miguel de Matos. No entanto, qualquer pessoa interessada pelo progresso das letras em nosso Estado, – onde existe a carência de ajuda dos nossos poderes públicos aos homens que se dedicam à literatura, – tem um mérito a dar ao autor de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, por o mesmo ter sido o único que teve a patriótica iniciativa de reunir a maioria dos brilhantes poetas piauienses do passado e do presente em três volumes (o 1º e o 2º já lançados e o 3º a ser lançado futuramente). Nada mais posso dizer sobre ele.
Li minuciosamente as poesias de todos os poetas incluídos naquela antologia. É inegável dizer-se que o Piauí teve e tem muitos valores, nas artes literárias, que se pode considerar como a lídima expressão do estro propriamente dito. Na minha leitura tive a oportunidade de conhecer diversos vates até então por mim desconhecidos, senhores de um coração sensível, exuberante, dos mais belos sentimentos humanos, semelhante a uma fonte inesgotável de águas cristalinas. Enfim, pode-se dizer com orgulho que o Piauí é berço de grandes vocações poéticas, que abordaram os mais variados temas, portadores das diversas mensagens: uns cantavam as próprias mágoas e queixas, e outros, o amor, a paixão, o sexo, a paz, a natureza, a bondade e as injustiças sociais, projetando-se brilhantemente no classicismo, no romantismo, no parnasianismo, no simbolismo e no modernismo.
Nós sabemos que o gosto varia, bem como as opiniões em torno de um determinado assunto. Partindo deste princípio, quero dizer que dos poetas que integram o 2º volume de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”, Francisco Miguel de Moura é um autêntico filho das musas, talvez, senão o mais talentoso que figura naquela antologia poética. Para o leitor ter uma idéia das poesias do autor de “AREIAS”, transcrevo aqui, da obra de J. Miguel de Matos, alguns versos de um poema do poeta:

– “Quem já viu uma pedra chorar?
– “Eu já vi uma pedra chorando...
A pedra chorava a todos os jumentos adernados
de ancoretas pesadas às costas;
chorava às pobres lavadeiras das roupas sujas
de homens que querem ser limpos
ao menos na roupa.”

Como o leitor viu – estes versos do poema “O pranto da pedra”, o qual não transcrevo na íntegra por exigüidade de espaço, é um canto de quem sente à flor da pele o procedimento corrupto dos grupos privilegiados que se beneficiam do trabalho honrado da grande maioria injustiçada. A mensagem social é uma das mais fortes características da poesia de Francisco Miguel de Moura, que sente profundamente o desequilíbrio social entre as classes, tornando-se como um autêntico poeta que é, um porta-voz das angústias coletivas.
Na poesia de Francisco Miguel de Moura há outros traços, porém o poeta se sobressai naquele. Além do mais, a sua poesia é moderna, livre dos ditames superados das escolas passadas, original, de estilo simples, espontânea. Estas são as qualidades de um dos mais talentosos poetas que estão biografados no 2º volume de “CAMINHEIROS DA SENSIBILIDADE”.

(Publicado no jornal “O Dominical”, Teresina, 7 de março de 1968).

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*Samuel Filho é jornalista piauiense e comentarista literário.











COM “AREIAS” NOS OLHOS


Manuella*



Conheci cada grão de areia, quando tive em mãos o recente livro de poesias “AREIAS”.
Tudo para mim era desconhecido, inclusive o autor. Portanto, foi sem olhos de admiração que principiei a empolgar-me, desde o título tão sugestivo. A admiração foi nascendo e crescendo à medida que eu encontrava verdadeira tempestade de areia nas páginas de “AREIAS”, e reconheci ser o melhor livro de poesias lançado ultimamente no Piauí.
Francisco Miguel de Moura me cativou. Encontrei-o na sua linguagem simples, certa e clara.
Como poeta moderno e social, achei-o superior, pela sua espontaneidade quando expõe o Piauí problemático e esperançoso... quando encontra poesia nos “lamaçais” da “terra de meu boi morreu”.
E, além de verdadeiras poesias repletas de conteúdo, Francisco Miguel oferece aos leitores admiráveis sugestões de acrósticos, como o seu enclítico “ELISA”.
O Piauí cresce, em todos os sentidos, e nas letras ganha, dia a dia, valores inegáveis, que deverão ser admirados e seguidos.


(Publicado no “JORNAL DE BOLSO”, Teresina, 20 de maio de 1966).

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*Manuella – pseudônimo da, àquela época, estudante da Faculdade Católica de Filosofia do Piauí - Maria do Perpétuo Socorro Lima Veloso.








LIRAS SINFÔNICAS

Herculano Moraes*


Aqui estamos nós para lhes apresentar outro poeta das harpas piauienses. Outro jovem que orna a poesia do Piauí com produções extraordinárias, encantadoras. Trata-se desta vez do festejado autor de “AREIAS”, opúsculo lançado no mercado da curiosidade do povo de nossa terra, nos primeiros meses deste ano de 1966, de grandes e espetaculares lançamentos literários. Francisco Miguel de Moura, ou Chico Miguel, porque assim o chamamos na intimidade, veio ao mundo no dia 16 de junho de 1933. É filho de Miguel Borges de Moura e D. Josefa Maria de Sousa. Seu primário, alicerce indelével do primeiro passo, foi feito com seu próprio pai, que mantinha uma escola particular, depois passando a publica, municipal, em 1941. Nosso focalizado nasceu no povoado Jenipapeiro, pertencente, àquela época, ao município de Picos, deste Estado. Em 1960, o povoado onde nasceu o nosso poeta foi elevado a cidade, com a denominação de Francisco Santos.
Por motivos vários, entre os quais se sobreleva a situação financeira de seus pais, teve que deixar de estudar, voltando somente depois de completar 20 anos, matriculando-se em 1954, no Ginásio Municipal Picoense. Em 1956 fez o concurso de Auxiliar do Banco do Brasil e foi aprovado.
Já funcionário do Banco do Brasil, tendo sido aprovado com boa classificação em concurso realizado em Picos, primeiramente, e depois em Fortaleza – CE, quando passou a integrar o quadro de Escriturários do Banco do Brasil, servindo na Agência de Picos, continuou seus estudos no Ginásio referido e depois na Escola Técnica de Comércio de Picos, hoje pertencente à Associação Comercial daquela cidade, único estabelecimento de ensino médio existente naquela época.
Face à sua inteligência e aos seus conhecimentos, foi transferido para o interior do Estado da Bahia – cidade de Itambé – para assumir as funções de Chefe de Serviço da Carteira Agrícola, onde bem desempenhou suas funções. Entretanto, por motivo de doença em si, em seus familiares aqui (pai, mãe e sogro), não pôde continuar naquelas funções como era sua vontade. Foi transferido para Teresina, por solicitação sua, onde voltou novamente à condição de simples escriturário.
Casado com D. Maria Mécia Moraes Araújo Moura, três rebentos alegram o seu lar: Franklin, Laudimiro e Francisco Júnior. Acha que, entre os que concorrem (ou almejam) a uma cadeira na Imortalidade de nossa Academia de Letras, o escritor J. Miguel de Matos é um dos mais credenciados, não esquecendo o mérito dos demais.
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Sua poesia, na maioria das vezes, focaliza a própria vida: Seu labutar incessante e quotidiano, suas desgraças e seus martírios, suas lágrimas e suas dores. Seu poema “O Copo” é uma afirmativa do que dissemos:
“A poesia rústica do copo,
o homem simples vai,
pela manhã que vem,
brindar à solidão
de sua alma esmagada
ao peso da desgraça,
da pobreza amém.

Bateu na mulher,
brigou com o amigo,
discutiu com o patrão,
perdeu o trabalho:
- Vai para o copo,
único amigo que o fará sonhar
e esquecer
e perdoar
a vida que passa rodando
pelo fundo dos olhos bons.

Não o condenem por isto.
É um santo desconhecido,
sua vida não lhe vale.
Consolação.
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Também o copo
- entornado e consciente -
sem esperança de chorar
a última lágrima do dia
antes do poente,
preferiu suicidar-se
mas sub-repticiamente.
Sua vida não lhe vale.
Consolação.”
Noutras vezes, tateia no mundo da infância passada, e a saudade lhe invade o espírito. Inspira-se. As figuras se embaralham na sua mente. E sua cidadezinha, e berço do seu berço, aparece qual um milagre na noite de sublime inspiração:
“Entre dois chapadões – terra bendita,
de alma mais pura do que a branca areia,
terra que ouviu de minha mãe, contrita,
rezas a Deus logo depois da ceia:

És tão humilde e pequenina aldeia
que, pela vida, em nosso peito habita.
Qual semente daquele que semeia,
És semente do amor – Terra Bendita!”
Chico Miguel é um homem simples. Tem maneira toda sua, toda especial de tratar com suas amizades. Poeta primoroso, seus trabalhos têm beleza e arte, não artifício. Moderno, em todos os sentidos, ultrapassou as barreiras do parnasianismo e do simbolismo como escolas, e trouxe, para os apreciadores da Poesia, um estilo novo e diferente para este Piauí, que ainda não havia conhecido o verdadeiro sentido da poesia moderna. Não porque todos sejamos ignorantes no assunto, mas porque as classes que nos deviam orientar no caminho da moderna literatura divorciam-se da juventude, e deixam-na à mercê de alienações. Chico Miguel é diferente: – Intrépido e audacioso, lutou, venceu, realizou-se.

(Lido no programa radiofônico “LIRAS SINFÔNICAS”, Rádio Pioneira de Teresina, em 10 de maio de 1967, das 9,30 às 10 horas). Autoria e locução de Herculano Moraes).



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*Herculano Moraes poeta e jornalista, membro do Círculo Literário Piauiense (CLIP).







RENOVAÇÃO INTELECTUAL


Pafúncio d’Almaviva*




Pelas publicações que tenho lido ultimamente, consta-me que a Capital do Piauí vem sendo sacudida por uma plêiade de gente nova que deseja, numa prova inequívoca de auto-afirmação, transformar o panorama intelectual da “Cidade Verde”.
Entre essa gente estão Hardi Filho, J. Miguel de Matos, Francisco Miguel de Moura e outros nomes que no momento me fogem à memória.
Certamente esses moços não vêm sendo olhados com bons olhos pelos intelectuais da cúpula dominante. Isso, para mim, não é novidade. Pelo contrário: é coisa muito normal, normalíssima mesmo.
Entretanto, há um pormenor a salientar: ninguém ignora que o futuro pertence à mocidade; que os valores velhos cederão, mais cedo ou mais tarde, o seu lugar aos valores novos e assim por diante, numa sucessão infinita.
A prova disto aí está: livros às mancheias, publicados ou em elaboração, ou mesmo em planejamento. Só de Hardi Filho teremos “Quero”, “Gruta Iluminada” e “Poemas do Sono Ausente”, títulos ainda não definitivos, mas cujo material está quase totalmente pronto.
CHICO MIGUEL deu-nos recentemente “AREIAS”, voluminho que não faz feio aonde chegue. Não fosse a intercalação de algumas paródias e acrósticos (espécies de gosto já superado), teríamos uma obra quase perfeita. E assim por diante.
A meu ver, a essa moçada está faltando apenas o espírito de congregação, pois é sabido que todos vêm lutando isoladamente, na velha base do “cada um por si e Deus por todos.”
Quem tem ouvidos para ouvir, ouça: no dia em que os grupinhos de moços fundar um jornaleco, terão aí o início da luta. A mocidade que hoje teima por um cantinho ao sol está em fase de maturação, e entre ela há muitos valores e gente de muita fé e talento.
Isto, ao invés de ser um mal, será um bem, uma vez que irá despertar o espírito dormido do povo. E quem muito lucrará com essa surda batalha intelectual será o próprio Estado, que verá reflorescer a sua cultura cujo eco chegará aos mais distantes rincões do país. Assim, saberão outros povos que o Piauí acordou para a cultura. Dessa luta poderá sair (que ninguém duvide) a criação de novas Faculdades ou escolas superiores.

(Publicado no jornal “O Dia”, Teresina-PI, 13 de janeiro de 1967)


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*Pafúncio d’Almaviva é pseudônimo de Francisco Pacelli Vasconcelos, cearense, contista e crítico, residente em Parnaíba – PI.

































AREIAS




Fontes Ibiapina*




Tenho em mãos uma estréia. Entramos em contato com um neófito. Mas noviço que não traz em si um conteúdo monótono, insosso ou desenxabido, como sempre sói acontecer aos marinheiros de primeira viagem. Francisco Miguel de Moura (ou simplesmente Chico Miguel como o tratamos na intimidade), com AREIAS, vem de transpor o portão do Parnaso, de pé direito na frente.
AREIAS. Batismo aparentemente vago para o frontispício de um livro. Por isso mesmo sugestivo. Impressiona, sobretudo, pela simplicidade do termo, emprestando, numa comunicabilidade impressionante, muito de simpatia ao leitor bem avisado. Em todo o conteúdo da obra, encontra-se uma intimidade contagiante familiarizando e irmanando, na tela da padronagem do seu pano de fundo, – o poeta, o livro, a terra. É a lâmina de cristal da inteligência rara e lúcida de um moço refletindo a vida do homem deste chão de clima equatorial que às vezes nos martiriza com o seu chicote de fogo, mas também nos fornece calor, luz e energia para a luta na vida pela vida. Nasce da “areia branca” do Riachão que “bota banca no coração” do menino de Jenipapeiro de ontem que dormita em estado latente, embalando-se na rede da saudade, no peito do poeta de hoje, Jenipapeiro de ontem “entre dois chapadões”, “de alma mais pura do que a branca areia”, que hoje ostenta banca de cidade com outro nome.
E vem a adolescência. “Há romances no muro.” Há amores. O medo domina, como sempre domina mesmo o medo em todo adolescente quando ensaia os primeiros passos na iniciação dos mistérios para a perpetuação da espécie.
Passa o adolescente. Passa o jovem sensato, caminhando para o amadurecimento. Passam amores. Idílios. Passam cânticos. Até que a realidade da vida, em suas facetas concretas, assoma numa curva da estrada da veracidade da vida. Vem o homem que sofre. O único animal do mundo que ri e chora. O animal que nasce sem pão, sem amparo, sem destino:

“Pelos caminhos, sem nada,
se nada,
se anda,
se voa,
pelos caminhos se vive,
se morre e se tem esperança.”

É no poema “Caminhos” onde Chico Miguel afina a lira do seu estro no diapasão da filantropia:

“Por eles vamos à guerra,
por eles voltam medalhas,
por eles cartas não vêm,
mas enganos, desenganos...”

É o drama da seca. A tragédia da fome. A epopéia do retirante. O poema “Caminhos” é o pico culminante de AREIAS, onde o poeta, como um Ícaro, desprende as asas de sua imaginação dando azo ao seu sentimento humanitário. Sentimento humano também autenticado, além de, em diversas passagens outras, nesta chave de ouro de um dos seus sonetos:

“Com sete pães deu mesa à multidão
o bom Jesus. Bendito o cristianismo
que multiplica para a divisão.”

Mas estamos falando de um poeta. De um poeta postulante, é verdade. Mas postulante com caracteres de titular, capaz de sentar-se a um fauteuil de cenáculo e reger, com sua batuta de veterano na arte do verso, uma orquestra de musas. Estamos falando de um poeta, e nada temos de estro nas veias. Seria como um simples garimpeiro de nossos sertões bravios, lá nos confins de Minas ou Goiás, dando votos e discutindo acerca duma oficina de lapidação da Holanda. Mas é que sentimos, como outros leitores hão de sentir, que o vate de AREIAS, num vocabulário singelo e despretensioso, sem palavras rebuscadas ou quaisquer outros pernosticismo de intelectualidade doentia, firma-se como uma personalidade entre os nossos homens de letras. Se escreve poesias rimadas e metrificadas, com traços de belle époque, pisa firme, não resta dúvida. Mas quando escreve versos de pé quebrado, versos brancos, soltos, segundo a poesia moderna, é maior. Vamos abusar do pleonasmo, admitindo o qualificativo grande na primeira escola, é mais grande na segunda. É o caso dos poemas “Dedicatória”, “Areia”, “Caminhos”, “Contrastes”, “O Copo”, “Operário” e outros.

Teresina, 18 de dezembro de 1965.
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*Fontes Ibiapina é contista premiado várias vezes na imprensa do Sul, romancista, teatrólogo e folclorista, com vários livros publicados e elogiados. Pertence à Academia Piauiense de Letras.
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(Este é o prefácio de “AREIAS” e foi reproduzido no jornal “Beira Baixa” – Portugal, dirigido por J. Santos Stockler, edição de 3-7-71).


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