A POETISA E ESCRITORA SUSAN MUSGRAVE
L. C. Vinholes
Graças aos conhecimentos de Janet McGregor, bibliotecária que conheci durante os anos que vivi em Ottawa e que foi uma valiosa colaboradora para que, em curto tempo, me fosse possível ter uma visão geral do mundo literário canadense, consegui um exemplar do livro Gullband_edn1" name="_ednref1" title="">[i]que me fascinou da primeira a última página.
Com quarenta e três poemas de Susan Musgrave e trinta e nove atrativas ilustrações de Rikki, uma artista estadunidense com atividades no Canadá e França, Gullband, destinado ao público infantil, trás as aventuras de um gato e seus parceiros: Grim, um sapo de boca grande - e qual não a tem -, e Thrum, estranho no seu aspecto, resultado do “cruzamento de um lagarto com um bicho qualquer”. Os poemas de Musgrave são simples e ingênuos, extremamente atrativos, provocam a imaginação do leitor, criam ambiente especial e um mundo de fantasia, capaz de cativar não só aqueles a quem se destinam mas também aos que poderiam pensar não serem surpreendentemente atraídos. Para os brasileiros o poema da página 29 que trata de uma visita de Gullband ao Brasil_edn2" name="_ednref2" title="">[ii], como os demais, chama a atenção pela excentricidade da sua história.
No epílogo dos quarenta e três poemas lê-se, entre parêntesis, a receita que a autora dá para uma nova experiência: “Se você deseja que Gullband retorne, você deve sempre se lembrar de fechar seus olhos antes de dormir”.
Mas na pretensão de apresentar ao leitor um pouco da história e da obra de Musgrave, não posso ficar restrito à citação do gato Gullband. A obra de Musgrave é ampla e o que sei a seu respeito é o que aprendi até 1989 quando retornei ao Brasil depois de 12 anos no Canadá. De lá para cá abriu-se um vácuo com respeito às fontes de informações sobre a produção literária e poética dos autores canadenses; até então eram, dentre outras, a revista periódica The Candian Forum e os jornais Toronto Globe and Mail, Ottawa Journal, The Citizen e The Gazette. Se a poetisa tivesse respondido a carta de 3 de maio de 1978 manifestando interesse em conhecer suas obras, informando que trabalhava na traduções de seus poemas publicados pela revista The Canadian Forum, e alimentava a troca de informações sobre a vanguarda literária do Brasil e do Canadá, certamente hoje eu estaria mais bem atualizado sobre sua produção nas últimas décadas. Isto é o que acontece com relação ao poeta bill bisset_edn3" name="_ednref3" title="">[iii]com o qual, desde a mesma ocasião, o contato nunca foi extinto e de quem, de vez em quando, recebo as últimas publicações. Ultimamente fui informado que a poetisa faz parte do corpo docente da Universidade de Colômbia Britânica.
No início das minhas leituras sobre esta autora cheguei a pensar que, na realidade, eram duas homônimas que, coincidentemente, teriam nascido em 1951, uma vez que as fontes consultadas ora davam ter sido em Gort, Galway, na Irlanda_edn4" name="_ednref4" title="">[iv], ora em Santa Cruz, Califórnia, Estados Unidos da América do Norte. Seguro é que cresceu em Sidney, viveu a maior parte do tempo em Vitória e nas Ilhas Rainha Carlota, todas na Província de Colômbia Britânica, no extremo oeste do Canadá, tendo morado na Irlanda e na Inglaterra (1969-1972). Pertence às novas gerações do século XX e é autora de poesia e novelas publicadas desde 1970, quando não tinha completado 18 anos de idade. Suas obras são: Songs of the Sea-Witch (1970), Entrance of the Celebrant (1972), Grave-Dirt e Selected Strawberries (1973), Gullband (1974), The Impstone (1976), Kiskatinaw Songs, Selected Strawberries: and Other Poems_edn5" name="_ednref5" title="">[v]1969-1973 (1977), Becky Swan´s Book, A Man to Marry, a Man to Bury (1979), sua primeira novella The Charcol Burners´Camp (1980) e o livro para crianças sobre o dia das bruchas Hag´s Head (1980). Musgrave tem suas obras publicadas pelas editoras McClelland and Stewart, Sono Nis Press, J. J. Douglas Ltda. e Clarke Irwin. Tive oportunidade de manter-me atualizado com relação à crítica e à produção poética de Musgrave lendo artigos assinados por John Robert Colombo_edn6" name="_ednref6" title="">[vi], Alan Twigg_edn7" name="_ednref7" title="">[vii], Ken Adachi, Rosemary Sullivan, Vicky Sanderson, Katherine Gilday, Louis Dudek, Burt Heward, Aileen Collins, Jacquie Hunt, Marcus Van Steen, entre outros.
Alguns elementos básicos são lembrados na obra de Musgrave, nela estão presentes referências constantes à terra, ao fogo, à água, ao espírito do mal, à morte; e o aproveitamento das lendas e fábulas do oeste canadense servem de matéria prima; mas também não faltam “imagens ameaçadoras de sangue, ossos, ataúde, mutilação, enforcamento, traição, loucura”_edn8" name="_ednref8" title="">[viii].
Para conhecer Susan Musgrave, pelo menos até os seus 18 anos, nunca encontrei nada melhor do que um longo texto por ela mesma, publicado no periódico Today, no qual afirma ter nascido na Califórnia e revela momentos pungentes e aspectos marcantes de sua vida. Musgrave corajosamente abriu seu coração, no tanto que qualquer ser humano consegue ser, foi sincera e precisa a seu respeito e deixou um legado importante que permite ter uma visão menos preconceituosa a respeito dos fatos. Considerava seus genitores “excêntricos” e seu pai “extremamente aristocrático”; as coisas dos outros melhores do que as de sua família; os “amigos iam para escolas particulares”, ela para “escola pública”; eles viviam em “casas de reboco” mas a dela era “uma cabana de madeira” com “assoalho inclinado”; ela tinha que “passar por uma janela para chegar ao seu quarto”; se “sentia confusa” e de “alguma forma inferior”, mas reagia afirmando que embora não contasse com recursos “éramos alguém”; apesar de tudo, como premonição com relação à sua futura profissão, conclui positivamente dizendo: “aceitei isto tornando-me poeta”. Certa ocasião teria confidenciado: “Escrever poesia para mim é a maneira de lidar com o que me incomoda”. Referindo-se ao período escolar revela sua inclinação às letras quando confidencia que “escrevi muitas redações e pequenas histórias. Meu professor, do 5º ano, Peter Seale, perguntou ‘é seu esse trabalho? Se é, merece 10’. Ele deixava eu escrever todo o dia e disse-me que eu seria uma escritora”. Musgrave lembra que “ganhou boas notas na escola” e “medalhas no 4º e 5º graus”, competia com colegas a ponto de preocupar seus mestres pela sua saúde, fala sobre seus namoros e ter experimentado LSD, sua companhia com amigo traficante, seus envolvimentos com professores, suas fugas de casa e suas passagens pelas clínicas psiquiátricas. Finalmente, detalha o encontro com o poeta inglês Robin Skelton, que há vinte anos vivia no Canadá, lecionando na Universidade de Vitória e editando a revista Malahot Review. Skelton foi quem aconselhou a Musgrave distribuir seus poemas às revistas interessadas em poesia, estratégia que se mostrou exitosa no momento em que, com a editora Sono Nis Press, se concretizou a publicação de sua primeira obra poética acima mencionada: Songs of the Sea Witch - Canto da Alga Marinha.
Em entrevistas concedidas, Musgrave revela sua maneira de encarar a vida, de escolher os valores que dão respaldo ao seu trabalho e de registrar o mundo ao seu redor. Certa vez declarou que “Escrevendo poesia é uma maneira de lidar com o que me terroriza. Não escrevo sobre coisas que posso controlar. Sobre morte é o que penso o tempo todo. Morte me terroriza. Amor também me terroriza”_edn9" name="_ednref9" title="">[ix]. Em outro momento, Musgrave esclarece que para ela “Existem algumas coisas que alimentam a poesia e outras que alimentam a prosa. Acho que existem mais coisas no mundo que posso usar para prosa do que para poesia. Gosto de prosa porque nela há uma continuidade. Tem mais contato com a ‘realidade’. Poesia é um processo mais místico”_edn10" name="_ednref10" title="">[x].
Voltando ao gato Gullband, minha porta de entrada para conhecer um pouco da obra e da personalidade de Susan Musgrave, concluo com o texto do poema que registra sua visita ao Brasil:
Gullband has been to Gullband esteve no
Brazil Brasil,
He has had many adventures viveu muitas aventuras
And he is e está feliz
Glad to be home por ter voltado.
The children in Brazil As crianças no Brasil
Had never known a Cat nunca tinham visto um gato,
They put him in a cage elas colocaram-no numa gaiola
And fed him e deram-lhe de comer
Bananas bananas.
Afterwards he had a Em seguida ele tomou
Bath in an banho num
Alligator shoe sapato de couro de jacaré.
After that they Depois disto
Wanted to play Chess queriam jogar xadres
But he had forgotten mas ele tinha esquecido
The rules as regras.
Then they gave him some Então deram-lhe um pouco de
Wine and so vinho e daí,
Lightheartedly de coração radiante,
He set out for home voltou para casa.
Grim thinks he should Grim acha que ele deveria
Write about his escrever sobre suas
Adventures aventuras,
Gullband would rather Gullband prefere
Forgot about them esquecê-las.
_ednref2" name="_edn2" title="">[ii]A ilustração da página mostra o gato com cabeça e meio corpo enfiados em um calçado masculino feito de couro de jacaré. _ednref9" name="_edn9" title="">[ix]Entrevista concedida a Katherine Dilday, do jornal The Globe and Mail, de 23.01.1979: “Writing poetry is a way of handling what disturbs me. I don´t write about the things I can control. Death is what I think about all the time. I´m terrified of death. I´m terrified of love, too”. _ednref10" name="_edn10" title="">[x]Entrevista concedida a Victor Sanderson, do jornal The Globe and Mail, de 26.09.1980: “There are certain things that feed poetry and certain things that feed prose. I find there´s more in the world that I can use for prose than for poetry. I like prose because there´s continuity to it. It has more contact with ‘reality’. Poetry is a more mystical process”. |