Dando continuidade ao capitulo 1 , deste trabalho Emparedado versus
Racismo. Quanto ao imaginário da danação, assume conotações
trágicas ao projetar o destino do negro, primeiro na África, depois
no Brasil , onde o cativeiro extinto deu lugar à marginalidade e ao
preconceito. Sobre ele recaem não só as vexações sofridas por
todos, como as que vêm da ditadora ciência de hipoteses. Cruz e Sousa,
em um dos trechos mais supreendentes do Emparedado, contextualiza
a posição do artista negro no Brasil e nos paises vizinhos, expressão
com que recobre os povos egressos de séculos de colonização e
cativeiro. São nações que sofrem uma dupla determinação negativa.
O Emparedado constrói em suas páginas finais duas figuras próprias
da condição negra, que a distinguem do poeta maldito de filiação
européia. A primeira fala do lugar da maldição, a África. A segunda
fala do sujeito da maldição, o negro. A imagem derradeira desta
poesia que fecha o livro das Evocações é a que lhe deu o título. O
negro, enquanto sujeito, é o emparedado. As expressões reiteradas
obsessivamente, o não e a pedra, significam o cerceamento, a
impossibilidade mesma da libertação: " Não ! Não ! Não ! Não
transporás os pórticos da vasta edificação do mundo, porque atrás
de ti não sei quantas gerações foram acumulados pedra sobre pedra,
que aí estás agora o verdadeiro emparedado de uma raça ". Ainda
hoje vale a pena ler Os africanos no Brasil, que o médico e antropólogo
Nina Rofrigues escreveu entre 1890 e 1905. " O negro não é uma
máquina econõmica: ele é , antes de tudo, e malgrado sua ignorãncia,
um objeto de ciência ". A frase foi extraída do Ensaio sobre a poesia
popular do Brasil, que Silvio Romero publicara em 1888. Mas Nina
Rodrigues, o pioneirismo na pesquisa da antropologia aplicada e
"a firmeza severa com que fulminou o simplismo da policia" que, como
se sabe, procurava erradicar à força as manifestações rituais afro-baianas,
perseguindo e vexando os fiéis dos candomblés de Salvador. Na
introdução à obra Nina Rodrigues tinha declarado enfaticamente que
a atitude do estudioso, imparcial e desapaixonada, não deveria se
confundir nem com juízos de valor sentimentais, nem com eventuais
opções políticas do cientista enquanto cidadão. Distinguia claramente
a simpatia pelo escravo, ou o ardor abolicionista, da constatação
necessariamente fria da verdade cientifica. E qual seria essa verdade
objetiva e universal não afetada por sentimentos de solidariedade e,
menos ainda, por " um sentimentalismo doentio e imprevidente"?
Simplesmente esta:: " Que até hoje não se puderam os negros constituir
em povos civilizados". Estamos no inicio do século XXI . E o racismo
e preconceitos continua presente entre a sociedade, para os que
mal informados, sobre as investidas colonizadoras européias, julgam
que só o Brasil então misturou disparatadamente idéias liberais
e escravidão, é oportuno lembrar que ainda em 1885 foi necessária
a convocação de uma Conferência Internacional em Berlim sobre
o tráfico negreiro para condená-lo solenemente uma vez mais. Só
para lembrar o Brasil foi o ultimo país a abolir a escravatura de negros,
foio maior importado de escravo das Américas, ganhando até dos
Estados Unidos. Este crime contra a humanidade, teve apoio total
de todos os segmentos da sociedade Brasileira da época, dos
impérios, dos governos, da igreja católica, do Senado, deputados,
em fim de toda a elite branca deste país. Portanto tem uma grande
divida social com a raça negra e seus descendentes. Temos que
reparar os sofrimentos, as torturas, o flagelos, a dor, lágrimas e mortes
dos negros, que com seu sangue, ajudaram a desenvolver este
Brasil. Na guerra do Paraguai, milhares e milhares de negros, foram
mortos em combate, antes dos soldados brancos. É notório e
explicito o racismo e preconceitos no Brasil, um grave problema
social que os governos tentam acabar. Em 1888, o Brasil tinha
aproximadamente 12 milhoes de escravos e, cada familia de classe
média tinha de 3 a 5 escravos. Acho que o número de cotas nas
Universidades para negros e descendentes, já é um comeco de
um programa de reparar as injustiças feita até agora, eu particurlamente
sou a favor do Estatuto do negro. No qual representa 45% da população
do povo brasileiro. Nina Rodrigues tomava como doutrina assente
a vigência de etapas na evolução intelectual da espécie, estimando
como padrão de excelência o desempenho da chamada raça
ariana. Os africanos estariam situados em um degrau mais baixo.
Segundo ele a inferioridade, considerada como filogenética, explicaria
certas caracteristicas patológicas das populações afro-brasileiras,
objeto de escrupolosa descrição do antropólogo. O livro cresce em
ambas as direções : de um lado, junta alto número de informações
etnográficas, linguísticas e históricas, compondo um painel amplo
da presença do negro na vida brasileira; de outro, situa os seus
comportamentos na etapa primitiva do fetichismo ou ativismo regressivo,
o que explicaria, por exemplo, o hábito de furtar e outros traços já
"superados" pelos brancos na marcha para a conquista da civilização.
Ao leitor sem preconceitos não deixa de causar estranheza a ausência
absoluta, no livro de Nina Rodrigues, de qualquer menção às forças
de extermínio que o homem branco desencadeou ao longo da história.
Povos germânicos, sempre classificados como arianos, foram
responsáveis pela devastação de centenas de cidades do império
romano entre os séculos V e VI da era cristã. Povos brancos,
supostamente arianos,assolaram a Europa e o Oriente, as aventura
das cruzadas e em sucessivas guerras de religião. Povos brancos,
supostamente arianos, sustentaram por cinco séculos a Inquisição
com todo o seu cortejo de torturas e autos de fé. Povos brancos
supostamente arianos , vitimaram populações inteiras no México
e no Peru, entre os séculos XVI e XIX ,os que arrastaram à civilização
12 milhões de negros, arrancados da África e, submetidos ao
projeto econômico dos colonizadores nas Américas. Mas é preciso
perguntar. a relativização da própria ideologia seria compativel
com a etnologia do tempo, que vivia o auge da expansão colonial
inglesa, francesa, alemã, holandesa, belga, italiana? Nina Rodrigues
só faz repetir os mestres da ciência, que mediam crânios e pesavam
cérebros para neles encontrar as provas de uma delinquência orgânica
ou atávica. Compondo a prosa poética do Emparedado, que fecha
o livro das Evocações, foi possivel a Cruz e Sousa lançar o seu
protesto contra os argumentos da ideologia dominante no discurso
antropológico. O que Cruz e Sousa repudia na ciência oficial é o seu
duplo caráter de precariedade e despotismo. Em primeiro lugar
é um saber de hipoteses, incapaz de pensar o teor relativo e
falivel das suas proposições. Com uma escala de valores forjando
uma lei evolutiva que hierarquiza raças, povos e grupos. Além do
que , é uma ciência despótica, pois submete a si opinião dos bem
pensantes tornando impotente a voz singular do rebelde. Teriamos,
no limite, um conflito entre o que Georg Simmel chamou ousadamente
de "cultura subjetiva" e a ciência institucional que se supõe dotada
de validade universal. Aquele negro ou homem afro-braslleiro que,
paraSilvio Romero, tinha finalmente recebido consistência e estatuto
de objeto, não correspondia absolutamente à realidade individual
vivida por um poeta negro que se sabia capaz-como qualquer
intelectual branco de valor. Retomo as considerações, Nina Rodrigues
estudou os africanos no Brasil transformando-os em objeto de ciência,
lamentavel. A elaboração individual desse imaginário avesso aos
preconceitos de cor e de classe terá sido uma expressão possivel
daquela cultura subjetiva, este, o limite da política racial preconizada
por Nina Rodrigues. Seria possivel, nesta altura, reconhecer uma
cultura objetiva da subjetividade. Cruz eSousa, enquanto descendente
de escravos africanos, reagiu dramaticamente à opressão dos
prejuízos pseudocientificos. O simbolismo e os acendentes
romãnticos favoreceram o surto de rasgos estilísticos de exaltação
e sublimação das paixões, poucos concorreram para veicular as
legítimas aspirações de grandeza moral e intelectual do poeta
humilhado pelas sentenças racistas. o da sua libertação pessoal
enquanto negro injustiçado que protesta contra ciência de hipóteses.
-JOSE ANGELO CARDOSO.-Poeta, contista, artista plastico.
Presidente-fundador da Academia Guairense de Letras.
email-joseangelo@com4. com.br.
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